A SEGURANÇA PÚBLICA NA ERA DIGITAL: COMO ENFRENTAR A SOFISTICAÇÃO E O AVANÇO DA CRIMINALIDADE?

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202504221324


Antônio Hortêncio Rocha Neto1


RESUMO:

O artigo faz uma pequena evolução histórica da tecnologia e de suas repercussões na seara criminal. Demonstra como os avanços tecnológicos trazem reflexos na necessidade de proteger, além de valores jurídicos individuais, os bens metaindividuais, cujo resguardo interessa a toda coletividade. Na sequência, aborda as possíveis causas da criminalidade, ao citar desde a noção do criminoso nato, de Cesare Lombroso, até a Teoria Ecológica, com berço na Escola de Chicago. Analisa os meios de combate à criminalidade, com enfoque nos sistemas de prevenção primário, secundário e terciário. Para tanto, o percurso metodológico adotado para solucionar a questão central deste trabalho foi materializado através da pesquisa bibliográfica, com abordagem qualitativa e caráter exploratório, e da utilização do método hipotético-dedutivo. Ao final, concluímos que, para se prevenir, de forma ideal, a criminalidade, deve haver um sistema de prevenção capaz de conjugar os melhores aspectos dos modelos já citados, quais sejam: primário, secundário e terciário.

PALAVRAS-CHAVE: Avanços Tecnológicos; Evolução Criminológica; Causa da Elevada Criminalidade; Noção do Criminoso Nato; Escola de Chicago; Teoria Ecológica; Sistemas de Prevenção Primário, Secundário e Terciário.

1 INTRODUÇÃO

Grande é evolução pela qual vem passando a humanidade ao longo do século passado e do atual, com profunda repercussão nas relações entre as diversas sociedades e dentro de cada uma delas. Sobre tal contexto, Romero (2004), explica:

Nesta perspectiva, vivemos, então, num tempo de transição entre uma sociedade industrial e uma sociedade digital, entre uma sociedade nacional e uma sociedade global, entre a lógica-formal cartesiana e a cultura dos espaços virtuais, plurais e fragmentados. Estamos envoltos em uma sociedade de risco, na qual o homem e o planeta vivem cercados de perigo, decorrentes do exacerbado avanço tecnológico desprovido da consciência da finitude dos recursos naturais.

Essa evolução fez surgir novos conhecimentos e tecnologias em diversos segmentos da sociedade, circunstância facilitadora da vida de todos os indivíduos com acesso a esses avanços.

Na genética, o exame de DNA permitiu a identificação da autoria de inúmeros delitos, através da análise de vestígios encontrados na cena do crime, tais como cabelo, sangue e pele, e de sua comparação com os mesmos elementos retirados de possíveis suspeitos, armazenados em bancos de perfis genéticos para fins criminais.

Ainda na seara criminal, o reconhecimento facial através de videomonitoramento tem sido bem-sucedido em prevenir crimes, encontrar pessoas desaparecidas e reconhecer indivíduos procurados pela Justiça.

Os avanços nesse campo também tornaram dispensável a nem sempre confiável prova testemunhal, colhida nas ações de investigação de paternidade, ante a precisão do seu resultado.

O computador, inicialmente restrito às grandes corporações ou a pessoas com alto poder aquisitivo, evoluiu para equipamentos com excepcional poder de processamento que cabem, literalmente, na palma da mão, conectados, all time, à rede mundial de computadores, tornando viável a comunicação, pela internet, em qualquer parte do globo.

Robôs, comandados à distância, já são uma realidade e estão aptos à execução de inúmeros afazeres: desde simples tarefas domésticas a auxiliarem em complexas cirurgias cardíacas, por exemplo.

A informação, antes encerrada quase que exclusivamente em livros e periódicos impressos, hoje está disponível, de forma instantânea, nas mais diversas modalidades online: livros digitais, vídeos, áudios etc.

Na questão bélica, poucos não foram os verdadeiros avanços alcançados. Além da bomba atômica, foram implementados os mísseis teleguiados e armas cada vez mais potentes e precisas, capazes de atingir o alvo inimigo a grandes distâncias e com precisão de centímetros.

Entretanto, todo esse implemento, apesar de suas incontáveis vantagens, traz também riscos à sociedade, que se concretizam, muitas vezes, em verdadeiras violações de bens jurídicos essenciais ao convívio social. Isso porque essas vantagens, em razão da natureza criminosa do homem, também servem para aperfeiçoar, incrementar e aumentar a prática delitiva, em todos os seus graus.

É exatamente nesse momento que surge um dos mais sérios problemas do mundo atual: a questão da segurança pública, encarada em um sentido bem mais amplo, de forma a envolver, em seu contexto, toda e qualquer afronta à comunidade em geral, bem como as medidas de prevenção e repressão dessa agressão.

Eis aí a questão central do nosso trabalho: quais são as medidas mais eficazes de combate à criminalidade, de forma a proporcionar uma melhora sensível na segurança pública para todas as camadas da população?

Para obtermos soluções satisfatórias ao nosso questionamento, empregamos, neste estudo, uma pesquisa bibliográfica, com abordagem qualitativa e caráter exploratório. Através do método hipotético-dedutivo, pretende-se confirmar a necessidade de aplicação conjugada de três sistemas, para a produção de melhores resultados, com repercussões mais benéficas na área da segurança pública.

Diante de tal panorama, faz-se necessária uma intervenção mais enérgica do Estado, através de medidas várias, que vão desde a utilização do Direito Penal, com previsão cada vez maior de tipos penais, principalmente os de perigo abstrato, até a implementação de programas sociais de erradicação da fome, da miséria, do analfabetismo e das desigualdades econômicas. Além disso, é importante também a atuação da família, da escola, de organizações não governamentais e demais entes sociais, para que todos, juntamente com o Estado, busquem uma efetiva melhoria na segurança pública.

2 EVOLUÇÃO CRIMINOLÓGICA

Como visto acima, a evolução tecnológico-científica trouxe consigo o incremento da atividade criminosa, eis que possibilitou aos malfeitores a ampliação dos seus conhecimentos e a utilização de armamentos cada vez mais sofisticados, além de ter fornecido novos meios para a prática delituosa, fazendo surgir novas formas de agir, em ambientes até então desconhecidos.

Adveio, com isso, a ocorrência de crimes metaindividuais, transcendendo valores individualmente caracterizados, para atingir bens pertencentes a toda coletividade.

Surge, a partir daí, a seguinte indagação: quais são esses bens? Luís Paulo Sirvinskas (2010, p. 48), conceitua bem jurídico como “a realização de um valor acerca de determinado objeto ou situação social e de sua relevância para o desenvolvimento do ser humano”.

Nesse aspecto, vemos que existem alguns bens jurídicos que são essenciais ao convívio social e que ultrapassam a simples individualidade da pessoa humana. Na realidade, são bens que dizem respeito a toda a coletividade e que, caso venham a ser violados, trarão repercussão indistintamente em todos os integrantes da sociedade. São os chamados bens jurídicos metaindividuais, ou seja, os que transcendem o individual. São exemplos dessa espécie de bem jurídico a saúde pública, o meio ambiente, a incolumidade pública, a paz pública, a organização política etc.

Dessa forma, percebemos a necessidade de tratar os crimes metaindividuais, pela sua repercussão coletiva ou difusa, com a devida atenção, eis que instabilizam a sociedade, deixando-a cada vez mais insegura.

Ademais, com a evolução da tecnologia, além do ecossistema ambiental físico, passou a existir um “mundo virtual”, outro “lugar” a ser alvo de condutas delitivas, flexibilizando, inclusive, barreiras territoriais. Sobre o assunto, Barroso (2023, p. 37) diz:

A Internet, com o surgimento de sites, blogs pessoais e, sobretudo, das mídias sociais, possibilitou a ampla divulgação e a circulação de ideias, de opiniões e de informações sem qualquer filtro. A consequência negativa, porém, foi que também permitiu a difusão da ignorância, da mentira e a prática de crimes de natureza diversa.

No Brasil, a Lei do Marco Civil da Internet, Lei n. 12.965/2014, buscou estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da rede mundial e computadores.

Outra regulamentação digna de nota foi a Emenda Constitucional n. 115/2022, que acrescentou o inciso LXXIX ao rol do artigo 5º da Constituição Federal, cuja redação assegura “nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais” (BRASIL, 1988).

Assim, o âmbito de atuação da criminalidade hodierna é muito mais amplo e, por vezes, imaterial, situação que dificulta a identificação precisa dos autores e a sua responsabilização.

3 POSSÍVEIS CAUSAS DA ELEVADA CRIMINALIDADE

Para alcançarmos uma resposta satisfatória à questão central da nossa pesquisa, é necessário investigar as eventuais causas capazes de levar o homem ao cometimento de crimes.

Isso posto, verificamos a existência de alguns fatores que desencadeiam uma maior prática delitiva, fazendo com que tenhamos um elevado índice de infrações dessa natureza. Quais serão, então, essas possíveis causas? É exatamente nesse âmbito que entra a Criminologia, buscando estudar e descobrir as razões que levam, dentro do meio social, o ser humano a delinquir.

Várias são as Escolas e Teorias que tentam explicar o fenômeno chamado crime, mas nenhuma delas atinge esse intento de forma geral. Na verdade, cada uma delas consegue justificar determinada espécie de delito praticado em certa época ou em certo local, mas, repita-se, nenhuma serve de explicação para todas as práticas criminosas.

A Sociologia Criminal é, com certeza, um dos melhores modelos teóricos de explicação da delinquência, principalmente nas grandes cidades. Todavia, não consegue justificar todos os delitos nela praticados, como os chamados assassinatos em série, levados a efeito pelos conhecidos “serial killers”. Também não justificam os crimes praticados dentro da classe mais favorecida, quando filhos matam pais ou outras situações dessa natureza.

Aqui, certamente, aplicam-se melhor as noções de criminoso nato, desenvolvidas desde Lombroso, quando afirmou que uma pessoa já nascia com propensão à prática de delitos e que, mais cedo ou mais tarde, irá delinquir. Nas palavras de GONZAGA (2025, p. 45):

Pelo que se constata, o positivismo lombrosiano é marcadamente de um determinismo biológico, em que a liberdade humana (livre-arbítrio) é uma mera ficção. O homem não é livre de sua carga genética e não consegue evitar e lutar contra a sua natureza criminógena e predisposta para o crime.

Já em outras espécies criminosas, os modelos sociológicos se aplicam de maneira satisfatória. São delitos praticados em decorrência da má distribuição de renda, da falta de instrução e de saúde, da ausência de oportunidades para todos e demais problemas sociais.

Tudo isso leva, realmente, a uma elevada criminalidade, sendo que esta, por sua vez, ante ao grande desenvolvimento tecnológico e científico já mencionado neste trabalho, também se efetiva por meio de novas formas de agir, com ações mais organizadas, incrementadas e poderosas, que dificultam, cada vez mais, a atuação do Estado na prestação da segurança pública.

De qualquer forma, como já referido acima, para explicar a criminalidade como um todo, buscando as suas causas, é preciso se socorrer de todos os modelos criminológicos, eis que o crime, como se sabe, é uma conduta humana sempre em evolução e que se motiva nas mais variadas razões.

Destarte, pela sua grande contribuição em termos de pesquisa criminológica, justificando boa parte dos delitos ocorridos nas grandes cidades, é necessário um estudo mais aprofundado da Escola de Chicago, principalmente no que se refere à Teoria Ecológica, o que se fará no subitem a seguir.

3.1 Escola de Chicago

Como bem anotado por Molina e Gomes (2002, p. 341), a Escola de Chicago é o berço da moderna Sociologia americana, caracterizando-se por seu empirismo e por sua finalidade pragmática. Teve como grande finalidade o estudo da criminalidade nas grandes cidades e, em razão disso, fez surgir a chamada sociologia da grande cidade.

A que merece destaque dentro dessa Escola é a Teoria Ecológica. Para esta teoria, a criminalidade nas grandes cidades se deve à desorganização nela imperante, ao contágio inerente aos modernos núcleos urbanos e ao debilitamento do controle social nesses núcleos2.

Tudo isso provoca, no seio social, a deterioração de grupos primários, como a família e a escola, a modificação qualitativa das relações entre as pessoas, que passam a se tornar superficiais, a alta mobilidade, com consequente perda de raízes no local onde se reside, a crise de valores tradicionais, a superpopulação, a tentadora proximidade às áreas comerciais e industriais, nas quais se acumulam a riqueza, e o enfraquecimento do controle social, criando, com isso, um meio desorganizado e criminógeno (MOLINA e GOMES, 2002, p. 343-344).

Essa análise aplica-se, perfeitamente, às nossas grandes cidades, isso porque, no mais das vezes, nestes centros urbanos, impera a desigual distribuição de renda e a ausência de oportunidades, que oprimem a população de baixa renda e servem de incentivo à prática delitiva, principalmente a de natureza patrimonial, levada a efeito contra os mais abastados.

Nesses centros, os grupos primários estão cada vez mais deteriorados, tendo a família perdido o seu papel de controle entre os seus integrantes, que mais e mais se desrespeitam. A falta de condições financeiras induz a uma mudança constante de residência, com consequente perda das raízes. Com isso, ninguém mais se conhece, nem mesmo os vizinhos, tornando as relações sociais cada vez mais impessoais.

Esses são apenas alguns fatores sociológicos ocasionados nas grandes cidades e que levam, inevitavelmente, a uma desenfreada criminalidade, afora inúmeros outros que poderiam também ser citados. O certo é que, quanto maior for a desigualdade social existente em uma cidade, maior será a prática delitiva dentro dela, concluindo-se, com isso, “que a criminalidade surge nos confins da civilização e em zonas que mostram insuficiências nas condições elementares de vida” (MOLINA e GOMES, 2002, p. 344).

O grande mérito das Teorias Ecológicas, desenvolvidas na Escola de Chicago, foi, portanto, chamar a atenção para o impacto criminógeno causado pelo desenvolvimento urbano, ante a perda daqueles requisitos básicos de convivência social.

A sua aplicabilidade também é razoável na explicação da criminalidade cibernética. Em 2024, uma pesquisa do Instituto DataSenado, na qual se concluiu que as vítimas de golpes de crimes digitais, nos últimos 12 meses, “estão distribuídas em proporção semelhante às características socioeconômicas da população brasileira” (BRASIL, 2024).

Segundo Costa (2024), em artigo publicado no Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o perfil das vítimas é o seguinte:

Fundamentalmente, as pessoas pobres e negras são as maiores vítimas desses crimes. Dentre as pessoas que tiveram o celular furtado ou roubado, 49% tinham renda familiar até dois salários-mínimos. Do total de pessoas que foram vítimas de golpes envolvendo PIX ou boleto bancário, 42% possuíam renda de até dois salários-mínimos. Nos casos de fraudes contra o cartão de crédito, 45% das vítimas tinham renda familiar entre dois e cinco salários-mínimos.

Desta forma, é razoável inferir que, se há reprodução dos aspectos socioeconômicos de uma determinada população, ao analisarmos a criminalidade digital da sociedade brasileira, por exemplo, a Teoria Ecológica também explica boa parte dos delitos cometidos na internet.

4. COMBATE À CRIMINALIDADE

Diante de tudo que já se analisou, envolvendo as causas da criminalidade e o incremento desta com a evolução tecnológica e científica, é necessário agora estudar os meios pelos quais o Estado deve combatê-la, para a defesa da segurança pública.

Como se sabe, a melhor forma de combate ao crime é a sua prevenção, impedindo, assim, o seu surgimento. E é exatamente nos meios de prevenção que este estudo se deterá nos próximos subitens.

4.1 Sistemas de Prevenção

Vários são os sistemas de prevenção à criminalidade à disposição do Estado, cabendo a este, dentro de cada caso em específico, adotar o que melhor se adéqua aquele local e aquele momento.

Dentre eles, os que merecem uma maior atenção são os sistemas de prevenção primária, secundária e terciária. A distinção entre os referidos sistemas de prevenção “baseia-se em diversos critérios: na maior ou menor relevância etiológica dos respectivos programas, nos destinatários aos quais se dirigem, nos instrumentos e mecanismos que utilizam, nos seus âmbitos e fins perseguidos” (MOLINA; GOMES, 2002, p. 399).

Para uma melhor compreensão desses sistemas, serão eles a seguir analisados, bem como será abordado um possível sistema ideal de combate-prevenção à criminalidade.

4.1.1 Prevenção Primária

A prevenção primária é aquela que se dirige à causa comum de todo o conflito criminal, de forma a neutralizá-lo antes mesmo do seu surgimento. Tem como fim, portanto, atacar o problema na sua raiz, ou seja, visa à neutralização das causas sociais criminógenas, através da implementação de programas sociais de erradicação das desigualdades sociais de uma forma geral.

Esse sistema é o mais eficaz, tido por muitos como a genuína prevenção. Isso porque, em se atacando o fator que dá origem ao crime, modificando o panorama anteriormente existente, haverá também mudança na mentalidade e no comportamento da população como um todo, sendo, com isso, eliminada ou, no mínimo, reduzida ao extremo a delinquência.

Como visto, quando da análise da Escola de Chicago, as desigualdades sociais formadas nas grandes cidades geram a perda de requisitos mínimos de convivência social, tais como a deterioração de grupos primários, a modificação qualitativa das relações entre as pessoas, a alta mobilidade, a crise de valores tradicionais, a superpopulação e o enfraquecimento do controle social, acarretando, com isso, um alto crescimento da criminalidade.

Ora, se tais fatores criminógenos forem alvo de medidas eficazes e que tenham a capacidade de modificar a situação, é óbvio que o fator crime também sofrerá modificação.

Talvez o grande problema desse sistema de prevenção primária é o seu longo prazo para efetivação. Neste sentido, manifestam-se Molina e Gomes (2002, p. 399).

Mas ela atua a médio e longo prazo e reclama prestações sociais, intervenção comunitária e não mera dissuasão. Disso advêm suas limitações práticas. Porque a sociedade sempre procura e reclama por soluções a curto prazo e costuma lamentavelmente identificá-las com fórmulas drásticas e repressivas. E os governantes tampouco demonstram paciência ou altruísmo, ainda mais quando oprimidas pela periódica demanda eleitoral e o interessado bombardeio propagandístico dos forjadores da opinião pública. Poucos estão dispostos a envidar esforços e solidariedade para que os outros, no futuro, desfrutem de uma sociedade melhor ou usufruam daquelas iniciativas assistenciais.

Como se sabe, não é da noite para o dia que se consegue implementar um projeto que vise à erradicação ou mesmo à diminuição das desigualdades sociais, que vise a equilibrar a má distribuição de renda ou que tenha por finalidade acabar com os maiores males que assolam o país: a fome e o desemprego.

De qualquer forma, deve sempre ser este sistema adotado, pois que somente com o ataque e a eliminação do problema criminógeno é que os seus efeitos criminais deixarão de existir.

4.1.2 Prevenção Secundária

A prevenção secundária, por sua vez, não atua no cerne do problema criminógeno, mas sim após a sua manifestação, sendo dirigida aos grupos e setores nos quais há a sua maior incidência. São, portanto, em termos de eficácia, de curto e médio prazo.

Para Molina e Gomes (2002, p. 399-400), “a prevenção secundária conecta-se com a política legislativa penal, assim como com a ação policial, fortemente polarizada pelos interesses de prevenção geral”.

A ação da polícia se dá através da sua presença marcante naqueles locais onde o problema criminógeno se manifesta, de forma a intimidar ou mesmo impedir a exteriorização de suas consequências criminais.

Já a atuação política legislativa penal exterioriza-se mediante a previsão de novos tipos penais ou do aumento da reprimenda para os delitos de maior gravidade e ocorrência no seio social.

Tal medida tem por finalidade prevenir, de forma geral, ou seja, dirigida a todo o corpo social, o cometimento de crimes. Isso funcionaria como meio de intimidação, a agir sobre todas as pessoas, que, sabendo ser determinada conduta tipificada como crime e, para ela, ser prevista uma pena, restariam amedrontadas e desestimuladas à sua prática. Funcionaria ela, então, como verdadeira coação psicológica a incidir sobre os indivíduos integrantes de uma sociedade.

Poderíamos, então, denominar essa forma de prevenção secundária, que tem por base os preceitos das teorias de prevenção geral da pena, de individualização legislativa da pena.

Referida fase consiste na função do legislador de, primeiramente, verificar quais condutas devem ser consideradas como crimes e, após tipificá-las, selecionar qual a pena mais justa para aquele tipo de delito. É nesse momento em que crimes mais graves devem receber uma punição mais severa, enquanto que, para os mais leves, devem ser previstas penas mais brandas, não só em quantidade, mas também na própria espécie de pena prevista.

Assim, os crimes hediondos, como o homicídio qualificado e o latrocínio, recebem penas abstratas maiores, ante a sua maior gravidade. Já os delitos de menor potencial ofensivo, ou seja, aqueles que não produzem um estrago maior nos bens juridicamente tutelados, são punidos com penas muito mais brandas, tanto na espécie como na quantidade. Sempre deve ser observado o princípio da proporcionalidade, não se fixando patamares incompatíveis com a conduta efetivada.

Essa tática de prevenção secundária, todavia, deve ser usada com muito cuidado, sob pena de macular o próprio Direito Penal como instituto regulador das relações sociais. Isso porque esse ramo do direito só deve ser usado quando as outras searas, principalmente a administrativa, não foram suficientes para a solução do problema. É o denominado princípio da ultima ratio.

Ocorre que, no nosso país, infelizmente, tal princípio não vem sendo levando em consideração, pois a nossa legislação penal é infindável, com quantidade exagerada de condutas típicas, que acabam por se tornar desconhecidas até mesmo por parte dos estudiosos da área.

Com isso, surge o que chamamos de Direito Penal Simbólico, traduzido na utilização desse ramo do direito somente como um símbolo exposto à sociedade para mostrar-lhe que o Estado está atuando naquela área de maior tensão social.

Nesse aspecto, Silva, R. (2005), ao analisar o uso indevido de figuras típicas para solucionar questões de interesse de toda a sociedade, como o meio ambiente, afirma:

São as normas não penais as que devem assumir o papel primário através da programação de uma política preventiva e de um sistema sancionador não penal, reservando-se a sanção penal para os atentados mais graves ao meio ambiente. Somente assim se evitará o perigo de cair no defeito político criminal de ir até o direito penal criminalizando simbolicamente uma conduta ou um conjunto de condutas sem que tão aparentemente definitiva a tal solução tenha logo eficácia”.

Outro problema do uso indevido da política legislativa penal são os chamados crimes de perigo abstrato, que, além de levar o Direito Penal a uma atuação somente simbólica, correm o risco de, caso não sejam bem utilizados, incidir em verdadeira ilegitimidade, ou por que não dizer inconstitucionalidade, ante a violação do princípio da ofensividade.

Isso porque, em muitos casos, preveem-se como tipos penais de perigo abstrato condutas que não violam, em hipótese alguma, qualquer bem jurídico, seja em qualquer nível de sua proteção, seja a efetiva lesão, o concreto por-em-perigo e o cuidado-de-perigo (COSTA, 2000, p. 644).

De qualquer sorte, desde que bem utilizado, também o sistema ora analisado, inclusive com a previsão de delitos de perigo abstrato, tem sua parcela de contribuição na prevenção à criminalidade.

4.1.3 Prevenção Terciária

Por fim, esta última forma de prevenção, baseada nas teorias da prevenção especial da pena, consiste na recuperação da pessoa já condenada e que se encontra cumprindo a respectiva sanção, com o intuito de evitar a reincidência. É a individualização executória da pena.

Esse sistema de prevenção é bastante combatido, principalmente pela intervenção tardia do Estado, pela parcialidade da medida, que só atinge o condenado, e pela sua insuficiência, tendo em vista não atacar as causas criminógenas.

Como bem observado por Bitencourt (2025, p. 806), a individualização executória é aquela “que ocorre no momento mais dramático da sanção criminal, que é o do seu cumprimento”.

Ela se dá pela previsão de vários benefícios ao condenado, todos voltados à sua reinserção à sociedade, valorizando, inclusive, o trabalho externo. Com isso, busca-se que o preso, ao retornar definitivamente ao seio social, não volte mais a delinquir.

Por isso, Molina e Gomes (2002, p. 400) entendem que:

[…] não se deve renunciar aos programas de prevenção terciária em nome de maximalismos conceptuais e prejuízos ideológicos. Pois apesar de suas indiscutíveis limitações, são úteis para a obtenção de um objetivo específico: evitar a reincidência.

De qualquer forma, mesmo com as críticas contra ela lançadas, a prevenção terciária tem papel importante a desempenhar, qual seja o de ressocializar o preso, com o objetivo de evitar a materialização de outros delitos, quando ele retornar ao convívio em sociedade.

4.2 Sistema de Prevenção Ideal

O sistema ideal de prevenção à criminalidade é, na verdade, aquele que mescla os três sistemas anteriores: o primário, o secundário e o terciário, ou seja, um híbrido das modalidades aqui apresentadas.

Como visto, nenhum daqueles sistemas serve, de forma isolada, para prevenir, integralmente, o fenômeno chamado crime. Este, na realidade, somente poderá ser prevenido em maior escala com o incremento de medidas existentes nos três referidos sistemas.

Assim, é preciso combater as causas criminógenas, que, nas grandes cidades, como já analisado, encontram-se arraigadas nos graves problemas sociais. Portanto, é necessária a implementação de programas voltados à redução das desigualdades econômico-sociais, o maior acesso da população mais carente à educação e saúde de qualidade, além de outros benefícios sociais, todos voltados a uma condição de vida melhor e a uma maior conscientização da população, para que os seus integrantes não busquem nem se sintam estimulados à prática criminosa.

Mas não é só isso. Em alguns aspectos mais drásticos, que necessitam de um resultado mais urgente, também é importante se recorrer à atuação policial e, principalmente, à política legislativa, intimidando a população com a previsão de novos fatos típicos, incluindo os de perigo abstrato, que se amoldem à realidade evolutiva da sociedade.

Por outro lado, o somatório daqueles dois primeiros sistemas ainda não resolve, totalmente, o problema da prevenção da criminalidade. Isso porque nenhuma das duas aborda uma questão altamente particular, a do criminoso encarcerado. Para este, os programas sociais de melhoria do sistema primário ainda não surtiram efeitos, e a intimidação do sistema secundário não o conteve, eis que, mesmo diante dela, veio a delinquir. Assim, faz-se também imprescindível a adoção das medidas do sistema terciário, para que a pessoa condenada, que já cometeu crime, não volte mais a praticá-lo. É o processo de ressocialização, que visa combater a reincidência.

Desta forma, o sistema de prevenção ideal seria exatamente aquele que envolvesse, ao mesmo tempo, as medidas previstas nos três sistemas anteriormente analisados – primário, secundário e terciário, eis que tais medidas complementam-se, além de serem totalmente compatíveis entre si.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O mundo evoluiu. As ciências e as tecnologias são cada vez mais avançadas. A genética, a informática, a questão bélica, a robótica, a comunicação por meio da rede mundial de computadores – internet – atingiram patamares antes nunca imagináveis. Tudo isso facilitou em muito a vida em sociedade.

Entretanto, todo esse processo evolutivo criou também, no seio social, uma situação constante de risco, que trouxe consigo o incremento da criminalidade, com novas formas de atuar e práticas mais aprimoradas.

São delitos cada vez mais massificados, sofisticados, de difícil combate e que atingem não só pessoas em particular, mas sim bens jurídicos de toda a coletividade. Exemplo disso são os crimes metaindividuais e os crimes praticados via internet.

Com isso, a questão da segurança pública, que hoje é preocupação da população e um valor mais urgente do que outros tidos como básicos a qualquer pessoa, entrou em colapso, deixando a sociedade em verdadeiro pânico.

As causas de tudo isso são as mais variadas possíveis. Todavia, as que mais chamam a atenção dos estudiosos da área e que, realmente, são responsáveis pela grande maioria da criminalidade hoje existente encontram-se nos problemas sociais em geral.

Nesse aspecto, a sociologia criminal foi quem mais se preocupou com o assunto, com destaque para a Escola de Chicago e para a Teoria Ecológica nela desenvolvida, que cuidaram mais especificamente da desenfreada criminalidade nas cidades grandes.

Para referida teoria, os fatores criminógenos encontravam-se na desorganização social, na ausência de raízes, no enfraquecimento do controle social, na superficialidade das relações pessoais, na deterioração de grupos primários, como a família, na crise de valores tradicionais, na superpopulação e na tentadora proximidade às áreas comerciais e industriais, nas quais se acumulam a riqueza.

Essas causas acabam por se refletir no “mundo virtual”, e, com isso, a população menos favorecida acaba sendo mais vulnerável aos delitos típicos desse ambiente cibernético.

Diante desse panorama, viu-se a necessidade da implementação urgente de medidas de combate à criminalidade, de forma a proporcionar uma melhor segurança pública a toda população.

Tais medidas, como visto, são bem visualizadas em três sistemas de prevenção à criminalidade, com âmbitos de atuação distintos, quais sejam: primário, secundário e terciário.

O sistema de prevenção primária age diretamente na causa da criminalidade, ou seja, ataca o fator criminógeno. Ele se expressa através de projetos sociais direcionados a toda população, de forma a resolver aqueles problemas que afligem a comunidade. Em termos de eficácia, são medidas de médio a longo prazo.

Já o sistema de prevenção secundária não atua diretamente na causa da criminalidade, mas sim quando ela se manifesta, sendo dirigido a determinado grupo ou setor social no qual há a sua maior incidência. Ele se expressa mediante a atuação policial e a política legislativa penal. Neste último caso, observou-se o risco, para o próprio Direito Penal, de sua excessiva utilização como forma de prevenção da criminalidade, fato esse que pode torná-lo um mero direito simbólico, utilizado pelo Estado para demonstrar a sua falsa intervenção nas questões sociais mais graves. Analisou-se também o risco da previsão sem limites dos chamados crimes de perigo abstrato, que, se não respeitado o princípio da ofensividade, estarão eivados de ilegitimidade, ou, quiçá, inconstitucionalidade.

Por fim, o sistema de prevenção terciária atua de forma específica, visando à ressocialização do preso, no regresso do convívio em sociedade e evitando, com isso, a reincidência.

Constatou-se, então, que nenhum desses três sistemas, se aplicados de forma isolada, serve para um combate mais amplo da criminalidade. Por outro lado, se aplicados em conjunto, tendem a produzir melhores resultados, com maiores efeitos na área da segurança pública. Esse sistema misto, envolvendo as medidas daqueles outros três sistemas, seria a forma de prevenção ideal.

Dessa forma, só com a união de forças e de medidas, aplicadas na causa da criminalidade, nas suas manifestações e nos seus resultados já concretizados, é que poderá ser combatido mais eficazmente esse grave fator que assola toda a sociedade e que lhe priva de um de seus mais importantes valores: a segurança pública.


2Molina e Gomes (2002, p. 344) lembram que “a primeira obra que assumiu o esquema “ecológico” foi a de PARK, GURGESS e MCKENZIE (1928), os quais sustentam que o crime é produto da “desorganização” própria da grande cidade, na qual se “debilita” o controle social e se deterioram as relações humanas, propagando-se um clima de vício e corrupção “contagioso””.

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Liberdade de expressão, imprensa e mídias sociais: jurisprudência, direito comparado e novos desafios. Revista jurídica da Presidência: STF, Brasília, jan./abr. 2023, v. 25, n. 135, p. 20-48. Disponível em: https://revistajuridica.presidencia.gov.br/index.php/saj/article/view/3015. Acesso em: 03 mar. 2025.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 19 fev. 25.

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1Atual Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado da Paraíba – MPPB, Promotor de Justiça, Pós-graduado em Ciências Criminais pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ), na Paraíba.