A ROBÓTICA COMO MEIO DE ENSINO NA AMAZÔNIA RIBEIRINHA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202412060945


Nelson Renato Alfaia Maciel1
Leonardo Zenha Cordeiro2


Resumo: 

Este artigo investiga a integração da robótica educacional no contexto da Amazônia Ribeirinha, com foco na Escola Estadual de Ensino Médio Abraão Simão Jatene, em Cametá, Pará. A pesquisa, realizada entre março de 2023 e novembro de 2024, busca compreender como a robótica pode ser utilizada como uma ferramenta pedagógica para desenvolver competências essenciais nos alunos, como criatividade, colaboração e pensamento crítico. Através de atividades práticas, como a criação de animações no Scratch, o estudo conecta saberes locais à tecnologia, promovendo uma aprendizagem contextualizada e significativa. Além disso, o artigo discute os desafios enfrentados na implementação das diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a necessidade de políticas educacionais que garantam infraestrutura e formação adequada para educadores. Os resultados sugerem que a robótica, quando integrada de forma intencional ao currículo, pode contribuir para a formação integral dos estudantes, preparando-os para os desafios do século XXI.

Palavras-chave: Educação, robótica, BNCC.

1. INTRODUÇÃO

Ao observarmos o ambiente ao nosso redor, é possível identificar diversas características relacionadas à robótica, a eletricidade, a mecânica que se manifesta até mesmo em atividades cotidianas, como o ato de caminhar. A computação se torna evidente na organização de moedas durante uma transação em um mercado, e o pensamento computacional é aplicado em situações comuns, como ao preparar uma refeição ou ao planejar a rota de deslocamento entre uma residência e a escola. Essas interações cotidianas ilustram a presença e a relevância das disciplinas tecnológicas em nossa vida diária, evidenciando a interconexão entre a teoria e a prática em contextos diversos. 

Este trabalho faz parte de uma pesquisa em andamento que apresenta questões levantadas junto aos alunos do ensino médio da Escola Estadual de Ensino Médio Abraão Simão Jatene, localizada no município de Cametá no estado do Pará, entre março de 2023 e novembro de 2024, durante as aulas do Projeto Permanente por Afinidade (PPA), uma espécie de disciplina eletiva de robótica. 

O município engloba uma área relativa a 3.081,367 km e engloba uma população de, aproximadamente, 134.184 habitantes (IBGE, 2022) que abriga a maior parcela dos habitantes distribuídos entre as mais de noventa ilhas e os oitos distritos que apresentam uma dinâmica diversificada. Cametá faz fronteiras com os municípios de Limoeiro do Ajuru, Mocajuba, Igarapé-Miri e Oeiras do Pará.

Imagem 1: Mapa do município de Cametá

Fonte: Ferreira (2019)

De acordo com o INEP (2024), Cametá possui 208 escolas públicas distribuídas entre a sede e os demais distritos do município, das quais, 10 escolas são de Ensino médio. O mês de agosto de 2024 foi marcado pela divulgação dos Índices de Desenvolvimento da Educação Básica no Brasil, o que significou para o Estado do Pará o melhor resultado da história, principalmente se tratando do Ensino médio, etapa de ensino administrada pelo governo do Estado que obteve um IDEB de 4,4 ficando em 6º lugar no ranking nacional do IDEB.
A escola onde essa pesquisa foi desenvolvida faz parte do projeto de Escola de Tempo integral. A Escola Estadual de Ensino Médio Abraão Simão Jatene é a única escola de ensino médio de Tempo Integral no Município de Cametá. Se localiza na Avenida Inácio Moura, s/nº, bairro São Benedito, área urbana do município, no entanto, cerca de 30% dos alunos se deslocam, diária ou semanalmente das vilas e ilhas próximas à cidade para chegar até a escola.

A escola atualmente conta com seis turmas e aproximadamente 180 alunos. Por se tratar de uma escola de uma escola de Tempo Integral, os estudantes ficam das 7h15 da manhã até as 16h30 na escola e além das aulas dos componentes da Formação Geral Básica, os alunos também tem acesso a diversos projetos através das aulas de projeto de vida, educação ambiental, estudo orientado, práticas experimentais, disciplinas eletivas e do Projeto Permanente por Afinidade (PPA) que são ministrados nos diversos espaços formativos, salas de aula, sala de vídeo, sala de leitura, laboratório de práticas experimentais e quadra poliesportiva.

Os estudantes que fizeram parte dessa pesquisa fazem parte dos três anos do Ensino Médio que escolheram o Projeto de Robótica como PPA nos anos de 2023 e 2024.

Os Projetos Permanentes por Afinidade oferecem aos estudantes a oportunidade de participar de vivências pedagógicas baseadas em práticas já implementadas nas escolas, promovendo o diálogo entre diferentes áreas do conhecimento. Nesse contexto, os praticantes culturais têm a chance de discutir, refletir e realizar atividades que podem estar ligadas à vida escolar ou não, além de escolher projetos que correspondam aos seus interesses e afinidades.

Isto posto, surgiram as inquietações que deram origem a este trabalho. Quais os desafios de utilizar a robótica educacional como um dispositivo de aprendizagem em uma escola pública no interior da Amazônia?  Qual a relação entre robótica e educação?

A BNCC E A EDUCAÇÃO DIGITAL: QUAL O LUGAR DA ROBÓTICA EDUCACIONAL?

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) teve seu processo de construção em meio a inúmeras mudanças sociais e políticas no Brasil. A BNCC surgiu como uma resposta às exigências da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e do Plano Nacional de Educação (PNE). Ela deve ser implementada em toda a Educação Básica, sendo uma legislação que se fundamenta em Competências Gerais, as quais expressam os direitos e os objetivos de aprendizagem dos estudantes no Brasil.

A sociedade contemporânea impõe um olhar inovador e inclusivo a questões centrais do processo educativo: o que aprender, para que aprender, como ensinar, como promover redes de aprendizagem colaborativa e como avaliar o aprendizado. No novo cenário mundial, comunicar-se, ser criativo, analítico crítico, participativo, produtivo e responsável requer muito mais do que a acumulação de informações. Aprender a aprender, saber lidar com a informação cada vez mais disponível, atuar com discernimento e responsabilidade nos contextos das culturas digitais, aplicar conhecimentos para resolver problemas, ter autonomia para tomar decisões, ser proativo para identificar os dados de uma situação e buscar soluções, são competências que se contrapõem à concepção de conhecimento desinteressado e erudito entendido como fim em si mesmo (BRASIL, 2017 P.14)

O documento final da BNCC apresenta uma reflexão sobre as transformações necessárias no processo educativo diante das demandas da sociedade contemporânea. De acordo com o documento, é fundamental reconhecer que a educação não pode se restringir à mera transmissão de conteúdos, mas deve preparar os estudantes para um mundo em constante mudança, onde a informação é abundante e as habilidades críticas são essenciais.

A proposta de desenvolver competências como a capacidade de aprender a aprender, a autonomia na tomada de decisões e a proatividade na resolução de problemas se mostra relevante desde a concepção do documento.

Para acompanhar as transformações da sociedade, é imprescindível a busca de novas aprendizagens em diversas fontes de conhecimento, o que envolve aprimoramento, qualificação e, muitas vezes, autodidatismo. No caso de profissionais da escola, essa competência torna-se ainda mais importante. Para lidar com um futuro complexo e incerto, professores e gestores escolares precisarão se abrir ao novo e compreender que a aprendizagem ao longo da vida fará parte das habilidades exigidas pelo mercado de trabalho (Vozes da Educação, p. 11).

Essas habilidades são pertinentes para que os estudantes se tornem cidadãos ativos e responsáveis, capazes de compreender as complexidades das culturas digitais e de contribuir de forma significativa para a sociedade. Bem como destaca a importância de promover redes de aprendizagem colaborativa, o que sugere uma mudança estrutural na forma como a educação brasileira vinha se estruturando.

No entanto, Menegasso (2023), ressalta que:

o documento da BNCC foi criado com o objetivo de padronizar o ensino por meio de um currículo por competência. O currículo por competência consiste em uma metodologia de ensino. A ideia é que, ao invés de aprender conteúdos isolados, o aluno aprenda a usar o conteúdo para resolver problemas. A principal crítica é que essa metodologia favorece o aprendizado superficial, além disso, o currículo por competência é focado no desenvolvimento de habilidades práticas e deixa de lado o desenvolvimento de habilidades intelectuais, como o raciocínio lógico e a criatividade. Esse é um problema grave, pois as habilidades intelectuais são fundamentais para a formação de um sujeito crítico. Menegasso (2023, p.116)

Menegasso (2023) levanta questões importantes sobre a implementação da Base Nacional Comum Curricular e sua proposta de um currículo por competências. A intenção de padronizar o ensino e promover uma aprendizagem mais aplicada, que visa a resolução de problemas, pode ser considerando um avanço em relação a métodos tradicionais que muitas vezes se concentram na memorização de conteúdos isolados. No entanto, tesse uma crítica de que essa abordagem pode favorecer um aprendizado superficial, o que ao invés de diminuir as desigualdades, acabam acentuando a segregação educacional entre as classes sociais.

A Base Nacional Comum Curricular (2018), a partir de sua implementação (2019) reúne competências como soma de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores. As dez competências são desdobradas em objetos de conhecimento e habilidades, de acordo com cada faixa etária e etapa de Ensino: 1. Conhecimento; 2. Pensamento científico, crítico e criativo; 3. Repertório Cultural; 4. Comunicação; 5. Cultura Digital; 6. Trabalho e projeto de vida; 7. Argumentação; 8. Autoconhecimento e autocuidado; 9. Empatia e cooperação; 10. Responsabilidade e empatia (BRASIL,2018).
As Competências Gerais da BNCC têm como objetivo colaborar e transformar os caminhos que as escolas de Ensino Básico irão seguir. Elas se tornam, portanto, obrigatoriamente pedagógicas, pois visam orientar as ações que serão planejadas e as habilidades a serem desenvolvidas nos projetos educativos, que são essenciais para o processo de ensino e aprendizagem dos estudantes.

Por esse motivo, Ramos (2011), alerta que:

As competências causam implicações no currículo. O ponto convergente da discussão curricular que toma o desenvolvimento de competências como referência, é a crítica à compartimentação disciplinar do conhecimento e a defesa de um currículo que ressalta a experiência concreta dos sujeitos como situações significativas de aprendizagem. Ramos (2011 p. 260).

Dessa forma, segundo a autora, essa pedagogia tende a se fundamentar, por um lado, no construtivismo, que valoriza a dimensão subjetiva da aquisição do conhecimento, e, por outro, na articulação interdisciplinar, mas acaba por dar pouca atenção às dimensões social e histórica do processo educativo.

Porém, para Menegasso (2023), a construção e estruturação da BNCC:

apresenta novas propostas, e inclusive boas propostas, mas não contempla políticas concretas que nos leve a vislumbrar a possibilidade de sua execução plena. Não conseguimos identificar uma abertura suficiente que permita um currículo flexível a ponto de contemplar as especificidades locais em sua integralidade. Também não identificamos formas de financiamento para preparar o ambiente escolar e o corpo docente, analógico, para sua inserção nas tecnologias digitais. (2023, p.131).

A autora expressa uma crítica à falta de políticas concretas que viabilizem a implementação das propostas previstas na BNCC. Embora haja boas intenções e sugestões de propostas, a ausência de um plano claro para a execução dessas ideias limita sua eficácia. Bem como cita a falta de financiamento para preparar tanto o ambiente escolar quanto o corpo docente para a inserção nas tecnologias digitais é um ponto crucial. A transformação digital na educação, segundo a autora, não se resume apenas à adoção de novos dispositivos, mas requer uma infraestrutura adequada e formação contínua para os educadores. Sem esses investimentos, as propostas acabam se tornando meras intenções, sem impacto real na prática educativa.

A exemplo, temos a competência geral 5 da BNCC, a Cultura Digital. A Cultura Digital busca compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva (BRASIL, 2018, p.9).

Essa competência se torna uma questão desafiadora na sua implementação, pois requer um maior esforço por parte dos executores (formação continuada, atualizações e novos dispositivos) para ser usada com intencionalidade didático pedagógica, uma vez que se direciona diretamente ao contexto atual, caracterizado pela necessidade do uso das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC).

Para LÈVY (1994), essa inteligência está em constante processo de construção onde todos os saberes são valorizados. A ênfase, portanto, desloca-se do quantitativo para o qualitativo. Respeita-se a identidade cognitiva do ser, mas a busca é pela construção coletiva.

É justamente essa busca por uma construção coletiva que mobiliza os aprendizados com a robótica educacional, é o pensar junto, é refletir sobre os processos e como isso contribui para a socialização do conhecimento e para a formação integral dos estudantes.

A robótica educacional emprega a tecnologia como uma aliada no processo de aprendizagem, preparando os estudantes para adotarem atitudes responsáveis em diversos contextos, social, como a robótica com sucata e digital quando utilizados tais meios para a programação dos dispositivos construídos. Nesse sentido, garantir o ensino de habilidades ligadas à tecnologia podem contribuir para a formação integral dos estudantes. Logo, a aprovação da Lei nº 14.533 de 2023, que versa sobre o Plano Nacional de Educação Digital, marca um ponto de partida para a implementação de políticas educacionais voltadas para a educação digital. Sobre a Política Nacional de Educação Digital iremos nos aprofundar mais na próxima seção.

POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO DIGITAL

Nos contextos educacionais mundial e brasileiro, essa tendência vem se manifestando nas recentes experiências de ensino-aprendizagem online e tudo que abrange – dispositivos, técnicas, instrumentos, métodos, métricas, resultados, relações, papeis etc. No Brasil, ela chega a alcançar o status da norma: a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), referência obrigatória para elaboração dos currículos e propostas pedagógicas das escolas, afirma que “as tecnologias digitais da informação e comunicação, também conhecidas por TDICs, têm alterado nossas formas de trabalhar, de se comunicar, de se relacionar e de aprender” (Brasil, 2018) e estabelece premissas norteadoras para a construção da cultura digital nas escolas, com vistas à criação de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. Isso mostra que alguns passos já estão sendo dados em direção ao desenvolvimento de competências digitais nas escolas e na sociedade brasileira. Turchi, Codes, Araújo (2024, p.7)

Em consonância com esses argumentos, a Lei 14.533, aprovada em 11 de janeiro de 2023, apresenta a Política Nacional de Educação Digital (PNED), a qual no seu artigo primeiro informa que essa Lei visa a articulação entre programas, projetos e ações de diferentes entes federados, áreas e setores governamentais, a fim de potencializar os padrões e incrementar os resultados das políticas públicas relacionadas ao acesso da população brasileira a recursos, ferramentas e práticas digitais, com prioridade para as populações mais vulneráveis (BRASIL 2023).

A proposta fundamenta-se no desenvolvimento de competências digitais na educação básica, englobando o ensino de computação, programação e robótica, com o objetivo de preparar os estudantes para o mundo digital e o mercado de trabalho, além de estabelecer diretrizes para ampliar o acesso à tecnologia. 

Dentro dessa construção, a escola situa-se como um elemento central. É nas salas de aula que o “agora” vai se transformar em “futuro”, por meio de processos de ensino-aprendizagem que formam e desenvolvem pessoas capazes de lidar com um porvir em constante renovação. Turchi, Codes, Araújo (2024, p.8)

A política se estrutura em quatro eixos principais: inclusão digital da sociedade, educação digital nas escolas, ações de capacitação para o mercado de trabalho e incentivo à inovação, pesquisa e desenvolvimento.

A PNED tem como objetivo promover o desenvolvimento de competências digitais na educação, abordando questões como a democratização do acesso à tecnologia na educação básica. Um dos eixos da política é voltado para a educação digital de alunos e professores, em consonância e diálogo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Os desafios da Política Nacional de Educação Digital (PNED) são significativos e refletem a complexidade da realidade brasileira. A diversidade regional, socioeconômica e cultural do país cria um cenário multifacetado que dificulta a implementação uniforme das diretrizes da PNED. Sobre a dimensão dessa proposta, Turchi, Codes, Araújo (2023) ressaltam que:

Naturalmente, os desafios que se impõem à realização da proposta são proporcionais à sua envergadura. As dificuldades em articular as múltiplas dimensões abrangidas pela PNED são acentuadas pela diversidade brasileira – regionais, socioeconômicas, culturais, além das diferenças entre políticas públicas, redes de ensino, mercado de trabalho, acesso à internet, graus de familiaridade com o mundo digital etc. Conhecer o modo como vêm se manifestando alguns dos elementos envolvidos nessa complexidade – e considerando as distintas configurações existentes no país – é condição para que se possa harmonizá-los e, então, seguir adiante. Nesse arcabouço, para que se possa construir com sucesso uma sociedade digitalmente educada, a escola desempenha função primordial – e nela se destaque o papel do professor, desde sempre um ator-chave e proeminente no processo ensino-aprendizagem. Turchi, Codes, Araújo (2024, p.10)

Para a professora Débora Garafolo (2023), a PNED abre possibilidades para a visão diferente da relação dos estudantes com a tecnologia.

Apesar de não termos uma disciplina específica de robótica, é preciso considerar que ela precisa ser trabalhada de maneira transversal, dentro das áreas do conhecimento pelo benefício ao processo de ensino e aprendizado, focando para termos futuramente uma disciplina ampla que contemple a tecnologia e inovação e seus pilares pautados nas tecnologias digitais da informação e da comunicação, letramento digital e pensamento computacional e que dialogue com o currículo. No entanto, temos um passo antes a ser dado, que é implementar a BNCC na prática e apoiar estados e municípios.

E para reverter o abismo que temos hoje e garantir a entrada dos jovens no mercado de trabalho, a solução está na educação, por isso se faz tão essencial olharmos para a PNED e pautar o aprendizado nos benefícios e oportunidade de ressignificar o currículo com atratividade e vivências ao permitir que nossos estudantes não sejam apenas usuários e sim produtores de tecnologia, que impacta suas escolhas, relacionamentos interpessoais e visão de mundo (p.3).

Nesse sentido, a implementação da robótica de forma transversal nas áreas do conhecimento se apresenta como uma abordagem estratégica que pode possibilitar o dinamismo do processo de ensino-aprendizagem. Ao integrar a robótica com outros componentes, os educadores podem promover um aprendizado mais dinâmico e interativo, estimulando o interesse dos estudantes pela tecnologia. Para que a robótica seja efetivamente incorporada ao currículo, é fundamental que haja um alinhamento com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e com os Documentos Curriculares Estaduais, nesse caso, a implementação da PNED pode ser um caminho para essa consolidação.

A ROBÓTICA COMO MEIO DE APRENDIZAGEM

A robótica educacional agrega tecnologias digitais e analógicas que vivem em constante atualização seja no software ou em suas plataformas físicas. Na década de 1970, Seymour Papert atribui ao computador um meio pelo qual essas barreiras seriam rompidas, que seria de fácil acesso ao mundo da criança, a todos os lugares. Dessa forma, a máquina estaria contribuindo para a construção de uma nova cultura, um tipo de pensar e agir, como “mensageiros de ideias poderosas” (Barbosa 2016, p.44).

Ao falar do uso do computador nas atividades educacionais, Campos (2013) afirma que:

As possibilidades existentes na representação do raciocínio do aprendiz no uso do computador criam um ambiente propício para que o educador possa observar concretamente os seus pensamentos, de que maneira ele organizou a resolução dos problemas propostos. Nesse sentido é que Valente (1993, 1996, 1999, 2002) amplia os ideais do construcionismo ao destacar a importância do educador em ambientes de aprendizagem baseados na abordagem construcionista. Portanto, no construcionismo, o professor tem a possibilidade de entender todo o processo de construção do conhecimento de seu aluno, na medida em que ele desenvolve seus projetos por meio de uma linguagem no computador, permitindo a depuração do resultado e relacionando-o com conceitos sobre a aprendizagem, sobre o conhecimento específico envolvido no problema em questão e também sobre aprender a aprender. Isso faz emergir uma característica importante, que é a reflexão sobre os próprios mecanismos do raciocínio do aluno, ou seja, permite que este reflita sobre suas formas de pensar a resolução dos problemas propostos. (Campos 2013, p.91)

Utilizando a base teórica de José Armando Valente, Campos 2013 enfatiza a relevância do construcionismo no contexto educacional, especialmente quando o computador é utilizado como ferramenta de aprendizagem. Através da linguagem de programação, os alunos desenvolvem projetos e resolvem problemas, permitindo ao professor observar o processo de construção do conhecimento e relacioná-lo com conceitos teóricos.

Papert (1996) afirma que mais importante que adquirir novas habilidades é saber usar aquilo que já temos contato, ou seja, usar dos recursos disponíveis de modo a transformar o mundo, criar e ser protagonista. Aprender com o objeto que estamos utilizando, ou seja, a intencionalidade pedagógica das ações.

O estudante é incentivado a refletir sobre a essência do problema, assimilando e, posteriormente, incorporando-o à sua perspectiva de conhecimento. Nesse contexto, a teoria de Piaget destaca a relevância da interação entre o sujeito e o ambiente para o desenvolvimento das capacidades cognitivas. Portanto, o processo de construção de ações de robótica educacional está alinhado com os princípios construtivistas de Piaget.

Freire (2006) afirma que:

a educação não é redutível a técnica, mas não se faz educação sem ela. Não é possível, a meu ver, começar um novo século sem terminar este. Acho que o uso de computadores no processo de ensino-aprendizagem em lugar de reduzir pode expandir a capacidade crítica e criativa de nossos meninos e meninas. Depende de quem usa, a favor de quê e de quem e para quê. (p. 98).

Freire (2006) aborda a relação entre educação e tecnologia, enfatiza que a educação não se limita à técnica, mas também não pode resistir a ela. A utilização de computadores no processo de ensino-aprendizagem não deve ser vista como uma redução, mas sim como uma oportunidade para ampliar a capacidade crítica e criativa dos estudantes. No entanto, segundo o autor, essa expansão depende de como os recursos tecnológicos são utilizados, em prol de quais objetivos e por quem, pois, segundo ele, a tecnologia deve ser incorporada de forma crítica, considerando a veracidade e profundidade dos conteúdos veiculados.

Uma alternativa para a utilização da robótica como meio de aprendizagem em escolas com pouca estrutura é através da utilização material reciclável é uma abordagem que visa integrar conceitos de robótica e sustentabilidade no processo de ensino-aprendizagem. Essa prática utiliza itens descartados, como garrafas plásticas, caixas de papelão, sucatas eletrônicas e outros materiais que, de outra forma, seriam considerados lixo.

Ao construir robôs a partir de materiais recicláveis, os alunos não apenas desenvolvem habilidades técnicas, como programação e montagem, mas também são incentivados a refletir sobre a importância da reciclagem e da sustentabilidade. A robótica sustentável é desenvolvida a partir dos materiais que estão disponíveis no meio ambiente através do descarte do lixo doméstico e eletrônico. Um grande aliado da robótica sustentável são as plataformas de software livre, através delas os estudantes e professores podem programar e desenvolver os robôs que são desenvolvidos em sala. 

A ROBÓTICA COMO MEIO DE APRENDIZAGEM EM CAMETÁ-PA

Como mencionando no início deste trabalho, o projeto permanente por afinidade (PPA) é um componente da parte diversificada do currículo que funcionam como uma espécie de disciplina eletiva de robótica.

A apresentação do PPA funciona como um cardápio de disciplinas eletivas, no entanto, as disciplinas eletivas duram um semestre enquanto o PPA ocorre durante o ano inteiro. A proposta pedagógica subjacente visa proporcionar aos estudantes a oportunidade de aplicar, nas atividades do PPA, os conhecimentos teóricos adquiridos nas aulas de Formação Geral Básica, bem como explorar novas potencialidades pedagógicas a partir de trabalhos práticos. A proposta de atuação ao longo das aulas de robótica funciona como um convite à criatividade e à sustentabilidade. Duas características fundamentais para o desenvolvimento do PPA.

Em um questionário repassado aos estudantes, ficou constatado que cerca de 61,8% deles nunca tinham ouvido falar em robótica educacional antes de chegarem até a EEEM Abraão Simão Janete, bem como, do total de estudantes que participaram do PPA, 79,4 % não imaginavam que poderiam ter aulas de robótica na escola pública. Isto posto, buscamos possibilitar o acesso livre aos recursos disponíveis, no mesmo questionário citado no parágrafo anterior, os estudantes que participaram do PPA, informaram que 100% deles em algum momento do dia possuem acesso à internet e que o dispositivo que eles utilizam para acessar a rede é o celular. 

Partindo desse pressuposto, utilizamos o telefone celular como dispositivo de pesquisa sobre os projetos e propostas a serem desenvolvidas pelos estudantes. Nessa busca por oportunizar os aspectos da cultura local e uso de tecnologias como possibilidades de dar uma intencionalidade pedagógica ao PPA.

A primeira ação nesse sentido se deu a partir da criação de uma animação no Scratch, uma ferramenta que tem se destacado como um software livre. De acordo com Brennan e Resnick (2012) apud Arantes e Ribeiro (2017).

ao programar e compartilhar projetos interativos em Scratch, crianças e adolescentes aprendem conceitos computacionais, além de aprenderem a pensar de maneira criativa e a trabalhar colaborativamente – habilidades importantes atualmente. Programar com Scratch, portanto, pode oferecer um contexto e um conjunto de oportunidades para contribuir com o desenvolvimento do pensamento computacional.

A programação e o compartilhamento de projetos interativos na plataforma Scratch proporcionam aos estudantes a aquisição de conceitos básicos de computação, ao mesmo tempo em que fomentam o desenvolvimento do pensamento criativo e a capacidade de colaboração. Ao utilizar o Scratch, os jovens não apenas se familiarizam com a lógica da programação, mas também são incentivados a expressar suas ideias de forma inovadora e a trabalhar em conjunto com seus pares, o que enriquece sua experiência de aprendizagem.

O projeto desenvolvido em conjunto foi o “Boto de Cametá”, para construir a sequência de blocos de programação que deu origem a animação, os estudantes tiveram que utilizar o meu notebook pessoal.

Imagem 2: O boto de Cametá

Fonte: https://scratch.mit.edu/projects/662822639

A animação feita no Scratch faz alusão a lenda do Boto, um dos mitos mais emblemáticos e amplamente reconhecidos entre as populações ribeirinhas e indígenas da Amazônia. Esta lenda narra a história de uma figura mítica que habita os rios amazônicos. Nas noites de lua cheia, o Boto deixa de lado sua pele cor-de-rosa e assume a forma de um jovem sedutor vestido de branco. Segundo a lenda, ele se dirige às residências de mulheres jovens e belas, aproveitando-se da ausência dos homens para seduzir as moças, que, encantadas por sua beleza, não conseguem resistir ao seu apelo. O boto de Cametá aproximou a cultura ribeirinha e a tecnologia de forma bem clara para os estudantes.

Imagem 3: Robôto

 Fonte: Arquivo Pessoal

A imagem acima apresenta uma proposta de atividade que envolve a robótica e os saberes locais. Esse projeto foi desenvolvido pelos estudantes do PPA, nele é possível identificar a união entre a evolução tecnológica e a cultura da região amazônica. Para a construção deste, foi necessário a união entre os componentes curriculares ligados às ciências humanas e da natureza. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Considerando as dificuldades estruturais, sociais e pedagógicas enfrentadas, o relato dos estudantes apresenta um caminho que parecia improvável, mas um processo educacional libertador precisa buscar possibilitar o pleno acesso ao conhecimento. Contudo, ainda existem desafios a serem enfrentados na busca pela aplicação e desenvolvimento de uma educação na Amazônia. A robótica ligada aos saberes e práticas amazônicas pode ser um caminho, não o único caminho possível, mas uma opção que se constroi a partir das vivências entre cultura e tecnologia.

REFERÊNCIAS 

ARANTES, F. L.; RIBEIRO, P. E. J. Desenvolvimento do Pensamento Computacional com Valores da Ética Hacker. Informática na educação: teoria & prática, Porto Alegre, v. 20, n. 2 mai/ago, 2017. DOI: 10.22456/1982-1654.68953. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/InfEducTeoriaPratica/article/view/68953. Acesso em: 1 nov. 2024

BARBOSA, Fernando da Costa. Rede de aprendizagem em robótica: uma perspectiva educativa de trabalho com jovens.  2016. 366 f.  Tese (doutorado) – Universidade Federal de Uberlândia, Programa de Pós-Graduação em Educação.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular: Educação é a base. Brasília: MEC/Secretaria de Educação Básica, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 07 NOV. 2024.

BRASIL. Lei nº 14.533, de 11 de janeiro de 2023. Institui a Política Nacional de Educação Digital e altera as Leis nºs 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), 9.448, de 14 de março de 1997, 10.260, de 12 de julho de 2001, e 10.753, de 30 de outubro de 2003. 2023. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/norma/36763658/publicacao/36765691 . Acesso em 12 NOV. 2024

CAMPOS, Flavio Rodrigues Paulo Freire e Seymour Papert: educação, tecnologias e análise do discurso. Flavio Rodrigues Campos. – Curitiba, PR: CRV, 2013. 146p.

FREIRE, Paulo (1921-1997), A educação na cidade. 7.ª ed. São Paulo: Cortez, 2006.

LÉVY, Pierre. A inteligência colectiva – Para uma antropologia do ciberespaço. Tradução Fátima Leal Gaspar e Carlos Gaspar, Lisboa: Ed. Instituto Piaget, 1994

GARAFOLO, Débora. O que você precisa saber sobre a Política Nacional de Educação Digital. Revista Educação. Disponível em https://revistaeducacao.com.br/2023/02/17/politica-nacional-de-educacao-digital/. Acesso em 15 NOV 2024.

MENEGASSO, Mauriza Gonçalves de Lima. Tecnologias digitais de informação e comunicação na BNCC do ensino médio. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Maringá, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Departamento de Fundamentos da Educação, Programa de Pós- Graduação em Educação. Maringá, PR, 2023.

PAPERT, Seymour. A Família em Rede: Ultrapassando a barreira digital entre gerações. Tradução de Fernando José Silva Nunes e Fernando Augusto Bensabat Lacerda e Melo. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1996.

RAMOS, Marise Nogueira. A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação? São Paulo: Cortez, 2011.

TURCHI, Lenita; CODES, Ana Luiza; ARAÚJO, Herton. Formação continuada dos professores e a política nacional de educação digital. Brasília, DF: Ipea, abr. 2024. 31 p: il. (Texto para Discussão, n. 2983). DOI: http://dx.doi.org/10.38116/td2983-port

VOZES DA EDUCAÇÃO. O educador do futuro: um olhar para o futuro da formação continuada de professores e gestores escolares em 11 países. Recife: Vozes da Educação; Cartello; Conectando Saberes, jun. 2021.


1 (e-mail: renatoalfaia385@gmail.com) UFPA/Campus de Cametá
2 (e-mail: leozenha@ufpa.br) UFPA/Campus de Cametá