A RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA  JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10109493


Myllena Rúbia da Silva Pereira
Maria Eugênia Pinto de Sousa Freire
Orientador: Prof. Dr. Fabrício de Farias Carvalho


RESUMO 

O presente trabalho se propôs a fazer uma análise sobre a responsabilização civil por  abandono afetivo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Possui como objetivo  central estudar quais os pressupostos do Superior Tribunal de Justiça para a configuração  da responsabilidade civil em razão do abandono afetivo. Além disso, discorrer sobre a  figura do abandono afetivo, abordar a responsabilidade civil segundo a doutrina e  apresentar a atual situação da jurisprudência do STJ. Ademais, essa pesquisa foi  desenvolvida utilizando-se do método dedutivo, por meio da observação indireta, com  exame de temáticas gerais e por meio de revisão bibliográfica sendo didaticamente  dividida em três capítulos. 

PALAVRAS-CHAVES: Abandono afetivo. Direito de Família. Responsabilidade Civil. 

1. INTRODUÇÃO 

O abandono afetivo parental tem se tornado um tema de bastante relevância  no âmbito jurídico por ter se tornado um fator de responsabilização civil. Os requisitos  para essa configuração vão do non facere (obrigação de não fazer) a traumas adquiridos  por tal ato ilícito. As decisões de julgamentos chegados ao Superior Tribunal de Justiça  (STJ) dão norte para esses requisitos. O STJ não havia estabelecido um posicionamento  definitivo sobre a responsabilidade civil por abandono afetivo parental. No entanto, é  importante ressaltar que o tema tem sido objeto de discussão e decisões judiciais em  diversos tribunais do país.

Nesse sentido, o abandono afetivo parental ocorre quando um pai ou mãe  deixa de cumprir com suas responsabilidades emocionais e afetivas em relação ao filho,  prejudicando o seu desenvolvimento psicológico e emocional. Algumas decisões judiciais  têm entendido que essa omissão pode gerar danos morais e, consequentemente, dar ensejo  à responsabilidade civil do genitor.  

No Brasil, o direito de família é regido pelo Código Civil e pela Constituição  Federal, sendo que a proteção dos direitos da criança e do adolescente é assegurada pelo  Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Segundo o ECA, os pais têm o dever de  assistir, criar e educar seus filhos menores, incluindo a prestação de afeto.  

Ademais, nos casos em que há demandas judiciais relacionadas ao abandono  afetivo parental, os tribunais têm analisado cada caso de forma individual, considerando  aspectos como a gravidade da conduta, a existência de dano efetivo à criança ou ao  adolescente e a capacidade financeira do genitor. Dessa forma, é comum que cada decisão  seja fundamentada em elementos específicos do caso concreto, levando em consideração  os interesses do menor envolvido. 

Sendo assim, a justificativa desse trabalho se apresenta, tendo em vista que o  abandono afetivo é frequentemente discutido na sociedade, mas poucas vezes se procura  entender o que diz a jurisprudência a respeito do assunto. Além disso, a convivência com  os pais e familiares é de extrema importância para a formação da personalidade da  criança. Diante do abandono afetivo causado pelos pais aos filhos, pode gerar  consequências psicológicas. 

Posto isso, o presente trabalho busca analisar a responsabilização civil por  abandono afetivo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. A problemática está  lastreada em questionar quais os pressupostos para a configuração da responsabilidade  civil em razão do abandono afetivo. Ademais, objetiva-se estudar quais os pressupostos  do Superior Tribunal de Justiça para a configuração da responsabilidade civil em razão  do abandono afetivo.  

Nesse sentido, no primeiro capítulo estudar-se-á a instituição familiar e sua  evolução, fazendo um panorama geral de como a família foi sofrendo mudanças ao longo  dos anos e qual sua importância conforme o ECA. Além disso, será abordado sobre a  figura do abandono afetivo.

Em seguida, no segundo capítulo, será abordado sobre a responsabilização  civil nas relações familiares, quais os seus pressupostos e quais as causas excludentes de  culpabilidade. Por fim, no último capítulo, analisará a evolução jurisprudencial e a atual  situação da jurisprudência do STJ sobre o abandono afetivo. 

Como metodologia, utilizar-se-á a pesquisa exploratória, o método dedutivo,  pesquisa bibliográfica, documental e legislativa. O presente trabalho se encerra com as  considerações finais, apresentando pontos conclusivos acerca do tema abordado e uma  reflexão crítica sobre a responsabilização civil por abandono afetivo na jurisprudência do  Superior Tribunal de Justiça. 

2. A INSTITUIÇÃO FAMILIAR E SUA EVOLUÇÃO  

O instituto da família sofreu inúmeras modificações ao longo dos anos. Nele,  a mulher não estava em igualdade com o homem. O regime prioritário surgiu com a  monogamia e o aumento do poder do homem dentro do seio familiar, trata-se do regime  patriarcal. Assim, o homem passou a obter “o poder da direção do lar”, ficando a mulher  numa posição abaixo dele, tratando-a “como sua escrava e como objeto de reprodução”.  (CORREA, 2009) 

Por conseguinte, tem-se que para Porfírio, a família é a instituição social mais  arcaica criada pelo ser humano. Quando as pessoas começaram a se agrupar e se reunir  para tornar a vida mais simples, eles buscaram relacionamentos familiares para facilitar  o agrupamento, assim a família aumentou e originou o clã. Nesse período, as pessoas  ainda viviam uma vida nômade. (PORFÍRIO, 2022.) 

Assim, baseando-se na constituição da família romana esta era composta por  um grupo de pessoas e coisas que tinham principal autoridade do lar, uma espécie de  chefe, o homem. E, baseava a estrutura da família através de princípios normativos. Até  então a família era constituída por meio dos costumes, não existindo normas jurídicas.  Assim, a base da família passou a ser o casamento, ou seja, para que existisse uma família  era necessário que tivesse um casamento.  

Sob a autoria do poder familiar, que, como anota Rui Barbosa, era o sacerdote, o senhor e o magistrado, estavam, portanto, os membros da primitiva família romana (esposa, filhos, escravos) sobre os quais o pater exercia os poderes espiritual e temporal, à época unificados. No exercício do poder temporal, o pater julgava os próprios membros da família, sobre os quais tinha poder de vida e de morte (jus vitae et necis), agindo, em tais ocasiões, como verdadeiro magistrado. Como sacerdote, submetia o pater os membros da família a religião que elegia. (PEREIRA, p. 23, 1991) 

Nesse diapasão, com o sedentarismo que foi quando os sujeitos começaram  permanecer por um período mais longo em um determinado local, os clãs familiares  deram início às tribos e em seguida às cidades. Desse modo, além de assegurar proteção  e partilha do alimento, a família também desempenha o papel de vínculo de confiança  para a reprodução e continuidade da espécie. E foi nesse período que surgiu o modelo de  família patriarcal já mencionado, com o pai como autoridade da família. (PORFÍRIO,  2022). 

Posteriormente, após discussões em diversas vertentes da vida, a lei brasileira  reconheceu que a constituição da família se fundamenta no parentesco. Esse  entendimento sucedeu o conceito de família anterior que estava baseada no casamento e  no nascimento. Sendo assim, a definição de família modificou-se ao longo do tempo. A  família considerada tradicional, formada pelo pai, que provê a casa; a mãe, cuidadora e  protetora da família e seus filhos, passou a não ser o único modelo de família existente,  haja vista que o entendimento jurídico de família abrange vários tipos de famílias  objetivando dar conta de todas as complexidades que conectam as pessoas. 

Destarte, conforme aduz Carlos Roberto Gonçalves (2011): 

A família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social. Em qualquer aspecto em que é considerada, aparece a família como uma instituição necessária e sagrada, que merecerá a mais ampla proteção do Estado. (GONÇALVES, p. 17, 2011) 

Malgrado, ressalta-se que mesmo que não tenha um modelo específico de  família concerne ao ordenamento jurídico ser o responsável em assegurar os direitos  fundamentais, como por exemplo, o da prevenção de danos psicológicos que provém da  alienação parental. Desse modo, com o surgimento de um filho, sanguíneo ou não, é  atribuída à família o dever de proteger e fiscalizar para que este desfrute dos direitos  fundamentais que a ele compete. 

Nesse sentido, conforme estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescentes  – ECA, há três tipos de família: natural, extensa e substituta. Primeiramente, tem-se a  família natural que pode ser entendida como a constituída pelos pais ou qualquer deles e  seus descendentes conforme o art. 25, caput do ECA. Em seguida, a família extensa  composta pelos parentes próximos com os quais a criança ou o adolescente convive e mantém vínculos afetivos e afeições, sem se limitar apenas aos pais e filhos ou, ao casal  de acordo com art. 25, parágrafo único do ECA. Por fim, tem-se a família substituta que  é a qual a criança ou adolescente é direcionado de forma excepcional segundo o com o  art. 28 do ECA, que se fará através de adoção, tutela ou guarda. (BRASIL, 1990) 

A Declaração Universal dos Direitos das Crianças (BRASIL, 1959)  estabelece que, para assegurar o desenvolvimento harmonioso e pleno da personalidade  do menor, necessita-se de compreensão e amor, e em todos os casos é indispensável que  seja educado em um ambiente afetivo e com segurança material e moral. Nesse sentido,  a Constituição Brasileira e o ECA asseveram que toda criança e adolescente tem direito à  convivência familiar, considerando que este seja o ambiente de amor, compreensão,  respeito e segurança. 

Desse modo, pode-se concluir que antigamente a família era fundamentada  no casamento, biológico e patriarcal em função da produção e reprodução. A partir da  Constituição Federal de 88 e do Código Civil de 2002, torna-se uma unidade  socioemocional e com características instrumentais como se observará a seguir. 

2.1 Família e sua importância com base no ECA  

É de extrema relevância a família e sua convivência conforme aduz o Estatuto  da Criança e do Adolescente. O ECA instituiu uma nova roupagem na ordem jurídica e  institucional, estabelecendo limites à ação do Estado, da polícia, de empresas e até mesmo  aos responsáveis. É esperado que os pais ou responsáveis sempre busquem o melhor para  seus filhos, desde bem antes do seu nascimento, todavia, a legislação também estabelece  os direitos e obrigações que estes devem desempenhar perante seus filhos menores.  (SILVA, 2022)  

Destarte, quando se fala em maternidade/paternidade, além dos direitos, há  um dever de cuidado e proteção dos pais de assegurar aos filhos um desenvolvimento  adequado e seu bem-estar priorizando a saúde, a educação e a proteção de seus bens. Esse conjunto de deveres é intitulado de responsabilidade parental.  

Nesse sentido, observa-se que o direito à convivência familiar do infante está  relacionado a sua origem, formação, construção de personalidade, pautados no direito à  dignidade e ao desenvolvimento integral da criança e do adolescente. Assim, a  Constituição Federal de 1988, aduz que nenhuma criança ou adolescente será objeto de discriminação, exploração, negligência, violência, crueldade e opressão, devendo ser  repreendido conforme estabelece as normas, seja por ação ou omissão, aos seus direitos  fundamentais. Também dispõe a Constituição que crianças e adolescentes possuem direito  à proteção, à vida e à saúde, o que ocorre por meio da efetivação de políticas sociais  públicas que possibilitam o nascimento e o desenvolvimento sadio do infante e em  condições dignas de existência. (SILVÉRIO, 2022)  

Sendo assim, Maria Berenice diz:  

A missão constitucional dos pais, pautada nos deveres de assistir, criar e educar os filhos menores, não se limita a vertentes patrimoniais. A essência do poder parental é a mais importante, que coloca em relevo a afetividade responsável que liga pais e filhos, propiciados pelo encontro, pelo desvelar, enfim, pela convivência (DIAS, p. 11, 2005).  

Por conseguinte, analisa-se que as normas constantes no ECA fortalecem o  que traz a Constituição Federal de 1988 visando priorizar o interesse da criança e do  adolescente, respeitando e valorizando a formação enquanto cidadãos, assegurando-lhes  os direitos fundamentais tutelados na ordem jurídica brasileira.  

Para assegurar o pleno funcionamento da inviolabilidade física, moral e  psíquica do infante e do adolescente, criam-se ações, tais como policiamento reforçado,  visitas da assistência social, programa de acolhimento que proporcionam um ambiente  seguro e digno para os menores. Além disso, os administradores de instituições de ensino,  tanto públicas como particulares, têm o dever de repassar toda informação sobre casos de  violência ao conselho tutelar. (SILVÉRIO, 2022)  

Portanto, observa-se que desde o nascimento, o menor infante precisa da  proteção e de que decisões sejam tomadas por ele, haja vista sua especial condição e  fragilidade diante do mundo recém surgido à sua frente. Para isso, normalmente tem seus  progenitores para fornecer o cuidado e amor, além de representá-lo legalmente, quando  tiver necessidade. (BRITO, 2015)  

Assim, é de suma importância que a família esteja presente na vida dos  menores e cumpram com a sua responsabilidade parental. Além disso, que o papel do  Estado como órgão protetor seja desempenhado com primazia, juntamente com outros  departamentos responsáveis pelo cumprimento da Lei e para orientações aos familiares. 

2.2 A figura do abandono afetivo 

A problemática do abandono afetivo é, sem dúvidas, um dos mais  controvertidos no direito de família, tendo em vista a sua natureza e os deveres jurídicos  da família, sobretudo os pais, em relação aos seus filhos, do alcance do princípio da  afetividade e da natureza laica do Estado Democrático de Direito, “que não pode obrigar  o amor ou afeto às pessoas”. (LOBO, 2014).  

Nesse sentido, quando se fala em abandono afetivo, Hironaka (2006) aponta  a existência de dois panoramas: o primeiro, quando o pai ou a mãe se afasta  conscientemente do convívio da sua prole; e o segundo, quando ambos os genitores se  fizeram presente fisicamente, porém não tenham cumprido adequadamente as suas  funções. Nesta última hipótese, recomenda especial atenção, a fim de não serem aceitos  pedidos abusivos, apoiados apenas em rancores e mágoas. 

Assim, a figura do abandono afetivo parental refere-se à situação em que um  pai ou mãe deixa de cumprir suas responsabilidades emocionais e afetivas em relação ao  filho, resultando em uma ausência ou negligência na construção de um vínculo afetivo  saudável.  

O abandono afetivo parental pode ocorrer de diferentes maneiras De acordo  com Cantalice (2022), alguns exemplos incluem:  

Ausência física: Refere-se à situação em que o genitor se mantém fisicamente distante do filho, deixando de estar presente em sua vida de forma significativa. Isso pode ocorrer quando o genitor se afasta voluntariamente ou quando há obstáculos que dificultam a convivência regular, como separações, divórcios, mudanças geográficas, entre outros.
Desinteresse emocional: Envolve a falta de interesse, afeto ou envolvimento emocional com o filho. O genitor pode negligenciar as necessidades emocionais da criança, não demonstrando interesse em seu bem-estar, não oferecendo apoio emocional ou não estabelecendo um relacionamento significativo.
Omissão afetiva: Consiste na falta de cuidado, afeto e atenção adequados às necessidades emocionais do filho. O genitor pode ignorar ou minimizar as demandas emocionais da criança, não dando suporte emocional necessário para seu desenvolvimento saudável.  

É importante ressaltar que o abandono afetivo parental pode ter impactos  significativos na vida da criança ou do adolescente, podendo afetar seu desenvolvimento  emocional, social e psicológico. A figura do abandono afetivo é analisada no contexto do  direito de família, e em alguns casos pode gerar discussões sobre a responsabilidade civil,  buscando a reparação pelos danos causados. 

Para se provar o abandono afetivo é preciso que tenha os requisitos do artigo  927 do Código Civil, que relata: o cometimento de um ato ilícito, a culpa por parte dos  genitores, a existência de um dano (material ou moral), e um nexo de causalidade que se  estabelece entre a ausência de um vínculo afetivo dos pais e os danos decorrente dessa  ausência.  

As consequências legais do abandono afetivo parental podem variar de acordo  com a legislação de cada país e a interpretação judicial em casos concretos. É  recomendável buscar orientação jurídica especializada para entender como a figura do  abandono afetivo é tratada no contexto legal específico em que se aplica.  

Em um julgamento de um Recurso Especial no ano de 2005, a ministra Nancy  Andrighi afirmou com a seguinte declaração: “aqui não se fala ou se discute o amar, e  sim, a corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos”. A partir daí, foi  aberto um leque de possibilidades para haver indenização por abandono afetivo parental.  Apesar de que a princípio o tema pareça ser sobre o afeto somente, o colegiado julga sobre  o dever de cuidado e sustento que são positivados juridicamente.  

Além disso, observa-se que o artigo 227 da Constituição Federal e o artigo 4º  são dispositivos que fundamentam e dão garantias para a criança, e o direito à convivência  familiar é umas das garantias previstas nestes artigos. Segundo Maria Helena Dias:  

“Por preceito constitucional (CF 227) crianças e adolescentes transformaram-se em sujeitos de direito e foram contemplados com enorme número de garantias e prerrogativas. O princípio da proteção integral impõe que sejam colocados a salvo de toda forma de negligência. Mas direito de uns significa obrigações de outros. São responsáveis a dar efetividade a esse leque de garantias: a família, a sociedade e o Estado”.  

Assim, ao regulamentar a norma constitucional, o ECA identifica como  direito fundamental de crianças e adolescentes o seu desenvolvimento sadio e harmonioso  (ECA 7º). Igualmente lhes garante o direito a serem criados e educados no seio de sua  família (ECA 19º). Ou seja, não só os pais são responsáveis por tais direitos e deveres,  mas também a sociedade e o Estado, abrindo portas para uma possível reparação por  danos no caso de descumprimento de algumas dessas garantias.  

As decisões favoráveis ao pagamento da indenização, estão majoradas no  sentido do dever cuidar, e não do afeto. Apesar do título levar este termo, o entendimento  se torna outro quando trazido para os dispositivos que regulamentam essa obrigação, e  essa responsabilização civil por tal conduta ilícita.

3. RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES FAMILIARES  

A responsabilidade civil é um conceito fundamental no direito, que estabelece  a obrigação de reparar os danos causados a terceiros em decorrência de uma conduta  ilícita. A doutrina jurídica aborda amplamente esse tema, fornecendo uma série de  conceitos e princípios relacionados à responsabilidade civil. O termo responsabilidade  civil, de acordo com a definição de De Plácido e Silva é:  

“Dever jurídico, em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão, que lhe seja imputado, para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legais, que lhe são impostas. Onde quer, portanto, que haja obrigação de fazer, dar ou não fazer alguma coisa, de ressarcir danos, de suportar sanções legais ou penalidades, há a responsabilidade, em virtude da qual se exige a satisfação ou o cumprimento da obrigação ou da sanção” (SILVA, 2010, p. 642).  

Diante disso, pode-se definir Responsabilidade Civil como a obrigação que  um sujeito tem de reparar o dano causado a outro, em decorrência de um comportamento  ilícito. De acordo com os ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves (2012), a  responsabilidade civil tem, pois, como um de seus pressupostos, a violação do dever  jurídico e o dano. Há um dever jurídico originário, cuja violação gera um dever jurídico  sucessivo ou secundário, que é o de indenizar o prejuízo. 

No que tange à ressarcibilidade pelo dano derivado do abandono afetivo, as  correntes doutrinárias dividem-se, sumariamente, entre três direções: a) os que compreendem ser possível a reparação, levando em consideração, sobretudo, o princípio  da afetividade e/ou o afeto como dever jurídico; b) os que não lhes atribuem tal qualidade,  porém fundamentam a reparação civil pela violação a outros deveres jurídicos expressos;  e c) os contrários ao ressarcimento do dano derivado do abandono afetivo. (GURGEL,  2018) 

Nesse sentido, tem-se que para Schreiber (2012) a problemática que envolve  o abandono afetivo, diversamente do que muitos argumentam, não estar relacionado com  a violação de uma obrigação de amar ou de dar afeto, todavia se refere aos deveres  jurídicos dos genitores de criarem e proporcionar um desenvolvimento saudável para os seus filhos, de forma que, acarretando-lhes danos efetivos, o dever de indenizar é  possível, desde que presentes os demais elementos da responsabilidade civil.  (SCHREIBER, 2012)

Na mesma linha de raciocínio, Monteiro (2012) declara que, sendo  descumprido os deveres que os pais possuem perante seus filhos, além de ser cabível a  suspensão ou extinção do poder familiar, é perfeitamente viável a aplicação das regras de  responsabilidade civil. 

Destarte, analisa-se que o afeto, carinho, amor e a convivência não se tratam de aspectos opcionais de uma engrenagem, de modo que, sendo deveres ligados ao poder  familiar, quando violados, se caracterizam em atos ilícitos. Além disso, os pais negligentes  causam danos à personalidade dos seus filhos, ao passo em que se isenta de cuidar, de dar  atenção, carinho e afeto a estes, os quais devem ser ressarcidos, objetivando-se a geração  de reflexões e impedimento de condutas similares. (PEREIRA&SILVA, 2006) 

Noutro giro, o afastamento entre pais e filhos geram sérias consequências de  ordem emocional, podendo prejudicar o correto desenvolvimento dos filhos e deixar  sequelas permanentes em suas vidas. Desse modo, a indenização dos pais omissos  resultante do exercício do poder familiar de forma nociva ou destrutiva, tendo em vista que a ausência da figura paterna desestrutura os filhos, a ponto destes se tornarem pessoas  inseguras e infelizes (DIAS, 2015).  

Nessa diapasão, no entendimento de Hironaka (2006), a omissão voluntária e  infundamentada dos pais, geralmente, ocasiona “dor psíquica e consequente prejuízo à  formação da criança, decorrente da falta não só do afeto, mas do cuidado e da proteção  (função psicopedagógica)”, em virtude da relevância da presença dos pais nas vidas dos  menores, principalmente quando o vínculo afetivo já havia sido estabelecido entre eles. 

Por conseguinte, tem-se que é justamente a “carência afetiva” que justifica a  reparação civil pelo irreparável dano ocasionado pela falta consciente da assistência  psicológica aos filhos, tão necessário e relevante para o adequado desenvolvimento  destes. (MADALENO, 2017) 

Desse modo, a responsabilidade civil na figura do abandono afetivo parental se configura como o dever jurídico violado sendo a obrigação de cuidar da prole. Além  disso, existe um entendimento do STJ esclarecendo que o dano moral por abandono  afetivo parental é compensável, ou seja, essa responsabilidade é meramente uma  compensação pelos anos de omissão da obrigação e pelos traumas adquiridos no filho  abandonado. A Quarta Turma do STJ também destaca que a obrigação do dever cuidar  está relacionada ao dever de sustento, que difere de cuidar afetuosamente, uma vez que não há ordenamento jurídico positivado a afetividade. O bem tutelado será o dever de  cuidar para que haja o cabimento de indenização por danos morais. Assim, não se pode  falar em amor em uma decisão judicial, tendo em vista que o afeto é uma faculdade e não  pode-se exigir essa obrigatoriedade, diferente dos direitos garantidos, tanto pelo artigo  227 da Constituição Federal, quanto no artigo 4º do ECA. 

3.1 Pressupostos da Responsabilidade Civil 

A responsabilidade civil pode ser definida como o dever jurídico sucessivo  derivado do descumprimento de uma norma jurídica que já existia, que submete, ao  gerador do dano, recompensação monetária à vítima, caso não se exista a possibilidade  de restabelecer o status quo anterior das coisas (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,  2014).  

Nesse sentido, na norma jurídica brasileira, observa-se duas espécies de  responsabilidade civil, quais sejam: a) responsabilidade civil contratual conforme o art.  389 do CC, quando existe uma ligação obrigacional preexistente; e b) responsabilidade  civil extracontratual ou aquiliana de acordo com os arts. 186 e 187 do CC, que aparece da violação direta de uma lei, inobstante de qualquer relação jurídica.  

Ademais, a responsabilidade civil pode ser classificada em objetiva e subjetiva. Na primeira, a existência de dolo ou culpa na ação do agente considera-se  juridicamente desnecessário, exigindo somente a manifestação do nexo de causalidade  entre o dano e a conduta humana para caracterizar a obrigação de indenizar.  (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014). Já o segundo tipo de espécie, a  responsabilidade civil subjetiva, pode ser aplicada à inúmeras situações no direito de  família, decorre do dano gerado em função de um ato doloso ou culposo, sendo, assim,  necessária a comprovação do elemento subjetivo do agente, para fins de indenização  (ALMEIDA, 2015).  

De acordo com o art. 186 do CC, são três os pressupostos da responsabilidade  civil subjetiva: a) a conduta culposa do agente; b) o dano; e c) o nexo de causalidade. Para  Cavalieri Filho (2010, p. 17)  

“há primeiramente um elemento formal, que é a violação de um dever jurídico mediante conduta voluntária; um elemento subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa; e, ainda, um elemento causal-material, que é o dano e a respectiva relação de causalidade.” (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 17)

Desse modo, pode-se definir o ato ilícito como a ação humana transgressora  de direitos subjetivos, que se expõe através de uma ação ou omissão, infringindo a ordem  jurídica e causando danos a alguém (TARTUCE, 2013). Tal ação, por seu turno, possui  como núcleo principal a voluntariedade, “que resulta exatamente da liberdade de escolha  do agente imputável, com o discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz”.  (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 73).  

Destarte, usando como exemplo a responsabilidade no caso de abandono  afetivo, a conduta ilegal é, geralmente, omissiva, haja vista que deriva da inexecução dos deveres do poder familiar que lhes são impostos. Com isso, a omissão obtém especial  importância quando o sujeito possui o dever jurídico de agir ou de evitar determinado  resultado, todavia, por ato voluntário, não o faz, assumindo o risco. (CAVALIERI FILHO,  2010).  

No que se refere à necessidade de comprovação do dano moral nos casos de  abandono afetivo, existe uma desarmonia doutrinária em relação aos limites e extensões  da aplicação dos elementos da responsabilidade civil, sobretudo se infringe um dever  jurídico específico do direito de família, por si só, seria o bastante para causar o dever de  indenizar (FARIAS; ROSENVALD, 2014).  

Nesse sentido, tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátria, geralmente nos  casos da responsabilidade extrapatrimonial, vêm optando pela à tese de que o dano moral  é in re ipsa, ou seja, pelas palavras do Cavalieri Filho (2010):  

“deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, […], que decorre das regras da experiência comum”. (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 90).   

Portanto, independentemente do tipo de responsabilidade, a existência do  dano é fundamental para a sua concretização. Por outro lado, para que se concretize o  dever de indenizar, é necessário ainda que exista uma relação entre a ofensa à norma e o  prejuízo gerado, de tal forma que se possa afirmar que sem esse fato, o prejuízo não teria  ocorrido.  

3.2 Excludentes da culpabilidade 

Como já mencionado, a responsabilidade civil pelo abandono afetivo não é  objetiva, tendo em vista que estar subordinado a comprovação do elemento de culpa dos  pais a quem se atribui a conduta omissa. Desse modo, para a caracterização da reparação civil não basta que os genitores tenham infringidos os deveres jurídicos do poder família,  necessitando restar comprovado, no caso concreto, que o pai ou a mãe omissa poderia ter  agido de outra maneira e não o fez por ato de exclusiva vontade, sem qualquer justificativa  razoável para tanto (PRADO, 2012). 

Nesse sentido, existem cenários que excluem a culpabilidade da mãe ou pai a  quem se atribui o descumprimento, a exemplo de condutas ultrajantes por parte do outro  genitor, ou até mesmo do próprio filho, até mesmo em razão da alienação parental  (LOBO, 2018, p. 314). Usando como exemplo, pode-se citar os casos em que o genitor  mora em local bastante longe, cujo traslado é muito oneroso, principalmente em famílias  de baixa renda, assim como nas situações em que o genitor estiver com algum tipo de  doença grave que possa colocar em risco a segurança e saúde do filho.  

Destarte, de acordo com o posicionamento consolidado no âmbito do  Superior Tribunal de Justiça, também não se pode existir a indenização por abandono  afetivo que acontece antes do conhecimento da paternidade. Nesse sentido, destacam-se  o AgRg no Agravo REsp 766.159/MS e o REsp 1.374.778/DF. In verbis:  

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. NOVO CPC. INAPLICABILIDADE. FAMÍLIA. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. ALIMENTOS. AFERIÇÃO DO BINÔMIO NECESSIDADE/POSSIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7 DO STJ. PRECEDENTES. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. QUANTUM. EQUIDADE NA FIXAÇÃO. REEXAME DAS PREMISSAS DE FATO ADOTADAS PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7 DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL INVIABILIZADO EM RAZÃO DE ÓBICE SUMULAR. PRECEDENTES. ALEGADO ABANDONO AFETIVO ANTES DO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. […] 6. A Terceira Turma já proclamou que antes do reconhecimento da paternidade, não há se falar em responsabilidade por abandono afetivo. Precedentes. 7. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no AREsp 766.159/MS, Rel. Ministro 35 Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 02/06/2016, DJe 09/06/2016) (grifos acrescidos)
CIVIL E FAMÍLIA. PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. ALEGADA OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. PRETENSÃO DE ACOLHIMENTO DE ABANDONO AFETIVO POR OMISSÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. […] O desconhecimento da paternidade e o abandono da anterior ação de investigação de paternidade por mais de vinte anos por parte do investigador e de seus representantes, sem nenhuma notícia ou contato buscando aproximação parental ou eventual auxílio material do investigado, não pode configurar abandono afetivo por negligência. […]. (STJ, REsp 1.374.778/DF, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 23/02/2016, DJe 01/03/2016) (grifos acrescidos) 

Ademais, o encargo da prova de tais possíveis excludentes de culpabilidade é  do pai ou mãe omissa. Por outro lado, os danos derivados do abandono afetivo não são  presumíveis, devendo ser devidamente comprovados por quem os alega. 

4. EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL  

Em um corpo social outrora estruturada sob o patriarcado, era notoriamente impossível supor ou imaginar que um genitor pudesse ser condenado por deixar de cuidar  do seu próprio filho, e por esse motivo sempre existiu tanto preconceito contra os que  arriscam interpelar a ilegalidade do abandono parental, principalmente, praticado  pelos pais ou mesmo pela mãe.  

Nesse sentido, após décadas de convívio com esse embate social, a  primeira condenação de um pai por danos morais derivados de abandono de filho foi  pronunciada em 19 de setembro de 2003, em Capão da Canoa, no Rio Grande do Sul. O aludido genitor foi sentenciado a pagar 200 (duzentos) salários mínimos por danos  psicológicos à filha pelo juiz Mario Maggioni, da 2ª Vara Cível da cidade. Na condenação,  o juiz frisou que a educação, além de prover a escolaridade, trata-se de passear, brincar,  ir ao parque e estabelecer condições para que o menor se desenvolva. Da decisão não  houve recurso, tornando-se a primeira condenação no Brasil nesse sentido.  

Ademais, no ano posterior, em 2004, no Brasil se teve a primeira condenação  em segunda instância de um genitor que abandonou o filho manifestada pelo Tribunal de  Justiça do Estado de Minas Gerais, no valor de R$ 44.000,00 (quarenta e quatro mil reais),  porém essa sentença foi reformada pelo Superior Tribunal de Justiça em 2006, ao  reconhecer a impossibilidade da indenização. 

Noutro giro, nos anos seguintes, houve uma intensa influência da  constitucionalização no Direito de Família, sobretudo, baseando-se no Princípio da  Dignidade da Pessoa Humana, que obrigou uma análise de forma mais incisiva para  aqueles que eram omissos com seus filhos e o abandonaram nos julgados dos inúmeros tribunais do país. Sempre destacada, assim, a importância da dignidade da pessoa humana passou a ser norma de dever-ser, com caráter jurídico e vinculante, não podendo mais ser  considerado somente um valor cujo caráter seria apenas axiológico (BORGES, 2007).  

Destarte, as sentenças foram sendo manifestadas nos tribunais dos diversos  estados do Brasil, até que, no dia 24 de abril de 2012, o Superior Tribunal de Justiça proferiu o acórdão do Recurso Especial 1159242/SP44, de relatoria da Ministra Nancy  Andrighi, que condenou um pai a pagar à sua filha o valor de R$ 200.000,00 (duzentos  mil reais), como se pode observar em seguida, ipsis litteris: 

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.  
1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar⁄compensar no Direito de Família. 
2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF⁄88. 
3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 
4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 
5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 
6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 
7. Recurso especial parcialmente provido. 

Desse modo, depois dessa decisão do STJ que restou transitada em julgado,  foram manifestadas várias condenações nesse mesmo viés. O que se compreende da  decisão é que não há qualquer impedimento à aplicação das regras de responsabilidade  civil no Direito de Família. Destaca-se que, outrora, o Supremo Tribunal Federal já havia  se manifestado sobre a questão, entendendo que, no recurso em análise, não existia  qualquer ofensa direta à Constituição Federal.

4.1 A atual situação da jurisprudência do STJ sobre o abandono afetivo 

O amor não é citado como preceito legal uma vez que não existe nenhum  fundamento jurídico para exigir a obrigatoriedade do afeto, o que prevalece nas decisões  do STJ é o dever de cuidar da prole como garantia fundamental, e os traumas acarretados  pelo abandono.  

Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) do Brasil não estabeleceu  um posicionamento definitivo sobre a responsabilidade civil por abandono afetivo  parental. Se realizado os deveres de sustento, guarda e educação, ou de fornecer as  necessidades do filho, em situação de vulnerabilidade, não configura dano moral  indenizável.  

No entanto, é importante ressaltar que a jurisprudência dos tribunais  brasileiros, incluindo o STJ, tem reconhecido a possibilidade de responsabilização civil  em casos de abandono afetivo parental em determinadas circunstâncias. Essas decisões  judiciais têm considerado que a omissão afetiva prolongada e injustificada por parte de  um genitor pode causar danos morais ao filho, justificando assim a reparação.  

Cada caso é analisado individualmente, levando em conta elementos  específicos, como a gravidade da conduta, o dano efetivo causado à criança ou ao  adolescente, a capacidade financeira do genitor e outros fatores relevantes. Além disso, a  jurisprudência tem observado que a responsabilização civil por abandono afetivo não se  confunde com a imposição de uma obrigação de amar, mas sim com o dever de cumprir  com as responsabilidades parentais, incluindo o dever de prestar afeto na medida do  possível. 

Assim, após a decisão do Superior Tribunal de Justiça, de relatoria da já  mencionada Ministra Nancy Andrighi, reconhecendo o abandono afetivo e a  responsabilidade com os filhos como valor vinculado às normas brasileiras nos termos do  artigo 227 da Constituição Federal, foram proferidas várias decisões no mesmo sentido.  

Já em outro caso julgado pelo STJ em 2021, a Terceira Turma deu provimento  ao Recurso Especial que fazia o pedido de reparação de danos morais em R$ 30.000,00 a  ser pago pelo pai para a filha que foi abandonada afetivamente. Neste caso, chegaram à  conclusão que é possível haver ação de danos pleiteada pelos filhos em face dos pais que  cometeram o abandono afetivo. 

“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. PEDIDO 12 JURIDICAMENTE POSSÍVEL. APLICAÇÃO DAS REGRAS DE RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES FAMILIARES. OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS E PERDA DO PODER FAMILIAR. DEVER A ASSISTÊNCIA MATERIAL E PROTEÇÃO À INTEGRIDADE DA CRIANÇA QUE NÃO EXCLUEM A POSSIBILIDADE DA REPARAÇÃO DE DANOS. RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DOS PAIS. PRESSUPOSTOS. AÇÃO OU OMISSÃO RELEVANTE QUE REPRESENTE VIOLAÇÃO AO DEVER DE CUIDADO. EXISTÊNCIA DO DANO MATERIAL OU MORAL. NEXO DE CAUSALIDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS NA HIPÓTESE. CONDENAÇÃO A REPARAR DANOS MORAIS. CUSTEIO DE SESSÕES DE PSICOTERAPIA. DANO MATERIAL OBJETO DE TRANSAÇÃO NA AÇÃO DE ALIMENTOS. INVIABILIDADE DA DISCUSSÃO NESTA AÇÃO. (REsp n. 1.887.697/RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 21/9/2021, DJe de 23/9/2021.)”  

Nesse caso, pode-se contemplar que mesmo o pai pagando pensão  alimentícia, não interfere no ensejo de mover uma ação indenizatória contra os pais. Nessa  decisão, o STJ aborda e reúne inúmeras consequências adquiridas ao longo dos anos em  um filho que foi abandonado afetivamente pelos pais.  

Todavia, mesmo após aquela Corte Especial decidiu, no ano de 2012, que não  existiam quaisquer limitações legais que impeçam a aplicação das normas da  responsabilidade civil em casos de atos ilícitos praticados dentro do ambiente familiar,  com o consequente dever de indenizar, passou-se quase uma década sem prover recursos  a conceder indenização naquele tribunal, voltando o STJ a dar provimento a dois recursos  somente no ano de 2021.  

Nesse sentido, também existem pareceres contrários aos casos já  mencionados. Em 2019, o STJ negou o provimento de um agravo em recurso especial  que se pode verificar no trecho da decisão a seguir: “O dever de cuidado compreende o  dever de sustento, guarda e educação dos filhos. Não há dever jurídico de cuidar  afetuosamente, de modo que o abandono afetivo, se cumpridos os deveres de sustento,  guarda e educação da prole, ou de prover as necessidades de filhos maiores e pais, em  situação de vulnerabilidade, não configura dano moral indenizável.” 

Ou seja, mesmo havendo o abandono, nessa decisão negativa para conceder  os danos morais, foi levado em consideração que o dever de cuidado, juridicamente  falando, é o dever de sustento, o amparo material. Não há nenhuma lei no ordenamento  jurídico, ou garantia fundamental na Constituição Federal que assegure esse cuidado  afetuoso.  

Apesar de haver essa grande controvérsia no entendimento jurídico sobre a  responsabilização civil por abandono afetivo parental, ainda há alguns firmes  entendimentos do STJ sobre este tema (como acima mencionado), para ser um norte para  estudos e fundamentos para futuras decisões sobre o assunto. 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Ao longo dos anos se pode observar as inúmeras transformações na formação  da família, que já foi núcleo econômico, religioso, político, jurisdicional, com concepções  e expectativas inteiramente diversas das existentes na modernidade, cujo número de  pessoas que as compõem foi diminuído e o comportamento familiar também se modificou.  

A chegada da Constituição Federal em 1988 marcou o direito de família,  assim como toda a legislação posterior no âmbito da Constituição que sofreu um enorme  impacto, sobretudo, na proteção geral das crianças e adolescentes e na relação entre os  direitos e obrigações dos pais. 

Desse modo, com o afeto sendo a base das relações familiares, começam a  surgir questionamentos em relação à responsabilização ante o descumprimento do dever  de cuidado dos pais ao abandonarem afetivamente seus filhos e as possíveis  consequências no desenvolvimento da criança, descumprindo veemente o que expressa a Constituição.  

Diante disso, esse questionamento tem dividido cada vez mais os  doutrinadores como também a jurisprudência ficando a cargo do poder judiciário resolver  essa controvérsia, tem se levantando cada vez mais apontamentos sobre o dever de  reparação nos casos de abandono afetivo, o que tem gerado debates sobre a monetização  do afeto nas relações familiares. 

Assim verificado que o abandono afetivo apesar das diferentes divergências  pode trazer consequências à luz do instituto da Responsabilidade Civil, todavia, é  necessário a presença dos requisitos essenciais para sua caracterização, não bastando apenas da omissão do afeto, é essencial que se demonstre os danos que a criança ou  adolescente sofreu em decorrência desse abandono que prejudicam seu  desenvolvimento físico moral ou psicológico.  

Em relação ao posicionamento do STJ acerca da matéria, tem-se que, em um  primeiro momento, a jurisprudência desta Corte Superior caminhava no sentido de que as  controvérsias familiares deveriam ser resolvidas com base nos próprios princípios do  Direito de Família, não sendo possível aplicar regras advindas de outros ramos jurídicos.  Em seguida, passou-se a admitir que, em hipóteses excepcionais, de gravíssimo descaso  dos genitores em relação aos seus filhos, seria cabível a reparação civil pelo abandono  afetivo, com fundamento na violação do “dever de cuidado”. 

Diante do exposto, sem esgotar a discussão temática, a questão do “abandono  afetivo” dos filhos, por ser muito delicada, deve ser analisada com parcimônia pelo Poder  Judiciário, no sentido de serem analisados de acordo com o caso concreto, devendo ser  comprovado o prejuízo causado a criança não sendo admitido a mera conduta ilícita.

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BRASIL. STJ – REsp: XXXXX RS XXXXX/XXXXX-8, Relator: Ministra MARIA  ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 19/10/2017, T4 – QUARTA TURMA, Data  de Publicação: DJe 29/11/2017.  

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