A RESPONSABILIDADE PENAL SOB A ÓTICA DA LEI DE CRIMES AMBIENTAIS NO BRASIL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7947131


Renata Oliveira Seabra1
Pedro Henrique Oliveira2


RESUMO

O presente trabalho busca apresentar um estudo acerca da responsabilização penal sob a ótica da Lei de Crimes Ambientais. Para tanto, se objetivou estabelecer uma análise da história do Direito Ambiental no Brasil, seus princípios mais relevantes, os atuais e mais relevantes problemas ambientais nacionais e os mecanismos legais para tipificação das infrações ambientais e de responsabilização dos infratores. A fim de fundamentar o estudo, foi realizada pesquisa documental em fontes primárias, tais como a Lei de Crimes Ambientais, Código Penal e Constituição da República Federativa do Brasil, e ainda, com fito em dar embasamento teórico à discussão, foram utilizadas fontes secundárias, como doutrinas, jurisprudências e pesquisas científicas tangentes ao tema. Ficou constatado que no Brasil as leis ambientais, desde o primeiro Código Florestal de 1934, vêm evoluindo e se aprimorando, principalmente no que se refere aos princípios e regulamentações. Da mesma forma apesar dos crescentes, e cada vez mais relevantes, problemas ambientais, os novos mecanismos legais para repressão das infrações ambientais vêm se tornando cada vez mais rigorosos e bem direcionados, focando naqueles que realmente produzem os danos ambientais. O estudo demonstrou que a responsabilização penal advinda da Lei de Crimes Ambientais, mesmo com os grandes desafios que atualmente se apresentam nas questões ambientais brasileiras, tem sido capaz de cumprir seu papel legal esperado.

PALAVRAS-CHAVE: Crimes Ambientais. Responsabilização Penal. Pessoas Jurídicas.

1 – INTRODUÇÃO

O tema proposto para o trabalho foi: Responsabilidade Penal Sob a Ótica da Lei de Crimes Ambientais no Brasil. A partir desta proposta busca-se analisar a forma como esta lei atua frente à responsabilização dos agentes que incorrem em crimes ambientais, apresentando os princípios que regem tal norma e os mecanismos legais que possibilitam a sua efetividade no combate às infrações ambientais praticadas por pessoas físicas ou jurídicas. O ponto principal a ser tratado neste tema, tem como objeto de estudo a Lei 9.605/98, que trata sobre os crimes ambientais e infrações administrativas dentro do ordenamento jurídico. Procura-se discutir a respeito da responsabilidade penal da pessoa física e jurídica, relacionando a problemática do meio ambiente e a efetiva aplicação dessa legislação ambiental brasileira atualmente.

Além da referida lei serão feitas pesquisas na Constituição Federal, Legislações, Decretos e Jurisprudências pertinentes ao tema. A metodologia escolhida para o estudo se baseou principalmente em uma análise documental a partir das legislações pertinentes ao tema e em uma pesquisa bibliográfica em fontes secundárias, como doutrinas e jurisprudências, que teve a finalidade de fundamentar teoricamente todas as informações apresentadas.

O resultado obtido de tal método foi que foram verificados quais os principais mecanismos de proteção ambiental e repressão às práticas criminosas que afetam o meio ambiente a partir da Lei 9.605/98. Neste interim, analisou-se a forma como a lei é aplicada a diferentes agentes, tais como as pessoas físicas ou jurídicas. Desta forma demonstrando como a legislação vigente tutela questões ligadas aos graves problemas ambientais encontrados no Brasil.

2 – NOÇÕES GERAIS SOBRE CRIMES AMBIENTAIS

Primordialmente, quando falamos em direito ambiental, diz respeito ao conjunto de leis, condições, influências e interações biológicas, químicas e físicas. Sendo elas capazes de abrigar e permitir a vida em suas diversas formas. Tendo em vista que devido à enorme devastação ambiental sofrida e com a probabilidade de danos até mesmo à vida humana foi instituído o Direito, como responsável por normatizar e regularizar a utilização de recursos ambientais. Pois, o direito ao meio ambiente equilibrado ecologicamente falando, deve ser assegurado para todos, tanto que foi integrado como um direito de terceira geração acompanhado de valores solidários, com a finalidade de fornecer harmonia para os indivíduos perante a sociedade (MURTA, 2019).

A conceituação acerca do Direito Ambiental Brasileiro iniciou com o advento da Lei nº 6.938/81, dispondo acerca da Política Nacional do Meio Ambiente, responsável por inovar os princípios, conceitos, objetivos e mecanismos voltados à proteção do meio ambiente. Em seguida, houve um marco histórico acerca do Direito Ambiental elevado a uma importância constitucional, em seu dispositivo jurídico foi criado um capítulo com a finalidade única de tratar sobre o meio ambiente (FACIO; GODOY, 2013).

Tendo em vista que o planeta e o meio ambiente sofreram diversos danos e ainda que a população mundial se mobilize de forma gradativamente lenta, a nossa maior colaboração em busca de combater a degradação ambiental é a Constituição de 1988, pois ela irá assegurar uma colaboração mútua do país seguida de iniciativas internacionais. Assim como alertar para o desenvolvimento de uma consciência nacional voltada para a preservação ambiental, afim de garantir uma melhor qualidade de vida para todas as gerações. Este despertar de conscientização então surgiu, com o chamado Direito Ambiental (FACIO; GODOY, 2013).

2.1 PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL

Existem diversos princípios concernentes à área ambiental, o direito ao meio ambiente equilibrado, assegurado constitucionalmente (art. 225 CF/88), é considerado condição indispensável para uma vida digna, e evitar agressões ambientais que ensejarão na diminuição da qualidade de vida das gerações atuais e das futuras gerações, causando problemas como a escassez de recursos naturais cruciais, como a água potável (CHERUBINI, 2014).

O princípio do desenvolvimento sustentável é definido como a possibilidade de se prover as necessidades atuais sem prejudicar as futuras gerações, permitindo que estas também tenham acesso a um Meio Ambiente preservado, ou seja, o referido princípio baseia-se em utilizar de forma consciente e sustentável os recursos naturais atuais, para que não ocorra seu esgotamento e as próximas gerações não sofram com a falta desses recursos (SILVA; FELÍCIO, 2017). Outro princípio de grande valia no âmbito do direito ambiental é o princípio do poluidor pagador nele busca-se que o

poluidor, seja pessoa física ou jurídica, de direito privado ou público tenha a obrigação de assumir os custos da prevenção dos eventuais danos ambientais que sua atividade possa vir a causar, assim como, caso venha efetivamente a ocorrer o dano, que o indivíduo seja responsabilizado por sua reparação (FIORILLO, 2018).

O princípio da prevenção é aplicado quando há certeza que a atividade desempenhada é danosa ao meio ambiente, comprovado o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado e os potenciais danos que possam vir a ser causado através de uma base científica. Tem o condão de prevenir e impedir a ocorrência desses danos já conhecidos, através da imposição de obrigações acautelatórias necessárias para a entrada em exercício da atividade, visto que a prevenção é sempre menos onerosa e mais fácil do que a reparação de um dano já ocorrido. A prevenção encontra constitucionalmente prevista, no art. 225, § 1º, IV, da CF/88 (MILARÉ, 2016).

No mesmo viés, o princípio da precaução busca evitar riscos ao Meio Ambiente, diferentemente do que ocorre no princípio da prevenção, os riscos a serem evitados não precisam ser dotados de certeza, pois a falta de certeza científica não pode ser utilizada como forma de adiar medidas viáveis economicamente para prevenção ambiental (SANTOS; MITSUOKA NETO; CHOI, 2018).

3 – CRIMES AMBIENTAIS

O crime ambiental é toda e qualquer ação prejudicial aos elementos que integram o ambiente que viole tipificação legal, podendo ser uma ação em desfavor da flora, fauna, patrimônio cultural ou recursos naturais. Outrossim, condutas que ignoram as regras positivadas em leis ambientais, mesmo que não prejudiquem de forma direta o meio ambiente, também são reputadas crimes ambientais (FARIA, 2019).

O bem jurídico tutelado nos crimes ambientais é o meio ambiente, protegendo de forma global esse direito difuso fundamental, necessário à saúde e bem-estar do ser humano, dessa maneira, a Lei 9.605/98 traz proteção a diversas categorias de meio ambiente. Esta lei protege o meio ambiente natural, representado pela água, solo, flora, ar atmosférico, fauna, em outras palavras, constituído pela biosfera, o meio ambiente cultural, formado pelo patrimônio histórico, artístico, paisagístico, espeleológico, arqueológico, turístico, entre outros e tutela também o meio ambiente artificial composto da parte urbana, das construções, praças, ruas, áreas verdes, etc. (MILARÉ, 2016).

Por força do princípio da especialidade que explicita que as normas especiais prevalecem sobre normas gerais, as normas positivadas na Lei 9.605/98 são aplicadas com prevalência sobre as regras gerais previstas no Código de Processo Penal e no Código Penal. Não obstante, caso ocorra omissão na referida lei, serão aplicadas de forma subsidiária as regras da Lei 9.099/95, do Código de Processo Penal e do Código Penal (THOMÉ, 2018).

Quanto aos sujeitos do crime, qualquer pessoa física dotada de imputabilidade pode ser sujeito ativo de crimes ambientais, bem como as pessoas jurídicas também podem ocupar o lugar de sujeito passivo dos crimes contra o Meio Ambiente. Quanto ao sujeito passivo, figura nesse polo a União, os Estados e os Municípios de forma direta, e de forma indireta figura a coletividade (SIRVINSKAS, 2021). No que concerne as sanções penais previstas na Lei 9.605/98, além da responsabilização penal de pessoas físicas, possibilita também a responsabilidade de pessoas jurídicas, de acordo com o Art. 3º da referida lei, essas pessoas “serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei” (BRASIL, 1998).

Portanto, conceituado o crime, verifica-se que a conduta é a vontade exteriorizada através da ação ou omissão que viole as regras jurídicas, cabendo punição com as devidas sanções legais. E de acordo a Lei dos Crimes Ambientais, os crimes contra o meio ambiente podem ser classificados em cinco categorias diferentes, sendo elas: crimes contra a fauna (arts. 29 a 37), crimes contra a flora (arts. 38 a 53), poluição e outros crimes ambientais (arts. 54 a 61), crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural (arts. 62 a 65), crimes contra a administração ambiental (arts. 66 a 69-A). Além desses crimes, a referida lei também trata das infrações administrativas ambientais (arts. 70 a 76) (BRASIL, 1998).

Com relação a situação brasileira, são inúmeros os problemas de cunho ambiental, de acordo com dados do IBGE, aproximadamente 90% dos municípios do Brasil tem problemas ambientais. Entre os principais problemas ambientais que ocorrem no território nacional estão as queimadas, o desmatamento, o assoreamento dos cursos d’água, as diversas formas de poluição, o tráfico de animais silvestres e diversos outros (VASCONCELOS; MARTIN, 2008).

Um dos principais delitos contra o meio ambiente é o tráfico de animais silvestres. O Brasil, por ser um país com uma exuberante biodiversidade, possui diversas espécies da fauna cobiçadas em todo o mundo para serem usadas como pets. Outro problema de grande proporção na realidade brasileira é o desmatamento, que consiste em cortar, destruir, abater de forma indiscriminada florestas e matas. Essa prática geralmente ocorre com o intuito de abrir terreno para a agropecuária, comercialização de madeira, para fins de urbanização, entre outras finalidades. (MILARÉ, 2011).

No Brasil, cerca de 99% das ocorrências de desmatamento tem fortes indicadores de ilegalidade, conforme afirma a MapBiomas. De acordo com relatório dessa instituição, divulgado em 2019, ocorreu a perda de cerca de 1,2 milhão de hectares de floresta nativa, e de acordo com a análise da área de ocorrência desse desmatamento, concluiu-se que 99% da derrubada de vegetação ocorreu em áreas de proteção permanente, terras indígenas, áreas de nascentes, reservas legais e áreas que não tinham nenhum tipo de autorização para a retirada da cobertura verde. (AGÊNCIA SENADO, 2020).

As queimadas são outro problema e podem ter diversas causas e objetivos, podendo ter origem natural, como ocorre na época da seca devido à baixa umidade no ar e no solo. Porém, na maioria das vezes ela é provocada, sendo utilizada para facilitar o trabalho dos fazendeiros como uma maneira de limpar as áreas de cultivo. Também tem grande relação com o desmatamento, pois é utilizada como forma de queimar as árvores menores e deixar apenas as árvores de grande porte, de interesse econômico (DIANA, 2018).

4 – MECANISMOS DE SANÇÃO DE ACORDO COM A LEI 9.605/98

Primeiramente, é válido ressaltar a previsão constitucional a respeito da responsabilização daquele que comete condutas lesivas ao meio ambiente. A Carta Magna prevê que os infratores poderão ser responsabilizados administrativa e penalmente independentemente do ônus da reparação dos danos provocados, essa responsabilização é chamada pela doutrina de tríplice responsabilização (THOMÉ, 2018).

A repressão às infrações ambientais segue o arcabouço do direito penal: 1) penas privativas de liberdade; 2) penas restritivas de direito e 3) multa. A multa relacionada ao cometimento de infração ambiental prevista na Lei 9.605/98, conforme preceitua o art. 73, os valores apurados em pagamentos de multas relativas ao cometimento de infração contra o meio ambiente, serão destinados ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, ao Fundo Naval ou aos fundos de meio ambiente dos estados ou municípios, conforme disposições do órgão arrecadador (BRASIL, 1998).

Um aspecto de suma importância no tocante à finalidade das sanções previstas na Lei 9.605/98 é a prevenção, tendo em vista a possibilidade de punição de comportamentos que causem efetivamente danos ambientais e também daqueles que não causem danos efetivos, mas que coloquem em risco a integridade do meio ambiente, de forma direta ou indireta, independente de ocorrência de prejuízo. Ao se analisar os institutos de natureza processual da lei dos crimes ambientais, por exemplo, a transação prevista no art.76 da Lei 9.099/95, que em matéria ambiental, por força do art. 27 da Lei 9.605/98 está condicionada a composição do dano ambiental de forma prévia. A suspensão condicional do processo, no âmbito ambiental tem a condição específica de reparação do dano ambiental para a sua concessão, conforme o art. 28 (JÚNIOR, 2007).

A Lei de Crimes Ambientais, além dessas situações em que condiciona algum benefício processual à reparação do dano também traz disposições nas quais prioriza a reparação do dano ambiental, tais como o art. 23, incisos I e II, que preceitua que

“a prestação de serviços à comunidade por pessoa jurídica consistirá em custeio de programas e de projetos ambientais e execução de obras de recuperação de áreas degradadas”. Prevê ainda a figura atenuante do arrependimento posterior do infrator, que na lei ambiental é demonstrado através do reparo do dano causado ao meio ambiente, de forma espontânea, ou pela restrição, de forma significativa, da degradação causada ao meio ambiente (BRASIL, 1998).

5 – RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DA PESSOA JURÍDICA NOS CRIMES AMBIENTAIS NACIONAIS

A teoria da realidade ou teoria organicista dispõe que a pessoa jurídica não é uma ficção gerada pelo direito, mas sim uma entidade real e que não pode ser confundida com os sujeitos que a compõem. O ente moral seria suscetível à responsabilização, porquanto seriam dotados de elemento subjetivo, ou seja, de vontade própria, sendo possuidora de personalidade real, direitos e deveres diversos das pessoas naturais que a constituem, possibilitando a responsabilização nas esferas civis e penais (CARDOSO, 2022).

A Lei de Crimes Ambientais, positiva em seu art. 3º a responsabilização da pessoa jurídica que pratica crime de cunho ambiental, conforme a redação a seguir:

Art. 3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o dispostos nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato (BRASIL, 1998).

Segundo Amado (2022) a responsabilização penas dos entes morais necessitada de dois requisitos, quais sejam 1) A infração ter sido praticada mediante decisão do representante legal ou contratual, ou do órgão colegiado da pessoa jurídica; 2) A infração ter sido praticada visando interesse ou benefício do ente moral.

Quanto aos mecanismos de sanção penal na Lei de Crimes Ambientais as penas podem ser aplicadas isoladamente, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, conforme dispõe o art. 21, incisos I a III, da referida lei. No entanto, nota-se que a modalidade de pena privativa de liberdade não é compatível com a natureza das pessoas jurídicas, motivo pelo qual não se aplica essa forma de sanção penal aos entes morais. Na pena de multa dos entes morais, utilizar-se-á para seu cálculo, as regras do Código Penal, tendo em vista que a Lei de Crimes Ambientais não positivou regras específicas de cálculo da multa aplicada à pessoa jurídica. Caso a aplicação da pena de multa revele-se ineficaz, mesmo que aplicada em seu quantum máximo, poderá ocorrer a exasperação da medida punitiva em até três vezes, em decorrência do quantitativo pecuniário auferido pela conduta ilegal, conforme o disposto no art. 18 da Lei 9.605/1998 (BRASIL, 1998).

A respeito das penas restritivas de direito de aplicação possível às pessoas jurídicas, a Lei de Crimes Ambientais, definiu, em seus arts. 22 e 23 as hipóteses cabíveis, quais sejam:

Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são: I – suspensão parcial ou total de atividades; II – interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; III – proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações. § 1º A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente. § 2º A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar. § 3º A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos.Art. 23. A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em: I – custeio de programas e de projetos ambientais; II – execução de obras de recuperação de áreas degradadas; III – manutenção de espaços públicos; IV – contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas. (BRASIL, 1998).

A proibição de contratar com o poder público prevista no artigo supracitado é modalidade de restrição de direitos é amplamente perpetrada no Brasil, atingindo não somente as empresas que caracteristicamente celebram contratos com a administração pública ou participam de licitações com o poder público, mas também as pessoas jurídicas que pleiteiam empréstimos oferecidos por bancos de natureza estatal ou bancos privados que utilizem recursos estatais (MACHADO, 2009).

Outra sanção aplicável às pessoas jurídicas é a liquidação forçada, prevista no art. 24 da Lei de Crimes Ambientais, medida excepcional, de caráter extremo, que resulta a dissolução do ente moral, em razão de seu patrimônio, na totalidade, ser tido como instrumento de crime, e, dessa forma, é revertido em favor do Fundo Penitenciário Nacional (MELO, 2017).

De acordo com o art. 4º da Lei de Crimes Ambientais “Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente” (BRASIL, 1998). Porém, a referida desconsideração permite a transferência da responsabilidade das pessoas jurídicas para as pessoas naturais responsáveis em matéria civil e administrativa. Com relação a transferência da responsabilidade de natureza penal, em razão do princípio da intranscendência da pena (art. 5º, XLV, CF/88) a pena restritiva de direito ou de multa aplicada ao ente moral em decorrência de condenação pela prática de crime ambiental, não poderá ser transferida para a pessoa física (MELO, 2017).

Capez (2017) argumenta que é recorrente a utilização do ente coletivo como uma forma de cometer atos ilícitos e garantir a impunidade. Crimes contra o meio ambiente são cometidos utilizando a empresa de fachada, tendo em vista que, constituídas de forma regular sob o manto da legalidade, pessoas jurídicas agem de forma dissimulada, cometendo ilícitos ambientais, sobrepondo interesses econômicos individuas sobre o direito difuso ao meio ambiente, gerando reduzido grau de desconfiança nas autoridades responsáveis pela investigação de transgressões ambientais, e em caso de eventual persecução penal, acarreta em maior dificuldade de penalização das pessoas físicas responsáveis.

Por conseguinte, nota-se que o ordenamento jurídico brasileiro, em especial a Lei de Crimes Ambiental, dispõe de diversos mecanismos de sanção e prevenção da prática de ilícitos contra o meio ambiente, visando a garantia de um meio ambiente equilibrado para as atuais e as futuras gerações. Salienta-se também a importância das atualizações jurisprudenciais acerca do tema, tendo em vista, que, conforme exposto no presente trabalho, o Supremo Tribunal Federal rompeu com a teoria da dupla imputação, possibilitando a punição dos entes morais independentemente da identificação das pessoas físicas responsáveis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir de todo o exposto fica claro o papel fundamental que o Direito Ambiental, em especial a normas que regulamentam os crimes ambientais e sua aplicação, tem em relação à forma como o Estado brasileiro lida com as questões ambientais. Tendo surgido como uma forma de regular a utilização de recursos naturais, atualmente sua função é muito mais ampla, impactando direta ou indiretamente cada indivíduo da sociedade, seja em sua relação com indivíduos isolados que praticam infrações ambientais ou a gestão ambiental de indústrias e do agronegócio nacionais, chegando até mesmo a ser tema em pauta nas discussões de negócios e políticas multinacionais do Brasil com o Mundo.

Portanto, mostra-se medida imprescindível para a vida das gerações futuras a busca da preservação do meio ambiente equilibrado, preservando, prevenindo sua degradação e sancionando os agentes ativos de crimes contra esse direito difuso. Com o marco, que foi a Constituição Federal de 1988 para o Direito Ambiental, pôdese observar a evolução dos princípios, como bons exemplos, a dignidade da pessoa humana, que implica a necessidade de um meio ambiente equilibrado; o princípio do desenvolvimento sustentável e o princípio do poluidor pagador.

Com a finalidade de resguardar os princípios ambientais apontados pela Constituição Federal e outros advindos de tratados internacionais, a Lei 9.605/98 estabeleceu as tipificações dos delitos contra o meio ambiente. Nesse ínterim, essa lei é um mecanismo importante para a preservação ambiental, positiva diversos elementos com a finalidade de preservar o ambiente, prevenir a prática de delitos contra o meio ambiente e sancionar aqueles que os cometem. Os legisladores, no desenvolvimento da referida lei, visaram tipificar crimes que se amoldassem aos principais problemas ambientais recorrentes no território brasileiro.

Além disso, a Lei de Crime Ambientais regulamentou a possibilidade tanto de pessoas físicas como jurídicas poderem se caracterizar como agentes infratores, incorrendo em crime ambiental. Possuindo mecanismos de sanção semelhantes aos do direito penal, tais como as penas privativas de liberdade, restritivas de direitos e multas, valendo-se ressaltar ainda, que além do caráter repressivo das penas, há ainda o caráter preventivo, vez que não se pune apenas pelos danos efetivamente causados, mas também pela exposição a risco de dano.

O Supremo Tribunal Federal rompeu com a teoria da dupla imputação, que preceituava que, para haver responsabilização de pessoa jurídica era necessário haver simultânea responsabilização de pessoa natural, o que dificultava a persecução e elucidação de crimes cometidos por esses entes, com essa ruptura, tornou-se possível a penalização da pessoa jurídica independentemente da pessoa física, facilitando o processo de penalização dos entes jurídicos sujeitos ativos de crimes ambientais.

É necessário destacar a necessidade de reparação dos danos como requisito para obtenção de benefícios processuais, tais como a transação penal e a suspensão condicional do processo. Posto isto, a responsabilização das pessoas jurídicas adquire um aspecto particularmente interessante dentro do direito ambiental, uma vez que diferente do que ocorre no Código Penal, na Lei de Crimes Ambientais, estes entes fictos podem ser responsabilizados e penalizados.

Tal característica, advinda da Constituição Federal, que já foi objeto de ratificação pelo STF, demonstra o cuidado do legislador em suprir a impunidade que existia quanto aos prejuízos ambientais causados por entidades em interesse próprio. É importante ressaltar que nem sempre os meios cíveis e administrativos são suficientes para reprimir atividades, danosas ao ambiente, praticadas por pessoas jurídicas, que podem não ser regularizadas, necessitando da seara penal a fim de aplicar medidas suficientemente duras que venham a surtir os efeitos repressivos e preventivos desejados.

CRIMINAL LIABILITY UNDER THE PERSPECTIVE OF THE ENVIRONMENTAL CRIME LAW IN BRAZIL

ABSTRACT

The present work seeks to present a study about criminal accountability from the perspective of the Environmental Crimes Law. To this end, the objective was to establish an analysis of the history of Environmental Law in Brazil, its most relevant principles, the current and most relevant national environmental problems and the legal mechanisms for the classification of environmental infractions and the accountability of violators. In order to substantiate the study, documentary research was carried out in primary sources, such as the Environmental Crimes Law, Penal Code and Constitution of the Federative Republic of Brazil, and also, in order to provide a theoretical basis for the discussion, secondary sources were used, as doctrines, jurisprudence and scientific research tangent to the theme. It was found that in Brazil, environmental laws, since the first Forest Code of 1934, have been evolving and improving, mainly with regard to principles and regulations. In the same way, in spite of the growing, and increasingly relevant, environmental problems, the new legal mechanisms for the repression of environmental infractions are becoming more and more rigorous and well targeted, focusing on those that actually produce environmental damage. The study demonstrated that criminal accountability arising from the Environmental Crimes Law, despite the great challenges that currently present themselves in Brazilian environmental issues, has been able to fulfill its expected legal role.

Keywords: Environmental crimes. Criminal Accountability. Legal entities.

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1Graduanda. Curso de Direito da Universidade Evangélica de Goiás – UniEVANGÉLICA
2Professor Especialista. Curso de Direito da Universidade Evangélica de Goiás – UniEVANGÉLICA