A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR FRENTE ÀS DOENÇAS PSÍQUICAS DESENVOLVIDAS NO AMBIENTE DE TRABALHO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202506021437


Nascimento, Jhúlya Natyelle Batista
Santos, Laís Fernanda dos
Orientadora: Prof.ª Larissa Gabrielle Braga Silva


Resumo: O estudo analisa a responsabilidade civil do empregador por doenças psíquicas, em especial a Síndrome de Burnout, no contexto da legislação trabalhista brasileira. A pesquisa aborda os fundamentos jurídicos da responsabilização, considerando as normas que impõem ao empregador o dever de proporcionar um ambiente de trabalho seguro e saudável. Para enriquecer a compreensão clínica e psicossocial do Burnout, foi realizada uma entrevista com a psicóloga Marina Aparecida Oliveira Bernardes (CRP: 04/72073), especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental, que destacou a importância do diagnóstico diferencial, os sintomas físicos e emocionais da síndrome e sua estreita relação com condições laborais inadequadas, como excesso de demanda, falta de reconhecimento e desorganização no ambiente de trabalho. A profissional também enfatizou a necessidade de intervenções preventivas, tanto individuais (como psicoterapia) quanto organizacionais (como políticas de saúde mental no trabalho), reforçando o papel das empresas na mitigação desses riscos. Através de revisão bibliográfica, análise de jurisprudências e da contribuição de especialistas, o estudo investiga os fatores que desencadeiam transtornos mentais, os requisitos para a responsabilização civil e a comprovação do nexo causal. Os resultados indicam que a negligência do empregador pode levar à obrigação de indenizar, quando é estabelecida a relação entre condições laborais degradantes e o adoecimento psíquico do trabalhador. A entrevista realizada corrobora essa conclusão, ao demonstrar como práticas empresariais inadequadas contribuem diretamente para o surgimento do Burnout, exigindo uma postura proativa das organizações. O estudo conclui que é necessária uma maior conscientização das empresas e a implementação de medidas preventivas — como as sugeridas pela psicóloga entrevistada, incluindo a promoção de ambientes acolhedores, metas realistas e suporte psicológico — para proteger a saúde mental dos trabalhadores e reduzir litígios. A integração entre o conhecimento jurídico e a perspectiva da saúde mental, exemplificada pela entrevista, reforça a urgência de políticas laborais que equilibrem produtividade e bem-estar, alinhadas às exigências legais e aos direitos fundamentais dos trabalhadores. 

Palavras-chave: Responsabilidade Civil; Empregador; Doenças Psíquicas; Síndrome de Burnout; Ambiente de Trabalho. 

Abstract: The study analyzes the employer’s civil liability for mental illnesses, especially Burnout Syndrome, in the context of Brazilian labor legislation. The research addresses the legal foundations of civil liability, considering the rules that impose on the employer the duty to provide a safe and healthy work environment. To enrich the clinical and psychosocial understanding of Burnout, an interview was conducted with psychologist Marina Aparecida Oliveira Bernardes (CRP: 04/72073), a specialist in Cognitive-Behavioral Therapy, who highlighted the importance of differential diagnosis, the physical and emotional symptoms of the syndrome and its close relationship with inadequate working conditions, such as excessive demand, lack of recognition and disorganization in the workplace. The professional also emphasized the need for preventive interventions, both individual (such as psychotherapy) and organizational (such as mental health policies at work), reinforcing the role of companies in mitigating these risks. Through a literature review, case law analysis, and expert contributions, the study investigates the triggering factors for mental disorders, the requirements for civil liability, and the proof of a causal link. The results indicate that employer negligence may lead to the obligation to pay compensation when a relationship is established between degrading working conditions and the worker’s mental illness. The interview corroborates this conclusion by demonstrating how inadequate business practices directly contribute to the emergence of Burnout, requiring a proactive stance from organizations. The study concludes that companies need to be more aware and implement preventive measures — such as those suggested by the psychologist interviewed, including the promotion of welcoming environments, realistic goals, and psychological support — to protect workers’ mental health and reduce litigation. The integration between legal knowledge and the mental health perspective, exemplified by the interview, reinforces the urgency of labor policies that balance productivity and well-being, aligned with legal requirements and the fundamental rights of workers. 

Keywords:  Civil Liability; Employer; Mental Illness; Burnout Syndrome; Work Environment.

1. INTRODUÇÃO 

O ambiente de trabalho contemporâneo, marcado por demandas intensas e pressão por produtividade, tem contribuído significativamente para o aumento de transtornos psíquicos ocupacionais, como estresse, ansiedade, depressão e agora, a síndrome de burnout. Diante desse cenário, torna-se essencial discutir a responsabilidade civil do empregador frente a essas doenças, especialmente no contexto pós-pandêmico, que evidenciou o crescimento alarmante de casos relacionados à saúde mental no trabalho. Para aprofundar a compreensão dos aspectos clínicos e psicossociais do Burnout, foi realizada uma entrevista com a psicóloga clínica Marina Aparecida Oliveira Bernardes (CRP: 04/72073), especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental, cujas contribuições embasam a análise dos sintomas, diagnóstico e relação direta com condições laborais inadequadas. A pesquisa parte da seguinte problemática: Quais fatores laborais influenciam o desenvolvimento de doenças psíquicas? Em que condições o empregador pode ser responsabilizado civilmente? Como a jurisprudência brasileira tem abordado essa questão? E, ainda, quais medidas preventivas podem ser adotadas para mitigar esses riscos? Como hipóteses, sustenta-se que a negligência empresarial em garantir um ambiente saudável contribui para o adoecimento psíquico, sendo essencial a comprovação do nexo causal para a responsabilização. Além disso, observa-se uma evolução jurisprudencial no reconhecimento do Burnout como doença ocupacional, embora persista a necessidade de políticas mais efetivas de prevenção. O objetivo geral é analisar a responsabilidade civil do empregador frente a essas doenças, enquanto os objetivos específicos incluem: examinar os conceitos e fatores desencadeantes, avaliar os requisitos legais para a responsabilização, discutir o posicionamento jurisprudencial e propor medidas preventivas. A justificativa reside no crescente número de litígios trabalhistas envolvendo danos psíquicos, reforçada por dados da OMS e OIT que apontam os transtornos mentais como causas significativas de afastamento laboral. A pesquisa busca, assim, fomentar o debate sobre a obrigação das empresas em assegurar condições dignas de trabalho, evitando prejuízos à saúde mental. Metodologicamente, o estudo utilizará revisão sistemática da literatura, análise jurisprudencial e comparativa de legislações, além de estudos de caso e entrevista com especialistas na área cujas contribuições elucidam a interface entre saúde mental e condições laborais, a fim de embasar a discussão teórica e prática. Diante disso, o estudo visa contribuir para a construção de um ambiente laboral mais saudável, alinhado às exigências legais e à proteção dos direitos dos trabalhadores, promovendo a reflexão sobre a efetividade das normas e a importância da saúde mental no mundo do trabalho. 

2. AS DOENÇAS OCUPACIONAIS E A SÍNDROME DE BURNOUT  

As doenças ocupacionais possuem um histórico intrínseco às transformações do trabalho, especialmente a partir da Revolução Industrial, quando a massificação da produção e as condições insalubres expuseram os trabalhadores a riscos até então desconhecidos. Conforme destacam Mendes e Dias (1991, p. 45) 

O consumo da força de trabalho, resultante da submissão dos trabalhadores a um processo acelerado e desumano de produção, exigiu uma intervenção, sob pena de tornar inviável a sobrevivência e reprodução do próprio processo. 

Nesse contexto, a evolução das doenças ocupacionais reflete não apenas mudanças tecnológicas, mas também as desigualdades e a falta de proteção social inerentes ao sistema capitalista. Essa realidade evidencia que, embora os avanços tecnológicos tenham reduzido alguns riscos físicos, eles não foram suficientes para eliminar as disparidades socioeconômicas que perpetuam as doenças relacionadas ao trabalho. 

O burnout, reconhecido como uma das principais doenças ocupacionais da contemporaneidade, tem suas raízes nas transformações do mundo do trabalho, especialmente a partir do final do século XX, quando a intensificação das demandas laborais e a pressão por produtividade começaram a afetar significativamente a saúde mental dos trabalhadores. É um fenômeno complexo e preocupante, que ganhou destaque nas discussões sobre saúde mental no ambiente de trabalho. 

Inicialmente estudado por Herbert Freudenberger na década de 1970, o burnout foi definido como “um estado de esgotamento físico e mental crônico, relacionado ao trabalho” (FREUDENBERGER, 1974, p. 159), destacando-se como uma síndrome multidimensional que engloba exaustão, cinismo e redução da eficácia profissional.  

Bernardes (2025) contextualiza historicamente o termo Burnout, explicando sua etimologia e surgimento na literatura científica: 

“A palavra ‘burnout’ vem do inglês e, traduzindo ao pé da letra, significa algo como ‘queimar até o fim’ […] Esse termo começou a ser usado lá pelos anos 70, por um psicólogo chamado Herbert Freudenberger […] que descrevia o que via em muitos colegas da área da saúde e assistência social” (BERNARDES, 2025). 

A entrevistada destaca que o conceito surgiu para descrever um esgotamento profundo vinculado a profissões com alta demanda emocional, reforçando sua relação inicial com contextos laborais. 

A definição da Síndrome de Burnout dada pela Rede D’OR São Luiz é uma das mais aceitas pelos profissionais da saúde, sendo:  

Um distúrbio psíquico causado pela exaustão extrema, sempre relacionada ao trabalho de um indivíduo. Essa condição também é chamada de ‘síndrome do esgotamento profissional’ e afeta quase todas as facetas da vida de um indivíduo. Ela é o resultado direto do acúmulo excessivo de estresse, de tensão emocional e de trabalho e é bastante comum em profissionais que trabalham sob pressão constante, como médicos, publicitários e professores. Toda essa pressão, ansiedade e nervosismo resultam em uma depressão profunda, que precisa de acompanhamento médico constante. 

O diagnóstico do Burnout, conforme destacado por Bernardes (2025), exige uma avaliação clínica criteriosa devido à sobreposição de sintomas com outros transtornos mentais, como ansiedade e depressão. Durante entrevista, a psicóloga clínica especializada em Terapia Cognitivo-Comportamental ressaltou: 

O diagnóstico de Burnout […] exige uma escuta ativa e uma boa anamnese, pois os sintomas podem ser confundidos com outros quadros de adoecimento mental […] é importante analisar o histórico de vida do paciente, sua rotina e quando estes sintomas se apresentaram (BERNARDES, 2025). 

A profissional listou sintomas como exaustão extrema, alterações de sono, desânimo e isolamento social, enfatizando a necessidade de correlacioná-los ao contexto laboral e às mudanças comportamentais do paciente para um diagnóstico diferencial preciso. 

De acordo com dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), cerca de 30% das pessoas ocupadas em território nacional sofrem com a doença de ordem mental. O país ocupa a segunda posição no ranking mundial de casos. 

Diante deste cenário, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reforçou sua relevância ao incluí-lo, a partir de janeiro de 2022, na Classificação Internacional de Doenças (CID-11, cód. QD85), descrevendo-o como “uma síndrome resultante de um estresse crônico no trabalho que não foi administrado com êxito” e que se caracteriza por três elementos: “sensação de esgotamento, cinismo ou sentimentos negativos relacionados a seu trabalho e eficácia profissional reduzida”. 

3. A RESPONSABILIZAÇÃO DO EMPREGADOR   

A Síndrome de Burnout surge como consequência de um ambiente laboral marcado por estresse prolongado e mal gerenciado, evidenciando falhas na proteção à saúde do trabalhador. Nesse contexto, cabe ao empregador a responsabilidade por não ter adotado medidas eficazes para garantir condições dignas de trabalho, conforme estabelece a legislação trabalhista. Quando o empregador negligencia seu dever de proporcionar um ambiente psicossocialmente saudável – seja por excesso de demandas, falta de suporte ou exposição a situações degradantes – configura-se uma violação ao direito fundamental à saúde do trabalhador. Assim, o desenvolvimento do Burnout, em decorrência dessa omissão, legitima o dever de indenizar, visando reparar os danos morais e materiais causados ao empregado. A responsabilização, portanto, não se trata apenas de uma obrigação legal, mas de um reconhecimento da importância de ambientes laborais que preservem a integridade física e mental dos colaboradores.  

O direito à saúde do trabalhador constitui um dos pilares fundamentais da ordem jurídica brasileira, sendo expressamente garantido pelo artigo 7º, inciso XXII, da Constituição Federal de 1988, que assegura a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Essa previsão constitucional estabelece um dever objetivo do empregador de implementar medidas protetivas eficazes, criando um ambiente laboral que preserve tanto a integridade física quanto mental dos trabalhadores.  

Complementando essa proteção, é importante destacar o que dispõe o artigo 196 da Carta Magna:  

Art. 196 – A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.  

O dispositivo se aplica integralmente às relações de trabalho e impõe ao poder público a obrigação de fiscalizar e regulamentar as condições de trabalho em todo o território nacional.  

A Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) do Ministério do Trabalho estabelece os parâmetros gerais para a aplicação dessas garantias, determinando a observância obrigatória de todas as normas de segurança e saúde no trabalho como forma de efetivar os mandamentos constitucionais. Recentemente atualizada, a NR-01, trouxe avanços significativos ao exigir a “análise e o controle dos riscos psicossociais nos ambientes de trabalho” (MTE, 2024). Os riscos psicossociais estão relacionados à organização do trabalho e às interações interpessoais no ambiente laboral. Eles incluem fatores como metas excessivas, jornadas extensas, ausência de suporte, assédio moral, conflitos interpessoais e falta de autonomia no trabalho. Esses fatores podem causar estresse, ansiedade, depressão e outros problemas de saúde mental nos trabalhadores. Ao incluir a identificação de riscos psicossociais no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), a norma estabelece a obrigatoriedade de as empresas elaborarem e implementarem planos de ação eficazes, com diretrizes específicas como: (1) reorganização do trabalho, visando à redução da sobrecarga de tarefas e melhoria da qualidade de vida dos colaboradores; (2) promoção de um ambiente saudável, com incentivo a boas relações interpessoais e fortalecimento do bem-estar emocional; (3) criação de canais de escuta ativa, garantindo meios seguros e confidenciais para relatos de situações de sofrimento ou abuso; (4) capacitações e treinamentos contínuos para prevenção desses riscos; (5) apoio psicológico institucionalizado, com disponibilização de recursos estruturados; e (6) monitoramento constante para avaliar a eficácia das medidas e realizar ajustes necessários (MIGALHAS, 2025). 

Essa evolução normativa revela a preocupação do ordenamento jurídico brasileiro em assegurar condições dignas de trabalho, prevenindo não apenas acidentes físicos, mas também doenças ocupacionais de natureza psíquica, como estresse, depressão e síndrome de burnout, que têm se tornado cada vez mais frequentes no contexto da moderna organização do trabalho. A efetivação desses direitos, contudo, depende da atuação conjunta do Estado, por meio de políticas públicas e fiscalização adequada dos empregadores, mediante o cumprimento de suas obrigações legais.  

A responsabilização também se apoia no artigo 186 do Código Civil, in verbis

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 

Nesse contexto, quando a empresa, por meio de práticas organizacionais abusivas – como cobranças excessivas, jornadas prolongadas, assédio moral ou falha na implementação de medidas de proteção à saúde mental – cria condições laborais que desencadeiam o Burnout em seus empregados, configura-se claramente uma violação ao direito fundamental à saúde e à dignidade do trabalhador. A omissão patronal em adotar medidas preventivas contra riscos psicossociais já identificados caracteriza negligência empresarial, gerando o dever de indenizar pelos danos morais e materiais causados, nos termos do referido dispositivo legal. 

4. COMPROVAÇÃO DO NEXO CAUSAL E O POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS 

A configuração do nexo causal entre o transtorno mental apresentado pelo trabalhador e as condições a que esteve submetido em seu ambiente de trabalho exige uma análise ampla e interdisciplinar, que envolva elementos técnicos, médicos, jurídicos e sociais. 

Como ensina Sebastião Geraldo de Oliveira: “O nexo causal é o vínculo indispensável entre a lesão sofrida pelo empregado e o exercício do trabalho que desencadeou o infortúnio.” (OLIVEIRA, 2015, p.182). 

Mesmo com a reformulação da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que ampliou a abordagem sobre riscos psicossociais no trabalho, e a inclusão da síndrome de burnout na CID-11 (QD85) como fenômeno ocupacional, a comprovação do nexo causal entre a doença e as condições laborais permanece um desafio significativo. 

Estudos como os de Maslach e Leiter (2016) ressaltam que os sintomas centrais — exaustão emocional, despersonalização e redução da realização profissional — são frequentemente influenciados por variáveis individuais (como coping) e organizacionais (como cobrança excessiva ou falta de autonomia), o que exige análises interdisciplinares para estabelecer o vínculo com o trabalho. Outrossim, sobre os desafios de diagnósticos, Bernardes (2025) enfatiza a necessidade de uma avaliação clínica detalhada para que facilite a comprovação do burnout, porque os sintomas podem ser confundidos com sintomas de depressão, por exemplo.  

“O diagnóstico de Burnout […] exige uma escuta ativa e uma boa anamnese, pois os sintomas podem ser confundidos com outros quadros de adoecimento mental como ansiedade e depressão” (BERNARDES, 2025).

Ela lista sintomas físicos e emocionais (ex.: exaustão extrema, isolamento social) e ressalta a importância de analisar o contexto do paciente para evitar erros diagnósticos, visto que a falta de indicadores objetivos dificulta a uniformização de pareceres. 

Maslach e Leiter defendem a adoção de protocolos nacionais que integrem avaliações clínicas, condições laborais e instrumentos como o Maslach Burnout Inventory (MBI) – utilizado para identificar e medir a Síndrome de Burnout, avaliando a experiência de um indivíduo com burnout, focando nas dimensões de exaustão emocional, despersonalização e realização pessoal, além de maior capacitação dos peritos para atestar o nexo causal com base em evidências científicas consolidadas. 

Portanto, é essencial comprovar de maneira efetiva que o ambiente de trabalho foi o responsável por desencadear a doença no trabalhador. Observa-se que as decisões dos Tribunais Regionais do Trabalho exigem a apresentação de prova pericial que confirme as condições laborais favoráveis ao desenvolvimento do burnout, tais como: excesso de tarefas, alto nível de exigência ou gestão de pessoal rígida. Veja-se: 

“SÍNDROME DE BURNOUT. NEXO CAUSAL ENTRE A DOENÇA E A JORNADA EXAUSTIVA. DANO MORAL CONFIGURADO.
Comprovando, mediante laudo pericial e prova testemunhal, que o reclamante adquiriu a patologia identificada como a síndrome de burnout em razão da jornada exaustiva e regime de plantões implementados ao longo do curso contratual de longa duração, é devida a indenização pelos danos morais causados, ainda que não verificada a incapacidade ou redução da capacidade para o trabalho. Negado provimento ao recurso da reclamada.” (TRT-4 – ROT: 00210152120175040122, Data de Julgamento: 23/09/2021, Data de publicação: 24/09/2021, 2ª Turma, Relator: MARÇAL HENRI DOS SANTOS FIGUEIREDO). 

No caso em tela, o TRT-4 reconheceu o nexo causal entre a Síndrome de Burnout e a jornada exaustiva com plantões prolongados, condenando o empregador ao pagamento de indenização por danos morais. A decisão destacou que a própria ocorrência da doença, mesmo sem incapacidade laboral, viola a dignidade do trabalhador, reforçando a responsabilidade do empregador por condições de trabalho inadequadas. 

Além da prova pericial, os depoimentos orais também têm grande relevância nos processos judiciais, ajudando os juízes a formarem as suas decisões. Um exemplo disso é o caso julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região que destacou a importância das testemunhas para comprovar as condições de trabalho que levaram ao desenvolvimento de uma doença ocupacional: 

“DOENÇAS OCUPACIONAIS. SÍNDROME DE BURNOUT. INDENIZAÇÕES MATERIAIS E MORAIS. A prova oral foi convincente em demonstrar que a autora efetivamente não gozava de suas férias anuais ficando o período de descanso restrito a uma mísera semana além de algumas emendas de feriados, e ainda assim a obreira se mantinha disponível para a sua equipe continuando a realizar tarefas a distância mesmo que de maneira incompleta seja em relação aos funcionários da ré, seja em relação aos franqueados desvirtuando assim os essenciais objetivos dos descansos anuais. Claro, portanto, que a autora efetivamente padeceu da cada vez mais famosa e recorrente “síndrome de burnout”, assim conceituada como a doença “resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso”. TRT da 2ª Região/SP. Processo nº 1001272-67.2019.5.02.0712 (Recurso Ordinário). 12ª Turma. Relator Flávio Laet. (TRT-2 10012726720195020712 SP, Relator: FLÁVIO ANTONIO CAMARGO DE LAET, 12ª Turma – Cadeira 4. Data de publicação: 29/08/2021)”

No caso, o empregador foi condenado a pagar indenização por danos morais após análise das provas, que incluíam depoimentos demonstrando que a trabalhadora não usufruía integralmente de suas férias, ficando apenas com uma semana de descanso e, mesmo assim, continuava realizando tarefas à distância. Essa situação contribuiu para o surgimento da Síndrome de Burnout.  

Sob essa perspectiva, a Síndrome de Burnout pode ser enquadrada como acidente de trabalho, conforme estabelece o art. 20, I, da Lei nº 8.213/1991. Isso porque a legislação equipara a acidentes laborais as doenças adquiridas ou agravadas devido às condições específicas do exercício profissional. 

No caso do Burnout, sua relação direta com o ambiente de trabalho — marcando por pressão excessiva, cobranças desproporcionais e desgaste emocional — atende aos requisitos legais para ser reconhecido como doença ocupacional e equiparar-se com acidente de trabalho, conforme já consolidado pela jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho:  

“SÍNDROME DE BURNOUT. DOENÇA OCUPACIONAL EQUIPARADA A ACIDENTE DE TRABALHO. VALOR ARBITRADO A CONDENAÇÃO R$30.000,00 (TRINTA MIL REAIS) A TÍTULO DE DANOS MORAIS REDUZIDO PARA R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS) PELO TRIBUNAL REGIONAL. STRESS OCUPACIONAL E QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO. MAJORAÇÃO DEVIDA R$ 60.000,00 (SESSENTA MIL REAIS). Dallegrave Neto define o burnout como um esgotamento profissional provocado por constante tensão emocional no ambiente de trabalho ocasionado por um sistema de gestão competitivo com sujeição do empregado às agressivas políticas mercantilistas da empresa. Segundo Michael P. Leiter e Christina Maslach “a carga de trabalho é a área da vida profissional que está mais diretamente associada a exaustão. Exigências excessivas de trabalho provenientes da qualidade de trabalho, da intensidade dos prazos ou da complexidade do trabalho exaurem a energia pessoal”. Os autores também identificam que, do ponto de vista organizacional, a doença está associada ao absenteísmo (faltas no trabalho) , maior rotatividade, má qualidade dos serviços prestados e maior vulnerabilidade de acidentes no local de trabalho. A síndrome do Burnout integra o rol de doenças ocupacionais do Ministério do Trabalho e do Emprego. Está inserida no Anexo II do Regulamento da Previdência Social. O mencionado Anexo identifica os agentes patogênicos causadores de doenças profissionais ou do trabalho, conforme previsão do art. 20 da Lei 8.213/91 […] (TST 2ª Turma DEJT 08/05/2015 – Recurso de Revista RR 9593320115090026, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta).

Sob esse viés, os transtornos psíquicos como a síndrome de burnout, podem causar a impossibilidade de exercer as atividades laborais, garantindo aos empregados o direito ao auxílio-doença acidentário, além da estabilidade temporária, conforme preconiza o art. 118 da Lei nº 8.213/1991. Assim já decidiu o Tribunal Superior do Trabalho. Vejamos:  

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. DOENÇA PROFISSIONAL. REINTEGRAÇÃO. ESTABILIDADE. Embargos acolhidos, com efeito modificativo, para sanar omissão constatada no julgamento do recurso de revista. RECURSO DE REVISTA. DOENÇA PROFISSIONAL. REINTEGRAÇÃO. ESTABILIDADE. A Súmula nº 378, II, do Tribunal Superior do Trabalho permite o deferimento do direito à estabilidade provisória, também na hipótese de haver relação de causalidade da enfermidade, com as condições laborais; exatamente essa é a situação do reclamante. Mesmo sem a percepção do auxílio-doença acidentário, mantém-se a decisão regional , em face do contido em referido verbete e da moldura fática descrita pelo TRT, quanto à existência de prova pericial e testemunhal demonstrando o liame entre a enfermidade (quadro depressivo severo – -Síndrome de Burnout-) e o assédio moral ocorrido no curso da contratualidade. Recurso de revista do reclamado de que não se conhece. (TST– RR – ED-RR 7731004720065090652 773100-47.2006.5.09.0652 – 7ª Turma – Rel. Ministro Pedro Paulo Teixeira Manus – DEJT – 17/08/2012. 

O entendimento jurisprudencial do TST reforça a tese de que a Síndrome de Burnout, quando comprovadamente decorrente das condições laborais, assegura ao empregado não apenas o auxílio-doença acidentário, mas também a estabilidade provisória, independentemente da concessão do benefício previdenciário. No caso analisado, a 7ª Turma do TST manteve a decisão regional, reconhecendo o nexo causal entre o ambiente de trabalho hostil (inclusive com indícios de assédio moral) e o desenvolvimento do transtorno psíquico. Essa posição está em harmonia com a Súmula nº 378, II, que assegura a estabilidade mesmo sem o recebimento do auxílio, desde que demonstrada a relação direta entre a doença e as condições de trabalho. Dessa forma, consolida-se uma proteção jurídica mais ampla aos trabalhadores, garantindo-lhes segurança após o retorno às atividades, em conformidade com os princípios da saúde ocupacional e da dignidade da pessoa humana no âmbito laboral. 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS  

Ao longo deste estudo, evidenciou-se que a Síndrome de Burnout é uma doença ocupacional grave, resultante de condições laborais adversas, como pressão excessiva, jornadas prolongadas, assédio moral e falta de políticas de saúde mental no ambiente de trabalho. A análise demonstrou que, embora a legislação brasileira – especialmente a Constituição Federal (art. 7º, XXII), a CLT e a Lei nº 8.213/1991 – garanta proteção ao trabalhador, a efetividade dessas normas ainda enfrenta desafios, principalmente no que diz respeito à comprovação do nexo causal e à responsabilização do empregador.   

A jurisprudência trabalhista, representada por decisões do TST e dos TRTs, têm avançado no reconhecimento do Burnout como doença ocupacional equiparável a acidente de trabalho, assegurando direitos como auxílio-doença acidentário, estabilidade provisória e indenizações por danos morais. No entanto, a subjetividade dos sintomas e a dificuldade de comprovação do nexo de causalidade ainda geram insegurança jurídica, exigindo provas periciais robustas e testemunhais consistentes para fundamentar as demandas.   

Diante desse cenário, propõe-se uma resolução estruturada visando prevenir o Burnout e garantir a efetiva reparação nos casos já configurados. Iniciando por medidas preventivas nas empresas, tais como: implementação de Programas de Saúde Mental Ocupacional, como inclusão de avaliações psicossociais periódicas no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO); adoção de protocolos de identificação precoce de estresse e esgotamento, utilizando ferramentas como o Maslach Burnout Inventory (MBI); criação de canais anônimos de denúncia para relatos de assédio moral e condições degradantes.  Já no âmbito de gestão: realizar a capacitação dos gestores em liderança humanizada reduzindo práticas abusivas. E por fim, por parte do Ministério do Trabalho, promover o fortalecimento da fiscalização e responsabilização a fim de promover inspeções focadas em riscos psicossociais, com base na NR-1 atualizada e aplicação de multas e sanções a empresas que descumprirem as normas de saúde mental. A Síndrome de Burnout não é apenas um problema individual, mas um reflexo de falhas estruturais na organização do trabalho. A solução exige ação conjunta: empresas devem adotar políticas preventivas, o Poder Judiciário precisa assegurar reparação eficaz, e o Estado deve fiscalizar e regulamentar com rigor.  A proposta aqui delineada busca equilibrar prevenção e reparação, alinhando-se aos princípios constitucionais da dignidade humana e da saúde laboral. Somente com mudanças concretas na cultura organizacional e no sistema jurídico será possível reduzir os casos de Burnout e garantir ambientes de trabalho verdadeiramente saudáveis.   

6. REFERÊNCIAS  

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, Presidência da República, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 10 de abril de 2025. 

BRASIL. Lei nº 8.213/1991, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Brasília, Presidência da República, 1991. 24 jul. 1991. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm. Acesso em 10 de abril de 2025. 

BRUNA, M. H. V. Síndrome de burnout (esgotamento profissional) – Portal Drauzio Varella. Portal Drauzio Varella – Informação sobre saúde para todos Portal Drauzio Varella, , 31 mar. 2011. Disponível em: <https://drauziovarella.uol.com.br/doencas-e-sintomas/sindrome-de-burnout-esgotam ento-profissional>. Acesso em: 14 de abril de 2025. 

CARLOTTO, M. S.; CÂMARA, S. Análise fatorial do Maslach Burnout Inventory (MBI) em uma amostra de professores de instituições particulares. Psicologia em estudo, v. 9, n. 3, p. 499–505, 2004. 

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Classificação da OMS para síndrome de burnout passa a valer no Brasil. Disponível em: <https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202501/reporter-sus-classificacao-da-oms-p ara-sindrome-de-burnout-passa-a-valer-no-brasil>. Acesso em: 13 de abril 2025. 

Empresas brasileiras terão que avaliar riscos psicossociais a partir de 2025. Disponível em: <https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/noticias-e-conteudo/2024/Novembro/e mpresas-brasileiras-terao-que-avaliar-riscos-psicossociais-a-partir-de-2025>. Acesso em: 10 de abril de 2025. 

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TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4.ª REGIÃO. Síndrome de burnout: nexo causal entre a doença e a jornada exaustiva. Dano moral configurado. Processo n.º 0021015-21.2017.5.04.0122. 2.ª Turma. Rel. Marçal Henri dos Santos Figueiredo. Julgado em 23 set. 2021. Publicado em 24 set. 2021. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trt-4/1300295753. Acesso em: 24 mai. 2025. 

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2.ª REGIÃO (SP). Doenças ocupacionais. Síndrome de burnout. Indenizações materiais e morais. Processo n.º 1001272-67.2019.5.02.0712. 12.ª Turma – Cadeira 4. Rel. Flávio Antonio Camargo de Laet. Publicado em 29 ago. 2021. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trt-2/1271733169. Acesso em: 24 mai. 2025. 

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Síndrome de burnout: doença ocupacional equiparada a acidente de trabalho. Recurso de Revista n.º RR-9593320115090026. 2.ª Turma. Rel. José Roberto Freire Pimenta. DEJT, 8 maio 2015. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tst/186850950.  Acesso em: 24 mai. 2025. 

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Embargos de declaração no Recurso de Revista n.º ED-RR 773100-47.2006.5.09.0652. 7.ª Turma. Rel. Ministro Pedro Paulo Teixeira Manus. DEJT, 17 ago. 2012. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tst/22097174. Acesso em: 24 mai. 2025.