REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7335890
Bárbara Emannuelly Guimarães Landim1
Orientador: Ronaldo Luís Oliveira Silva2
Coorientadora: Rosyvania Araújo Mendes3
INTRODUÇÃO
A obrigação de alimentar é um dever previsto em lei para amparar financeiramente quem necessita de auxílio para manter sua própria mantença, decorrente de início do poder familiar antigamente conhecido por pátrio poder.
A Constituição Federal atribui à família, a sociedade e ao Estado o dever de amparar os pais na velhice, ou seja, as pessoas que carecem de apoio financeiro de outrem para viver de acordo com a sua condição social. O instituto da obrigação alimentar tem como princípios norteadores a dignidade humana e a solidariedade familiar.
A problemática do presente trabalho irá pautar-se na seguinte indagação: os filhos têm a obrigação de prestarem alimentos aos seus genitores quando estes se encontram em estado de vulnerabilidade, em decorrência da idade avançada?
Este trabalho justifica-se diante da relevância tanto no âmbito jurídico, quanto social em abordar as garantias constitucionais e infraconstitucionais relativas à pessoa idosa enquanto ser humano vulnerável que carece de maiores cuidados materiais e afetivos, pois trata-se de um assunto de suma importante, por possuir estrita relação com o dever de cuidado e proteção.
Tem-se por objetivo a análise do aspecto social e jurídico da responsabilidade dos filhos no que tange o provimento dos alimentos necessários para a sobrevivência dos seus genitores.
Demonstrando o cabimento de uma ação judicial, na qual, o polo ativo será composto pelos pais que serão os requerentes dos alimentos, para que o juízo competente assim determine o valor a qual ficará os filhos responsáveis à título de alimentos.
O primeiro capítulo, é uma abordagem acerca da definição de família, seu conceito e importância, bem como, uma análise constitucional do direito de família. O segundo capítulo versa sobre a pessoa idosa e o que dispõe o Estatuto do idoso com relação ao direito à alimentação e as garantias constitucionais.
Por fim, o último capítulo analisa a responsabilidade civil abordando a obrigação alimentar e a dignidade humana, quando ocorrerá o afastamento da obrigação alimentar frente o abandono afetivo/material por parte da pessoa idosa, assim como o cabimento de danos morais em decorrência do abandono afetivo inverso.
1. A FAMÍLIA
A família é uma das instituições mais antigas que existe no mundo, sendo o pilar de sustentação para todos que à integram, afinal, é através dela que o indivíduo aprende a conviver e interagir com o mundo que os cerca. É por meio do convívio familiar que as pessoas aprendem a respeitar, apoiar, ter compromisso e gerir os conflitos da vida.
Como um grupo social ativo, a família é a base da sociedade, sendo através dela que o indivíduo forma seus valores. O reconhecimento da importância da família no contexto da vida social está explícito no artigo 226 da Constituição Federal.
Por ser o grupo mais importante que existe na sociedade, a família dá início ao processo de socialização, educação e formação do indivíduo, logo, a mesma surge a partir de uma relação de afeto, convivência, e outros aspectos que se norteiam de um cuidado que as pessoas que a compõem muitas vezes buscam efetivar entre si.
Nas concepções mais recentes de família, os pais têm certas obrigações que não dependem do seu querer, porque agora quem as determina é o Estado.
Destarte, a família não deve mais ser compreendida como uma relação de poder, de dominação ou com objetivo econômico, mas como uma relação afetiva, o que significa dar a devida atenção às necessidades exteriorizada pelos filhos em termos, de afeto e proteção.
“a família atual busca sua identificação na solidariedade (art.3.º, I, da Constituição), como um dos fundamentos da afetividade, após o individualismo triunfante dos dois últimos séculos, ainda que não retome o papel predominante que exerceu no mundo antigo” (LÔBO, 2008, p. 2).
Diante disso, compreende-se que o autor reconhece que na atualidade a família tem sido identificada através dos laços de afetividade e não somente na ideia dos laços sanguíneos, o que se passa a perceber que a família nos tempos atuais busca paltar-se no princípio da solidariedade familiar.
Posto isso, muito além de uma simples definição, a família tem uma importância fundamental não apenas no âmbito da reprodução biológica, mas, principalmente, enquanto mediadora de seus membros com a sociedade. Ela proporciona a construção da primeira identidade e insere a todos nas relações sociais, tanto em nível emocional, cultural, como sócio-econômico. A família é o primeiro referencial e permeia toda a existência do indivíduo.
O instituto da família é um dos mais antigos da civilização, diante disso, ao longo da história já sofreu várias mudanças até chegar ao conceito atual. Com o advento da Constituição de 1988, foi auferido ao cidadão igualdade de direitos e deveres.
Nesse sentido, Clara Santana explica que:
a Constituição Federal de 1988 passou a priorizar a família como base da sociedade admitindo suas novas formas, estabelecendo assim novos valores sociais, a partir da valorização da pessoa humana, além de assegurar o tratamento prioritário às crianças e aos adolescentes conforme seu melhor interesse, fundamentado na igualdade e dignidade da pessoa humana. (SANTANA, p. 04, 2015).
Como já mencionado, a família é a base da sociedade, ressaltando deste modo a autora que com advento da Constituição Federal de 1988 a família e a pessoa humana passaram a ser priorizadas com respaldo no princípio da dignidade humana que é nortear da Magna Carta.
O atual modelo de família pregado pela Constituição Federal de 1988, deixou de acreditar na ideia que a família só se originava do matrimônio, sendo identificada agora principalmente pelo vínculo afetivo. Deste modo, elucida Paulo Lobô:
A excessiva preocupação com os interesses patrimoniais que marcou o direito de família tradicional não encontra eco na família atual, vincada por outros interesses de cunho pessoal ou humano, tipificados por um elemento aglutinador e nuclear distinto – a afetividade. Esse elemento nuclear define o suporte fático da família tutelada pela Constituição, conduzindo ao fenômeno que denominamos repersonalização. (LOBÔ, 2009, p. 12)
O autor estabelece que a atual preocupação da família é ser composta através de vínculos afetivos e não mais meramente patrimoniais, logo compreendemos que as relações familiares têm como base o princípio da afetividade.
2. A PESSOA IDOSA
A expectativa de vida da população do Brasil subiu para 76,8 anos em 2020, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O aumento da população idosa em relação a população mais jovem é devida as melhorias da condição de saúde, tecnologia e higienização, outro fator é a baixa fecundação onde as famílias têm diminuído o número de filhos, muitas vezes, em razão do planejamento familiar.
O Estatuto do Idoso no seu art 1° tem por fim regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, apesar de não trazer um conceito a pessoa idosa o artigo torna compreensivo que toda pessoa que atingir a idade de 60 anos é considerada idosa e estará sob o manto da tutela especial.
De acordo com a professora pesquisadora Katia Machado – EPSJV/Fiocruz:
Desde 2016, o Brasil tem a quinta maior população idosa do mundo, com mais de 28 milhões de pessoas com 60 anos ou mais. Isso representa 13% da população do país, que já ultrapassa a marca dos 210 milhões, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (MACHADO, 2019).
O processo de envelhecimento e a velhice, muito mais que meros aspectos biológicos, são envolvidos por inúmeras influências sociais e culturais que determinam os espaços sociais e com isso, as condições que cada indivíduo vivencia as etapas de suas vidas.
Promover o envelhecimento ativo e de forma saudável não abrange somente o fortalecimento da seguridade social atingível e de qualidade, como também, o investimento em mudanças de perspectivas que rompam com qualquer tipo de preconceito relativos à pessoa idosa.
2.1. ESTATUTO DO IDOSO E O DIREITO À ALIMENTAÇÃO
Vale lembrar que apesar da CRFB/88 dispor em seu artigo 230, que a família, a sociedade e o Estado têm o encargo de amparar a pessoa idosa, restou-se necessário a criação de uma Lei Especial para tratar do assunto. Surge, diante disso, o Estatuto do Idoso que veio para tornar efetivo o direito à vida, à saúde, ao lazer, a moradia, bem como, uma convivência em sociedade que garantisse a inclusão da classe idosa e sua proteção.
O Estatuto do Idoso entrou em vigor em 2004 por meio da Lei Federal 10.741/2003, que destina-se a regular os interesses e garantias dos idosos, tal lei representa uma grande conquista social sendo uma importante ferramenta da cidadania e proteção às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos.
Ao surgir, esta lei trouxe a tona que todas as pessoas estão sujeitas a alcançar a velhice. Diante do aumento gradativo da expectativa de vida restou-se extremamente importante um diploma legal que efetivasse os direitos dessas pessoas que merecem maior atenção e cuidado. Com isso, a medida que a população idosa vem aumentando este tipo de legislação ganha mais relevância.
O Estatuto do Idoso, em busca de garantir a proteção à integridade física e mental da pessoa idosa, prevê em seu art. 2°:
Art. 2º. O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. (BRASIL, 2003)
Com isso, nota-se que o legislador busca garantir igualdade de oportunidade e a proteção da pessoa idosa, visto que, o idoso goza de todos os direitos fundamentais, e assim deve ter assegurado sua liberdade e dignidade.
Expressa o art. 11. do Estatuto do Idoso que: “Os alimentos serão prestados à pessoa idosa na forma da lei civil” (BRASIL, 2003). O art. 12 dispõe: “A obrigação alimentar é solidária, podendo a pessoa idosa optar entre os prestadores” (BRASIL, 2003). Nota-se que os artigos mencionados relacionam-se com o art. 1694 do Código Civil, que prevê aos parentes a possibilidade de pedirem uns aos outros os alimentos ao qual necessitem para viver de forma digna e de acordo com sua condição social.
O Estatuto do Idoso não deixa dúvidas no que tange os direitos fundamentais da pessoa idosa, sua proteção integral, liberdade, dignidade, bem como, a obrigação familiar, da sociedade e do Estado de garantir a execução de tais direitos. Determina a Lei no 10.741/2003, em seu Art. 3º que:
Art. 3 É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar à pessoa idosa, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 2003).
O legislador encarrega a família, a sociedade e o Estado o dever de garantir a execução dos direitos inerentes à pessoa idosa, bem como, estabelece que tais direitos devem ser assegurados com absoluta prioridade.
2.2. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS RELATIVAS À PESSOA IDOSA
Primeiramente, cabe fazer menção ao art. 230 da CRFB/88 que impõe a família, de início, a sociedade e ao Estado, o dever de amparar as pessoas idosas garantindo a participação dos mesmos na comunidade. Neste sentido, os incisos do artigo citado preveem que os programas de amparo aos idosos devem ser realizados preferencialmente em seus lares e que aos maiores de 65 anos é assegurado a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.
A Constituição não resguarda tão somente a proteção à vida, mas também e principalmente a dignidade do idoso o que gera respeito básico à sua autonomia e possibilidade de autodeterminação, com vistas a considerar o direito à vida viabilizando prioritariamente o bem-estar desta classe que tem sido tão esquecida atualmente.
Os Direitos Fundamentais presentes na Constituição Federal inerentes à todo ser humano tem por objetivo garantir a igualdade entre todas as pessoas, bem como, assegurar a inviolabilidade do direito à vida, à saúde, à segurança e à propriedade. Deste modo preceitua o art 5°: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (BRASIL, 1988).
Estas garantias surgem para assegurar ao indivíduo, bem como, à sociedade, os direitos mínimos que proporcionem uma vida digna, independente da idade, cor, sexo ou condição social, logo são instrumentos que buscam a proteção do indivíduo baseando-se sempre no princípio da dignidade humana.
De maneira geral, o art. 1°, inciso III, da CRFB/88 prevê o fundamento da dignidade da pessoa human que é a base da ordem jurídica ao qual abrange todos os valores que possam ser reconhecidos à pessoa humana, compreendendo-se a integridade física e psíquica, bem como garantindo sua autonomia e proteção.
Cabe fazer menção aos direitos sociais que são uma garantia constitucional que permite a todo cidadão, independente da idade, raça, cor, ou sexo, ter assegurado o minímo para viver de forma digna. Expressando, desta forma, o art. 6° da Constituição Federal de 1988:
São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988)
O capítulo II do Título VII denominado “Ordem Social” da Constituição Federal, vai abordar sobre a Seguridade Social, entre um dos temas previstos neste capítulo tem-se o direito à Previdência Social, que tem por fim assegurar aos que possuem esse benefício os meios essenciais de manutenção, em razão por exemplo, da incapacidade e da idade avançada que são os objetos de estudo.
De forma geral, a previdência é um seguro social em que o trabalhador participa por meio de contribuições mensais tendo por fim a garantia de uma renda quando não possuir mais aptidão para o trabalho. Tal direito está previsto no art. 201 da Constituição Federal ao dizer “A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei” (BRASIL, 1988).
Outro ponto, bem importante, é sobre os direitos políticos da pessoa idosa, que fica desobrigada a partir de 70 anos de exercer sua cidadania, pois torna-se facultativo o voto para estas pessoas, prevendo dessa forma o art. 14 da Constituição Federal: A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: II – facultativos para: b) os maiores de setenta anos. (BRASIL, 1988).
3. RESPONSABILIDADE CIVIL DE ALIMENTAR
A responsabilidade civil surge com a prática de um ato ilícito que causa dano a outrem, como expressa o art. 186 do Código Civil “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. (BRASIL, 2002). Visto isso, a responsabilidade será utilizada em qualquer situação na qual uma pessoa deverá arcar com as consequências dos seus atos. Bem como, nota-se, a possibilidade de indenização por dano moral trazida pelo artigo.
O art. 927 do Código Civil prevê: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (BRASIL, 2002). Mediante o contraditório e ampla defesa, o filho que deixa de prestar o devido auxílio aos seus genitores quando estes necessitam da prestação de alimentos para sobreviverem, cometem ato ilícito e ficam obrigados a repararem o dano causado.
3.1. A OBRIGAÇÃO ALIMENTAR E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A palavra alimento faz menção, às prestações periódicas relativas à determinada pessoa, muitas vezes em virtude da vontade, de ato ilícito ou por conta do próprio Direito de Família e do dever de prover a subsistência de outrem.
Um dos princípios que norteiam a obrigação alimentar entre os indivíduos que integram uma família é o da reciprocidade, que prevê que as pessoas que pertencem a determinada família devem auxiliar financeiramente uns aos outros quando necessário. O instituto da obrigação alimentar tem por base os princípios da solidariedade familiar e da dignidade da pessoa humana.
A solidariedade é definida como um compromisso na qual as pessoas se obrigam entre si, concluindo-se que este princípio nasce do vínculo afetivo, logo, sendo esse vínculo primeiramente presenciado no seio familiar. Este princípio encontra respaldo no art. 3°, I, da CRFB/88 (BRASIL, 1988), na qual trata da busca de uma sociedade solidária, bem como, está estabelecido no art. 229 da CRFB/88 (BRASIL, 1988) que exige uma reciprocidade de cuidados entre pais e filhos.
O princípio da dignidade da pessoa humana está expresso no primeiro capítulo e art.1° da CRFB/88 (BRASIL, 1988), e tem por fim, voltando-se à pessoa idosa, preservar sua integridade física, psíquica, bem como, proporcionar uma vida digna independentemente da sua condição social ou econômica.
Cabe destacar que o Novo Código de Processo Civil realça a valorização desse princípio, especialmente no seu art. 8.º (BRASIL, 2015), ao estabelecer que:
“Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”. Reconhecendo a submissão de outros preceitos constitucionais à dignidade humana. (BRASIL, 2015).
O legislador estabelece no artigo citado que o princípio da dignidade humana é o norteador de todo o ordenamento jurídico, ou seja, a lei deverá sempre ser aplicada em observância a este princípio.
São garantidos os direitos básicos do idoso, conforme demostrado no art. 2 do Estatuto do Idoso, que prevê:
Art. 2 – Sem prejuízo da proteção integral prevista nesta lei, o idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à humanidade, e garante todas as oportunidades e facilidades para a proteção do seu corpo e mente por meio da lei ou outros meios” (BRASIL, 2003)
O idoso seja homem ou mulher deve ter assegurado todos os direitos básicos, com ajuda da família que lhe deve prestar todo o apoio, juntamente com o Estado que possui o encargo de fomentar políticas públicas que ensejem a efetivação dos direitos inerentes à pessoa idosa.
Cabe apontarmos a possibilidade do afastamento da obrigação alimentar frente ao abandono afetivo/material por parte dos pais, pois tanto a Constituição Federal, como o Código Civil preveem que os pais devem assistir, criar, educar e prestar todo o suporte até quando os filhos necessitarem, ocorre que muitas vezes os genitores deixam de cumprir com tal encargo, tornando-se pais ausentes tanto materialmente, como afetuosamente.
A afetividade está conectada a convivência, ao afeto construído dentro do seio familiar entre pais e filhos, bem como, a proteção paternal que é essencial na infância e toda a vida do filho.
De acordo com a autora Grace Regina Costa (2015, p. 69): “o abandono afetivo pode ser compreendido como omissão de cuidado, de criação, de educação, de companhia e de assistência moral, psíquica e social que o pai e a mãe devem quando criança ou adolescente”.
A legislação vigente pode não favorecer o idoso quando o mesmo não prestou o devido suporte seja afetivo ou financeiro aos seus descendentes de 1° grau, devido a isso, têm entendimentos que essa conduta do pai/mãe no passado, pode gerar efeitos na atualidade, ocasionando, o afastamento da obrigação alimentar.
O art. 1.708, parágrafo único, do Código Civil informa: “Com relação ao credor cessa, também, o direito a alimentos, se tiver procedimento indigno em relação ao devedor”.
O artigo estabelece que caso os pais deixem de prestar o auxílio necessário aos filhos, não poderão ter direito de cobrar nenhuma assistência no que tange a prestação de alimentos pelo simples fato de não ter cumprido com suas obrigações, que em tese são, a guarda, proteção e sustento.
Em síntese, o suporte antes não dado aos filhos quando estes necessitavam, está ligado muitas vezes ao abandono e a ausência de afeto por parte dos pais, diante disse, o abandono afetivo faz com que na velhice os pais fiquem sem o auxílio dos seus filhos uma vez que estes ao necessitarem da figura paterna/materna não a tiveram.
3.2. OS PARÂMETROS ADOTADOS PARA A FIXAÇÃO DOS VALORES REFERENTES AOS ALIMENTOS
Os valores fixados a título de alimentos devem levar em consideração o binômio necessidade/possibilidade, que busca analisar a necessidade de quem recebe juntamente com a possibilidade de quem está pagando. Diante disso, o Código Civil Brasileiro, estabelece em seu Art. 1.695 que: “São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento”. (BRASIL, 2002)
Em conformidade com o artigo já mencionado, preceitua a jurisprudência, especificamente o Tribunal de Justiça mineiro, afirmando neste sentido:
[…] Os alimentos hão de ter, na devida conta, as condições pessoais e sociais do alimentante e do alimentado. Vale dizer: serão fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. Não tem cabida exigi-los além do que o credor precisa, pelo fato de ser o devedor dotado de altas posses; nem pode ser este compelido a prestá-los com sacrifício próprio ou da sua família, pelo fato de o reclamante os estimar muito alto, ou revelar necessidades maiores (§ do art. 1.964) […] (MINAS GERAIS, 2008)
A jurisprudência e artigo citado acima se relacionam, pois ambos demonstram que os alimentos deverão ser prestados observando-se o binômio necessidade/ possibilidade, ou seja, de acordo com a necessidade de quem se pede em conjunto com a possibilidade de quem irá prestá-los, logo buscando não prejudicar o próprio sustento do requerido e de sua parentela.
A Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968 (Lei de Alimentos), no seu art. 2°:
Art. 2º. O credor, pessoalmente, ou por intermédio de advogado, dirigir-se-á ao juiz competente, qualificando-se, e exporá suas necessidades, provando, apenas o parentesco ou a obrigação de alimentar do devedor, indicando seu nome e sobrenome, residência ou local de trabalho, profissão e naturalidade, quanto ganha aproximadamente ou os recursos de que dispõe. (BRASIL, 1968).
O artigo acima aborda o procedimento adotado para o requerente pleitear a ação de alimentos, dentre os requisitos está previsto que o autor da ação deverá demonstrar suas necessidades e provar a existência do parentesco com o requerido.
O legislador prevê a possibilidade de alimentos provisórios, que são fixados liminarmente para suprir as necessidades urgentes do alimentado durante o trâmite da ação, dispondo deste modo o art. 4° da Lei de Alimentos “As despachar o pedido, o juiz fixará desde logo alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita” (BRASIL, 2003).
Torna-se cabível a prestação de alimentos pelos filhos em favor dos seus genitores, em decorrência das dificuldades enfrentadas, diante da impossibilidade de proverem seu próprio sustento ocasionada pela diminuição da sua capacidade para exercer determinadas atividades.
Os doutrinadores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald expressam que:
“Em qualquer hipótese, os alimentos devem viabilizar para o credor uma vida digna, compatível com a sua condição social, em conformidade com a possibilidade do devedor de atender ao encargo. Vislumbra-se, assim, uma dualidade de interesses: a necessidade de quem pleiteia e a capacidade contributiva de quem presta” (FARIAS; ROSENVALD, p. 732, 2018)
Os autores esclarecem que os alimentos têm por fim possibilitar uma vida digna a quem os pede, logo tais alimentos devem ser ofertados de acordo com a condição do requerido e a necessidade do requerente.
Os julgados dos tribunais caminham neste sentido, a exemplo:
ALIMENTOS. PEDIDO DA MÃE AO FILHO. CABIMENTO. FIXAÇÃO PROVISÓRIA. BINÔMIO NECESSIDADE/POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 1694, PARÁGRAFO 1°E 1697 DO CC.
1. Cabível a fixação de alimentos em favor da genitora enferma e que está carente de recursos financeiros.
2. Sendo a obrigação dos filhos divisível, cada um deve contribuir dentro de suas possibilidades financeiras, atendendo-se ao binômio possibilidade-necessidade, e considerando que são três filhos, sendo que uma delas enfrenta problemas de saúde e a outra filha, que é curadora da mãe presta alimentos in natura, cabe ao recorrente alcançar alimentos in pecúnia. Recurso desprovido (Agravo de Instrumento N° 70077427862, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 20/06/2018).
A jurisprudência mencionada é de uma mãe que tem pouca condição financeira, idade avançada e diversos problemas de saúde, além de ser cadeirante e necessitada de cuidados constantes. Apesar da genitora possuir o benefício previdenciário, é necessário lembrar, que isso não constitui nenhum óbice à fixação dos alimentos pelos filhos.
Por fim, será cabível caso se faça presente todos os pressupostos necessários, a concessão da antecipação de tutela diante do caráter urgente da demanda, fazendo-se mister a sua concessão pelo magistrado como meio de evitar prejuízos ainda mais sérios ao requerente de alimentos.
3.3. O CABIMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM DECORRÊNCIA DO ABANDONO AFETIVO
O afeto atualmente pode ser visto como o principal parâmetro das relações familiares. O Direito de Família tem como traço a valorização do afeto e das relações oriundas da sua livre manifestação.
Diante disso, o Direito de Família tem como princípio norteador das relações socioafetivas e na comunhão da vida, o da afetividade, na qual, a família é regida agora não mais por laços econômicos, como acontecia em meados do século XIX, mas sim por laços afetivos, ocasionado pelas transformações socais passadas pela sociedade, uma vez que a família deve ser formada por um núcleo afetivo e não por uma dependência econômica recíproca.
Os julgados dos tribunais caminham neste sentido, a exemplo:
“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012)”.
O julgado acima aborda que os filhos necessitam ter garantido o mínimo de afeto, pois o mesmo é determinante para o desenvolvimento e formação psicológica, bem como, é fator preponderante para inclusão do indivíduo em sociedade.
O STJ já compreendeu o cabimento de danos morais em decorrência do abandono afetivo mesmo diante do pagamento da pensão alimentícia, distinguindo amor de cuidado como expressa a decisão acima. Quando ficou reconhecida a modalidade, fixou-se que deveria ficar claro a ação omissiva ou comissiva, no que tange, o dever jurídico tutelado.
Em posicionamento exarado recentemente a quarta turma do STJ entendeu:
“CIVIL DIREITO DE FAMÍLIA. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. GENITOR. ATO ILÍCÍTO. DEVER JURÍDICO INEXISTENTE. ABANDONO AFETIVO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. 1. Não ofende o art. 535 do CPC a decisão que examina, de forma fundamentada, todas as questões submetidas à apreciação judicial. 2. A ação de indenização decorrente de abandono afetivo prescreve no prazo de três anos (Código Civil, art. 206, § 3º, V). 2. A indenização por dano moral, no âmbito das relações familiares, pressupõe a prática de ato ilícito. 3. O dever de cuidado compreende o dever de sustento, guarda e educação dos filhos. Não há dever jurídico de cuidar afetuosamente, de modo que o abandono afetivo, se cumpridos os deveres de sustento, guarda e educação da prole, ou de prover as necessidades de filhos maiores e pais, em situação de vulnerabilidade, não configura dano moral indenizável. Precedentes da 4ª Turma. 4. Hipótese em que a ação foi ajuizada mais de três anos após atingida a maioridade, de forma que prescrita a pretensão com relação aos atos e omissões narrados na inicial durante a menoridade. Improcedência da pretensão de indenização pelos atos configuradores de abandono afetivo, na ótica do autor, praticados no triênio anterior ao ajuizamento da ação. 4. Recurso especial conhecido em parte e, na parte ntkghkujconhecida, não provido. (REsp 1579021/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 19/10/2017, DJe 29/11/2017)”
Nesse entendimento do ano de 2017 a 4° turma do STJ reconheceu que a responsabilidade civil e o dano moral nas relações familiares só seria cabível diante de ato ilícito, ficando o dever de cuidado relacionado ao sustento, a guarda e a educação, não sendo possível a indenização em decorrência do abandono afetivo se cumprido os requisitos citados.
Em que pese as decisões narrarem o caso do Abandono Afetivo dos filhos pelos pais, o mesmo entendimento cabe por analogia em relação ao Abandono Afetivo inverso, por tratar do mesmo bem jurídico tutelado.
3.4. UM ESTUDO AO ARTIGO 229 DA CRFB/88 NO QUE TANGE A RESPONSABILIDADE DO FILHO MAIOR
O artigo 229 da Constituição Federal dispõe, “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. (BRASIL, 1988). Cabe lembrar de início, como menciona o artigo, que os pais devem prestar todo suporte necessário para seu filho, como por exemplo, proteção, sustento, educação, para que cresçam de forma digna.
Com o avançar da idade os pais, muitas vezes, necessitam do suporte antes prestado, surge, com isso, o dever do filho maior, sendo capaz e dependente, o amparar nos momentos em que se encontram mais vulneráveis e totalmente dependentes dos cuidados tanto financeiro, quanto afetivo de um terceiro, que como o objeto de estudo, serão os seus descendentes de 1° grau.
O dever do filho maior será garantir e tornar efetivo os direitos que almejem a proteção da pessoa idosa, frente a ser a pessoa responsável pelo bem estar e vida digna do seu genitor, como prevê a Constituição Federal.
A família, em nome dos filhos, que aqui é o objeto estudado, é o primeiro ente de proteção ao idoso. Caberá a família assegurar vários direitos inerentes à classe idosa, entre eles destacam-se o direito à vida, saúde, moradia e segurança. A Constituição Federal, estabelece que a dignidade da pessoa idosa deve ser defendida pelos seus familiares, sendo encargo deles, torna-la efetiva.
Apesar da Constituição, bem como, outras legislações expressarem disposições sobre a responsabilidade familiar, todavia, dá prioridade aos filhos, ao tratar destas incumbências, pois eles são encarregados do provimento e efetivação dos direitos inerentes aos seus genitores quando idosos, momento em que mais necessitam de cuidados, pois se encontrarem mais fragilizados. Destarte dispõe o art. 3° do Estatuto do idoso:
Art. 3º- É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
§ 1º- A garantia de prioridade compreende:
[…]
V – priorização do atendimento ao idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam, ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência. (BRASIL,2003)
Como previsto, no artigo mencionado o legislador impõe aos filhos o dever de zelar e proteger os pais idosos, ficando a família como principal defensora dos direitos e garantias inerentes à pessoa idosa.
Por fim, cabe aqui ressaltar que toda essa relação familiar deve pautar-se no princípio da solidariedade, que significa retribuir o que cada um faz pelo outro, esse princípio nasce por meio dos vínculos de afetividade e abrange a reciprocidade e a fraternidade, bem como, gera deveres recíprocos entre as pessoas que compõe o grupo família.
CONCLUSÃO
Ao longo de todo estudo foi possível demonstrar que os filhos possuem a obrigação de prestarem alimentos aos seus genitores quando estes se encontram em estado de vulnerabilidade e sem condições de se auto sustentarem. Tal assertiva encontra respaldo na Constituição Federal, Código Civil e também no Estatuto do Idoso, pois todos preveem dispositivos que impõe aos filhos o dever de amparar os pais na velhice e lhe prestar todo o auxílio necessário seja ele afetivo e principalmente material.
A análise feita do aspecto social restou-se frutífera. Ficou claro que o nosso primeiro contato social é com a família, pois a mesma representa o grupo mais importante da sociedade sendo através dela que damos início ao nosso processo de socialização, educação e formação para o mundo, ficando demonstrada a importância dos pais se fazerem presentes na vida dos seus filhos.
No que tangue o aspecto jurídico o objetivo foi atingido, pois as legislações pertinentes sobre o tema em estudo estabelecem que a responsabilidade alimentar é recíproca entre os pais e filhos e quanto a prestação alimentar e o afeto são essências ao desenvolvimento social de todas as pessoas, bem como, demonstrou-se a possibilidade dessa obrigação ser afastada diante do abandono afetivo/ material por parte dos pais em relação aos seus filhos.
A pesquisa limitou-se e buscou embasamento em alguns artigos, jurisprudências, doutrinas e leis, bem como, a consulta de fontes primárias e secundárias que possibilitaram um estudo mais aprofundado sobre o tema e com isso melhor compreensão.
Obtivemos, como conclusão, que ainda que pessoa idosa possua o benefício previdenciário, que muitas vezes, perfaz o valor referente a um salário mínimo, a prestação de alimentos possui caráter obrigatório, tendo em vista que o objetivo é o suprimento das necessidades dos pais pelos filhos quando o benefício deles é insuficiente para arcar com todas as despesas oriundas da velhice como bem prevê o art. 1695 do Código Civil.
O estudo da obrigação alimentar dos filhos para com os pais se faz importante, pois a cada dia que passa a população idosa vem aumentando, logo necessitando de políticas públicas que visem a efetivação dos direitos e garantias relativas a essa classe. Trata-se de um assunto muito relevante no âmbito jurídico e social já que estão relacionados com a proteção e cuidado da pessoa idosa.
O conhecimento das características do envelhecimento da população é imprescindível para a interpretação de todos os dispositivos aplicáveis à pessoa idosa, pois de maneira geral o trabalho buscou esclarecer que a proteção e vida digna da pessoa idosa deve ser encarada como um bem jurídico tutelado.
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1Acadêmica de Direito da Faculdade Facimp de Imperatriz- FACIMP WYDEN
2Orientador, Mestre em Educação nas Ciências e Especialista em Processo Civil e Docência do Ensino Superior. Professor do Curso de Graduação em Direito da FACIMP WYDEN
3Coorientador, Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional- UNITAU, Especialista em Docência do Ensino Superior e Direito Administrativo- FACIBRA, Professora do Curso de Direito da Faculdade FACIMP WYDEN