REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10492964
Thaís Marinho da Silva
RESUMO
Este artigo tem por finalidade discutir como a leitura crítica pode contribuir com a formação integral e leitura crítica dentro do PROEJA, pautado na lei nº 5.840/2002, dentro de uma perspectiva histórica. Conforme as disposições do MEC, trata-se de um desafio pedagógico e político para aqueles que desejam transformar o país dentro de uma perspectiva de desenvolvimento e justiça social. A implementação do programa compreende a construção de um projeto possível de sociedade mais igualitária e fundamenta-se nos eixos norteadores das políticas de educação profissional do governo. Apesar do MEC romantizar os objetivos e desafios do Proeja, sabemos que os alunos ali inseridos tiveram seu direito à escola cerceado quando em idade adequada. Dessa forma, constitui-se uma dívida social não reparada com aqueles que não tiveram acesso à educação, muito menos ao domínio da escrita e leitura como bens sociais e tenham sido explorados, vendendo sua força de trabalho para composição das riquezas das elites. O resultado do presente estudo indica que os excluídos do direito à educação têm cor, raça, classe social e residem em sua totalidade em comunidades carentes, as favelas. De fato, ficar alheio ao acesso escolar poderá trazer consequências irreparáveis na vida em sociedade, dentre elas, a desigualdade social.
Palavras-chave: PROEJA; leitura crítica; formação integral.
ABSTRACT
This article aims to discuss how reading through the work of Carolina Maria de Jesus, Quarto de despejo-diario de uma favelada can contribute to the integral formation and critical reading within PROEJA, based on law nº 5.840/2002. According to provisions of the MEC (2006) it is a pedagogical and political challenge for those who wish to transform the country within a perspective of development and social justice. The implementation of the program comprises the construction of a possible project for a more egalitarian society and is based on the guiding principles of the government’s professional education policies. Despite the MEC romanticizing the objectives and challenges of Proeja, we know that the students inserted there had their right to school curtailed when they reached the appropriate age. In this way, an unrepaired social debt is constituted with those who did not have access to education, much less the mastery of writing and reading as social goods and who have been exploited, selling their workforce for the composition of the riches of the elites. The result of the study indicates that those excluded from the right to education have color, race, social class and live entirely in poor communities, the favelas. In fact, being oblivious to school access could have irreparable consequences for life in society, among them, social inequality.
Keywords: PROEJA; Reading workshops; critical reading; comprehensive training
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo discutir como a leitura crítica pode contribuir com a formação integral dos alunos dentro do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja), bem como sobre a necessidade de uma formação para além do capital econômico, cujo objetivo é contribuir para uma ação emancipatória e crítica do sujeito ativo e participativo dentro da sociedade contemporânea.
A motivação para a realização desse estudo se inscreve no reconhecimento da existência dos excluídos do sistema escolar. É de amplo conhecimento que a educação no cenário brasileiro é marcada pelo dualismo histórico, o qual, conforme Libâneo, 2004, infelizmente ainda se faz presente. De um lado, o ensino propedêutico, destinado às elites, aos brancos. Do outro lado temos o ensino profissional, direcionado aos trabalhadores e filhos da classe trabalhadora, pardos e pretos. Filhos estes que precisam desde muito cedo contribuir com o sustento de seus lares. Essa falta de oportunidades equânimes está enraizada na constituição social, no racismo, na desigualdade social e histórica do nosso país. O trabalho vinculado à educação profissional ainda é percebido como atividade inferior e até mesmo indigno, atrelado à escravidão. Qual a cor daqueles que atuam nas construções, em serviços de limpeza? Aqueles que ocupam as salas do nosso Proeja? Aqueles que são vítimas de violência, que moram nas comunidades/favelas, que sofrem com o ódio gratuito e que são alvejados diariamente única e exclusivamente pela cor da pele? Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE , 2018, o rendimento médio por mês percebido por pretos/pardos é de aproximadamente R$1.608,00. Os brancos ficam com a faixa média de R $2.796,00. Quando falamos de desigualdade relacionada à escolaridade essa discrepância fica mais acentuada.
Essa realidade histórica é percebida dentro do Proeja, marcada por entraves, contrapontos, lutas, avanços, retrocessos e poucas transformações. É a parte essencial para entendermos que a relação de exclusão continua sendo esquecida e negligenciada pelo Poder Público, tanto pela falta de uma legislação sólida, investimentos ou simplesmente deixada de lado no ambiente escolar, durante o percurso formativo dos estudantes, já que é interessante dentro da nossa sociedade capitalista que existam pessoas exploradas e alienadas, tal como dispõe Ramos, 2014.
Diante do exposto, o presente artigo tem como finalidade contribuir para a superação da dualidade histórica na seara da Educação Profissional brasileira no âmbito do PROEJA. Busca-se através de um referencial teórico-conceitual, caminhos que viabilizem a superação entre formação manual e formação intelectual visando à formação humana integral.
Ressaltamos que o estudo possui como característica o método de levantamento de fontes bibliográficas, baseadas em obras na área da educação profissional. O cerne está ligado, prioritariamente, à trajetória da Educação Profissional e Tecnológica levando em consideração a criação da Escola de Aprendizes e Artífices.
Com propósito de solidificar o estudo dos referenciais teóricos e legislações investigadas, debruçaremos sobre os ensinamentos de Ciavatta (2014), Moura (2014), Frigotto (2018), Ramos (2016), Freire (2000) entre tantos outros brilhantes pesquisadores vinculados à corrente marxiana.
A legislação analisada esclarece que a Lei n 5.840/2006, a lei de criação do PROEJA, durante o governo de Luís Inácio Lula da Silva, apresenta alterações no processo de seleção, quando comparada com o Decreto, já revogado, nº 5154/2004. Dentre as modificações, destacam-se: o aumento da carga horária total dos cursos, a oferta de vagas e sua duração, com uma nova roupagem de quatro anos. Os dois primeiros anos reservados aos componentes curriculares visando à formação geral e os dois últimos, para as disciplinas de formação profissional técnica do discente. Essas alterações, ainda que robustas, lamentavelmente, não foram capazes de findar com a dualidade entre formação profissional e formação humanística. Muito pelo contrário, acabou por deixá-la mais nítida.
O trabalho apresenta-se por uma breve introdução, seguindo-se de um breve histórico da Educação Profissional e Tecnológica, com fulcro no levantamento dos documentos norteadores e reguladores desta modalidade educacional, bem como seu referencial teórico presente na literatura especializada do campo da educação profissional brasileira. Logo após, apontamos o caminho metodológico. Na continuação, analisamos os preceitos da PROEJA e a relevância da leitura e finalizamos com a discussão sobre o resultado em conjunto com algumas considerações pertinentes.
2 BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: A FORMAÇÃO PREDATÓRIA PARA O CAPITAL.
O marco inicial de uma política nacional de formação profissional ocorreu com a publicação do Decreto Federal número 7.566 em 23 de setembro de 1909, com autoria de Nilo Peçanha, criando a rede federal de educação profissional e tecnológica, cujo nome é Escola de Aprendizes e Artífices (EAAES). Havia uma em cada capital dos estados da República. O principal objetivo era profissionalizar as classes populares, a fim de formar mão de obra especializada para alimentar o mercado local de oficinas artesanais, bem como de manufaturas. Havia convergência entre o regime educacional e o fabril, o que direcionava os fins educacionais da EAAES, pautados por características higienistas, correcionais e assistencialistas.
Apenas em 1965, sob o nome de Escola Técnica Federal do Espírito Santo (Etfes), ocorreu uma modificação em relação ao público atendido, que passou a não se restringir aos desvalidos de sorte. A classe média capixaba, então, seria em maior número na escola, cada vez mais distanciando-se das classes populares. E apesar dessas modificações, não podemos esquecer que a ideia principal da Escola de Aprendizes Artífices foi formar para o trabalho manual, os profissionais artesãos.
Consonante Pinto (2006), a história da educação profissional teve como característica precípua a formação de capital humano para alimentar o ramo industrial, vista como uma ferramenta que formava exclusivamente para o trabalho. Um local existente para atender os pobres, os desfavorecidos da fortuna, direcionando-os ao labor. Apesar desse “atendimento”, esclarecemos que por um longo período se manteve elitizada, deixando de fora os alunos oriundos de classes trabalhadoras, já que em 1960, deparou-se com o processo de elitização, o qual foi modificado parcialmente com a proposta de inclusão do Ensino Médio para Jovens e Adultos Trabalhadores (Emjat), em 2001.
Dentro dessa realidade, houve a necessidade de superação da perspectiva de uma educação pobre para os desfavorecidos de fortuna, os excluídos, assumindo um papel capaz de proporcionar uma formação para os trabalhadores que possibilitasse não só a inserção no mercado de trabalho, responsável por reproduzir as relações sociais capitalistas, mas que fornecesse minimamente condições de modificar a alienação vivenciada pelos indivíduos ao longo dos anos.
Destarte, percebe-se que a sociedade brasileira tem uma dívida histórica com os trabalhadores, que foram cerceados do direito de acesso ao conhecimento escolar. Tais pessoas que ingressaram na execução do trabalho produtivo e contribuíram com o crescimento econômico, conhecidas como “infames da história” apenas seriam incluídas na esfera escolar no começo do século XX, caso favorecessem, de alguma maneira, com o desenvolvimento do país.
Tece alguns esclarecimentos relevantes, Bento (2011) sobre os argumentos utilizados nessa terrível estratégia, onde o poder público defendia o aproveitamento dos “normais”, o perigo e o peso social, bem como o desperdício econômico de excluir os “anormais” da escola primária. Desse modo, os citados “trabalhadores de reserva” e os “irrecuperáveis”, são atualmente, os inseridos na Educação de Jovens e Adultos em nosso país.
Sob a ótica dos educadores, pesquisadores e militantes da EJA e do Proeja, a luta pela inclusão e oportunidades igualitárias desses indivíduos na escola, assim como o direito à permanência e das condições de aprender e concluir os estudos com êxito escolar deve permanecer contínua. Outro ponto indispensável é a luta teórica e política sobre a concepção de educação que desejamos para as classes trabalhadoras. Uma educação que se baseie nos princípios do trabalho, da cultura, da ciência e da tecnologia como aportes primordiais da formação humana omnilateral.
Sendo assim, foi no início de 2001, com a criação do Emjat, que originou o movimento nessa direção. Vale destacar que o período da criação do Emjat foi regido pelo Decreto nº 2.208 (BRASIL, 1997) e pela dualidade ensino profissional/ensino médio. Provisão legal que foi revogada posteriormente pelo Decreto nº 5154/2004.Todavia foi apenas com a vigência dos Decretos nº 5.478 (BRASIL, 2005) e nº 5.840 (BRASIL, 2006) que a educação de jovens e adultos se tornou mais expressiva, na criação do Proeja durante o governo de Luís Inácio Lula da Silva.
No interior desse instrumento legal, nº 5840/2006, destacam-se as alterações no processo de seleção, o aumento da carga horária total dos cursos, a oferta de vagas e sua duração, com uma nova roupagem de quatro anos. Os dois primeiros anos reservados aos componentes curriculares visando à formação geral e os dois últimos, para as disciplinas de formação profissional técnica do discente. Essas alterações, ainda que robustas, infelizmente, não foram capazes de findar com a dualidade entre formação profissional e formação humanística. Muito pelo contrário, acabou por deixá-la mais nítida.
2.1 A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: UM CAMINHO PARA A FORMAÇÃO INTEGRAL NO PROEJA
De acordo com Foucambert (1994), o acesso à leitura é o único meio para alcançar a democracia e o poder individual. Assim, tornar a leitura objeto de estudo é urgente para o avanço da educação, considerando que o hábito de ler contribui para a vida escolar e em sociedade.
Em conformidade com Freire (1997), o ato de ler não se esgota na decodificação da palavra escrita. A leitura não é mera decodificação de símbolos porque permite ao leitor ir além das marcas linguísticas. Assim, entendemos a leitura como uma relevante prática integradora, uma ação transformadora capaz de modificar a realidade.
Na perspectiva de Giordani (2013), o hábito de leitura no comportamento é capaz de possibilitar o desenvolvimento necessário à interpretação e produção de textos. Além de ser uma ferramenta para aquisição da linguagem. A leitura, então, permite a inserção do sujeito em seu contexto sócio-histórico, propiciando a construção do indivíduo crítico, capaz de modificar sua realidade.
Gadotti (2007) argumenta que a formação de indivíduos letrados está relacionada à utilização da leitura nas práticas sociais. A trajetória sociocultural e de educação escolar são a identidade dos sujeitos. De tal forma, defende que a tarefa da escola é refletir sobre essa jornada para a formação do estudante e auxiliá-lo enquanto cidadão crítico que transita por espaços sociais fazendo uso da linguagem caracterizada pelos diferentes gêneros textuais existentes, entendendo seus diferentes usos em sociedade.
A leitura é crítica quando leva o leitor a mudar a sua prática, questionar o mundo e desacomodá-lo (GADOTTI, 2007). Um leitor somente é crítico se, além de possuir uma visão crítica da realidade, é criativo e capaz de recriar aquilo que lê. Assim, esclarece que leitura crítica é:
Uma leitura pode ser considerada como leitura crítica se o leitor consegue identificar no texto o contexto, as raízes daquilo de que fala o texto. É o oposto da leitura ingênua ou superficial. Não é apenas a leitura de “textos críticos”, dos textos que fazem o leitor compreender radicalmente o mundo. Leitura crítica supõe leitor crítico. Se o leitor for crítico, mesmo com um texto muito ruim, ele pode “fazer um bom trabalho”. O leitor crítico precisa superar a primeira leitura, interpretativa e compreensiva, para relacioná-la com uma certa totalidade relativa a um contexto muito maior. Essa habilidade crítica depende, sempre, de muita leitura e de uma formação geral ampla. A leitura crítica sempre leva à produção ou construção de um outro texto: o texto do próprio leitor (GADOTTI, 2007, p.67).
Silva (2009) ainda define três formas de leitura. São elas: leitura mecânica: aquela que é compreendida como habilidade de decifrar códigos e sinais; a leitura de mundo: é anterior à leitura mecânica e a ela incorpora-se e leitura crítica, tão desejada em nosso estudo, capaz de conciliar a leitura mecânica à leitura de mundo, diante de uma conduta perspicaz, questionadora e avaliativa, sendo o indivíduo capaz de emitir suas próprias conclusões.
Conhecendo a importância da leitura e compreensão da informação lida para um bom desenvolvimento social dos alunos do PROEJA, refletimos sobre a relevância de suas práticas. Provocar, talvez, uma mudança, ainda que mínima, mas benéfica, capaz de proporcionar lazer e conhecimento. Estimular o desenvolvimento pessoal, profissional, intelectual, social e cultural foi um grande desafio.
Em conformidade com Freire (2000), não basta saber ler que ‘Eva viu a uva’. É necessário compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho, pois o ato de ler não se esgota na decodificação da palavra escrita, já que a leitura não é mera decodificação de símbolos e sim uma reflexão e criticidade que permite ao leitor ir além das marcas linguísticas. Nesse sentido, temos a leitura como uma importante prática integradora, uma ação transformadora da realidade.
Desta forma, considerando a educação integral, a qual permita associar os aspectos formativos direcionados para a vida em sociedade, trabalho e continuidade dos estudos, o ato de ler no Proeja torna-se fundamental, devendo ser cultivado para a formação do indivíduo autônomo e letrado.
A palavra letramento foi trazida para o Brasil em 1986 por Mary Kato. Conforme a autora, o indivíduo letrado é capaz de utilizar a linguagem escrita nas mais variadas demandas sociais a que se articula. Faz-se como instrumento de comunicação, apresentando condições de agir autonomamente em suas funções sociais.
Soares (2012) complementa que o letramento permite a apropriação da escrita como forma de atuação consciente nas práticas sociais que não se encerram nas habilidades de ler e escrever. A pessoa letrada utiliza a escrita e a leitura de acordo com as demandas encontradas na sociedade. Assim, letramento é:
o estado ou condição de quem exerce as práticas sociais de leitura e de escrita, de quem participa de eventos em que a escrita é parte integrante da interação entre pessoas e do processo de interpretação dessa interação – os eventos de letramento‖ (SOARES, 2012, p.145).
No entendimento de Silva (2007), a escola é um local que precisa viabilizar a participação dos estudantes nas práticas sociais letradas por meio de exposição aos múltiplos letramentos da vida social na estrutura do trabalho escolar. Deste modo, o letramento é uma concepção de leitura voltada para ações na sociedade que permite ao estudante a atribuir sentidos aos textos que lê e escreve nas diferentes situações comunicativas no meio em que está inserido, proporcionando-lhe familiaridade com os gêneros textuais utilizados para práticas sociocomunicativas.
Sobre a leitura, de acordo com os apontamentos de Solé (1998), para que o ser humano possa realizá-la, é preciso que ele se sinta capaz de ler e compreender o texto analisado. Isto posto, dois aspectos tornam-se fundamentais na formação de leitores autônomos. O primeiro ressalta que ler não significa apenas decodificar e o segundo salienta que a compreensão do texto é uma ação estratégica consciente, a qual envolve aspectos cognitivos.
Corrobora com a elaboração deste trabalho no que diz respeito ao público atendido pelo Proeja, como desejamos que fosse sua real educação e como de fato ela é, as obras de Dante Henrique Moura (2013) sobre o ensino médio como condição de etapa final da educação básica, pois a realidade socioeconômica e educacional brasileira, em que grande parte dos filhos das classes populares precisa trabalhar antes dos 18 (dezoito) anos de idade. Parte-se do pressuposto que o objetivo a ser alcançado, na perspectiva de uma sociedade justa, é a formação omnilateral, integral ou politécnica de todos, de forma pública e igualitária e sob a responsabilidade do Estado, visando a emancipação humana. Apesar de essa representar uma utopia a ser buscada, a realidade atual está muito distante dessa perspectiva formativa.
Por emancipação humana, conforme Della Fonte (2018) entendemos um novo arranjo social em que o ser humano é fim de si mesmo e não meio. Isto posto, não se trata de mera emancipação e sim de ordem integral do ser humano. Em oposição ao ser humano cindido pela divisão social do trabalho manual versus o trabalho intelectual, vislumbra-se o ser humano total, omnilateral, em todas as suas capacidades e faculdades.
3- RESULTADOS E DISCUSSÕES
De acordo com MEC (2011), o perfil do público do Proeja caracteriza-se por: alunos que precisaram se afastar muito cedo da escola para colaborar com a renda das famílias. De tal forma, o longo tempo de afastamento do seio escolar traz sérias complicações de aprendizagem, com muitas dificuldades e poucas possibilidades de desenvolvimento pleno.
A rotina dentro do Proeja nos mostra as gigantescas lacunas anteriores de aprendizado e dificuldades em traçar caminhos eficazes que permitam o desenvolvimento pleno como a possibilidade de se apropriar da autonomia, criticidade e reflexão. É bem verdade que possui função reparadora, pois traz em seu bojo uma ideia de restauração de um direito a uma escola de qualidade, viabilizando o acesso ao trabalho, que fora negada na idade própria do aluno. Direitos que deveriam ser garantidos a todos os cidadãos.
Nessa linha, Ramos (2010) sinaliza que o direito ao trabalho deve ser garantido à pessoa, entretanto, no lugar de oferecer diretamente o trabalho é ofertada a educação de jovens e adultos com uma formação profissional, buscando qualificar para atender às necessidades urgentes do mercado e conseguir o trabalho. O projeto “hegemônico”, citado por Moura (2013), é imposto dentro da sociedade capitalista, já que a prioridade absoluta é atender as necessidades incessantes do mercado de trabalho no lugar das necessidades pessoais e sociais de seus sujeitos participantes.
Temos como referência os estudos de Maria Ciavatta (2016) que vão ao encontro de nossas inquietações dentro de um sistema secularmente dominado pelo capital como a educação no Brasil. As condições de vida são adversas, as relações de trabalho são dominadas pelo poder hegemônico do capital, a educação não está universalizada em acesso e em qualidade para toda a população; a ideologização crescente da educação subsumida ao consumo e ao mercado de trabalho torna ambíguo o conceito de qualidade da educação porque não há interesse em manter um padrão elevado de educação. Há a urgência em formar pessoas com capacidades flexíveis, adaptáveis às mudanças, fragmentados e precarizados que tenham seus direitos mitigados tal como dispõe Ricardo Antunes (2007).
O mundo do trabalho é perpassado por diversas transformações, de ordem tecnológica, organizacional e estrutural. Conforme Antunes (1995), percebe-se de um lado uma desproletarização do trabalho industrial, fabril, manual, principalmente nos países de capitalismo avançado, ou seja, uma diminuição contínua da classe operária, ao mesmo tempo em que a terceirização do trabalho se expande com base na absorção do setor de serviço, inclusive com a incorporação da mulher no mercado de trabalho, mascarando a composição do trabalho, dando ares de heterogeneidade. Descortina-se a subproletarização do trabalho, com os altos contingentes rumo a precarização do trabalho, através do constrangimento social que se intensifica com o trabalho parcial, subcontratado e informal que tornam mais explícitas as desigualdades sociais.
No sentido de diminuir essas desigualdades sociais oriundas da precarização do trabalho, que absorvem os estudantes do PROEJA, temos a intenção de colaborar com o desenvolvimento crítico e contextualizado do indivíduo, dentro de uma perspectiva integral trazendo à luz os ensinamentos de Moura (2013), os quais evidenciam que a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) clama por uma aprendizagem significativa e contextualizada, a qual permita subsidiar aos estudantes a capacidade de resolver problemas por si só e conduzir seus projetos nos diferentes setores da vida. Moura discute que a aprendizagem em EPT deve se afastar do que chama de aprendizagem tradicional, baseada numa abordagem teórica, repetitiva, fundamentada na transmissão de conhecimento em que o aluno é mero receptor. Realidade ainda muito comum atualmente nas salas do PROEJA.
Por acreditarmos que a leitura liberta, que o conhecimento de mundo não pode e nem deve ser esquecido e sim contextualizado, por discordarmos da educação bancária e sua defesa de aluno como mero receptor dos conhecimentos oriundos e exclusivos do professor sem que haja uma análise crítica, utilizaremos os conhecimentos de Paulo Freire (2005).
Diante dessa perspectiva, Freire (2005) aponta que a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele. O movimento do mundo à palavra e da palavra ao mundo está sempre presente. Movimento em que a palavra dita flui do mundo mesmo através da leitura que dele fazemos. De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente. E é essa é a prática tão desejada ao público do PROEJA, visando a sua formação integral.
No entendimento de Solé (1998), leitor ativo é aquele que processa e atribui significado àquilo que está escrito em uma página, sendo capaz de aprender conforme os textos lidos. O sujeito deve conseguir refletir sobre sua compreensão. Vincular o que se lê e o que faz parte do seu conhecimento particular, indagar seus conhecimentos e até alterá-los. Conseguir estabelecer relações que permitam transferir o que foi aprendido para outros contextos diferentes faz parte de um processo de leitura ativa.
Portanto, prestar a estes estudantes uma educação profissional integral e integrada dentro do Proeja pode constituir a possibilidade para contribuir com a formação de pessoas plenas, no sentido social, intelectual e cultural e não apenas no sentido técnico.
4- CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo trouxe buscou refletir sobre a importância da leitura crítica para a formação integral do público do PROEJA. A proposta de ponderar a leitura como ferramenta de inclusão, mediante a percepção do público excluído ao longo das décadas, além da própria necessidade de criação de estratégias para a formação de leitores críticos, para além dos muros da escola.
Formar leitores críticos e participativos não é tarefa fácil e formar leitores letrados pode ser ainda mais desafiador dentro de uma realidade que segrega a população mais carente, aquela inserida no PROEJA, que habita as comunidades e que continua sendo esquecida pelo Poder Público. Tragicamente, uma grande maioria dos discentes, ao findar o PROEJA, apesar de estarem supostamente alfabetizados, ainda não conseguem construir as habilidades de compreensão de textos mais complexos. De tal maneira, a escola poderia ser o lugar de somar esforços em prol da formação de estudantes letrados e conscientes de seu papel no mundo. Pessoas capazes de participar ativamente dos processos existentes de nossa sociedade e que não fiquem alheios a ela.
Foi diante dessa realidade, de propor um experimento de estímulo à leitura, que trouxemos os referenciais teóricos da área, tendo em vista que uma parcela bastante expressiva de alunos do Proeja ainda não conseguiu consolidar seus hábitos de leitura e, para muitos que não tiveram experiência de leitura em suas casas, tampouco ao longo de suas vidas por diversos fatores, a escola se torna o lugar fundamental, senão o único em que as práticas de leitura acontecem.
A experiência na realização deste artigo foi absolutamente humana, pois nos trouxe conhecimento sobre o público pesquisado e suas condições de vida tão desafiadoras.
O experimento bibliográfico, objeto de análise deste trabalho, foi um aprendizado onde conseguimos perceber a desigualdade social, o preconceito, a exclusão. Notamos que essa exclusão tem endereço, tem cor e que ocupa as cadeiras nas turmas do Proeja.
Portanto, nossa pesquisa procurou demonstrar a relevância dos estímulos à leitura crítica, amparados na leitura de mundo e conhecimentos dos próprios alunos do PROEJA, apesar dos nossos ambientes escolares carecerem de formar leitores autônomos. Para que a educação possa dar um salto de qualidade, é imperioso priorizar a leitura crítica e reflexiva como fonte de conhecimento e formação integral do ser humano.
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