A RELAÇÃO ENTRE CRISE MIGRATÓRIA E VIOLÊNCIA NA FRONTEIRA BRASIL/VENEZUELA: UMA ANÁLISE NOS JORNAIS FOLHA DE BOA VISTA, RORAIMA1, G1 E ESTADÃO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12546441


Francisco Pereira Gomes de Oliveira¹


Resumo:

A presente pesquisa investiga a relação entre a crise migratória plasmada na decadência do socialismo bolivariano e o aumento da violência na fronteira do estado de Roraima com a Venezuela. Nesse intento utilizamos a metodologia de análise de conteúdo para examinar notícias publicadas nos jornais Folha de Boa Vista, Roraima1, G1 e Estadão no período de 2018 a 2023, buscando compreender como esses veículos de comunicação abordam essas questões sensíveis e quais narrativas emergem de suas reportagens. Os dados revelam que os imigrantes venezuelanos vivem em condições de vulnerabilidade e violência desde o seu país de origem até a chegada a Roraima, e que a abordagem jornalística faz um tratamento da temática de forma alinhada com as questões humanitárias e com a responsabilidade ética e social. Assim, compreender a relação entre violência e migração se torna essencial para que sejam superados narrativas e estereótipos, buscando privilegiar análises que alcancem os problemas reais e suas raízes mais profundas apontando soluções e caminhos para superação do problema estimulando a convivência pacífica entre refugiados e acolhedores.

Palavras-chave: Imigração, Violência, Narrativa.

Abstract

This research investigates the relationship between the migration crisis shaped by the decline of Bolivarian socialism and the increase in violence on the border between the state of Roraima and the Venezuela. In this attempt, we used the content analysis methodology to examine news published in the newspapers Folha de Boa Vista, Roraima1, G1 and Estadão from 2018 to 2023, seeking to understand how these media outlets address these sensitive issues and which narratives emerge from their reports. . The data reveal that Venezuelan immigrants live in conditions of vulnerability and violence from their country of origin until their arrival in Roraima, and that the journalistic approach deals with the issue in line with humanitarian issues and ethical and social responsibility. . Therefore, understanding the relationship between violence and migration becomes essential for overcoming narratives and stereotypes, seeking to privilege analyzes that reach the real problems and their deepest roots, pointing out solutions and paths to overcoming the problem, encouraging peaceful coexistence between refugees and hosts.

Keywords: Immigration. Violence. Narrative.

Considerações Iniciais:

A crise migratória global tem se mostrado um fenômeno complexo, persistente e desafiador no cenário geopolítico internacional. Impulsionada por fatores sociais, econômicos, políticos e ambientais, a migração está em constante evolução. Esse tema tem dominado a pauta de discussões nas organizações da sociedade civil bem como nos embates diplomáticos dos organismos multilaterais devido à sensibilidade das questões humanitárias, econômicas e políticas inerentes a sua complexidade. 

Essa interseção complexa de forças que moldam o mundo em que vivemos têm implicações significativas para os países de origem, de trânsito e de destino, especialmente para as pessoas migrantes. Segundo o relatório anual de tendências e políticas sobre migração internacional (2021) para o G20, a coordenação de políticas migratórias entre seus membros e a busca por soluções conjuntas para os desafios globais relacionados à migração levam em conta fatores tais como a “abordagem das vulnerabilidades de refugiados e migrantes,” “reabertura segura das fronteiras e oportunidades para mobilidade regular,” “retomada do reassentamento e expansão de vias complementares,” “análise do impacto de curto e médio prazo nas remessas” além de “apoio a migrantes retidos e facilitação da migração de retorno.” (2021 ANNUAL INTERNATIONAL MIGRATION AND FORCED DISPLACEMENT TRENDS AND POLICIES REPORT TO THE G20, p. 16-23)

A história das migrações se confunde com a história humana, contudo na atualidade, conflitos armados, instabilidade política, mudanças climáticas, pobreza e desigualdades econômicas levaram a um incremento inexorável de movimentos populacionais massivos, um fluxo contínuo e desordenado de pessoas em todas as regiões do mundo.

Para se ter uma ideia da dimensão do problema, em meados de 2023 em decorrência de perseguição, conflitos armados, violência, eventos climáticos e violações de direitos humanos a Agência da ONU para refugiados apontou o número de 117,3 milhões de pessoas em deslocamentos forçados em todo o planeta (GLOBAL TREND REPORT, 2023).

No contexto das migrações forçadas, a decadência do socialismo bolivariano² na Venezuela levou a  maior crise de deslocamento da atualidade, forçando milhões de pessoas a deixar o país em busca de melhores condições de vida. O relatório Mundial 2022 do Human Rights Watch aponta que a corrupção, má gestão, autoritarismo e graves violações de direitos humanos são tidos como catalisadores, que culminaram no êxodo de cerca de 7,1 milhões de venezuelanos. Segundo dados sobre a situação de adultos e idosos da Pesquisa Nacional de Condições de Vida da População Venezuelana – ENCOVI, edição 2021, 7 em cada 10 venezuelanos se encontravam em extrema pobreza (68,9%), enquanto (25,7%) enfrentavam a insegurança alimentar severa, ou seja, estavam passando fome. (ROMERO M, at al, 2022, p. 4).  Além disso, o Observatório Venezuelano de Prisões destaca que 73% das mortes de detentos devido a condições de saúde no primeiro semestre de 2021 foram causadas por desnutrição ou tuberculose, ambas relacionadas à crise humanitária. (OBSERVATORIO VENEZOLANO DE PRISIONES, 2021, p. 67-68)

Paralelamente, a situação de vulnerabilidade que circunda o movimento migratório nessa região, a preocupação com a violência também tem se tornado uma constante devido ao agravamento das tensões decorrentes de episódios de agressões e banalização da criminalidade na fronteira de Pacaraima, dentro dos abrigos da Operação Acolhida e nas ruas das cidades de Boa Vista e Mucajaí. Este trabalho visa analisar como esses temas são retratados nos jornais locais e externos, buscando compreender como esses veículos de comunicação abordam essas questões e seus desdobramentos e quais narrativas emergem de seus editoriais.

Contexto

Para efeito de contextualização da questão, dados apurados, em setembro de  2023, pela Plataforma de Coordenação Interagencial para Refugiados e Migrantes da Venezuela (R4V), coliderada pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e pela Agência da ONU para as Migrações (OIM) e cerca de 228 parceiros,  havia mais de 7,7 milhões de refugiados e migrantes da Venezuela em todo o mundo.  Mais de 6,5 milhões deles estão espalhados em 17 países da América Latina e do Caribe (R4V, 2024).

No contexto da crise migratória global, no Brasil o dado mais relevante está ligado à migração venezuelana, cubana, angolana e haitiana. Segundo (JUNGER et al., 2023) os dados recentes do resumo executivo “Refúgio em Números”, apontam que em 2022, o Brasil recebeu 50.355 solicitações da condição de refugiado, provenientes de 139 países. O relatório chama atenção para o fato de que a principal nacionalidade solicitante foi a venezuelana com (67%), seguida pela cubana (10,9%, e angolanas (6,8%) (JUNGER et al., 2023, p. 10-11).

Ainda no cenário brasileiro, dados do resumo executivo do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) apontam que no decorrer do ano de 2022, o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) reconheceu 5.795 pessoas como refugiadas, Sendo que os homens corresponderam a 56% deste total e as mulheres, a 44%. Além disso, 46,8% das pessoas reconhecidas como refugiadas eram crianças, adolescentes e jovens com até 24 anos de idade (REFÚGIO EM NÚMEROS p. 9).

Um dado relevante que gostaríamos de destacar no contexto do presente trabalho, é que do total geral, 57,8% das solicitações apreciadas pelo Comitê Nacional para os Refugiados foram registradas nos estados integrantes da região norte do Brasil, sendo que o estado de Roraima concentrou o maior volume de solicitações de refúgio apreciadas pelo órgão em 2022 totalizando (41,6%), seguido por Amazonas (11,3%) e Acre (3,3%) (REFÚGIO EM NÚMEROS p. 8).

Na legislação do Conare a fundamentação aplicada ao ato de deferimento do refúgio refere-se às razões pelas quais um pedido de refúgio é aceito, nessa perspectiva, há um dado que salta aos olhos no resumo executivo do OBMigra.

No ano de 2022, a categoria de fundamentação mais aplicada para o reconhecimento da condição de refugiado foi “Grave e Generalizada Violação dos Direitos Humanos (GGVDH)”, responsável por 82,4% do total de fundamentações, seguida por “Opinião Política”, que representou 10,9% desse total (REFÚGIO EM NÚMEROS p.30). 

De acordo com o periódico El País, uma missão internacional independente das Nações Unidas para a Venezuela apresentou em setembro de 2020,   em Bruxelas um relatório relatório de 443 páginas no qual classifica as violações de crimes contra a humanidade e acusam o autocrata venezuelano Nicolás Maduro e funcionários do alto escalão de envolvimento em violência sistemática no país. (EL PAÍS 2020). 

De acordo com a BBC NEWS Brasil, além de prender  os líderes da oposição, o regime socilaista bolivariano sitia militarmente áreas onde há votos pró oposição atirando à queima-roupa, prendendo, torturando e matando as pessoas.(BBC NEWS Brasil,  2020). 

O governo de Nicolás Maduro e suas forças de segurança são responsáveis por execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados de curta duração, prisão de adversários políticos, processos em tribunais militares, tortura de presos e repressão a manifestantes.

O governo brasileiro, assumiu uma posição dúbia com base na ideia de que o “conceito de democracia é relativo, ”. Entretanto a maioria dos países têm condenado as violações dos direitos humanos na Venezuela e pressionado o governo Venezuelano a respeitar os princípios democráticos e a liberdade de expressão (G1, 2023).

Metodologia:

Na preparação do presente trabalho optamos pela análise de conteúdo porque ela se enquadra dentro das condições da pesquisa, bem como se caracteriza como uma abordagem sistemática e rigorosa para examinar e interpretar o conteúdo de diferentes tipos de materiais, como textos escritos, imagens, áudio e vídeo. Para efeito de contextualização da abordagem metodológica, esclarecemos que escolhemos enfatizar as concepções de alguns expoentes associados à análise de conteúdo. 

Segundo Bardin(1977) a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que emprega procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, seu enfoque abrange a análise de dados qualitativos, incluindo a interpretação de significados subjacentes em textos e discursos. 

Para Minayo (2001), que contribuiu para a aplicação da análise de conteúdo em estudos sobre saúde, violência e questões sociais, a análise de conteúdo apresenta-se como uma metodologia que segue uma organização específica, permitindo ao pesquisador um passo-a-passo para conduzir sua investigação. 

Franco (2008), esclarece que a análise de conteúdo é uma técnica que busca identificar padrões, temas, categorias e significados subjacentes em dados brutos, tendo como pressuposto a compreensão do conteúdo de forma sistemática e rigorosa, permitindo que os pesquisadores extraiam informações relevantes.

Desse modo vemos que a análise de conteúdo se apresenta como uma ferramenta valiosa para compreender os sentidos e significados presentes em materiais textuais e discursivos, fornecendo diretrizes e abordagens para a interpretação de dados qualitativos em diversas áreas de pesquisa. 

Concernente ao uso do jornal como fonte histórica Barros (2021) explicita que  é uma possibilidade por se tratar de um meio de comunicação que possui o poder de penetração nos vários segmentos sociais de uma população, a invenção da imprensa possibilitou o surgimento dos jornais propriamente ditos e ele se transformou em um poderoso ator político nas sociedades contemporâneas. Ainda segundo Barros (2021) antes da modernidade, os historiadores também analisaram experiências culturais de comunicação e informação que envolveram a publicação periódica – até mesmo em civilizações antigas – através de outros meios como a escrita em murais ou a circulação de manuscritos.

No que diz respeito a seleção de fontes, foram coletadas um total de vinte notícias dos jornais Folha de Boa Vista, Roraima1, G1 e Estadão, nos sites dos respectivos veículos de comunicação, relacionadas à crise migratória e à violência na fronteira roraimense. O recorte temporal focou em reportagens publicadas no período de 2018 a 2023 com ênfase na segunda e terceira fase da crise migratória venezuelana e na instalação da operação acolhida. O critério de seleção baseou-se no grau de visibilidade dos veículos de comunicação e número de views em editoriais de notícias específicos para o contexto da pesquisa. Para extração dos dados, utilizamos as ferramentas de análise de tráfego e visibilidade serpstat³ e ahrefs, que oferecem serviços gratuitos de comparação do tráfego orgânico, grau de visibilidade, número estimado de visitas mensais e listagem comparativa de concorrentes.

As ferramentas de análise mostraram que o jornal Folha de Boa Vista e Roraima1 foram os veículos de comunicação locais que mais se enquadram nas características previamente estabelecidas, sendo o Folha BV o jornal mais visto pela população com 144.7K de tráfego orgânico, 12.42 de visibilidade e 62,3K de visitas mensais estimadas, com base nas medidas da ferramenta ahrefs. Os outros jornais locais Roraima em tempo e Roraima em foco apresentaram índices de visibilidade abaixo de 1.00, ou seja, 0,55 e 0,28 respectivamente na ferramenta serpstat. Comparativamente os jornais externos Estadão com 7,3M  e 1.15K  de visibilidade e 349.6K de visitas mensais estimadas e G1 Globo com 35,1M de tráfego orgânico e 6,3M de visitas mensais estimadas.

É preciso esclarecer que devido a opção pela abordagem da análise de conteúdo decidimos por não investigar o posicionamento político ideológico dos veículos de comunicação. Esta decisão se baseia no simples fato de que a posição político-ideológica dos comunicadores sociais, salvo raríssimas exceções, está fortemente ligada à responsabilidade ética e social, ou seja, comunicadores têm o dever de informar com precisão e sensibilidade. Além disso, a abordagem ética e a promoção dos direitos humanos são fundamentais para uma comunicação responsável. Nesse sentido, a comunicação social se coloca como um meio que dá voz a grupos marginalizados ampliando suas histórias e lutas contribuindo para a inclusão, igualdade e justiça social. Consequentemente, quando se trata da pauta de direitos humanos entendemos que uma formação progressista se sobrepõe à cultura do jornal.

A escolha do material seguiu os princípios de exaustividade visando não deixar documentos de fora, com a ressalva de que não se pode abranger a totalidade de publicações dado que os jornais locais e externos algumas vezes replicam a mesma notícia apenas citando a fonte. No que concerne à representatividade foram incluídos jornais locais e externos para cumprir com o objetivo da pesquisa. Depois de finalizar a seleção das notícias e dos respectivos jornais, passamos as observações, e a avaliação de todo material criado e organizá-lo em uma tabela do Excel com as unidades de informação separadas numa coluna e os jornais em outra. Assim, passamos a considerar somente as notícias que respondiam ao problema da questão central da pesquisa e desconsiderando as que não cumpriam esse papel. 

Após uma leitura flutuante apresentamos algumas hipóteses e sugerimos explicações e argumentos, que serão validados ou descartados. A priori, queríamos inferir se os editoriais dos jornais analisados abordam o aumento da violência? Se sim, de que maneira esses veículos de comunicação abordam essas questões sensíveis? Quais narrativas emergem de suas reportagens? 

Nesse sentido, poderiam os jornais locais Folha BV e Roraima1 estar abordando a questão da relação entre a crise migratória e a violência de maneira preocupada e propositiva? Ou de forma sensacionalista tendendo a defender os interesses locais em detrimento das questões humanitárias? Por estarem em outras regiões distantes do problema, poderiam o jornal Estadão e o portal G1 estarem focados somente em aspectos como políticas públicas, impacto econômico, questões humanitárias e ações do governo brasileiro para lidar com a situação? Estariam eles tratando da questão da violência somente do ponto de vista humanitário em detrimento dos interesses dos cidadãos atingidos diretamente pelo problema?

Para dar conta dessas questões, depois de uma leitura mais acurada identificamos palavras-chave e tópicos recorrentes nas matérias e elencamos algumas unidades, assim, elegemos como categorias de análise unidades de informação.

Conforme proposto por Morin (1960), a Unidade de Informação (UI), no contexto da pesquisa em jornais como fontes históricas, refere-se a um elemento específico dentro de um jornal que contém informações relevantes para a análise histórica. Essa unidade pode ser um artigo, uma notícia, um anúncio, uma coluna editorial ou qualquer outro segmento do jornal que contenha dados úteis para os historiadores. Assim, elegemos os temas a crise migratória, a violência e discurso do editorial, dentro dos editorias de cidade e de polícia buscamos por termos como “migração”, “conflitos”, “segurança” e “políticas públicas”, “agressão”, furto”, “assalto”, “violência”, “bandido” “criminoso”, “suspeito”, “insegurança”, “medo”, “xenofobia”, “latrocínio”, “assassinato”, “homicídio” e “feminicídio”, sempre respeitando o contexto em que essas unidades aparecem ao longo das reportagens.

Resultados:

Dentro do primeiro tema “A crise migratória”, os jornais on-line destacaram o medo da fome 19 UI, a insegurança 21 UI, abrigos, praças e semáforos lotados 10 UI, pessoas dormindo no chão 7 UI e comendo no lixo 4 UI.

Dentro do segundo tema “violência”, os jornais destacaram o aumento de crimes 36 UI, vítima 27 UI, insegurança 21UI, assalto 17 UI, homicídio 16 UI, violência 13 UI, assassinato 10 UI, medo 10 UI, furto 7 UI, conflito 5 UI, abuso 3 UI, compaixão 1 UI e feminicídio 0 UI.

A respeito do tema “como o discurso dos editoriais trata o migrante que se envolve em crimes” temos suspeito 13 UI, bandido 3 UI e investigado 1 UI. A ressalva para o termo bandido que aparece apenas numa entrevista do portal G1 na qual o entrevistado de Pacaraima afirma que existem tanto bandidos brasileiros quanto venezuelanos que cometem crimes. Sobre o tema “xenofobia e discurso de ódio” apareceram 7UI e 1 Ui respectivamente.

Gráfico 1: Unidades de informação – tema: crise migratória

Gráfico 2: unidades de informação – tema: violência

Em conclusão os periódicos analisados coadunam com a tese do aumento da violência buscando explicações para retirar dos migrantes a responsabilidade única para o aumento das estatísticas. Nesse sentido são atribuídas a contribuição dos catalisadores como o narco-garimpo e luta entre facções por disputa no controle do tráfico na fronteira, na região de garimpo e nas reservas indígenas.

Sobre a segunda hipótese, a questão da relação entre a crise migratória e a violência verifica-se que a abordagem dos jornais Folha de Boa Vista e Roraima1 é preocupada com a acolhida e o bem-estar do migrante sendo propositiva e indagadora as autoridades no sentido de encontrar uma saída para o bem-estar dos moradores e migrantes, redução da tensão e controle da criminalidade.

Um dado relevante nos arquivos pesquisados e zero referência aos crimes de feminicídio sofridos por mulheres migrantes venezuelanas, em favor das unidades de informação homicídios e assassinatos, dentre as UI pesquisadas. Esse silêncio fala por si só e nos levaram a três possíveis conclusões:

A primeira hipótese diz respeito ao fato de que muitas vezes, os jornais não fornecem contexto suficiente sobre a situação dos migrantes. Eles podem não explorar as razões subjacentes para o comportamento criminoso, como a falta de oportunidades de emprego, a vulnerabilidade social, o gênero da vítima ou o trauma vivido pelos migrantes em seu processo de deslocamento, devemos considerar também, a falta de informações sobre a parte do trajeto anterior à chegada a fronteira em Pacaraima.

A segunda conjectura para justificar a ausência da UI feminicídio pode estar ligada à questão de que veículos de comunicação vivem das vendas, views e anúncios, nesse sentido, muitas vezes buscam histórias impactantes para atrair leitores e aumentar a audiência. Assim, crimes violentos, como assassinatos, tendem a chamar mais atenção do que outros tipos de notícias, é possível que os jornais deem mais destaque a esses casos, sem entrar nos pormenores envolvendo a história das vítimas.

A terceira e última hipótese aponta para a concepção de que a mídia tende a simplificar histórias complexas para torná-las mais compreensíveis. Ao enquadrar os crimes de feminicídio como assassinato, eles podem estar buscando uma narrativa mais direta, mas isso pode não refletir a realidade complexa do processo migratório que engloba longos deslocamentos em condições de vulnerabilidade devido à crise econômica, escassez de alimentos e medicamentos. Ao simplificar as histórias a mídia releva o fato de que mulheres migrantes enfrentam riscos específicos, incluindo violência de gênero, podendo ser alvo de abuso físico, sexual ou psicológico durante a jornada ou ao chegar em um novo país.

Voltando a hipótese inicialmente levantada de que os jornais não locais estariam tratando da questão da violência somente do ponto de vista humanitário em detrimento dos interesses dos cidadãos atingidos diretamente pelo problema, a análise das unidades de informação mostrou um certo equilíbrio entre direitos, deveres e obrigações tanto dos migrantes quanto da população local.

Ha, porém, alguns pontos em que a mídia externa tende a amenizar a percepção de responsabilidade pelo aumento da violência da conta dos migrantes, utilizando falas específicas como a do então ministro da justiça Sérgio Moro. Para exemplificar, durante a visita a Operação Acolhida4 em Pacaraima e Boa Vista, o  G1 destaca a fala de Moro: “o fluxo migratório causa uma sensação de insegurança, mas não se reflete no aumento de crimes violentos.” É preciso esclarecer que uma fala dessa natureza não pode ser isolada de um contexto político podendo ou não representar uma dada realidade, especialmente se fossem citados dados que corroboram com a informação proferida.

Concernente ao uso de estatísticas para atenuar questões ligadas ao aumento da criminalidade, de acordo com Cambricoli (2018), “Com o aumento da população, Boa Vista viu o número de ocorrências criminais dobrar, mas apenas 0,5% dos crimes foi cometido por venezuelanos, segundo a Polícia Civil”(ESTADÃO, 2018). É importante ressaltar que esses dados apontados pelo próprio Estadão dão conta que “entre 2015 e 2017, o número de boletins registrados na capital de Roraima passou de 7.929 para 15.266, dos quais 63 tiveram os imigrantes como autores” (ESTADÃO, 2018).  Cambricoli (2018), enfatiza que “os crimes mais comuns foram lesão corporal, furto e roubo”, mas não cita os crimes violentos.

A despeito das duas matérias do G1 e Estadão é perceptível o esforço que a abordagem jornalística emprega para estabelecer um tom equilibrado. Não aparecerem UI da parte dos jornais locais nem dos externos o uso de termos sensacionalistas como “meliantes” e outros desse gênero, mostrando um tratamento da temática de forma alinhada com as questões humanitárias e com a responsabilidade ética e social. Essa perspectiva dos comunicadores sociais e dos veículos analisados demonstra   precisão e sensibilidade na promoção e defesa de direitos além de mobilizar a sociedade para ações positivas, amenizando o clima de tensão permanente na fronteira.

Contudo, em contraponto a perspectiva otimista dos jornais utilizados neste trabalho, (CORNACCHIA et al., 2020) em um estudo a partir da análise de prontuários médico-legais da cidade de Pacaraima, Roraima, Brasil, datados de 2013 e 2018, com base na nacionalidade das vítimas e dos autores de ações violentas, e o tipo de crime. Mostrou que: “Em 2013 (n = 86, 39,3%) e 2018 (n = 133, 60,7%), foram documentados 219 registros periciais. Os venezuelanos estiveram envolvidos em 63 relatórios forenses (28,7%) – um em 2013 e 62 em 2018” (CORNACCHIA et al., 2020, p. 24). A maioria dos relatórios estava relacionada a investigações de integridade corporal (n = 169, 77,2%). Analisando o número de laudos periciais percebe-se que aumentou 54,7% de 2013 a 2018, apontando uma tendência de aumento da violência na região fronteiriça (CORNACCHIA et al., 2020, p. 28).

Já em relação aos exames de integridade física, (CORNACCHIA et al., 2020) esclarece que foram divulgados 62 (36,7%) laudos em 2013 e 107 (63,3%) em 2018. Dos laudos de 2013, apenas um (1,6%) era de venezuelano, enquanto 61 (98,4%) eram de brasileiros. Em 2018, o número de denúncias envolvendo venezuelanos aumentou para 57 (53,3%), enquanto as denúncias envolvendo brasileiros diminuíram para 50 (46,7%) em 2018. O aumento de denúncias entre 2013 e 2018 foi de 72,5% (CORNACCHIA et al., 2020, p. 24). 

Coadunando com esse pesrpectiva, o dossiê de “Morbimortalidade5 por violência entre os venezuelanos ocorrida no estado de Roraima,” com base nos últimos dez anos, foram notificados 7.261 casos de violência no estado no período estudado, destas, 70,4% (n= 5.114) por violência física, 21,1% (n=1.533) por violência sexual e 17,5% (n=1.271) por tentativa de suicídio. A violência entre os estrangeiros foi de 0,4% (n=31), destes, 83,9% (n=25) são de nacionalidade venezuelana, nessa população 56% (n=14) foram por violência física, 24% (n=6) foram por violência sexual, 20% (n=5) por tentativa de suicídio (BENEDETTI,; ARAÚJO,  2019, p. 155).

Em conclusão, os dados obtidos na pesquisa revelam que os imigrantes venezuelanos vivem em condições de vulnerabilidade e violência desde o momento da saída de seu país. Seja desempenhando um papel de vítimas, seja de perpetradores. Embora os veículos de comunicação apontam dados divergentes os dados estatísticos apontam um aumento acentuado da criminalidade nos quais é perceptível que as principais vítimas são os próprios refugiados que sofrem agressões dos seus compatriotas e de parte da população local, em parte devido às condições de vulnerabilidade, e por outro lado a falta de um acompanhamento profícuo por parte do estado brasileiro e venezuelano, bem como das organizações da sociedade civil que não conseguem dar conta do fluxo migratório sem precedentes na história local.

A inaceitável que a violência afete a integração social e econômica dos imigrantes, impactando a sociedade como um todo seja por questões de segurança nas fronteiras ou pela discriminação e hostilidade que enfrentam em seu novo ambiente. Parte da solução dessas questões passa pela adequação de políticas públicas que garantam que os migrantes tenham acesso a cuidados médicos, programas sociais e serviços básicos sem descuidar dos mesmos cuidados com a população local. Assim, é imperativo estudar e compreender a relação entre violência e migração para que sejam superadas narrativas e estereótipos buscando privilegiar análises que alcancem os problemas reais e suas raízes mais profundas apontando soluções e caminhos para superação do problema e estimulando a convivência pacífica entre refugiados e acolhedores.


²O socialismo bolivariano é uma expressão utilizada pelos integrantes do Partido Socialista Unido da Venezuela-PSUV. Trata-se de um processo revolucionário, cuja especificidade reside na conquista gradual e pacífica do poder político, sem postular a ruptura imediata com a ordem capitalista, seguindo a via legítima de radicalização democrática, até a criação de um sistema múltiplo de propriedade, com vistas a superar, em médio e longo prazo, as bases da dominação imperialista, latifundiária e monopolista. (SEABRA, R. L, 2012)
³Serpstat e hrefs — São ferramentas de Growth Hacking para otimização de mecanismos de pesquisa, pague por clique e marketing de conteúdo
4Operação Acolhida é uma operação brasileira deflagrada pelo Exército Brasileiro desde fevereiro de 2018 que visa proteger os venezuelanos que atravessam a fronteira, prestando auxílio humanitário aos imigrantes venezuelanos em situação de vulnerabilidade, refugiados da crise política, institucional e socioeconômica que acomete a República Bolivariana da Venezuela.
5Morbimortalidade é um conceito da medicina que se refere ao índice de pessoas mortas em decorrência de uma doença específica dentro de determinado grupo populacional

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¹Doutorando em História no PPGH da Universidade de Passo Fundo (UPF)
Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Capes, Brasil 
E-mail: oliveirafp@msnl.com