THE RELATIONSHIP BETWEEN PRISON, DEMOCRACY, AND PRISON VIOLENCE IN BRAZIL: RETHINKING PRISON SENTENCE AS THE STANDARD SOLUTION IN THE FACE OF THE CHALLENGE OF ORGANIZED CRIME
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8060663
Sandro Sales de Oliveira¹
Wener Vieira dos Santos²
José Ivan Veras do Nascimento³
Juan Pablo Moraes Morillas4
Ailton Luiz dos Santos5
Marcos Marinho Santiago de Jesus6
Guilherme Keese Diogo Campos7
RESUMO
Este artigo discute a relação entre a prisão, a democracia e a violência carcerária no Brasil, buscando identificar possíveis alternativas à pena de prisão tradicional. A questão norteadora da pesquisa é: qual é a relação entre a prisão, a democracia e a violência carcerária no Brasil, e quais são as possíveis alternativas à pena de prisão tradicional? O objetivo da pesquisa é analisar o papel do Estado Democrático de Direito nas prisões e compreender o conceito de Estado, Democracia e Direito, além de abordar um breve histórico do instituto da pena. A metodologia utilizada foi uma revisão bibliográfica, a partir da qual foi feita uma análise crítica do sentido da pena dentro do contexto da ressocialização do indivíduo apenado. Concluiu-se que, apesar das críticas e questionamentos sobre sua eficácia na ressocialização do apenado, a pena ainda é a solução padrão adotada em todo o mundo. A dessocialização que ocorre no ambiente prisional torna-se ainda mais desafiadora diante do poder paralelo e desafiador do crime organizado. A socialização é a única alternativa viável para evitar a dessocialização e a formação de uma nova identidade delinquente no interior dos presídios.
Palavras-chave: Crime organizado; Democracia; Pena de prisão; Ressocialização; Violência carcerária.
ABSTRACT
This article discusses the relationship between prison, democracy, and prison violence in Brazil, seeking to identify possible alternatives to the traditional prison sentence. The guiding question of the research is: what is the relationship between prison, democracy, and prison violence in Brazil, and what are the possible alternatives to the traditional prison sentence? The aim of the research is to analyze the role of the Democratic State of Law in prisons and understand the concept of State, Democracy, and Law, in addition to addressing a brief history of the institute of punishment. The methodology used was a literature review, from which a critical analysis of the meaning of punishment within the context of the resocialization of the sentenced individual was carried out. It was concluded that, despite the criticism and questioning about its effectiveness in resocializing the sentenced individual, punishment is still the standard solution adopted worldwide. The desocialization that occurs in the prison environment becomes even more challenging in the face of the parallel and challenging power of organized crime. Socialization is the only viable alternative to avoid desocialization and the formation of a new delinquent identity within prisons.
Keywords: Organized crime; Democracy; Prison sentence; Resocialization; Prison violence.
INTRODUÇÃO
A imposição do castigo como forma de política social tem sido objeto de intensas discussões e debates no âmbito moral e legal, especialmente no que tange à sua eficácia como medida de prevenção ao crime. Apesar das mudanças geopolíticas e das diversas configurações pelas quais o mundo tem passado nos últimos séculos, a condução dos problemas de natureza criminal ainda tem sido marcada pela predominância da prisão como “solução final” para o sistema da persecução penal. Conforme assinala Garland (1999, p. 17), “o papel do castigo na sociedade moderna, de fato, não é tão obvio nem tão bem conhecido. Hoje em dia, o castigo é um aspecto da vida social profundamente problemático e pouco compreendido, cuja razão de ser não é clara”.
Nesse contexto, o presente artigo se propõe a analisar a relação entre o instituto da prisão e a democracia, bem como a criticar a pena em seu sentido tradicional e apócrifo. Além disso, será realizada uma análise da prisão no Brasil nos últimos 30 anos e da formação de organizações criminosas no interior dessas instituições. A questão norteadora que orienta esta pesquisa é: qual é a relação entre a prisão, a democracia e a violência carcerária no Brasil, e quais são as possíveis alternativas à pena de prisão tradicional?
O cerne deste trabalho está centrado na premissa de que os presos, assim como os indivíduos sociais em geral, devem agir em conformidade com as normas e regras sociais. Da mesma forma, esses indivíduos também são detentores de direitos que, mesmo a despeito da condenação pelo cometimento de um determinado crime, não são totalmente suspensos. O preso, uma vez na prisão, continua inserido na sociedade, não se desprendendo absolutamente dela. Estamos tratando de um modelo de sociedade em que o Estado é de Direito e Democrático, o que implica que a sociedade tem responsabilidade nesse processo de custódia.
Não se pode admitir um modelo de Estado Democrático para alguns e de Estado de Exceção para outros. Essa questão é muitas vezes mal compreendida pela sociedade, que cede ao desejo natural de vingança e à gradativa relação de ódio entre o autor do delito e a vítima, o que não coaduna com os argumentos formadores do Estado Democrático e de Direito. Essa contaminação, conforme entende Gunther (2006), é um dos principais obstáculos para a compreensão da inutilidade da pena.
Dessa forma, o objetivo da presente pesquisa é compreender a relação entre a prisão, a democracia e a violência carcerária no Brasil, bem como identificar possíveis alternativas à pena de prisão tradicional. Esta pesquisa se justifica por ser fundamental para o aprimoramento do sistema de justiça criminal brasileiro, garantindo o pleno exercício dos direitos humanos dos detentos e promovendo a segurança e a paz social.
2 ESTADO DEMOCRÁTICO E DE DIREITO
De acordo com Moraes (2008, p.2), o conceito moderno de Estado não pode ser confundido com as formas de organização política antigas, como o Estado escravagista, o Estado egípcio e o Estado feudal. O Estado moderno é resultado de um longo processo histórico de como as sociedades se organizaram ao longo dos séculos. Nesse sentido, a ciência do direito apresenta uma definição clássica de Estado, que é:
O Estado (…) é forma histórica de organização jurídica limitado a um determinado território e com população definida e dotado de soberania, que em termos gerais e no sentido moderno, configura-se em um poder supremo no plano interno e num poder independente no plano internacional.(MORAES, 2008, p.3)
O autor apresenta uma visão sobre as várias teorias que justificam e explicam a existência do Estado, incluindo a teoria de Hobbes da legitimidade da criação do mais forte, a teoria dos laços jurídicos e sociológicos de Rousseau e Kant, a vontade divina de Santo Agostinho, a necessidade moral de Platão, Sócrates e mais recentemente, Hegel. No entanto, é importante destacar que as teorias sobre o Estado são diversas e controversas, sendo objeto de debate e reflexão constantes na ciência política.
A democracia, por sua vez, é um regime político que tem como base a participação popular na tomada de decisões e na escolha dos governantes. De origem grega, a palavra democracia significa “governo do povo” e pode ser exercida diretamente ou por meio de sistemas representativos. Esse modelo de governo contrasta com os sistemas ditatoriais e/ou soberanos, em que o poder é exercido por uma pessoa ou pequeno grupo de pessoas.
Modernamente, a democracia é vista como um valor fundamental na organização política das sociedades contemporâneas, uma vez que busca garantir a igualdade e a liberdade dos cidadãos, a proteção dos direitos humanos e a promoção do bem comum. No entanto, é importante destacar que a democracia não é um modelo perfeito e enfrenta desafios constantes, sendo necessário um processo contínuo de aprimoramento e fortalecimento das instituições democráticas.
é o sistema de produção das normas que confia tal tarefa a um corpo (parlamento) eletivo, com a base mais ampla possível (sufrágio universal) e com método eleitoral proporcional (mesmo sem pretensões de representação), e que funciona, via de regra, segundo o princípio da maioria simples.(KELSEN, 2000, p. 13)
Se deve haver sociedade e, mais ainda, Estado, deve haver um regulamento obrigatório das relações dos homens entre si, deve haver um poder. Mas, se devemos ser comandados, queremos sê-lo por nós mesmos. A liberdade natural transforma-se em liberdade social ou política. É politicamente livre aquele que está submetido, sim, mas à vontade própria e não alheia.(KELSEN, 2000, p. 28)
De acordo com Nader (2016), o Direito é uma regra de conduta social que busca garantir a segurança e a justiça na convivência entre os indivíduos. Para o autor, somente os fatos sociais mais relevantes devem ser regulados pelo Direito, que se apresenta como norma, regulamento e regra emanada pelo Estado como instituição jurídica.
Por sua vez, Moraes (2008) destaca que o Estado Democrático de Direito ou Estado Constitucional é caracterizado pelo predomínio de normas democráticas, pelo sufrágio universal (eleições livres e periódicas) e pelo respeito aos direitos e garantias fundamentais. Nesse contexto, os direitos e garantias fundamentais são parte integrante e principal da definição de Estado Democrático de Direito, sendo considerados cláusulas pétreas.
Um Estado de Direito tem como base o reconhecimento dos direitos humanos, que não podem ser excludentes ou discriminatórios e devem ser válidos para todos os indivíduos. Essa questão é crucial na análise dos direitos humanos, uma vez que o caráter excepcional da prisão, para ter legitimidade, deve atender aos princípios da dignidade humana.
No entanto, a denominação “direitos humanos” e sua relação com os apenados ou com o instituto da prisão são frequentemente mal compreendidas pela sociedade. A discussão em torno dos direitos do preso deve ser eminentemente jurídica, buscando garantir o respeito às normas constitucionais e legais que protegem os direitos humanos.
Ao ser preso, o indivíduo não é destituído de sua personalidade e continua sendo um cidadão pertencente a uma coletividade. As garantias constitucionais que proíbem penas cruéis e asseguram o respeito à integridade física e moral do cidadão preso devem ser concretizadas por meio de técnicas judiciárias que visem garantir o pleno exercício dos direitos humanos.
3 UM BREVE HISTÓRICO DA PENA
Historicamente, a pena teve múltiplos propósitos, desde a demonstração de força e poder, até o controle social. Beccaria (1764) argumentou que a abdicação de um certo grau de liberdade foi necessária para que os primeiros selvagens pudessem se unir contra as diversas ameaças à vida social. A origem do direito de punir, portanto, surgiu da extrema necessidade de sobrevivência. Segundo o autor, o limite para o exercício do poder de punir reside na exceção, ou seja, todo abuso deve ser combatido em nome da liberdade, pois o poder de direito e legítimo não pode ser suplantado pelo poder de fato, abusivo e autoritário.
A obra e as ideias de Beccaria representaram um marco na ciência moderna, introduzindo ideias de justiça e humanidade em substituição às práticas agressivas e desproporcionais de vingança, torturas, penas de morte e banimentos.
(…) contra a tradição jurídica, invoca a razão e o sentimento; faz-se porta-voz dos protestos da consciência pública contra os julgamentos secretos, o juramento imposto aos acusados, a tortura, a confiscação, as penas infamantes, a desigualdade ante o castigo, a atrocidade dos suplícios; estabelece limites entre a justiça divina e a justiça humana, entre os pecados e os delitos; condena o direito de vingança e toma por base do direito de punir a utilidade social; declara a pena de morte inútil e reclama a proporcionalidade das penas aos delitos, assim como a separação do poder judiciário e do poder legislativo.(BECCARIA, 1764, p. 4)
Michel Foucault é seguramente um dos maiores analistas da história da pena. Sua obra seminal, Vigiar e Punir, representa um marco na análise social e teórica dos sistemas penais na era moderna. O livro aborda os capítulos intitulados de “Suplício”, “Punição”, “Disciplina” e “Prisão”, nesta ordem, realizando uma abordagem temporal e espacial dos mecanismos punitivos, efeitos repressivos, disciplina e castigo impostos aos criminosos, desde a Idade Média até os dias atuais.
Em Vigiar e Punir, Foucault examina a questão do suplício, torturas, trabalhos forçados, enclausuramento, redução alimentar, privação sexual, expiação física, entre outras formas de punição pelo cometimento de um crime. O suplício especificamente era uma espécie de demonstração do poder do soberano, que não podia ser contrariado. Um crime era considerado uma provocação ou contestação à força do soberano e deveria ser severamente e proporcionalmente castigado com a intenção de provocar terror e medo.
Naquela época, não existia um processo penal que garantisse o direito ao contraditório e à ampla defesa. O acusado não tinha acesso ao processo e não sabia quem o estava denunciando ou quais eram as acusações que pesavam sobre ele nos depoimentos. Além disso, somente os testemunhos dos nobres eram considerados válidos, e os interrogatórios eram frequentemente realizados por meio de tortura e violência, visando a obtenção de confissões.
Na ordem da justiça criminal, o saber era privilégio absoluto da acusação. “O mais diligente e o mais secretamente que se puder fazer”, dizia, a respeito da instrução, o edito de 1498. De acordo com a ordenação de 1670, que resumia, e em alguns pontos reforçava, a severidade da época precedente, era impossível ao acusado ter acesso às peças do processo, impossível conhecer a identidade dos denunciadores, impossível saber o sentido dos depoimentos antes de recusar as testemunhas, impossível fazer valer, até os últimos momentos do processo, os fatos justificativos, impossível ter um advogado, seja para verificar a regularidade do processo, seja para participar da defesa. (FOUCAULT, 2004, p. 32).
No século XVIII, os pensadores iluministas promoveram mudanças significativas no processo inquisitório e na suspensão das penas cruéis e degradantes, em consonância com a opinião pública que já não via o suplício com medo, mas com revolta e indignação. As ideias desses pensadores foram fundamentais para a transformação do direito penal, que passou a ter a sociedade como parte litigante no processo, e não mais apenas o soberano.
Durante esse período, o direito de punir deixou de ser uma prerrogativa exclusiva do soberano e passou a ter a sociedade como parte ativa no processo, permitindo que os cidadãos passassem a participar da punição que recaía sobre eles mesmos.
Com a mudança de paradigma no sistema penal, novas formas de punição foram introduzidas, deixando de lado as penas cruéis e degradantes, mas ainda assim, o corpo do indivíduo permaneceu como objeto central da pena. Assim, passou-se a enfatizar a disciplina e vigilância do corpo do condenado, com a utilização de métodos militares nas prisões. Segundo Foucault, o corpo é considerado “dócil” quando pode ser submetido e transformado para se adequar às normas sociais. Essa visão de controle e transformação do corpo através da disciplina ainda persiste no sistema carcerário contemporâneo. (FOUCAULT, 2004, p. 118).
Atualmente, a pena se limita quase exclusivamente à privação da liberdade e ao decurso temporal da condenação. As medidas de ressocialização que poderiam contribuir para tornar o indivíduo preso útil para a sociedade, como a educação e o trabalho, têm apresentado resultados insuficientes, são de difícil aplicação ou não são consideradas prioritárias para o sistema carcerário. Em vez de serem vistos como espaços de reabilitação, as prisões são frequentemente vistas como meros depósitos de indivíduos perigosos, onde prevalece a segregação social e a especialização em atividades criminosas.
Além disso, as prisões também são locais de violência, superlotação e falta de higiene. Muitas vezes, os presos são privados de direitos básicos, como acesso à saúde, alimentação adequada e educação. A falta de investimentos na ressocialização dos presos também contribui para a reincidência criminal, gerando um ciclo vicioso de prisão e delito. Diante desse cenário, faz-se urgente a busca por alternativas à pena de prisão tradicional e a implementação de políticas que visem a reinserção social dos apenados.
Essa promoção da segregação e isolamento é, nos dizer de Adorno:
(…) política de mão única porque não acompanhada de outras iniciativas e que não ataca os pontos tradicionais de estrangulamento. Seus efeitos podem ser elencados: ampliação da rede de coerção; superpopulação carcerária; administração inoperante; enrijecimento da disciplina e da segurança sem quaisquer consequências no sentido de deter a escalada da violência e a sucessão de rebeliões a que o sistema penitenciário vem assistindo nos últimos anos; timidez das medidas de alcance técnico, incompatíveis com o programa de expansão física elaborado independentemente de avaliações e projeções dotadas de confiabilidade; falta de explicitação de objetivos, o que se manifesta na ausência de um programa articulado, integrado e sistemático de intervenção, seja no âmbito das políticas organizacionais administrativas ou de ressocialização; confrontos entre grupos que disputam influência sobre o poder insitucional, expressos na eficácia da ideologia da ordem e da segurança, da vigilância e da disciplina.Adorno(1991, p.61)
A citação de Adorno (1991, p. 61) critica a política penitenciária adotada que, segundo ele, é uma política de mão única e não é acompanhada de outras iniciativas capazes de resolver os problemas do sistema carcerário. A consequência dessa política é a ampliação da rede de coerção, a superpopulação carcerária, a administração inoperante, o enrijecimento da disciplina e da segurança sem quaisquer consequências no sentido de deter a escalada da violência e a sucessão de rebeliões. Além disso, há uma falta de um programa articulado, integrado e sistemático de intervenção, seja no âmbito das políticas organizacionais administrativas ou de ressocialização, o que contribui para a falta de explicitação dos objetivos.
4 UMA ANÁLISE CRÍTICA DA PENA
De acordo com Gunther(2006), tem aumentado a demanda geral e onipresente pela pena em todas as classes sociais, faixas etárias, escolaridades, profissões e grupos políticos. Nesse sentido o autor cita a influência da imprensa marrom e dos jornais mais exigentes como fomentadores da propaganda por penas mais duras. A afirmação de Gunther (2006) é preocupante, uma vez que o clamor por penas mais duras pode levar a políticas públicas de segurança baseadas em uma lógica de retribuição e vingança, sem que sejam considerados outros fatores como a prevenção do crime e a ressocialização dos condenados.
Para Gunther (2006), o aumento da demanda por punição na sociedade é uma política de mão única que não ataca os pontos tradicionais de estrangulamento, resultando na ampliação da rede de coerção, superpopulação carcerária, administração inoperante, enrijecimento da disciplina e da segurança sem consequências efetivas na prevenção da violência e rebeliões no sistema penitenciário.
Além disso, a influência da imprensa marrom e dos jornais mais exigentes fomentam a propaganda por penas mais duras e a classe política se aproveita do potencial eleitoral sobre o assunto para disputar poder. No entanto, o autor destaca que a pequena oscilação dos índices de criminalidade não justifica o aumento da demanda por punição e que a influência da mídia e da política podem ser as principais causas desse fenômeno.
Isso não explica, porém, por que a exigência de punição é tão intensa e a confiança na pena e seus supostos efeitos tão grande. Entre a demanda subjetiva por punição e a verdadeira eficácia da pena existe um fosso semelhante ao que há entre a real ameaça representada pela criminalidade e o medo subjetivo que ela provoca.(GÜNTHER, 2007, p. 189)
Em seus artigos, CRITICA DE PENA I e CRITICA DA PENA II, Gunther (2007) faz uma análise sobre as principais justificativas da pena argumentando que nenhuma das justificativas tradicionais e apócrifas conseguem resistir a uma análise racional. O autor defende que a pena não pode ser justificada como retribuição pelo mal causado, uma vez que a retribuição seria algo impraticável, uma vez que não se pode restituir algo que foi perdido. Além disso, a pena não pode ser justificada como meio de prevenção geral, pois o efeito da pena sobre os outros é incerto e insuficiente, além de possuir efeitos negativos como a descrença no sistema de justiça e aumento do sentimento de revolta. Da mesma forma, a pena não pode ser justificada como meio de prevenção especial, pois não há comprovação de que o encarceramento seja capaz de reabilitar o indivíduo e prevenir a reincidência. Assim, Gunther defende a necessidade de uma crítica profunda à pena e à sua função, questionando as práticas punitivas da sociedade atual.
Para Gunther (2007), as justificativas tradicionais da pena, como a compensação e a prevenção, não conseguem resistir a uma análise racional. Com relação à compensação, o autor argumenta que não há como estabelecer parâmetros para compensar um delito, visto que a compensação econômica não é capaz de reparar o dano sofrido pela vítima. Já em relação à prevenção, o autor defende a busca por alternativas modernas que não sejam apenas calcadas na herança cultural e histórica, destacando a importância da prevenção primária, por meio de medidas educacionais e sociais, como forma efetiva de reduzir a criminalidade.
Com relação ao instituto da compensação Gunther (2007) argumenta que “como nenhuma retribuição corresponde exatamente àquilo que deve compensar, ela cria uma nova injustiça e com isso a demanda por uma nova retribuição”. Dessa forma o autor sustenta que:
Se o objetivo deve ser apenas estabelecer publicamente que ocorreu uma injustiça e que essa injustiça deve ser imputada a uma pessoa para que se responsabilize, então uma declaração pública da culpa dessa pessoa, a condenação na sentença penal, seria suficiente.(GÜNTHER, 2006, p. 193)
Com relação ao instituto da prevenção o autor enumera pelo menos quatro tipos, sejam eles:
(…) ela deve desencorajar possíveis futuros autores de ilícitos penais a colocar seus planos em prática (prevenção geral negativa); ela deve impressionar o delinqüente de maneira tão negativa, que na situação de iminente reincidência ele, por medo, deixe de praticar o ilícito penal planejado (prevenção especial negativa); ela deve estimular e incentivar o autor do ilícito penal ao arrependimento, à compreensão e à conversão, regenerá-lo e desse modo levá-lo a uma vida de respeito à lei (prevenção especial positiva); e ela deve fortalecer e estabilizar os costumes e a moral de uma sociedade, para que cidadãos respeitadores da lei não se sintam fraudados em seus bons motivos, quando obrigados a presenciar a situação em que alguém se deixa levar por seus maus motivos (prevenção geral positiva).(GÜNTHER, 2006, p. 190)
Para cada um dos tipos de prevenção citados, o autor enumera vários contrapontos às suas justificativas. Vejamos brevemente cada uma delas.
Além disso, o autor questiona a eficácia da prevenção geral positiva, que propõe a punição para reafirmar os valores sociais e a ordem jurídica. Para Gunther (2007), essa justificativa ignora a complexidade da sociedade moderna e as diferentes perspectivas culturais, além de não oferecer uma solução efetiva para os problemas sociais que levam à criminalidade. Ele defende que é necessário um trabalho conjunto entre Estado e sociedade civil para buscar soluções mais eficazes e humanitárias para a questão da criminalidade, que não se restrinjam apenas à punição e ao encarceramento.
Para Gunther (2007), a prevenção especial positiva, que seria a ressocialização do criminoso, também é questionável. Ele acredita que a realidade carcerária é tão precária que não oferece possibilidade de ressocialização e reeducação. Ademais, a punição privativa de liberdade, em si, já causa danos irreparáveis à vida do indivíduo, como a perda de vínculos sociais e familiares, o que dificulta ainda mais a reintegração social após o cumprimento da pena. O autor sugere, então, alternativas como a aplicação de penas alternativas, a desburocratização do sistema jurídico, a humanização do ambiente prisional, entre outras medidas que levem em conta a individualização da pena e o respeito aos direitos humanos.
Para Gunther (2007), a crítica às justificativas tradicionais da pena é uma forma de propor alternativas modernas e mais eficazes no combate ao crime. O autor sustenta que a compensação e a prevenção geral negativa não conseguem estabelecer parâmetros justos e eficazes para punir o delito. Além disso, a prevenção especial negativa não desencoraja o cometimento de novos ilícitos, pois a conduta criminosa se move por outras razões, como a análise do custo-benefício e o próprio comportamento desviante do delinquente.
Quanto à prevenção especial positiva, o autor argumenta que os efeitos da pena, salvo raras exceções, são exatamente o contrário do que se espera, ocorrendo uma socialização no meio criminoso e um predomínio do embrutecimento e da indiferença. Por fim, a prevenção geral positiva não faz sentido, pois seus efeitos não atingem os objetivos pretendidos e não há razão para a aplicação de uma pena que não causa arrependimento, compreensão e regeneração.
No artigo Crítica da Pena II, o autor faz uma análise das razões apócrifas de justificativa da pena.
Alega-se a necessidade da pena como (a) o mal menor em comparação com uma necessidade de punição (Strafbedürfnis) que se manifesta de modo desenfreado e descontrolado, (b) Meio de proteção para a comunidade, (c) medida pedagógica em um processo de aprendizagem moral e (d) correção de uma distribuição injusta na sociedade. Essas formas de legitimação têm em comum apenas o fato operarem com razões, de modo que podem ser criticadas com contra-razões. (GÜNTHER, 2007, p.137)
Além disso, Gunther (2007) questiona a ideia de que a pena serve como uma forma de compensação para a vítima do crime, argumentando que não há como mensurar ou reparar o dano causado pelo delito e que a pena aplicada pelo Estado não é capaz de substituir a dor ou a perda sofrida pela vítima. O autor também critica a prevenção geral negativa, que se baseia na ideia de que a ameaça da punição desestimula o autor do crime e, portanto, evita novas violações da lei. Para ele, essa justificativa não é efetiva, pois não considera outros fatores que influenciam a conduta do delinquente, como a falta de oportunidades ou as pressões sociais.
Por fim, o autor questiona a ideia de que a pena serve como uma forma de prevenção geral positiva, argumentando que a prisão e a criminalização não são capazes de mudar os valores e comportamentos da sociedade e que outras formas de intervenção, como políticas públicas de inclusão social e educação, são mais efetivas na prevenção da criminalidade.
O autor refuta ainda a justificativa da pena como medida de proteção da comunidade na medida em que a segregação do autor do delito da sociedade entra em contradição com os “verdadeiros propósitos e motivos da punição” onde a “lógica da segurança se sobrepôs à lógica da punição há muito tempo”.
Além disso, o autor argumenta que a ideia de que a pena serve como medida pedagógica moralizante é baseada em uma noção moralista que não leva em conta as circunstâncias e as razões que levam ao cometimento do delito. O autor sugere que a sociedade precisa olhar para a raiz dos problemas que levam ao crime, como a pobreza, a desigualdade social e a falta de oportunidades, e investir em políticas sociais e educacionais que possam prevenir o crime antes mesmo de ele ocorrer.
Sanções familiares estão, normalmente, inseridas em um contexto cognitivo-emocional de reconhecimento incontestado, afeição e dedicação, em uma relação recíproca e intersubjetiva, capaz de, na melhor hipótese, transformar os efeitos colaterais funestos de sanções repressivas em processos de aprendizagem morais construtivos.(GÜNTHER, 2007, 142)
Ao analisar a pena como correção de uma distribuição injusta, o autor argumenta que:
(…) essa justificativa da pena sofre de problemas semelhantes aos daretribuição. O excesso e a falta só podem ser calculados simbolicamente. A quantidade excedente de liberdade que o autor do ilícito tomou para si por meio de seu ato não pode ser medida com exatidão, do mesmo modo que não pode ser medida com exatidão a quantidade de liberdade que ele deve perder por meio da pena para fazer a compensação. (GÜNTHER, 2007, p. 144)
Segundo o autor, a quantidade de liberdade que um indivíduo toma para si através do crime não pode ser exatamente medida, assim como a quantidade de liberdade que ele deve perder através da pena para fazer a compensação. Isso ocorre pois tanto o excesso quanto a falta só podem ser calculados simbolicamente. A crítica de Günther aponta para a dificuldade em se encontrar uma solução justa e eficiente para punir um crime e, ao mesmo tempo, promover a ressocialização do apenado. Esse argumento reforça a necessidade de uma reflexão crítica sobre o sistema penal e a busca por alternativas à pena de prisão tradicional.
5 AS PRISÕES E O CRIME ORGANIZADO
Com a queda do muro de Berlim e o esfacelamento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, organizações criminosas, que já atuavam no ramo do contrabando,aproveitaram o esfacelamento dos “Estados libertos” para aproveitarem a oportunidade de ampliarem seus negócios sem a presença inconveniente do competitivo mercado capitalista. No caso dos países do leste europeu a situação foi ainda mais gritante onde grande parte dessas empresas cresceram de forma espantosa numa relação parasitária com os diminutos Estados que não tinham capacidade de reação sendo possível, assim, observar, a verdadeira crueldade do capitalismo selvagem sem nenhuma forma de controle.
Além disso, a sofisticação e o poder bélico dessas organizações criminosas têm se equiparado a de muitos Estados, dificultando ainda mais o combate ao crime organizado. A corrupção de autoridades governamentais e policiais é uma prática comum dessas organizações, o que acaba gerando um ciclo vicioso de impunidade e fortalecimento do crime. É uma realidade preocupante que evidencia a necessidade de políticas públicas mais efetivas e de cooperação internacional no combate ao crime organizado transnacional.
Nas palavras de Glenny(2008, p. 63):
O crime organizado só é um negócio tão compensador (…) porque os europeus ocidentais comuns gastam proporções cada vez maiores de seu tempo e de seu dinheiro dormindo com prostitutas, fumando cigarros contrabandeados, enfiando notas de 50 euros nos nariz, empregando imigrantes ilegais por salários de subsistência, admirando marfim, sentando em teca ou comprando fígado e rins de gente desesperadamente pobre nos países em desenvolvimento.
Além disso, o país também é afetado pelo tráfico de armas, que são utilizadas pelos grupos criminosos na disputa pelo controle do mercado ilegal de drogas e na prática de outros crimes. A falta de políticas públicas efetivas de prevenção e combate ao tráfico e a fragilidade do sistema prisional brasileiro são fatores que contribuem para o aumento da criminalidade relacionada ao tráfico de drogas e armas no país.
Para Saviano([s.d.]) “Não existe mercado no mundo mais rentável do que cocaína.”. Para efeito de comparação o autor exemplifica que: “Se você tivesse investido mil euros em ações da Apple no início de 2012, agora você teria 1670 euros. Nada mal. Mas se tivesse investido mil euros em cocaína no início de 2012, você teria agora 182 mil euros: cem vezes mais do que investindo na ação recordista do ano!”
Não existem papéis cotados em Bolsa capazes de gerar o lucro da cocaína. O investimento menos arriscado, a especulação mais antecipadora, movimentos rapidíssimos de monumentais fluxos de dinheiro, que conseguem influir nas condições de vida de continentes inteiros, não obtêm uma multiplicação de valor nem de longe comparável. Quem aposta na cocaína acumula em poucos anos riquezas que em geral as grandes holdings conseguiram em décadas de investimentos e especulações financeiras. Se um grupo empresarial conseguir pôr as mãos na cocaína, deterá um poder impossível de alcançar com qualquer outro meio. Uma aceleração que nenhum outro motor econômico pode proporcionar. Por isso, onde a cocaína é a economia de escala, não existe nada além do choque feroz e violento. Aqui não há mediação. Ou tudo ou nada.(SAVIANO, 2014)
Nesse contexto organizações criminosas brasileira formadas dentro das penitenciárias, tem conseguido se estruturar, nos moldes de outras organizações internacionais, de modo a criar uma estrutura sólida com ramificações em todos os setores da sociedade.
Para alguns autores como Salla:
A existência destes grupos provoca no campo das ciências sociais a necessidade de análises que estabeleçam as relações entre a sua formação e consolidação com a formação dos processos de identidade grupal, mais a questão da resistência deles aos padrões de ordem e de disciplina estabelecidos socialmente nos espaços prisionais. (SALLA; DIAS, 2012, p. 334)
Para os autores, a análise desses ataques evidenciou que o PCC era uma organização estruturada, com regras internas, liderança definida, divisão de tarefas, comunicação eficiente e grande capacidade de mobilização de seus membros. Além disso, os ataques também mostraram a fragilidade do sistema prisional brasileiro e a falta de preparo das autoridades em lidar com essas organizações criminosas, o que evidencia a necessidade de políticas públicas mais efetivas para combater o crime organizado.
Os ataques desencadeados pelo PCC na cidade de São Paulo deixaram um saldo de 439 mortos num período de oito dias no mês de maio de 2006. Rebeliões simultâneas em 73 presídios, ataques contra agentes públicos, civis, prédios privados, postos policiais e bancos bem como a disseminação de medo/insegurança e a paralização temporária do maior polo produtivo brasileiro tornaram essas ações ainda mais temerárias e de certa forma desconcertante para o Estado.
Os ataques e as rebeliões haviam, sim, sido arquitetadas por delinqüentes ousados e violentos, capazes de impor toque de recolher à cidade e de inundar o Estado de São Paulo com espetaculares e surpreendentes banhos de sangue, no melhor estilo das gangues norte-americanas de Chicago e Nova York nas primeiras décadas do século passado.(SALLA, 2007, p.9)
Além disso, a complexidade da organização criminosa PCC também ficou evidente durante os ataques. A rede de comunicação dos membros era bastante sofisticada e incluía desde ligações telefônicas codificadas até mensagens escritas em papel que eram escondidas em recipientes e entregues por meio de uma rede de motoboys.
O controle que a organização tinha sobre a população carcerária também chamou a atenção, uma vez que os presos que se recusavam a aderir aos ataques sofriam represálias dos membros do PCC.
(…) as lideranças estavam sustentadas em uma organização mantida por um quadro hierarquizado de funcionários”, disciplinados e obedientes, capazes de executar ordens sem questioná-las. Possivelmente, operando à base de redes de apoio disseminadas em distintos pontos móveis por todo o território do Estado, revelou dispor de um hábil e ágil sistema de comunicação entre lideranças, liderados e executantes de ordens, mediante vias protegidas e pouco permeáveis às interferências externas e por meio do emprego de celulares, centrais telefônicas, “pombos-correios”.(SALLA, 2007, p.9)
De acordo com Fernando Salla (2007), o crescimento das organizações criminosas tem sido alvo de estudos em todo o mundo. No caso brasileiro, esse fenômeno tem sido agravado pela crise na segurança pública que se arrasta nas últimas três décadas. Os crimes têm se tornado cada vez mais sofisticados e violentos, com um aumento significativo nas taxas de homicídio, especialmente entre a população jovem. Nesse contexto, é preciso compreender como essas organizações operam e como se articulam, pois, como se viu nos ataques do PCC em São Paulo em 2006, elas são capazes de controlar ações simultâneas em diversos alvos, agindo de forma surpreendente e anônima.
A despeito dessa mudança no perfil da criminalidade e da violência no Brasil, para Salla (2007, p. 10), “as políticas públicas de segurança permaneceram sendo formuladas e implantadas segundo modelos convencionais, envelhecidos, incapazes de acompanhar a qualidade das mudanças sociais e institucionais operadas no interior da sociedade.”
Esse modelo de correr atrás de bandidos baseado em redes de informantes não tem se mostrado eficaz. Os investimentos em segurança pública tem sido cada vez mais vultuosos porém os resultados não tem se mostrado satisfatórios.
Segundo Salla (2007) o crescimento da criminalidade no Brasil se deve em grande parte ao aumento do tráfico de drogas desde a década de 1980. Esse comércio tem encontrado um campo fértil para o seu desenvolvimento devido a um mercado consumidor em ascensão e ao:
(…) concurso de cidadãos empobrecidos, sem trabalho ou sem perspectiva de futuro definido, para, como trabalhadores assalariados, exercer controle da distribuição de drogas, do ponto-de-venda, da circulação de dinheiro, das dívidas contraídas quer por consumidores quer por pequenos vendedores. Em contrapartida, eles devem obedecer a comandos externos, incluindo matar desafetos e promover a desordem urbana. Pouco a pouco, institui-se uma sorte de escravidão urbana à semelhança do que ocorre no campo. (SALLA, 2007, p. 13)
De acordo com Salla (2012, p.336) essas organizações criminosas forjadas no interior dos presídios brasileiros “não possuem um componente étnico ou nacional específico, apenas identidade social e territorial vinculada a determinadas áreas pobres das grandes cidades e a experiência do encarceramento”. Nesse sentido essas organizações se contrapões às tradicionais máfias italiana, russa, chinesa e japonesa.
Para entendermos a atuação das organizações criminosas é importante ressaltar a relevância do ambiente prisional na perpetuação de suas atividades ilícitas. Como afirma Salla (2007), os presídios são o principal local de planejamento e articulação desses grupos, onde se estabelecem hierarquias, regras e estratégias para a prática de crimes dentro e fora dos muros das unidades prisionais. Assim, a falta de políticas efetivas de ressocialização e de controle dos estabelecimentos penais tem contribuído para o fortalecimento dessas organizações, que encontram no ambiente prisional um espaço para recrutamento de novos membros e para a consolidação de suas estruturas de poder.
6 CONCLUSÃO
A problemática que motivou essa pesquisa foi a relação do Estado Democrático e de Direito com o indivíduo infrator e a eficácia da pena no sistema penal brasileiro. Os objetivos propostos foram alcançados, pois foi possível analisar a importância do direito humano e do papel do Estado na aplicação da pena, além de retratar a crítica de Klaus Gunther sobre as justificativas tradicionais da pena e a questão do crime organizado no contexto das prisões.
Neste artigo abordamos o Estado Democrático e de Direito e sua relação com o indivíduo infrator. Argumentamos que a Teoria Geral do Direito se fundamenta essencialmente na ideia de direito humanos. Partindo desse princípio o pressuposto fundamental do direito penal é que o mesmo é a última ratio, ou seja, o último recurso a ser usado pelo Estado para punir condutas que são contrárias à lei e a ordem. A legislação, num Estado de Direito, deve pautar o trabalho das instituições de forma a garantir que a lei seja cumprida. Todo cidadão tem direito a ampla defesa e ao contraditório. O exercício do direito deve ser garantido para todos de forma a evitar que somente os pobres sejam condenados por falta de uma defesa técnica eficiente. Em suma, é necessário garantir uma defesa digna e mesmo assim se a pessoa for considerada culpada e condenada que sua pena seja cumprida nos moldes estabelecidos pela legislação em vigor.
No momento seguinte apresentamos uma breve história da pena numa tentativa de estabelecer as diferenças, ao longo do tempo, no tratamento aos condenados e suas justificativas até chegarmos aos dias atuais. Nesse sentido é possível detectar que mesmo a despeito da abolição de penas cruéis e desumanas e da evolução tecnológica em todos os ramos da ciência, a solução padrão adotada em todo o mundo, ainda tem sido a pena de prisão.
Nesse contexto, foi apresentado uma análise crítica da pena de Klaus Gunther. Em sua obra, Gunther tenta descontruir de maneira “racional” a teoria da pena. O autor faz uma crítica a todos as justificativas tradicionais e apócrifas da pena. Toda sua crítica baseia-se no fato de que a sociedade tem clamado cada vez mais por penas mais frequentes e severas e que a pena não tem outra função além de infligir um mal. O autor, contudo, desenvolve todo sua linha de pensamento no campo estritamente teórico não informando nenhuma experiência de ordem prática e nem mesmo apontando soluções alternativas ao modelo penal existente a não ser a abolição pura e simples da pena.
Por fim, foi retratada a questão do crime organizado e quais as implicações desse novo elemento no contexto das prisões. Com o fim da guerra fria, o colapso do Estado soviético e a globalização da economia o mundo tem passado por uma grande mudança no campo das comunicações, transporte e desregulamentação do mercado. Dessa forma o crime organizado, assim como o mercado corporativo, tem adquirido cada vez mais espaço para se desenvolver e evoluir desafiando todos os mecanismos de controle até então existentes.
Especialmente no Brasil o crime organizado tem evoluído e mostrado sua força em ações que desafiam o poder estatal em todas as suas categorias. Forjadas no interior dos presídios e regidas por um severo código de disciplina e por uma eficiente cadeia de comando, esses grupos tem demonstrado em diversos episódios seu poder paralelo e desafiador do próprio Estado.
Nesse sentido tem se tornado ainda mais desafiador o objetivo da ressocialização do apenado. Na verdade o maior objetivo não é nem socializar, o maior objetivo é evitar a dessocialização que a prisão provoca; a ideia é evitar e promover a não dessocialização do preso que se apresenta na mudança de identidade a partir do isolamento, da violência, da segregação e de todas as formas de relações sociais estabelecidas nas prisões.
Émile Durkheim diz que os fatos sociais passam a socializar o indivíduo ao longo da vida. Alguns indivíduos sofrem uma fragmentação nesse processo de socialização de modo a estabelecer um distanciamento abissal entre o indivíduo e a sociedade.
O indivíduo passa a agir lateralmente, não atende mais as regras e normas sociais. O que as instituições prisionais fazem é promover essa dessocialização dada a formo como ela está constituída, seja numa perspectiva horizontal (entre os presos) seja vertical (entre presos e estado).
Esse processo de dessosialização transformam o sujeito, que passa a constituir uma nova identidade no interior do presídio.Isso é paradoxal. Daí o seu fracasso histórico. Uma política criminal que se comprometa com uma dimensão socializadora deve evitar a dessocialização e promover a socialização.
O que nos resta na modernização da sociedade e diante de todo o fracasso da questão penal é a declaração dos direitos do homem e cidadão, não podemos ter um direito de estado democrático para uns e exceção para outros, não podemos voltar a barbárie tão bem descrita por Foucault.
Conclui-se que a pena ainda é a solução padrão adotada em todo o mundo, apesar de todas as críticas e questionamentos sobre sua eficácia na ressocialização do apenado. A dessocialização que ocorre no ambiente prisional torna-se ainda mais desafiadora diante do poder paralelo e desafiador do crime organizado. A socialização é a única alternativa viável para evitar a dessocialização e a formação de uma nova identidade delinquente no interior dos presídios.
Sugere-se que pesquisas futuras sejam direcionadas para a análise de soluções alternativas ao modelo penal existente e que priorizem a ressocialização do apenado. É necessário garantir uma defesa digna e efetiva a todos os cidadãos, evitando a condenação por falta de uma defesa técnica eficiente e promovendo a igualdade entre os indivíduos perante a lei. Em suma, é preciso fortalecer a ideia do Estado Democrático e de Direito, onde a lei deve ser cumprida e os direitos humanos devem ser respeitados para todos os cidadãos.
REFERÊNCIAS
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SAVIANO, Roberto. ZERO ZERO ZERO. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
¹Mestrando em Segurança Pública pela Universidade do Estado do Amazonas. E-mail: sandrosales@gmail.com
²Especialista em Gestão Pública aplicada à Segurança pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Especialista em Segurança Pública e Inteligência Policial pela Faculdade Literatus (UNICEL). Especilista em Ciências Jurídicas pela Universidade Cruzeiro do Sul – SãoPaulo/SP. Possui graduação em Segurança Pública e do Cidadão pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Licenciado em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Bacharel em Direito pela Universidade Cruzeiro do Sul – São Paulo/SP. Tenente Coronel da Polícia Militar do Estado do Amazonas.
³Especialista em Segurança Pública pela Facuminas Faculdade. Especialista em Planejamento Governamental e Orçamento Público pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Bacharel em Ciências Contábeis pela Escola Superior Batista do Amazonas (ESBAM). Atualmente, se dedica a diversos cursos de formação complementar nas áreas de segurança pública e direito. Também é autor de diversos trabalhos acadêmicos nas áreas de segurança e administração pública. Atualmente é Sargento da Polícia Militar do Estado do Amazonas. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3404-5066.
4Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Buenos Aires (UBA), possui mestrado em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos pela Universidade do Estado do Amazonas, é especialista em Direito Militar pela Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL) e bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Atualmente, ele é Tenente-coronel QOPM da Polícia Militar do Estado do Amazonas. Seu e-mail é juanmorrilas@hotmail.com.
5Mestrando em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Especialista em Gestão Pública aplicada à Segurança pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Especialista em Direito Administrativo pela Faculdade Iguaçu. Especialista em Ciências Jurídicas pela Universidade Cidade de São Paulo (UNICID). Especialista em Segurança Pública e Direito Penitenciário pela Faculdade Iguaçu. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Especialista em Polícia Comunitária pela Faculdade Iguaçu. Bacharel em Direito pela Universidade Cidade de São Paulo (UNICID). Bacharel em Segurança Pública pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Atualmente é Major QOPM da Polícia Militar do Estado do Amazonas. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6428-8590.
6Doutorando em Ciências da Educação pela Universidad de la Integración de las Américas (UNIDA), Paraguai, com Mestrado na mesma área, reconhecido no Brasil como Mestrado em Comunicação, Linguagens e Cultura pela Universidade da Amazônia (UNAMA). Possui Bacharel em Segurança Pública pelo Centro de Formação de Oficiais da Polícia Militar do Espírito Santo e em Direito pela Universidade Cruzeiro do Sul. Além disso, é especializado em Gestão Pública pela CIESA e em Ciências Jurídicas pela Unicid/Cruzeiro do Sul. Com treinamento especializado em Operações na Selva pelo CIGS, tem atuado como professor e instrutor em cursos de formação da Polícia Militar do Amazonas e da Universidade do Estado do Amazonas. Suas habilidades incluem Segurança Pública, Gerenciamento de Crise, Gestão Pública, Metodologia Científica e Projetos sociais. Coronel da Polícia Militar do Estado do Amazonas.
7Especialista em Segurança da Informação e Comunicações pela Universidade de Brasília – UNB. Especialista em Gestão da Administração Pública pelo Centro Universitário Sul de Minas (UNIS). Possui graduação em Direito e Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Coronel do Exército Brasileiro.