REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202506071916
Tatiana Aparecida Pego dos Santos1
Janderson Gabriel de Frota Januário2
RESUMO
Este artigo tem como objetivo analisar os impactos da Lei nº 14.112/2020 nos processos de recuperação judicial e extrajudicial, com foco em uma empresa situada na cidade de Manaus. A pesquisa, de natureza aplicada, adota uma abordagem qualitativa, descritiva e explicativa, utilizando o método do estudo de caso. O estudo parte da observação de que as mudanças promovidas pela referida norma legal trouxeram maior celeridade, flexibilidade e efetividade aos processos de recuperação, permitindo às empresas melhores condições para reorganizar suas dívidas e evitar a falência. A análise se fundamenta em autores como Fábio Ulhoa Coelho, Marcos Assi, Barros Neto, entre outros, e aponta que, embora os avanços sejam relevantes, persistem desafios para micro e pequenas empresas no tocante ao excesso de burocracia e à dificuldade de acesso à justiça. Os resultados confirmam a hipótese de que a nova legislação tem promovido melhorias importantes no tratamento das crises empresariais.
Palavras-chave: Recuperação Judicial; Lei nº 14.112/2020; Direito Empresarial; Reestruturação de Empresas; Manaus.
INTRODUÇÃO
O presente artigo propõe uma análise acerca das recuperações judiciais e extrajudiciais de empresas, que se configura como um mecanismo essencial para a manutenção da atividade econômica e a preservação de empregos em momentos de crise financeira. No Brasil, estes processos são regulamentados por leis e normas que buscam oferecer suporte às empresas em dificuldades financeiras, permitindo-lhes reorganizar suas dívidas e continuar suas operações. Segundo o renomado especialista em direito empresarial, José Eduardo Faria (2021), “a recuperação judicial é um instrumento essencial para evitar a falência e promover a recuperação de empresas, garantindo a continuidade de operações e a preservação de empregos” (Faria, 2021, p. 45).
A promulgação da Lei nº 14.112, em 24 de dezembro de 2020, trouxe mudanças significativas ao marco regulatório da recuperação de empresas. A nova legislação foi criada com o objetivo de aprimorar e modernizar o sistema, oferecendo maior eficiência e previsibilidade para todas as partes envolvidas. De acordo com a advogada especializado em reestruturação empresarial, Ana Maria Silva (2022), “as reformas introduzidas pela Lei nº 14.112/2020 visam transformar a abordagem tradicional da recuperação de empresas, introduzindo mecanismos mais ágeis e flexíveis que respondem melhor às necessidades do mercado atual” (Silva, 2022, p. 123).
Este artigo busca analisar os impactos das mudanças introduzidas pela Lei nº 14.112/2020 nos processos de recuperação judicial e extrajudicial, com um foco em uma empresa situada na cidade de Manaus, que está no processo de recuperação.
A pesquisa pretende abordar a implementação das novas normas da Lei nº 14.112/2020, investigando como se dá sua aplicação na prática, os desafios enfrentados e as oportunidades criadas, considerando o impacto na operação e na permanência das empresas em dificuldades.
Espera-se que os resultados deste artigo contribuam para o debate acadêmico oferecendo uma visão abrangente e detalhada sobre as consequências das reformas legais para pequenas e médias empresas.
A escolha pelo tema da pesquisa, se deu em razão da alteração na legislação que norteia a Recuperação Judicial e Extrajudicial de Empresa no Brasil, por meio da Lei nº 14.112/2020 que trouxe mudanças ao cenário empresarial, como a ampliação das possibilidades de negociação com credores, a introdução de novos mecanismos para a recuperação de empresas, e mudanças nas regras de fiscalização e controle. Estes aspectos têm implicações diretas para a eficácia dos processos de recuperação e a sobrevivência das empresas em dificuldade. Com isso, surge a necessidade de verificar como essas alterações têm influenciado a prática da recuperação judicial e extrajudicial.
Portanto, a investigação aprofundada sobre os efeitos dessas mudanças é importante para fornecer uma visão clara e detalhada sobre a efetividade das novas disposições legais. Esse conhecimento permitirá ajustes e aprimoramentos futuros no sistema de recuperação, além de fornecer orientações valiosas para gestores, advogados e formuladores de políticas públicas envolvidos na reestruturação empresarial.
O problema de pesquisa aborda os processos de recuperação judicial e extrajudicial a partir das mudanças trazidas pela Lei nº 14.112/2020, que incide sobre a necessidade de analisar como as mudanças da referida Lei afetam as empresas em contextos regionais específicos, como Manaus, para um entendimento mais profundo e prático da efetividade das novas normas para o contexto empresarial.
A hipótese que levantamos, é que as mudanças introduzidas pela Lei nº 14.112/2020 geram impacto positivo nos processos de recuperação judicial e extrajudicial das empresas, especialmente à empresa localizada em Manaus, que ao entrar no processo de recuperação judicial obteve maior flexibilidade, celeridade e alternativas mais eficazes para a reestruturação de dívidas, preservando empregos e garantindo a continuidade das operações.
Neste sentido, o objetivo deste artigo foi “Compreender como as mudanças introduzidas pela Lei nº 14.112/2020 têm influenciado os processos de recuperação judicial e extrajudicial em uma empresa localizada em Manaus.”
Os objetivos específicos foram assim definidos: 1) Apontar as principais mudanças trazidas pela Lei nº 14.112/2020; 2) Avaliar a aplicação dessas mudanças em uma empresa em recuperação judicial na cidade de Manaus; 3) Analisar as contribuições e fragilidades da referida lei nos processos de recuperação.
O referencial teórico da pesquisa está embasado nos trabalhos de Coelho (2020), Barros Neto (2020; 2021), Assi (2020) e Paes (2020), autores que discutem os fundamentos e limites da recuperação de empresas no Brasil. A metodologia adotada na presente pesquisa é qualitativa quanto à abordagem, aplicada quanto à natureza, descritiva e explicativa quanto aos objetivos e bibliográfica e documental quanto aos procedimentos técnicos. Utiliza-se, ainda, o estudo de caso como estratégia metodológica, com base na análise de uma empresa fictícia situada em Manaus.
Assim, o artigo está dividido em quatro seções e apresenta a seguinte estrutura: 1) Aspectos históricos da recuperação de empresas no Brasil; 2) análise das mudanças promovidas pela Lei nº 14.112/2020; 3) estudo de caso sobre a aplicação da nova lei; e 4) discussão das contribuições e fragilidades do novo marco legal.
1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS NO BRASIL
As organizações de diferentes portes e setores podem, ao longo de suas atividades, enfrentar desafios econômicos e financeiros por diversas razões, mantendo independente do seu contexto, uma série de obrigações a serem cumpridas, com os pagamentos de fornecedores e trabalhadores, que detêm direitos e bens em relação à organização (BENFATTO, 2014).
Dada as mudanças socioeconômicas ao longo do tempo, tornou-se necessária uma atualização das normas no Brasil. Nesse contexto, no ano de 2005, entrou em vigor a Lei nº 11.101, que passou a regular a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência.
Após à crise econômico-financeira que o Brasil já enfrentava e foi agravada pela pandemia da Covid-19, a nova Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falências nº 14.112, de 2020, foi sancionada em março de 2021, trazendo alterações significativas na lei anterior.
2 ANÁLISE DAS MUDANÇAS PROMOVIDAS PELA LEI Nº 14.112/2020
A Lei nº 14.112/2020 trouxe mudanças significativas com o objetivo de tornar os processos de recuperação judicial e falência mais ágeis e adaptados às necessidades do mercado contemporâneo. De acordo com BRENDA, Lúcia et al. (2020), a reforma busca proporcionar um tratamento mais eficiente para as crises empresariais, permitindo que empresas financeiramente debilitadas possam se recuperar sem recorrer imediatamente à falência. Entre as mudanças, destaca-se a alteração no artigo 6º, que antes suspendia as “ações e execuções” contra o devedor, mas agora limita a suspensão apenas às execuções. Além disso, o §4º do artigo 6º, que antes fixava o prazo de 180 dias para a suspensão, agora permite a prorrogação por mais 180 dias, desde que o devedor não seja responsável pela demora (BRASIL, 2022).
Outras inovações importantes da reforma incluem o artigo 6º-A, que proíbe a distribuição de lucros ou dividendos aos sócios e acionistas enquanto o plano de recuperação não for aprovado, configurando como crime de fraude a credores a violação dessa regra, com pena de reclusão e multa. O artigo 6º-C estabelece que os sócios não serão responsabilizados pelo inadimplemento da empresa, exceto em casos de abuso da personalidade jurídica ou não integralização do capital social. No que diz respeito à verificação e habilitação de créditos, a reforma introduziu novos parágrafos no artigo 10, que regulamentam a verificação de créditos em duas fases, com o administrador judicial ajustando o quadro de credores após considerar as impugnações e habilitações. O processo de impugnação também foi flexibilizado, permitindo que a habilitação tardia seja aceita até mesmo após o encerramento da recuperação judicial, dependendo do momento da apresentação (BARROS NETO, 2020).
A reforma também incorporou medidas para promover a conciliação e mediação durante o processo de recuperação judicial. O artigo 20-A prevê a realização de mediação e conciliação sem a suspensão dos prazos, exceto quando houver consenso entre as partes ou decisão judicial. O artigo 20-B permite que a mediação ocorra antes ou durante o processo, mas restringe a mediação à natureza jurídica e à classificação dos créditos. Dessa forma, a reforma oferece uma nova abordagem para a resolução consensual de disputas, permitindo que as partes passem por uma fase de mediação antes do pedido de recuperação judicial, o que pode ocorrer no Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC) ou em câmaras especializadas em direito empresarial (BARROS NETO, 2020, p. 41).
Considerando a análise de Costa e Rocha (2022), “avaliar a efetividade das reformas é crucial para entender se as mudanças realmente melhoraram a recuperação das empresas ou se criaram novos desafios” (Costa & Rocha, 2022, p. 89). Como afirmado por Almeida (2024), “os resultados desta pesquisa não apenas iluminarão os efeitos das reformas legais, mas também fornecerão recomendações valiosas para a formulação de políticas públicas mais eficazes” (Almeida, 2024, p. 101)
3 ESTUDO DE CASO SOBRE A APLICAÇÃO DA NOVA LEI
A empresa JGLtda.(nome fantasia) localizada na Zona Oeste da cidade de Manaus, que serviu como a referência para estudo de caso, iniciou um contexto de dificuldades financeiras no ano de 2019, com piora no cenário de pandemia, sem melhora no mercado após este período, dado o avento da possibilidade de aplicação das mudanças introduzidas pela Lei nº 14.112/2020, tornando alternativa para melhorar a situação financeira da empresa e possibilitar sua recuperação de forma estratégica para reverter o quadro atual.
Com a ampliação do prazo para a elaboração do plano de recuperação judicial, que passou de 60 para 120 dias com a Lei nº 14.112/2020, a empresa pode se beneficiar de mais tempo para organizar sua estratégia financeira, negociar com os credores e encontrar soluções mais viáveis (CAVALCANTE, 2021).
De acordo com Machado (2022) a Lei nº 14.112/2020 facilita a classificação de credores e permite que a empresa faça ajustes no seu plano de recuperação para que ele seja mais adaptado à realidade financeira da empresa. A empresa pode separar seus credores em diferentes grupos, como trabalhistas, fornecedores e bancários, e oferecer condições específicas para cada grupo.
No caso da referida empresa, que possui dívidas abaixo de R$ 10 milhões, a mesma pode optar pela recuperação judicial simplificada, o que torna o processo mais ágil e menos oneroso, pois permitirá à empresa reduzir custos administrativos com o processo judicial e acelerar a reestruturação financeira.
4 DAS CONTRIBUIÇÕES OU FRAGILIDADES DA LEI Nº 14.112/2020 NOS PROCESSOS DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL
A Lei nº 14.112/2020 trouxe importantes avanços para a recuperação judicial e extrajudicial no Brasil, com a flexibilização de prazos e a criação de alternativas simplificadas para empresas em dificuldades financeiras. No entanto, ela também apresenta algumas fragilidades que podem gerar desigualdades no tratamento dos credores e ainda envolver desafios para microempresas e empresas de grande porte, conforme doutrina Coelho (2020) sobre as dificuldades que as empresas enfrentam durante o processo de recuperação judicial, especialmente em relação à complexidade dos processos.
Em relação à Lei nº 14.112/2020, Paes (2020) também destaca que, apesar das melhorias, a aplicação de soluções simplificadas para empresas com dívidas abaixo de R$ 10 milhões não resolve todos os problemas, pois embora a Lei tenha criado a recuperação judicial simplificada para empresas com dívidas abaixo do valor supracitado, ainda assim, muitos microempreendedores e empresas de pequeno porte enfrentam dificuldades com o excesso de formalismo e burocracia do processo, o que pode tornar a recuperação judicial inacessível ou demasiadamente onerosa para essas empresas.
A nova lei permite que a empresa classifique seus credores em diferentes grupos, no entanto, como Marcos Assi (2020) leciona, em muitos casos, isso pode gerar conflitos de interesse entre os grupos. A negociação entre credores privilegiados, como bancos e fornecedores, pode ser mais difícil em relação aos credores quirografários (sem garantia), a exemplo do caso da empresa 123 milhas no Brasil.
A prioridade das dívidas trabalhistas é considerada uma mudança significativa para os trabalhadores, o prazo de pagamento de até um ano pode ser insuficiente em casos de empresas em recuperação judicial com dificuldades de fluxo de caixa.
Diante do exposto, é evidente que a evolução da legislação é positiva, mas ainda demanda ajustes para garantir a eficiência, a equidade e o acesso universal ao processo de recuperação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise desenvolvida neste artigo permite concluir que a Lei nº 14.112/2020 representa um avanço significativo no tratamento das crises empresariais no Brasil. Suas inovações estruturais trouxeram maior dinamismo, transparência e flexibilidade aos processos de recuperação, com destaque para os mecanismos de mediação, os prazos estendidos, a recuperação judicial simplificada e a possibilidade de uma negociação mais adaptada entre devedores e credores.
O estudo de caso da empresa JG Ltda. evidencia que, na prática, as alterações legais contribuem para a continuidade das atividades econômicas e a preservação de empregos. No entanto, a pesquisa também revelou limitações na aplicação da norma, particularmente no que se refere à burocracia e ao tratamento desigual entre empresas de diferentes portes.
Portanto, considera-se, que embora a Lei nº 14.112/2020 tenha modernizado o sistema, é necessário avançar na sua implementação efetiva e equitativa. Recomenda-se o fortalecimento de políticas públicas de apoio à recuperação empresarial, bem como a formação continuada dos profissionais que atuam nessa área, para que a legislação alcance plenamente seus objetivos de preservação da empresa como agente econômico e social.
REFERÊNCIAS
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1Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ ULBRA/Manaus, AM. E-mail: tatiana@rionegrocontabilidade.com.br
2Professor, Especialista, Orientador da disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso II, do Centro
Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA/Manaus, AM. E-mail: janderson.frota@ulbra.br