A QUERELA LITÚRGICA: TRADIÇÃO E RUPTURA NA IGREJA PÓS-VATICANO II – UM ESTUDO CANÔNICO E TEOLÓGICO SOBRE  OS GRUPOS QUE REJEITAM O NOVUS ORDO MISSAE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202505221006


Marcio de Lima Pacheco1
 Rawy Chagas Ramos2


RESUMO  

Este artigo analisa a tensão entre a Sé Apostólica e os grupos católicos tradicionais que rejeitam  a Missa promulgada por Paulo VI após o Concílio Vaticano II, optando por manter o Rito  Romano anterior, conhecido como Missa Tridentina ou Missa de Sempre. Por meio de  abordagem histórica, canônica e teológica, investigam-se as principais associações religiosas  envolvidas, seus fundadores, datas de fundação, doutrinas distintivas, estatuto canônico,  número aproximado de fiéis e eventos relevantes no relacionamento com o Vaticano. Entre os  grupos analisados estão: a Fraternidade Sacerdotal São Pio X, Mosteiro de Santa Cruz (Nova  Friburgo-RJ), a Fraternidade Sacerdotal São Pedro, o Instituto Bom Pastor, o Instituto Cristo  Rei Sumo Sacerdote, Redentoristas Transalpinos e a Administração Apostólica Pessoal São  João Maria Vianney — as 5 últimas se destacando por suas regularidades canônicas peculiares.  O artigo também explora a relevância das sagrações episcopais futuras e os impactos da  interpretação do Concílio Vaticano II sobre doutrina, liturgia e disciplina sacramental. São  utilizados como fundamentos principais o Código de Direito Canônico de 1917 — Código Pio Beneditino —, o Código Vigente desde 1983 — Código João Paulino —, documentos  magisteriais e literatura especializada em múltiplas línguas. 

Palavras-chave: Missa Tridentina, Sé Apostólica, Concílio Vaticano II, Grupos  Tradicionalistas, Direito Canônico. 

ABSTRACT 

This article investigates the tension between the Apostolic See and traditional Catholic groups  that reject the Mass promulgated by Paul VI after the Second Vatican Council, opting for the  previous Roman Rite, known as the Tridentine Mass or the Mass of All Time. Through a  historical, canonical, and theological approach, the study analyzes the main religious  associations involved, highlighting their founders, foundation dates, distinctive doctrines,  canonical status, estimated number of faithful, and significant events in their relationship with  the Vatican. Among the groups examined are the Priestly Fraternity of St. Pius X, the Priestly  Fraternity of St. Peter, the Institute of the Good Shepherd, the Institute of Christ the King  Sovereign Priest, the Transalpine Redemptorists, and the Personal Apostolic Administration of St. John Mary Vianney, the latter standing out for its unique canonical regularity. Furthermore,  the article explores the impact of future episcopal consecrations and the influence of the  interpretation of the Second Vatican Council on doctrine, liturgy, and sacramental discipline.  The analysis is based on the 1917 Code of Canon Law, the 1983 Code, magisterial documents,  and an extensive body of specialized literature in multiple languages. 

Keywords: Tridentine Mass, Apostolic See, Second Vatican Council, Traditionalist Groups,  Canon Law. 

1. Introdução

A história da Igreja Católica é marcada por uma contínua tensão entre tradição e  renovação, especialmente a partir da década de 1960, tem sido marcada por intensos debates  teológicos, litúrgicos e disciplinares, cujas consequências ainda reverberam nos dias atuais. O  Concílio Vaticano II (1962–1965), convocado por João XXIII e concluído por Paulo VI,  promoveu uma ampla reforma da vida eclesial.  

Embora não tenha definido dogmas novos, o Concílio alterou profundamente o modo  como a Igreja se apresenta ao mundo moderno, afetando sobretudo a liturgia, a doutrina  eclesiológica e o ecumenismo. E, assim, a promessa de um aggiornamento — uma atualização  da Igreja para dialogar com o mundo moderno — rapidamente transformou-se em campo de  debate e, em alguns casos, de conflito. 

No entanto, essa reforma encontrou forte resistência entre setores do clero e dos fiéis  que entenderam as mudanças como uma ruptura com a Tradição Apostólica. Um dos pontos  mais sensíveis dessa resistência foi a modificação do rito romano tradicional, consagrado pelo  Concílio de Trento (1545–1563) e normatizado por São Pio V em 1570 com a constituição  apostólica Quo Primum Tempore. A Missa Tridentina ou Missa de Sempre, como a chamam  seus defensores, foi, assim, substituída pelo Novus Ordo Missae, promulgado por Paulo VI em  1969 — e considerado por muitos como uma inovação Litúrgica-teológica e estética  inaceitável, uma vez que foi percebido por setores do clero e dos fiéis como uma alteração não  apenas ritual, mas teológica. 

Diante dessa mudança, diversos grupos católicos, ainda vinculados à doutrina  tradicional, rejeitaram a reforma litúrgica do Vaticano II e organizaram-se institucionalmente.  Estes grupos variam quanto ao seu status jurídico, grau de comunhão com a Santa Sé, teologia  sacramental e moral, eclesiologia e visão do magistério pós-conciliar. Tal diversidade gera o  que alguns autores chamam de um “cisma silencioso” no coração da Igreja, pois, embora muitos  desses fiéis não estejam formalmente excomungados, operam como comunidades autônomas,  por vezes desconectadas da vida diocesana ordinária. 

O cenário é ainda mais complexo quando se considera a questão da sucessão episcopal.  O envelhecimento dos bispos tradicionalistas, especialmente daqueles consagrados por Dom  Marcel Lefebvre em 1988, coloca em risco a continuidade dessas comunidades. Diante da  relutância da Santa Sé em autorizar novas sagrações episcopais para esses grupos, levanta-se a  possibilidade de sagrações realizadas sem mandato pontifício, como ocorreu em 1988 — um  gesto que, embora tenha levado a excomunhões, também resultou na fundação de novos  institutos que posteriormente foram reconciliados com Roma. 

O problema é, portanto, profundo e multifacetado: ele envolve a questão da autoridade  papal, da legitimidade da Tradição, da continuidade litúrgica e da autonomia eclesial. Seria  possível conciliar o desejo desses fiéis pela liturgia tridentina com a autoridade da Santa Sé? A  Igreja pode tolerar uma pluralidade litúrgica sem comprometer a unidade doutrinal?

Este artigo propõe-se a explorar essas questões a partir de uma análise teológico canônica, com os seguintes objetivos: 

• Apresentar os principais grupos que rejeitam a Missa de Paulo VI e mantêm a liturgia  tradicional. 

• Analisar a fundamentação teológica e canônica dessas comunidades. 

• Refletir sobre a legitimidade de sua permanência e expansão, especialmente no que  tange às sagrações episcopais futuras. 

• Discutir o papel do Concílio Vaticano II na querela litúrgica, especialmente em termos  de doutrina, moral e disciplina sacramental. 

• Estudar a aplicação do Código de Direito Canônico de 1917 e de 1983 à luz dessa  realidade eclesial. 

Um dos pontos centrais do debate atual é a possibilidade de perpetuação desses grupos  tradicionais. Considerando o envelhecimento dos bispos consagrados por Dom Marcel  Lefebvre e a fragilidade do diálogo entre Roma e a Fraternidade Sacerdotal São Pio X3 (FSSPX), levanta-se a hipótese de novas sagrações episcopais sem mandato pontifício, como  ocorreu em 1988 — um gesto que, embora tenha causado excomunhões, também provocou a  fundação de novos institutos reconciliados com a Santa Sé. 

Ao longo deste estudo, buscar-se-á oferecer uma leitura crítica da querela entre Roma e  os grupos tradicionalistas, questionando não apenas a validade de seus argumentos, mas a  própria capacidade da Igreja de integrar, sem diluir, a herança litúrgica e doutrinal que forjou  sua identidade ao longo dos séculos. 

2. Um Problema de Autoridade e Tradição

A querela entre os defensores da Missa Tridentina e a autoridade romana é, em última  instância, um embate sobre a noção de tradição viva e o papel do magistério na sua  interpretação. Os tradicionalistas, de modo geral, acusam os documentos conciliares de  ambiguidade, e sua aplicação prática de ter causado confusão doutrinal, esvaziamento  sacramental e secularização da vida eclesial. 

Essa tensão se reflete em diversas áreas: desde o uso do latim na liturgia até a formação  nos seminários, a concepção de liberdade religiosa, o ecumenismo, e a autoridade papal em  questões disciplinares. Enquanto o Concílio Vaticano II é lido por muitos teólogos — como  Joseph Ratzinger (futuro Bento XVI) — como continuidade com a Tradição, outros veem nele  uma ruptura fundamental, especialmente quando o rito da Missa é modificado de forma  substancial.

Nesse contexto, a doutrina expressa nos Códigos de Direito Canônico de 1917 e 1983 torna-se essencial para avaliar a legitimidade dos grupos tradicionais, suas ordenações, uso do  rito tridentino, e relação com o ordinário local e a Sé Apostólica. O cânone 2261 § 2 do codex de 1917, por exemplo, permite a administração dos sacramentos por padres suspensos em casos  de necessidade, tema frequentemente invocado pela Fraternidade São Pio X para justificar sua  atuação.

2.1 A persistência da Missa Tridentina: resistência e expansão 

Contrariando as expectativas de muitos e superando as pressões institucionais, a liturgia  tridentina não apenas sobreviveu às reformas conciliares promovidas pelo Concílio Vaticano II,  mas emergiu com vigor renovado ao longo das últimas décadas. Muito pelo contrário, ressurgiu  com força nas últimas décadas, especialmente a partir dos pontificados de João Paulo II e Bento  XVI. Esses papas não apenas reconheceram a continuidade da tradição litúrgica, mas também  promoveram condições para sua preservação e expansão. 

A carta apostólica Ecclesia Dei (1988), promulgada em resposta às sagrações episcopais  realizadas por Dom Marcel Lefebvre sem autorização pontifícia, foi o primeiro marco de uma  política de reconciliação. Este documento não apenas lamentou o cisma em potencial, mas abriu  uma porta para aqueles que desejavam permanecer em comunhão com Roma, desde que  acolhessem o ensinamento conciliar e respeitassem a autoridade do Papa. Contudo, foi o Motu Proprio Summorum Pontificum (2007) de Bento XVI que estabeleceu um verdadeiro divisor de  águas. Ao afirmar que o Missal de 1962 nunca havia sido juridicamente ab-rogado, Bento XVI  não apenas restaurou o direito dos fiéis de assistirem à Missa tridentina, mas reafirmou o  princípio de que a liturgia tradicional é uma expressão legítima da lex orandi da Igreja Católica. 

Essas disposições não foram meramente pastorais, mas teológicas: reconheceram que a  liturgia tradicional não era uma peça de museu, mas uma expressão viva da fé católica.  Consequentemente, comunidades ligadas à tradição floresceram em plena comunhão com  Roma. A Fraternidade Sacerdotal São Pedro (FSSP), o Instituto Bom Pastor (IBP) e o Instituto  Cristo Rei Sumo Sacerdote (ICRSS) tornaram-se símbolos dessa reconciliação litúrgica e  doutrinal. Seus membros, formados em uma espiritualidade centrada na liturgia tridentina,  comprometiam-se a viver a fé em comunhão com o Papa e os bispos locais, preservando o rito  antigo como expressão autêntica da Tradição Apostólica. 

Entretanto, também houve tensionamentos contínuos com grupos considerados em  estado irregular, como a Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX), cujo caso canônico  permanece singular e ambíguo: não cismáticos de direito, mas irregulares de fato (de facto sed  non de iure). Isso devido à ausência de uma plena reconciliação com a Sé Apostólica. Este  estado de irregularidade gerou um paradoxo jurídico e teológico: fiéis e sacerdotes que  professavam plena fidelidade ao Magistério eram tratados como externos à estrutura eclesial  regular. 

Diante desse cenário, a Santa Sé adotou soluções jurídicas inovadoras para preservar a  unidade sem sacrificar a tradição. Um exemplo singular é a criação, em 2002, da Administração  Apostólica Pessoal — não territorial — São João Maria Vianney no Brasil, com status canônico  próprio e uso exclusivo da forma extraordinária ou usus antiquior (uso mais antigo) ou forma  antiquior (forma mais antiga) do rito romano, marca uma solução canônica ímpar, não  reproduzida em outros continentes. Sua existência representa uma tentativa da Santa Sé de  integrar os fiéis tradicionais dentro da estrutura eclesial, sem abrir mão do controle doutrinal e  disciplinar. 

Mas, o que vem a ser, de fato, uma administração Apostólica? O Código de Direito  Canônico de 1983 define, no cânon 371 § 2, a Administração Apostólica:

Uma Administração Apostólica é uma certa porção do povo de Deus que, por razões peculiares e graves, é erigida pela Sé Apostólica como Administração Apostólica e é governada por um Administrador Apostólico que a dirige em nome do Sumo Pontífice4.

Diferentemente de uma diocese, que possui um território definido e está sob a autoridade  de um bispo diocesano, a administração apostólica pode ser estabelecida em razão de  necessidades específicas, seja para atender uma comunidade linguística, um rito particular ou  — como no caso de Campos, Brasil — preservar uma tradição litúrgica e disciplinar que  remonta à Igreja pré-conciliar. 

No Código Pio-beneditino de 1917, embora o conceito exista implicitamente, não há  definição formal semelhante. Encontram-se referências a administradores apostólicos (cf.  cânon 366, CIC/1917), mas a estrutura como instituição estável é desenvolvida mais claramente  apenas no pós-Concílio Vaticano II. 

Esse termo surge como categoria estável, consolida-se após o Concílio Vaticano II,  visando situações em que: um território está em formação Missionária; há crise institucional ou  disciplinar grave (Como foi o caso dos Padres que saíram da Diocese de Campos e formaram a  União Sacerdotal São João Maria Vianney); há necessidade de manutenção de uma identidade  litúrgica, cultural ou doutrinal distinta. A criação de Administrações Apostólicas evita cisões ou  rupturas no seio da Igreja, adaptando a disciplina canônica às realidades específicas sem romper  a comunhão hierárquica. 

Noutras palavras, no contexto da Administração Apostólica São João Maria Vianney,  esta solução canônica revela-se especialmente relevante. Surgida em um ambiente de tensões e  rupturas, ela não apenas assegurou a continuidade da Missa tridentina, mas também demonstrou  que a Santa Sé, em sua sabedoria pastoral, é capaz de integrar a diversidade litúrgica sem  fragmentar a unidade doutrinal. Ao mesmo tempo, evidenciou a complexidade da relação entre  tradição e autoridade, desafiando a Igreja a buscar caminhos que respeitem tanto a continuidade  apostólica quanto a renovação legítima.

De acordo com o Código de Direito Canônico vigente, especificamente o cânon 371,  as Administrações Apostólicas podem ser classificadas em duas categorias distintas, a saber: a)  Administrações Territoriais que se estruturam com base em uma delimitação geográfica  específica, semelhante ao modelo de uma diocese. Nessas administrações, a jurisdição do  administrador apostólico é definida por fronteiras territoriais, abrangendo todos os fiéis residentes na região designada. b) Administrações Pessoais que se caracterizam por não estarem  vinculadas a um território específico, mas sim a uma comunidade de fiéis unida por critérios  pessoais, como rito, idioma ou identidade espiritual. Essas administrações funcionam de  maneira análoga aos Ordinariatos Pessoais, oferecendo assistência pastoral a grupos  específicos, independentemente de onde seus membros residam.

O conceito de pessoalidade na Administração Apostólica São João Maria Vianney está  claramente estabelecido no Decreto de Ereção Animarum Bonum (2002), em seu Art. 55, no  qual é especificado que o poder da Administração é exercido de forma: a) Pessoal: Ou seja, sua  jurisdição aplica-se diretamente aos fiéis que dela fazem parte, independentemente de sua  localização geográfica. b) Ordinária: Compreendendo tanto o foro externo quanto o interno,  garantindo ao Administrador Apostólico autoridade em questões públicas e privadas. c)  Cumulativa: Conciliando-se com o poder do Bispo Diocesano de Campos, Brasil, uma vez que  os fiéis pertencentes à Administração Apostólica são, simultaneamente, fiéis da Igreja  Particular de Campos. 

Esse aspecto pessoal da Administração Apostólica é reforçado desde o Artigo 1º do  Decreto Animarum Bonum (2002), que estabelece:

Por mandato especial do Sumo Pontífice, por Decreto da Congregação para os Bispos, é constituída a Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney, que abrange exclusivamente a Diocese de Campos, no Brasil, equiparada pelo direito às Dioceses imediatamente sujeitas à Santa Sé.

Esse dispositivo deixa claro que a Administração Apostólica não é uma circunscrição  territorial, mas sim uma jurisdição pessoal, direcionada a fiéis que compartilham de uma  identidade litúrgica e espiritual específica. 

O Artigo VII §§ 1 e 2, do mesmo decreto aprofunda o conceito de pessoalidade ao  estabelecer:

§1 O Administrador Apostólico segundo a norma do direito, e solicitado o parecer do Bispo Diocesano de Campos, poderá erigir paróquias pessoais, para que seja dispensada assistência pastoral aos fiéis da Administração Apostólica. 

§2. Os presbíteros que foram nomeados párocos terão os mesmos direitos e deveres, prescritos pelo direito comum, cumulativamente com os direitos e deveres  que cabem aos párocos de território. (Negrito Nosso)

Essa configuração assegura que a Administração Apostólica não apenas cuida de seus  fiéis, mas o faz em plena conformidade com o ordenamento jurídico eclesial, respeitando tanto  o direito universal quanto às particularidades locais. O aspecto pessoal da Administração é  ainda mais evidenciado no Artigo IX do Decreto, que regula o vínculo dos fiéis leigos à  Administração:

§1. Os fiéis leigos que até o momento pertencem à União São João Maria Vianney  passam a ser membros da nova circunscrição eclesiástica. Os fiéis leigos que se  ajustam as peculiaridades da Administração Apostólica Pessoal, para ela  pertencerem, deverão manifestar abertamente sua vontade por escrito e serão  registrados num livro específico que deverá ser guardado na sede da  Administração Apostólica.

§2. Nesse livro específico serão também inscritos os leigos que pertencem à  Administração Apostólica e os que nela forem batizados.

Portanto, ao contrário de uma jurisdição territorial, onde os fiéis são automaticamente  vinculados por residência, na Administração Apostólica São João Maria Vianney o vínculo é  determinado pela adesão pessoal e explícita dos fiéis à sua identidade litúrgica e disciplinar. Esse modelo canônico, único em seu gênero, reflete a sensibilidade da Santa Sé em adaptar a  disciplina eclesial às necessidades de grupos específicos de fiéis, garantindo-lhes a  possibilidade de viverem plenamente sua fé tradicional em comunhão com Roma. 

A Administração Apostólica São João Maria Vianney foi criada com o objetivo  específico de atender os fiéis vinculados à liturgia (Missa) que estavam situados na Diocese de  Campos dos Goytacazes (RJ) e à disciplina eclesiástica anteriores ao Concílio Vaticano II. Seu  modelo canônico é singular: uma circunscrição eclesiástica que, embora territorialmente situada  na Diocese de Campos, no Brasil, tem caráter pessoal, ou seja, destina-se exclusivamente aos  fiéis que professam a fé segundo os usos e costumes tradicionais da Igreja. 

O Administrador desta jurisdição possui prerrogativas, nesse momento, episcopais,  exercendo sua missão pastoral em nome do Papa, mas isso não implica necessariamente que  deva ser um bispo, nem mesmo, que tenha sido padre pertencente àquele grupo. Em  conformidade ao Código de Direito Canônico (Cânon 371, § 2 do CIC/83 e Cânon 397 do  CIC/17), um Administrador Apostólico pode ser: um Bispo — o que é comum e preferível por  razões de tradição e conveniência pastoral, especialmente em contextos onde a ordenação  episcopal reforça a continuidade sacramental e o governo pastoral — ou um Presbítero, ou seja,  em circunstâncias extraordinárias, o Administrador Apostólico pode ser um sacerdote, desde  que devidamente nomeado pela Santa Sé. 

A criação da Administração Apostólica São João Maria Vianney foi uma resposta  pastoral da Santa Sé a uma situação de grave tensão eclesial. No início dos anos 2000, os  sacerdotes da União Sacerdotal São João Maria Vianney perceberam que sua situação estava à  beira de um cisma formal, dado o seu apego intransigente à Missa Tridentina e à disciplina  tradicional, em contraste com as reformas do Vaticano II. 

Em um gesto de benevolência pastoral, o Romano Pontífice João Paulo II, por meio da  Congregação para os Bispos, estabeleceu em 2002 esta Administração Apostólica, garantindo lhes uma solução estável e juridicamente segura, como expresso no próprio decreto de criação: “O Sumo Pontífice desejou oferecer uma solução estável e canônica, mantendo firmemente a  fé católica e as tradições litúrgicas mais antigas”6. (Animarum Bonum, 2002). 

Dessa forma, a Administração Apostólica São João Maria Vianney tornou-se um modelo  único de conciliação entre fidelidade à Tradição e plena comunhão com a Santa Sé. Ao garantir  o uso integral dos ritos e disciplinas anteriores ao Concílio Vaticano II, ela preservou a  identidade litúrgica e espiritual de seus fiéis, ao mesmo tempo em que assegurou sua união com  o Santo Padre, evitando a ruptura com a Igreja Universal.

3. A Reforma Litúrgica do Concílio Vaticano II: Princípios, Controvérsias e Consequências

3.1 Constituição Sacrosanctum Concilium: Princípios, Controvérsias e Consequências

O ponto de partida oficial da reforma litúrgica promovida pela Igreja no século XX  encontra-se na Constituição sobre a Sagrada Liturgia, Sacrosanctum Concilium, aprovada quase  unanimemente pelos padres conciliares em 1963. O documento consagra os princípios de  participação ativa (actuosa participatio), inteligibilidade dos ritos, maior acesso à Sagrada  Escritura e simplificação das cerimônias litúrgicas. Diz o texto: “A santa Mãe Igreja deseja  ardentemente que todos os fiéis sejam levados àquela participação plena, consciente e ativa nas  celebrações litúrgicas” (Sacrosanctum Concilium, n. 14). 

Embora a proposta visasse renovar a liturgia sem romper com a Tradição, críticos  afirmam que, na prática, o que se seguiu foi uma revolução litúrgica não prevista pelo texto  conciliar. A reforma de 1969, conduzida pela comissão pós-conciliar Consilium ad  exsequendam Constitutionem de Sacra Liturgia — liderada pelo arcebispo Annibale Bugnini  —, resultou em um novo rito da Missa, com significativas mudanças nas orações, rubricas e  estrutura geral, o Novus Ordo Missae

3.2 A Reação dos Grupos Tradicionalistas: Continuidade ou Ruptura? 

Para os grupos tradicionalistas, o Novus Ordo representa uma ruptura com a lex orandi anterior. Acusam-no de enfraquecer a dimensão sacrificial da Missa, privilegiando uma  linguagem antropocêntrica e protestantizante. Os teólogos ligados à Fraternidade São Pio X,  como o bispo Bernard Tissier de Mallerais, insistem que a nova liturgia obscurece dogmas  fundamentais como a Transubstanciação e o papel expiatório do Sacrifício Eucarístico. 

Um dos documentos mais emblemáticos dessa crítica é a Breve análise crítica do Novus  Ordo Missae (1969), redigida por dois cardeais — Alfredo Ottaviani e Antonio Bacci — e  entregue ao Papa Paulo VI No texto afirmam que “O Novus Ordo Missae […] representa, tanto  no conjunto quanto nos detalhes, um impressionante afastamento da teologia católica da Santa  Missa, tal como foi formulada na Sessão XXII do Concílio de Trento”. 

Apesar das correções realizadas por Paulo VI em resposta às críticas, incluindo o Credo  do Povo de Deus (1968), e das reiteradas afirmações de continuidade com a tradição, o trauma  da reforma permanece profundo nos setores tradicionalistas. 

3.3 João Paulo II e Bento XVI: A Reconciliação com os Tradicionalistas 

O pontificado de João Paulo II marcou o início de um esforço para reconciliar os  católicos tradicionalistas. Em 1984, com o indulto Quattuor Abhinc Annos, foi concedida  permissão para celebrar a Missa Tridentina com autorização do bispo local. Quatro anos depois,  com a criação da comissão Ecclesia Dei (1988), o Papa procurou acolher fiéis e sacerdotes da  Fraternidade São Pio X que desejavam permanecer em comunhão com Roma após as sagrações  episcopais ilícitas, na visão de Roma, realizadas por Dom Marcel Lefebvre e assistidas por Dom  Castro Mayer. 

O passo mais decisivo veio sob o pontificado de Bento XVI com o Motu Proprio Summorum Pontificum (2007), que reconheceu que o Missal de 1962 nunca foi juridicamente  ab-rogado (numquam abrogatum) e estabeleceu a distinção entre “forma ordinária” (Missal de  Paulo VI) e “forma extraordinária ou usus antiquior (uso mais antigo) ou forma antiquior (forma mais antiga)”, Missal de João XXIII, do rito romano.  

Na Carta aos Bispos (7 de julho de 2007), Bento XVI declarou: “O que para as gerações  anteriores era sagrado, também para nós permanece sagrado e grande”. Essa decisão fortaleceu  o crescimento de comunidades tradicionalistas, com vocações, seminários e paróquias florescendo em diversas regiões do mundo, principalmente na França, Alemanha, Estados  Unidos e América Latina. 

3.4 Traditionis Custodes: A Reorientação Litúrgica sob o Papa Francisco 

A relativa estabilidade proporcionada por Bento XVI foi drasticamente alterada em  2021, com a publicação do Motu Proprio Traditionis Custodes, (2021), promulgado pelo  Legislador Francisco que restringiu, severamente, a celebração da Missa Tridentina, afirmando  que o Missal de Paulo VI é a única expressão da lex orandi do rito romano. Com isso, a  celebração do rito anterior depende agora da autorização explícita do bispo e do aval da Santa  Sé para a criação de novos grupos. 

Essa medida foi recebida com perplexidade e indignação entre os fiéis ligados à liturgia  tradicional, sendo interpretada como uma tentativa de extinguir, no longo prazo, o uso do rito  tridentino. Teólogos como Peter Kwasniewski e Roberto de Mattei consideraram o documento  como uma negação da hermenêutica da continuidade proposta por Bento XVI, reabrindo antigas  feridas no debate litúrgico. 

3.5 Liturgia, Doutrina e Eclesiologia: Um Tripé Inseparável 

A querela litúrgica é mais que um debate estético: ela é profundamente teológica. Para  os grupos tradicionais, liturgia, doutrina e eclesiologia estão intrinsecamente ligadas. A forma  da liturgia expressa a fé da Igreja. Assim, ao modificar os ritos, modifica-se também a maneira  como a fé é recebida, vivida e transmitida. 

É, por isso que, para esses grupos, não basta permitir a celebração da Missa antiga como  uma “concessão pastoral”, mas do reconhecimento de um patrimônio teológico e espiritual  inalienável, enraizado na Tradição Apostólica.

4. O Código de Direito Canônico de 1917 e a Preservação da Liturgia Tradicional

4.1 O Código Pio-Beneditino como síntese da Tradição jurídica eclesial

Promulgado pelo Romano Pontífice Bento XV, em 1917, após décadas de preparação  iniciado sob o pontificado de São Pio X, o Código de Direito Canônico de 1917 — Codex Iuris  Canonici Pii X et Benedicti Papae XV auctoritate promulgatus — é considerado a  sistematização clássica da disciplina eclesiástica latina anterior ao Concílio Vaticano II. Seu  conteúdo reflete o espírito jurídico do Concílio de Trento, e sua linguagem é profundamente  teológica e sacralizada que a do Código posterior de 1983. 

Este primeiro Código permanece como referência doutrinal e prática para os grupos que  se opõem às reformas conciliares, por entenderem que o Código de Direito Canônico de 1983,  promulgado por João Paulo II, introduziu conceitos pastorais e eclesiológicos que se afastam  da visão tradicional de Igreja como societas perfecta

4.2. Lex Orandi e os Ritos Aprovados: A Proteção Jurídica da Liturgia (Cânon 1257) 

O cânon 1257 do Codex de 1917 estabelece que “o culto divino público deve seguir os  livros litúrgicos legítimos e aprovados pela Igreja”. Como o Missal de 1962 foi promulgado por  João XXIII, sem jamais ter sido formalmente ab-rogado, os grupos tradicionalistas argumentam  que sua celebração é canonicamente lícita, mesmo após as reformas de Paulo VI. 

Lefebvre, defensor da Missa Tridentina, sintetizou essa perspectiva ao afirmar e repetiu  em diversas ocasiões, especialmente em relação à defesa da Missa Tridentina: “A Igreja nunca pode proibir a celebração de uma liturgia que santificou santos, mártires e confessores ao longo  de séculos (…) Estamos persuadidos de que nosso Santo Padre o Papa não o proibiu e não  poderá nunca proibir que se celebre o Santo Sacrifício da Missa de sempre” (Lefebvre, 1977). 

A permissividade tácita do cânon 1257, quando lida em continuidade com a Constituição Quo Primum Tempore (1570), é interpretada como garantia jurídica da liturgia  tridentina, mesmo sem expressa autorização do bispo local. 

4.3. Sagrações Episcopais sem Mandato Pontifício: Legalidade e Validade (Cânones 953 e  2370) 

Um dos episódios mais polêmicos da querela com Roma, envolvendo a aplicação do  Direito Canônico, são as sagrações episcopais realizadas por Dom Lefebvre em 30 de junho de  1988, sem mandato pontifício (Lefebvre, 1988), resultando em sanções canônicas.  

O cânon 953 do Código Pio-beneditino proíbe a consagração episcopal sem mandato  pontifício, sob pena de sanção canônica, a de excomunhão automática. De forma semelhante,  o cânon 2370 do CIC/17 reconhece e especifica que o bispo que consagra sem mandato papal  incorre automaticamente em suspensão, mas que a consagração de um bispo feita sem mandato  é ilícita, mas válida. Todavia, o cânon 2261, § 2, do mesmo Código, estabelece que um clérigo  suspenso pode, em casos de justa causa e para o bem das almas, administrar validamente os  sacramentos. 

Lefebvre (1988) justificou suas ações com base nesse princípio, alegando estado de  necessidade na Igreja ao escrever Carta ao Cardeal Bernardin Gantin, então Prefeito da  Congregação para os Bispos: “Recorro ao direito da Igreja. Quando a fé está em perigo, é lícito  desobedecer para conservar a fé. 

A validade das sagrações de 1988 é confirmada pelo princípio de que, mesmo sem  licença pontifícia, um bispo validamente consagrado confere o sacramento da ordem. Contudo,  a licitude dessas sagrações permanece debatida, pois ocorreram em desobediência direta ao  Papa. Isso assegura a sucessão apostólica na Fraternidade São Pio X e em grupos derivados,  uma questão fundamental à perpetuação da liturgia tridentina. 

Vejamos que, a tensão entre o Magistério Romano e os grupos tradicionais após o  Concílio Vaticano II culminou em atos canônicos e litúrgicos cuja validade e liceidade foram  vigorosamente debatidas. Particularmente, as sagrações episcopais sem mandato pontifício — realizadas em 1988 e 1991 — exigem cuidadosa análise para elucidar seus efeitos jurídicos,  litúrgicos e morais. 

4.4. O Estado de Necessidade e as Exceções Canônicas (Cânones 209 e 2264 do CIC/17) 

É bastante claro que o cânon 209 do Código Pio-beneditino reconhece que um ato  realizado em desobediência pode ser considerado legítimo caso exista erro inculpável ou  ignorância invencível. Já o cânon 2264 afirmava que os atos sacramentais de um ministro  suspenso são ilícitos, mas válidos, salvo em caso de dispensa ou de necessidade urgente. 

Este Codex regulamenta com rigor a prática das sagrações episcopais, rezado em dois  cânones, o 953 e o 2370. O primeiro reza que “Ninguém pode consagrar validamente outro  bispo sem mandato pontifício.” Este cânone sublinha que o mandato pontifício é um requisito  indispensável para a liceidade da consagração episcopal. Sem essa autorização papal, o ato é  considerado ilícito, mesmo que seja válido sacramentalmente. Por sua vez, o segundo cânon  citado reza que “O bispo que, sem mandato apostólico, consagrar outro bispo, incorre automaticamente em suspensão, reservada à Sé Apostólica.”. Ao contrário da excomunhão automática (latae sententiae), a penalidade prevista aqui é a suspensão, o que significa que o  bispo perde temporariamente o direito de exercer suas funções episcopais e sacerdotais, até que  a Santa Sé decida o seu caso. 

Essa situação revela a tensão entre validade (validitas)7e liceidade (licitus actus)8, uma  vez que atos válidos, mas ilícitos são aqueles realizados em violação às normas, mas com  efeitos sacramentais. Já os atos inválidos, ou seja, sem efeitos jurídicos sacramentais, por  ausência de matéria, forma ou intenção. 

O Direito Canônico de 1983 introduziu uma mudança significativa, no que reza o Cânon  1382, ou seja: Estabelece que quem consagra um bispo sem mandato apostólico, e o  consagrado, incorrem em excomunhão latae sententiae (automática), reservada à Santa Sé. 

Entretanto, o cânon 1323 § 4 do CIC/83 dispõe que “Não é punido quem, agindo por  necessidade grave, viola a lei.” Thomas de Aquino, (S.Th., II-II, q. 147, a. 4) corrobora:  Necessitas non habet legem: A necessidade não tem lei. Essa regra é interpretada como uma  base para a ação dos bispos tradicionalistas, que justificaram suas sagrações episcopais como  medidas necessárias para preservar a continuidade da fé e da liturgia. 

Entretanto, o que foi estado de necessidade para a Fraternidade e os grupos tradicionais  da época, em 1988, não o foi para União Sacerdotal, pois se o fosse, haveria naquelas sido Sagrado um padre para esse mesmo grupo de Campos. Ademais, os bispos da Fraternidade  sempre foram muito solícitos no atendimento, dispensação de sacramentos para os fiéis da  União Sacerdotal, estudos dos futuros sacerdotes e, de maneira alguma, fizeram resistência ao  nome do então padre Licínio Rangel à Sagração. Antes, com disposição paternal o acolheu e  procurou sempre uma vivência eclesial. 

Portanto, as sagrações foram válidas, uma vez que todos os elementos essenciais ao  sacramento — matéria, forma, intenção e ministro válido — foram devidamente observados.  No entanto, foram ilícitas, devido à ausência do mandato pontifício, requisito canônico  indispensável para sua liceidade. Ainda assim, essa ilicitude foi atenuada pelo estado de necessidade alegado, que, segundo seus defensores, justificava a ação para preservar a  continuidade da Tradição Católica. 

Os bispos envolvidos eram conhecidos e legítimos, possuindo plena sucessão apostólica  e poderes sacramentais. As sagrações foram consideradas necessárias para assegurar a  continuidade da liturgia e da fé tradicionais em meio às transformações pós-conciliares. 

A censura canônica imposta, embora juridicamente aplicável naquele contexto, é hoje  objeto de debates, sendo vista por muitos como contestável, justamente por ter se originado em  uma situação de grave necessidade espiritual e pastoral. 

Deveras, a própria Santa Sé, ao criar a Administração Apostólica São João Maria  Vianney (2002), reconheceu implicitamente essa lógica, ao acolher Dom Licínio Rangel, que  havia sido sagrado por bispos da Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX)

É importante conhecer esses cânones e esses fatos que são frequentemente citados pelos  defensores da Missa Tridentina como fundamentação para a manutenção dos sacramentos conforme o rito antigo, em especial nos casos de fiéis que viviam naqueles grupos e de fiéis que  hoje possam vivem em dioceses onde o acesso à liturgia tradicional foi suprimido. 

4.5. A “suspensão a divinis” e suas implicações 

A suspensão a divinis aplicada a Dom Marcel Lefebvre em 1976, por Paulo VI, é um  exemplo claro de sanção canônica com profundos efeitos pastorais. Essa penalidade proíbe o  exercício do ministério sacramental, mas não afeta a validade dos sacramentos administrados. Os sacerdotes ordenados por Lefebvre continuaram celebrando a Missa e administrando os  sacramentos, justificando suas ações pelo princípio da salus animarum suprema lex: a salvação  das almas é a lei suprema.

Bento XVI, na Carta aos Bispos (2007) que acompanhou o Motu Proprio Summorum  Pontificum, reconheceu implicitamente a contribuição e o valor espiritual desses fiéis: “Muitos  permaneceram fiéis ao Papa e aos bispos, embora amassem profundamente a forma antiga do  rito.” Essa declaração não apenas mitigou o peso da suspensão, mas também abriu caminho  para uma interpretação mais pastoral e reconciliadora da crise litúrgica e canônica que se seguiu  ao Concílio Vaticano II.

5. Os principais grupos tradicionalistas: história, doutrina e relação com Roma

5.1. Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX): Resistência e Controvérsias 

A Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX) foi fundada em 1970 por Dom Marcel  Lefebvre, arcebispo missionário francês e ex-superior geral dos Padres Espiritanos. Seu  surgimento ocorreu em Écône, na Suíça, com a aprovação do bispo local, Dom Charrière. Ao  longo das décadas, a FSSPX cresceu exponencialmente, contando atualmente com  aproximadamente 1 milhão de fiéis em todo o mundo, entre os quais se destacam cerca de 700  padres e 200 seminaristas, além de dezenas de escolas e priorados espalhados pelos cinco continentes (dados de 2023). 

A Fraternidade adota uma postura teológica crítica em relação ao Concílio Vaticano II,  rejeitando o Novus Ordo Missae, bem como os princípios de ecumenismo e liberdade religiosa  promovidos pelo Concílio. Em seu apostolado, celebra exclusivamente a Missa Tridentina,  segundo o Missal de 1962, e sustenta uma interpretação que vê o Vaticano II como uma ruptura  doutrinal com a Tradição.  

A situação canônica da FSSPX permanece irregular: em 1988, Dom Lefebvre consagrou  bispos sem mandato pontifício, o que resultou em excomunhões que foram posteriormente  retiradas por Bento XVI em 2009. Apesar disso, a fraternidade não alcançou plena comunhão  jurídica com Roma. Contudo, nos pontificados de Francisco, foram reconhecidas algumas  prerrogativas sacramentais, como a validade da Confissão e da Unção dos Enfermos (2015– 2016) e a possibilidade de celebração de casamentos válidos, desde que delegados pelo bispo  local. “Nós não queremos fundar uma nova Igreja, mas conservar a Igreja de sempre”, afirmou  Lefebvre, sintetizando o espírito da fraternidade. 

5.2. Fraternidade Sacerdotal São Pedro (FSSP): Tradição em Comunhão com Roma 

A Fraternidade Sacerdotal São Pedro (FSSP) nasceu em 18 de julho de 1988, em  Wigratzbad, Alemanha, como resultado da dissidência de padres e seminaristas da FSSPX que,  após as sagrações episcopais de Écône, desejaram permanecer em plena comunhão com a Sé Apostólica. Sob a égide da Comissão Ecclesia Dei, a fraternidade se estabeleceu como um  modelo de fidelidade à Tradição em harmonia com Roma. Atualmente, conta com cerca de 350  padres e 150 seminaristas, mantendo uma presença significativa na Europa e nos Estados  Unidos. 

A FSSP celebra exclusivamente a Missa Tridentina, seguindo o Missal de 1962, mas  aceita os documentos do Concílio Vaticano II em uma leitura tradicional. Sua obediência ao  Papa e aos bispos locais é um traço distintivo, refletindo seu compromisso com a continuidade  litúrgica sem romper a comunhão.  

Desde o Traditionis Custodes, de Francisco, foi explicitamente permitido que  continuasse usando o Missal de 1962, garantindo a estabilidade de seu apostolado. “Somos  testemunhas de que é possível viver a Tradição em plena comunhão com a Sé Apostólica”,  afirmou o Pe. Andrzej Komorowski, Superior Geral da FSSP. 

5.3. Instituto Bom Pastor (IBP): Tradição e Crítica Construtiva 

O Instituto Bom Pastor (IBP) foi fundado em 8 de setembro de 2006 por cinco  sacerdotes, liderados pelo Pe. Philippe Laguérie, todos ex-membros da FSSPX. Com sede em  Courtalain, França, o IBP se distingue por seu compromisso com a celebração exclusiva da  Missa Tridentina e por sua abordagem crítica em relação ao Concílio Vaticano II, embora essa  crítica seja considerada construtiva e permitida pela Santa Sé. Seu carisma é fortemente  influenciado pela teologia de São Tomás de Aquino, refletindo uma espiritualidade marcada  pela clareza doutrinal. 

Como Sociedade de Vida Apostólica de Direito Pontifício, o IBP é reconhecido  canonicamente e conta com mais de 50 sacerdotes, presentes na França, Brasil, Colômbia e  Itália. Seu modelo pastoral demonstra que é possível preservar a Tradição, mantendo uma  relação estável com a Santa Sé. 

5.4. Instituto Cristo Rei Sumo Sacerdote (ICRSS): Beleza Litúrgica e Espiritualidade Solene 

Fundado em 1990 por Mons. Gilles Wach e pelo Pe. Philippe Mora, o Instituto Cristo  Rei Sumo Sacerdote (ICRSS) tem sua sede em Gricigliano, Itália, e se destaca por sua ênfase  na beleza litúrgica, na espiritualidade barroca e na devoção ao Reinado Social de Cristo Rei. A  espiritualidade do instituto é expressa por meio de uma liturgia solenemente celebrada segundo  o Missal de 1962, enriquecida por música sacra, arte e uma formação aristocrática para os  futuros sacerdotes. 

Com mais de 130 sacerdotes e numerosos seminaristas, o ICRSS possui forte presença  na França, Itália e Estados Unidos. Reconhecido como Sociedade de Vida Apostólica de Direito  Pontifício, o instituto recebeu de Francisco permissão explícita para continuar utilizando o  Missal de 1962, mesmo após o Traditionis Custodes, evidenciando sua estabilidade canônica. 

5.5 Monges do Redentoristas Transalpinos (Abbaye Saint-Joseph de Clairval – Flavigny): Vida  Monástica em Tradição 

Os Monges Redentoristas Transalpinos, originados em 1972 como uma comunidade  beneditina autônoma, tornaram-se parte do movimento tradicionalista na década de 1990,  aderindo à Ecclesia Dei. Sua vida monástica é marcada pela fidelidade à Regra de São Bento,  pela liturgia tridentina e por uma formação teológica inspirada em São Tomás de Aquino. 

Atualmente, a comunidade conta com cerca de 40 monges e mantém uma espiritualidade  centrada na oração, no trabalho e na fidelidade à tradição litúrgica. 

A comunidade é reconhecida pela Santa Sé, mantendo uma obediência filial ao Papa e  conservando os votos solenes característicos da vida monástica beneditina. 

5.6 Monges de Santa Cruz (Mosteiro de Santa Cruz- Nova Friburgo) 

O Mosteiro da Santa Cruz, localizado em Nova Friburgo (RJ), é uma comunidade  beneditina tradicionalista que se destaca por sua fidelidade à Missa Tridentina e à doutrina  católica pré-Concílio Vaticano II.  

Foi fundado em 3 de maio de 1987, o Mosteiro da Santa Cruz com a iniciativa de Dom  Gérard Calvet, prior do Mosteiro de Notre-Dame du Barroux na França, e de Dom Tomás de  Aquino Ferreira da Costa, monge brasileiro que havia ingressado na abadia francesa em 1974.  A fundação contou com o apoio de Dom Marcel Lefebvre, arcebispo francês conhecido por sua  oposição às reformas do Concílio Vaticano II, e de Dom Antônio de Castro Mayer, Bispo emérito da Diocese de Campos dos Goytacazes, ambos defensores da tradição católica. 

O prior atual do mosteiro é Dom Tomás de Aquino Ferreira da Costa, Bispo Católico e  intelectual, nascido no Rio de Janeiro em 1954. Ele foi ordenado sacerdote em 1980 por Dom  Marcel Lefebvre e, posteriormente, consagrado bispo em 19 de março de 2016 pelos bispos  Richard Williamson e Jean-Michel Faure. Dom Tomás é uma figura central no movimento  tradicionalista católico no Brasil. 

O Mosteiro da Santa Cruz mantém vínculos com diversas comunidades e missões  alinhadas à tradição católica. Entre elas estão:Mosteiro da Santa Cruz; Mosteiro Nossa Senhora  da Fé e do Rosário em Feira de Santana (BA); Convento Domina Nostra Regina Pacis – Escravas de Maria em Campo Grande (MS) e Mosteiro Beneditino do Imaculado Coração de  Maria também em Nova Friburgo (RJ). Ademais, o mosteiro realiza missões e mantém capelas  em diversas regiões do Brasil, promovendo a celebração da Missa Tridentina e a formação  espiritual conforme a tradição católica. 

5.7 Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney (AAP-SJMV): Comunhão com  Roma na Tradição 

A Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney (AAP-SJMV) foi  estabelecida em 2002, como fruto da reconciliação entre Roma e os padres da União Sacerdotal  São João Maria Vianney, fundada por Dom Castro Mayer e liderada por Dom Licínio Rangel.  Situada em Campos dos Goytacazes, Brasil, é a única Administração Apostólica Pessoal do  mundo com jurisdição não territorial e uso exclusivo da Missa Tridentina. 

A AAP-SJMV é reconhecida canonicamente como equiparada a uma diocese (Cf. Cân.  368 do CIC/1983), com mais de 30 sacerdotes atendendo fiéis em paróquias locais e em outras  regiões. Celebrando exclusivamente segundo o Missal de 1962, a administração permanece fiel  à Tradição, enquanto se mantém em plena comunhão com a Santa Sé, cumprindo seu apostolado  sem abrir mão da identidade litúrgica e doutrinal.

6. A perpetuação dos grupos tradicionalistas e a sucessão episcopal: perspectivas e desafios

6.1 O Desafio da Sucessão Apostólica e Atendimento às Comunidades Tradicionais

A continuidade dos grupos tradicionalistas está diretamente vinculada à sucessão  episcopal. A manutenção da liturgia tridentina e das formas disciplinares anteriores ao Concílio  Vaticano II depende da existência de bispos comprometidos com essa tradição. São eles os  responsáveis por ordenar novos sacerdotes e administrar o sacramento da Confirmação segundo  o rito antigo. 

Sem novos bispos que compartilhem dessa visão, esses institutos estão ameaçados de  desaparecer, seja por absorção gradual em dioceses locais, seja pela simples falta de clero. A  sucessão episcopal é, portanto, o elemento vital para a preservação da fé e da liturgia  tradicionais, garantindo que novas gerações de sacerdotes possam ser formadas e que os fiéis  continuem recebendo os sacramentos conforme sua espiritualidade. 

6.2. A sagração de Dom Licínio Rangel e seu impacto 

A Associação Sacerdotal São João Maria Vianney, formada por antigos padres da  Diocese de Campos, no Brasil, enfrentava uma situação delicada após as sagrações de Écône  em 1988. Com o falecimento de Dom Antônio de Castro Mayer (abril de1991), que havia sido  o grande defensor da tradição litúrgica na região, surgiu a necessidade de um bispo que pudesse  assegurar a continuidade do apostolado tradicional. 

Foi nesse contexto que, em 28 de julho de 1991, a Associação solicitou formalmente à  Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX) que sagrasse o Pe. Licínio Rangel como bispo,  com a condição de que fosse um bispo “sem jurisdição, apenas com poder de Ordem para  atender aos fiéis da linha tradicional”. A cerimônia foi conduzida por Dom Bernard Fellay,  assistido por Dom Tissier de Mallerais e Dom Alfonso de Galarreta, todos sagrados por Dom  Lefebvre. 

A sagração de Dom Rangel causou grande repercussão nacional e internacional, sendo  vista como um gesto de cisma pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que  condenou publicamente o ato. No entanto, o contexto pastoral era claro: a continuidade da fé  tradicional em Campos estava em jogo, e os padres da União Sacerdotal optaram por uma  solução que consideravam necessária. 

Em 2001, após anos de tensões, Dom Licínio Rangel e os padres da União Sacerdotal  buscaram a reconciliação com Roma, enviando uma carta ao Papa João Paulo II, na qual  reconheciam que, juridicamente, haviam se colocado à margem da Igreja. O Papa, em um gesto  de caridade pastoral, acolheu a reconciliação e reconheceu a validade da ordenação de Dom  Rangel, garantindo-lhe o direito de sucessão episcopal. Pouco depois, o Pe. Fernando Rifan foi  nomeado bispo coadjutor, garantindo a continuidade da missão tradicional em Campos, para  aquele e esse momento. 

Com a criação da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney (AAP SJMV), por meio do decreto Animarum Bonum (2002), Dom Licínio tornou-se seu primeiro  Administrador Apostólico. A administração foi reconhecida como uma jurisdição pessoal e não  territorial, com plena comunhão com Roma. 

6.3. A singularidade da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney 

A Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney (AAP-SJMV) é uma  estrutura canônica única na Igreja Católica. Diferentemente de outras administrações  apostólicas, que geralmente são estabelecidas por razões pastorais diversas (missões, línguas, ritos orientais), a AAP-SJMV foi criada especificamente para preservar a liturgia e a disciplina  pré-conciliares. Sua originalidade reside em: 

• Jurisdição Pessoal: Não está vinculada a um território específico, mas aos fiéis que  seguem a tradição litúrgica anterior ao Vaticano II. 

• Uso Exclusivo do Missal de 1962: O que a diferencia das comunidades Ecclesia Dei,  que devem conciliar o rito antigo com a disciplina litúrgica local. 

• Reconhecimento Canônico: Goza de autonomia organizativa, mas está diretamente  subordinada à Santa Sé. 

• Sucessão Episcopal Garantida: Inicialmente com Dom Licínio Rangel, sucedido por  Dom Fernando Rifan. 

Essa configuração garante que os fiéis da tradição tridentina tenham acesso contínuo à  sua espiritualidade, sem estarem sujeitos às flutuações das políticas litúrgicas locais. 

6.4 A dependência da sucessão episcopal 

A continuidade dos grupos tradicionalistas depende da capacidade de ordenar novos  bispos comprometidos com sua visão teológica e litúrgica. Mesmo instituições em plena  comunhão com Roma, como o Instituto Bom Pastor, a Fraternidade Sacerdotal São Pedro e o  Instituto Cristo Rei Sumo Sacerdote, não têm o direito próprio de sagrarem bispos, dependendo  sempre da autorização pontifícia. 

A crise atual é particularmente preocupante para a Fraternidade Sacerdotal São Pio X  (FSSPX), que conta atualmente com apenas dois bispos vivos sagrados por Dom Lefebvre:  Dom Bernard Fellay e Dom Alfonso de Galarreta. Ambos são idosos e enfrentam problemas de  saúde, o que coloca em risco a continuidade da sucessão episcopal da fraternidade. 

Se Roma não permitir a sagração de novos bispos tradicionalistas, esses grupos podem  enfrentar uma gradual extinção, com o envelhecimento de seus sacerdotes e a ausência de novos  ordenados. Mesmo a Administração Apostólica São João Maria Vianney, que goza de  estabilidade canônica, não possui garantia de sucessão episcopal perpétua, estando sujeita à  vontade da Santa Sé. 

6.5 Hipóteses futuras: Continuidade ou Extinção? 

A questão da permanência dos grupos tradicionalistas na Igreja Católica está  intrinsecamente ligada ao desafio da sucessão episcopal. A querela litúrgica-teológica-canônica  que contrapõe os tradicionalistas a Santa Sé tem como pano de fundo a interpretação do  Concílio Vaticano II. 

Durante seu pontificado, Bento XVI defendeu a “hermenêutica da continuidade”,  argumentando que as reformas conciliares deveriam ser compreendidas em consonância com o  magistério anterior. Conforme o próprio papa declarou: “Há dois modos de interpretar o  Concílio: um, que poderíamos chamar de ‘hermenêutica da descontinuidade e da ruptura’; e  outro, da reforma, da renovação na continuidade do único sujeito Igreja.” 
(Bento XVI, 2005). 

No entanto, os grupos tradicionalistas adotam uma postura crítica em relação ao  Vaticano II, especialmente no que tange a documentos como Dignitatis Humanae e Unitatis  Redintegratio, que consideram contraditórios em relação ao magistério anterior. Essa  abordagem reforça sua resistência à reforma litúrgica e fortalece sua identidade doutrinária, baseada na convicção de que a preservação da Missa Tridentina é essencial para a integridade  da fé católica. 

O ponto fulcral para a continuidade desses grupos é a sagração de novos bispos.  Instituições como a Fraternidade São Pedro, o Instituto Bom Pastor, o Instituto Cristo Rei Sumo  Sacerdote e a própria Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney (AAP-SJMV)  não têm autonomia para ordenar bispos, dependendo sempre da aprovação direta da Santa Sé.  Diante das restrições impostas pelo Motu Proprio Traditionis Custodes (2021), é improvável  que o Vaticano conceda novas sagrações episcopais a comunidades tradicionalistas. 

Nesse contexto, a Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX) desponta como a única  entidade que, por sua própria estrutura, pode garantir a sucessão episcopal, ainda que sob risco  de sanções canônicas. Isso já ocorreu em 1988, quando Dom Lefebvre, alegando estado de  necessidade, realizou sagrações episcopais sem mandato pontifício. A justificativa utilizada foi  o princípio do Ecclesia supplet: a Igreja supre —, estabelecido pelo cânon 144 do Código atual,  que prevê a validade dos atos em situações de necessidade extraordinária. 

Quais são as perspectivas futuras, os cenários prováveis? Diante desse quadro, emergem  três cenários principais para o futuro dos grupos tradicionalistas: 

a) Reconciliação Orgânica com Roma e Novas Sagrações Canônicas: este caminho,  desejado por muitos dentro da Cúria e nos próprios grupos tradicionalistas, requer uma mudança  de postura da Santa Sé. Seria necessário admitir que a forma extraordinária — também chamada  de usus antiquior — tem legitimidade teológica e pastoral, garantindo a sucessão episcopal  dentro desses institutos. A reinterpretação dos efeitos do Traditionis Custodes e a recuperação  da perspectiva da reforma na continuidade (Burke, 2021) proposta por Bento XVI seriam  passos fundamentais para esse processo. 

b) Continuidade da Linha Episcopal Própria da FSSPX: outro cenário seria a  continuidade da prática adotada pela FSSPX, que consiste em ordenar novos bispos sem  mandato pontifício, invocando o estado de necessidade: status necessitatis. Isso garantiria a  sobrevivência sacramental dos grupos ligados à Tradição, mas aprofundaria o distanciamento  com Roma. Atualmente, os únicos bispos da FSSPX ainda vivos e aptos a realizar novas  sagrações são Dom Bernard Fellay e Dom Alfonso de Galarreta, ambos já com idade avançada.  Para manter a linha episcopal, seria prudente consagrarem cinco ou seis novos bispos, jovens e  piedosos, capazes de sustentar o apostolado tradicional em diferentes continentes. 

c) Crescimento Clandestino ou Paralelo: caso a Santa Sé mantenha uma postura  restritiva e impeça a ordenação de novos bispos tradicionalistas, é possível que se desenvolvam  estruturas semi-clandestinas, como capelas privadas e centros de formação fora da jurisdição  oficial. Esse fenômeno já ocorre em algumas regiões da França e da América Latina, mantendo  a prática da Missa Tridentina viva, mas em uma posição marginalizada dentro da Igreja. 

Vê-se a singularidade da Administração Apostólica São João Maria Vianney! 

Um ponto importante a ser destacado é que a Administração Apostólica Pessoal São  João Maria Vianney não se encontra em estado de necessidade. O acordo firmado com a Santa  Sé, ao criar a administração pessoal, garantiu-lhe estabilidade jurídica e eclesial. Conforme o  decreto Animarum Bonum, IV, a administração está subordinada diretamente ao Papa, que  nomeia seu Administrador Apostólico. 

Na prática, isso significa que o Administrador Apostólico, como Ordinário, possui poder  de governo real e legítimo sobre os fiéis tradicionalistas ligados ao rito tridentino, preservando  sua comunhão com Roma. De acordo com o Código de Direito Canônico de 1983, cânon 134 §1, o termo Ordinário refere-se a quem possui jurisdição ordinária dentro de uma Igreja  particular ou comunidade equiparada, como é o caso da AAP-SJMV. 

Portanto, ainda que o futuro seja incerto para muitos grupos tradicionalistas, a  Administração Apostólica São João Maria Vianney parece ter garantido sua continuidade  pastoral e jurídica, ao menos enquanto a Santa Sé mantiver sua benevolência para com essa estrutura sui generis. 

A preservação da Tradição Litúrgica depende, essencialmente, da garantia de sucessão  episcopal. Enquanto a FSSPX pode assegurar sua linha episcopal de forma independente, outros  grupos, como a FSSP, o IBP e o ICRSS, permanecem vulneráveis às decisões da Santa Sé. A  viabilidade desses institutos no longo prazo está diretamente relacionada à disposição de Roma  em admitir novos bispos tradicionalistas. 

Sem essa abertura, os tradicionalistas enfrentarão o dilema de optar pela obediência  institucional, correndo o risco de desaparecimento progressivo, ou pela continuidade  sacramental, mesmo à custa de novas tensões canônicas. Seja qual for o desfecho, é certo que  a questão da sucessão episcopal permanecerá central no debate entre a Tradição e a  modernidade na Igreja Católica. 

CONCLUSÃO 

A querela entre Roma e os grupos tradicionalistas ligados à Missa Tridentina revela-se  mais do que uma disputa litúrgica: ela é, essencialmente, uma crise de identidade teológica,  canônica e espiritual no seio da Igreja Católica. Este estudo mostrou que os grupos  tradicionalistas — como a Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX), Monges de Santa Cruz  (Nova Friburgo-RJ)a Fraternidade São Pedro (FSSP), o Instituto Cristo Rei Sumo Sacerdote  (ICRSS), o Instituto Bom Pastor (IBP), os Monges Redentoristas Transalpinos e a  Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney (AAP-SJMV) — são respostas  distintas a um problema comum: a percepção de que o Concílio Vaticano II introduziu  mudanças que, em sua visão, comprometem a continuidade da Tradição Apostólica. 

A análise teológico-canônica permitiu compreender que esses grupos não apenas  preservam a liturgia tridentina, mas também sustentam uma visão teológica que considera a fé  católica em continuidade ininterrupta com os séculos anteriores. Ao rejeitarem o Novus Ordo  Missae e resistirem às reformas conciliares, afirmam que sua fidelidade é uma defesa legítima  da fé de sempre, e não uma mera nostalgia. Contudo, ao mesmo tempo, essa fidelidade os coloca  em tensão com a Sé Apostólica, que, desde o Concílio Vaticano II, promove uma compreensão  pastoral e doutrinal mais aberta e dialógica, o que muitos tradicionalistas enxergam como uma  ruptura. 

O estudo demonstrou que, enquanto alguns grupos, como a FSSP e o IBP, optaram pela  reconciliação com Roma, outros, como a FSSPX, preferiram manter uma autonomia canônica  que lhes garante independência, mas também os coloca em uma posição ambígua: não são  formalmente cismáticos, mas tampouco estão em plena comunhão jurídica com a Santa Sé. A  AAP-SJMV, por sua vez, destaca-se como uma solução singular, em que a Santa Sé reconhece  oficialmente a liturgia tridentina e a disciplina tradicional sem abrir mão do controle doutrinal  e disciplinar. 

O ponto nevrálgico desta tensão é a sucessão episcopal. Sem novos bispos  tradicionalistas comprometidos com a Tradição, esses grupos correm o risco de se extinguir. A  FSSPX, por sua natureza canônica peculiar, mantém uma linha episcopal independente, o que lhe garante sobrevivência sacramental. Já os grupos reconciliados com Roma dependem da autorização pontifícia para sagrações episcopais, o que se torna cada vez mais improvável  diante das restrições impostas pelo Motu Proprio Traditionis Custodes (2021), de Francisco. 

O estudo revelou ainda que a aplicação dos Códigos de Direito Canônico de 1917 e 1983  é central para a justificação desses grupos. O cânon 1257 do Código de 1917 é invocado como  base para a legitimidade da Missa Tridentina, enquanto o cânon 2261, §2, é utilizado como  fundamento para a administração válida dos sacramentos por clérigos suspensos em caso de  necessidade. No entanto, o cânon 1382 do Código de 1983 introduz uma sanção mais severa — a excomunhão automática para sagrações episcopais sem mandato pontifício —, evidenciando  uma mudança de abordagem disciplinar que reflete a gravidade atribuída a tais atos na Igreja  pós-conciliar. 

Ao final desta investigação, torna-se claro que a querela litúrgica é, na verdade, uma  querela eclesiológica: é uma disputa sobre o que significa ser católico em tempos de mudança.  Para os tradicionalistas, a liturgia não é apenas uma questão de rito, mas uma expressão da fé,  e alterar a liturgia é, em última análise, alterar o modo como a fé é crida, vivida e transmitida. 

Diante desse quadro, emergem três cenários possíveis para o futuro dos grupos  tradicionalistas: 

1. Reconciliação Canônica e Sucessão Episcopal Garantida: em que a Santa Sé admite a  legitimidade da Tradição tridentina e permite a ordenação de novos bispos  tradicionalistas, reconhecendo que a pluralidade litúrgica não é uma ameaça, mas uma  riqueza para a Igreja. 

2. Continuidade Independente da FSSPX: na qual a FSSPX continua sua linha episcopal  própria, garantindo a sucessão apostólica para seus sacerdotes e fiéis, mas mantendo  uma relação tensa com Roma. 

3. Fragmentação e Crescimento Clandestino: caso a Santa Sé mantenha uma política  restritiva, é possível que surjam novas comunidades sem status canônico, vivendo à  margem da estrutura eclesiástica oficial, mas preservando a liturgia tradicional como  um patrimônio espiritual. 

Entretanto, um quarto cenário merece consideração: a renovação de um diálogo sincero  entre Roma e os tradicionalistas, baseado na busca da verdade e na caridade pastoral. Tal  diálogo deve reconhecer que a fidelidade à Tradição não é sinônimo de rebeldia, mas uma busca  por autenticidade na fé. Afinal, como ensinou Bento XVI (Carta aos Bispos, 2007), “o que para  as gerações anteriores era sagrado, também para nós permanece sagrado e grande”. 

Neste contexto, a Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney aparece  como um modelo de conciliação, que prova ser possível viver a Tradição em plena comunhão  com Roma. Sua história demonstra que, mesmo em tempos de crise, a Igreja tem a capacidade  de integrar a diversidade litúrgica e doutrinal sem comprometer sua unidade. 

Seja qual for o caminho que se seguir, a querela litúrgica permanecerá como um campo  de prova para a Igreja, testando sua capacidade de dialogar com seu próprio passado, sem perder  de vista o chamado de Cristo à unidade e à fidelidade. 


3Fraternitas Sacerdotalis Sancti Pii X. Uma sociedade sacerdotal católica tradicionalista fundada em 1970 pelo  arcebispo francês Dom Marcel Lefebvre.

4Administratio apostolica est certa populi Dei portio quae, ob peculiares et graves rationes, ab Apostolica Sede  in formam administrationis apostolicae erecta est et regitur per Administratorem Apostolicum qui eam nomine  Summi Pontificis moderatur.

5Pessoal, de modo que possa ser exercido para pessoas que fazem parte da Administração Apostólica; Ordinária,  tanto no foro externo como interno; Cumulativo, com o poder do Bispo diocesano de Campos, no Brasil, uma vez  que as pessoas que pertencem à Administração Apostólica são mesmo tempo fiéis da Igreja Particular de Campos.  (Negrito nosso).

6Summus Pontifex voluit dare solutionem stabilem atque canonicam, firmiter retinendo fidem catholicam ac  traditiones liturgicas antiquiores

7Capacidade de o ato produzir seus efeitos jurídicos essenciais. 

8Conformidade do ato com as normas e permissões legítimas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

APOSTOLADO PETRINO. Sagração Episcopal de Dom Licínio Rangel em São Fidélis/RJ.  In: YouTube: Canal @ApostoladoPetrino. Disponível em:  https://www.youtube.com/watch?v=GIcswAntZkA. Acesso em: 05 maio 2025.

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1Pós-Doutor em Análise do Discurso (UERN); Doutor em Filosofia/Metafísica (PUCSP); Mestre em  Filosofia/Metafísica (UFRN); Licenciado em Filosofia (UERN); Bacharel em Teologia Faculdade Católica  Dehoniana, Licenciado em Ciências Biológicas (FAVENI) e Letras Português/Espanhol (UNICV). E-mail:  doutorpachecus@gmail.com Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3757823723460546 ORCID:  https://orcid.org/0000-0003-3902-2680. 

2Mestre em Filosofia pela UNIR (2025); Mestre em Direito Canônico pela PUG (2018); Pós-graduações:  especialista em Aconselhamento e Psicologia Pastoral pela Faculdade Serra Geral – FSG (2023); em Docência em  Teologia pela Faculdade Dom Alberto – FAVENI (2023); em Docência do Ensino Superior pelo Centro  Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU (2023); e em Docência e Gestão da Educação a  Distância pela Faculdade Focus (2023); em Psicanálise Clínica pela Faculdade Metropolitana do Estado de São  Paulo – FAMEESP (2024); Graduado em Teologia pela Escola Teológica da Congregação Beneditina do Brasil  (1998) e Bacharel em Teologia pela Faculdade Dehoniana (2016). E-mail: rhawy-cr@gmail.com Currículo Lattes:  http://lattes.cnpq.br/8499444232725816 ORCID: https://orcid.org/0009-0009-9677-7634.