A PREVALÊNCIA DA HANSENÍASE EM CONTEXTOS DE DESIGULDADE REGIONAL: CONSIDERAÇÕES ACERCA DO ATUAL CENÁRIO DA DOENÇA NO ESTADO DE MATO GROSSO E A FUNÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DE CONTAS DE MATO GROSSO NO APOIO AO DESENVOLVIMENTO E EXECUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12802754


Marco Antônio Castilho Rockenbach1;
Sérgio Ricardo de Almeida2.


RESUMO 

A hanseníase, ou lepra, é uma doença infecciosa causada pelo bacilo Mycobacterium leprae, que afeta a pele, os nervos periféricos, os olhos e o trato respiratório superior. No Brasil, a doença tem uma história marcada por políticas de isolamento, substituídas por abordagens mais humanizadas com a criação do SUS. Mato Grosso apresenta grandes disparidades socioeconômicas, influenciando diretamente a disseminação da hanseníase, especialmente em municípios mais pobres. Este artigo aborda a definição e o contexto histórico da hanseníase no Brasil e em Mato Grosso, analisando dados de 2021 a 2023 e comparando taxas de incidência entre diferentes regiões. Destaca-se o impacto do agronegócio na propagação da doença e o papel do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso (TCE-MT) na fiscalização e promoção de políticas públicas eficientes. A colaboração multisetorial é essencial para enfrentar os desafios impostos pela hanseníase. As considerações finais ressaltam a importância da análise de dados, do combate ao estigma, do fortalecimento do SUS e da capacitação contínua dos profissionais de saúde. Conclui-se que o TCE-MT desempenha um papel crucial na promoção de políticas públicas e na redução das desigualdades regionais, sendo vital a colaboração entre todos os setores da sociedade para erradicar a hanseníase e garantir um futuro mais saudável para Mato Grosso e o Brasil. 

Palavras-chave: Hanseníase; Disparidades socioeconômicas; Tribunal de Contas de Mato Grosso; Políticas públicas de saúde; Desigualdades regionais. 

ABSTRACT 

Leprosy, also known as Hansen’s disease, is an infectious disease caused by the Mycobacterium leprae bacillus, affecting the skin, peripheral nerves, eyes, and upper respiratory tract. In Brazil, the disease’s history is marked by isolation policies replaced by more humane approaches with the creation of SUS. Mato Grosso has significant socioeconomic disparities, directly influencing leprosy’s spread, especially in poorer municipalities. This article addresses leprosy’s definition and historical context in Brazil and Mato Grosso, analyzing data from 2021 to 2023 and comparing incidence rates across different regions. The impact of agribusiness on the disease’s spread and the role of the Mato Grosso State Court of Auditors (TCE-MT) in overseeing and promoting efficient public policies are highlighted. Multisectoral collaboration is essential to tackle leprosy’s challenges. The final considerations emphasize the importance of data analysis, stigma reduction, SUS strengthening, and continuous professional health training. The conclusion underscores TCE-MT’s crucial role in promoting public policies and reducing regional inequalities, emphasizing the need for collaboration across all societal sectors to eradicate leprosy and ensure a healthier future for Mato Grosso and Brazil.

Keywords: Court of Accounts; leprosy; regional inequalities; public health policies; Regional disparities 

INTRODUÇÃO 

A hanseníase, também conhecida como lepra, é uma doença infecciosa causada pelo bacilo Mycobacterium leprae. Ela acomete principalmente a pele, os nervos periféricos, os olhos e o trato respiratório superior, com sintomas iniciais que incluem manchas na pele com perda de sensibilidade, nódulos e lesões que podem levar a deformidades físicas se não tratadas adequadamente. O longo período de incubação da hanseníase, que pode variar de seis meses a mais de vinte anos, torna o diagnóstico precoce e o controle da transmissão desafiadores. 

No Brasil, a hanseníase tem uma história marcada por políticas de isolamento compulsório que vigoraram até meados dos anos 1980, sendo posteriormente substituídas por abordagens mais humanizadas com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente, as estratégias de combate à hanseníase incluem diagnóstico precoce, tratamento com poliquimioterapia e monitoramento de contatos próximos. Apesar dos avanços, o Brasil continua enfrentando desafios significativos, mantendo-se entre os países com as maiores cargas da doença no mundo. 

A seu turno, o estado de Mato Grosso apresenta grandes disparidades socioeconômicas entre seus municípios, o que impacta diretamente na disseminação da hanseníase. Nos municípios mais pobres, a doença tende a ser mais prevalente devido às condições de vida adversas e à falta de acesso a cuidados médicos adequados. Além disso, o estigma social associado à hanseníase dificulta a busca por tratamento precoce, agravando a propagação da doença. 

Em contraste, municípios mais ricos, com melhor infraestrutura de saúde, conseguem controlar melhor a hanseníase. O agronegócio, principal motor econômico de muitos municípios em Mato Grosso, tem um impacto ambíguo na propagação da hanseníase. Por um lado, a prosperidade econômica gerada pode contribuir para a melhoria dos indicadores de saúde. Por outro, a migração de trabalhadores temporários e as condições precárias de trabalho em áreas rurais podem aumentar o risco de disseminação da doença. Estes trabalhadores frequentemente vivem em habitações superlotadas e sem acesso adequado a cuidados de saúde, facilitando a transmissão do bacilo. 

O Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso (TCE-MT) desempenha um papel fundamental na fiscalização das políticas públicas desenvolvidas no estado, proporcionando a geração de dados valiosos para gestores públicos e facilitando a tomada de decisões informadas. Além disso, o TCE-MT promove programas como o Programa de Desenvolvimento Integrado (PDI) e o Gerenciamento do Planejamento Estratégico (GPE), que incentivam a gestão baseada na governança pública para resultados e contribuem significativamente para a melhoria das condições de vida da população. 

Sendo assim, este trabalho aborda inicialmente a definição da hanseníase e seu contexto histórico no Brasil e em Mato Grosso, destacando a evolução das políticas de saúde pública relacionadas à doença. No segundo capítulo, são analisados os dados recentes sobre a hanseníase no Brasil entre 2021 e 2023, com foco específico no estado de Mato Grosso, comparando as taxas de incidência e detecção entre diferentes regiões do país. O terceiro capítulo, aborda o impacto das atividades agropecuárias na propagação e combate à hanseníase em Mato Grosso, além de destacar a função social do TCE-MT no apoio ao desenvolvimento e execução de políticas públicas eficientes por parte de seus jurisdicionados. 

Por fim, entendemos que a colaboração multisetorial e multinstitucional é essencial para enfrentar os desafios impostos pela hanseníase em Mato Grosso. A criação de grupos de estudo e mesas técnicas, envolvendo sociedade, poder público e iniciativa privada, pode viabilizar a elaboração de estratégias integradas e eficazes para o combate à doença. Neste contexto, a atuação do TCE-MT é fundamental para o incentivo e apoio à promoção de políticas públicas eficientes e a redução das desigualdades regionais, contribuindo significativamente para a erradicação da hanseníase e a melhoria da saúde pública no estado. 

1 Hanseníase: definição da doença e seu contexto histórico no Brasil e em Mato Grosso 

A hanseníase, também conhecida como lepra, é uma doença infecciosa crônica causada pelo bacilo Mycobacterium leprae. Esta doença acomete principalmente a pele, os nervos periféricos, os olhos e o trato respiratório superior. Os sintomas iniciais incluem manchas na pele com perda de sensibilidade, nódulos e lesões que podem levar a deformidades físicas se não tratadas adequadamente. A hanseníase é conhecida por seu longo período de incubação, que pode variar de seis meses a mais de 20 anos, o que dificulta a identificação precoce e o controle da transmissão (SANTOS, 2003). 

De acordo com o Ministério da Saúde, a hanseníase é uma doença curável, mas se não tratada pode causar incapacidades físicas severas. A transmissão ocorre principalmente por meio das vias respiratórias, através de gotículas de saliva ou secreções nasais de uma pessoa infectada (BRASIL, 2008). 

As principais estratégias de combate à hanseníase incluem o diagnóstico precoce, o tratamento com poliquimioterapia e o monitoramento de contatos próximos de pessoas diagnosticadas. A hanseníase também pode afetar a função motora e sensorial dos nervos periféricos, levando a deformidades visíveis e incapacidades físicas, o que contribui para o estigma associado à doença. 

1.1 Síntese do contexto histórico da hanseníase no Brasil 

Abordar contextos históricos e/ou políticos relacionados à saúde pública passa, necessariamente, pela necessidade enfatizar que o direito à saúde decorre indiscutivelmente do direito à vida consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos e em nossa Constituição Federal de 1988. 

Mundialmente, a saúde foi erigida de forma oficial ao patamar de Direito Universal em 10 de dezembro de 1948, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) promulgou a Declaração Universal dos Direitos Humanos que, em seu art. 25, elevou o direito à saúde ao patamar de direito fundamental do homem, uma vez que está intimamente ligada a um conjunto de fatores de ordem econômica, social, moral e política que devem ser observados a fim de garantir ao ser humano condições dignas de vida e sobrevivência: 

Declaração Universal dos Direitos Humanos 
(…) 
Artigo 25° 
1. Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade. 
2. A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma proteção social (ONU, 1948). 

No Brasil, a hanseníase chegou com os colonizadores europeus e se espalhou rapidamente devido às condições de vida precárias e à falta de conhecimento sobre a doença. Durante o século XX, o país adotou políticas de isolamento compulsório dos doentes em leprosários, uma prática que se manteve até meados dos anos 1980. A partir daí, com a democratização e a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), o Brasil passou a adotar uma abordagem mais humanizada e eficiente para o tratamento da hanseníase (NASCIMENTO, 2001). 

A hanseníase é considerada um problema de saúde pública no Brasil. Os Planos Nacionais para Eliminação da Hanseníase remontam ao início da década de 1980. Esses planos têm como objetivo principal reduzir a prevalência da doença no âmbito da população brasileira a fim de erradicá-la (BRASIL, 2019). 

A hanseníase mantém-se como importante endemia para a saúde pública do Brasil, sobretudo por sua magnitude e pelo poder incapacitante, fator que contribui para a ocorrência do estigma e de atitudes discriminatórias. 

Embora se tenham conquistado avanços nas últimas décadas, o Brasil está entre os 22 países que possuem as mais altas cargas da doença em nível global – ocupa a 2ª posição em número de casos novos e detém cerca de 92% do total de casos das Américas, em 2018 (OMS, 2019). 

Diante desse cenário, o enfrentamento da hanseníase envolve esforços para o compromisso político, ações estratégicas e o estabelecimento de parcerias eficazes e sólidas para a redução da carga da doença, incluindo as incapacidades físicas. (Brasil, 2019, p. 8). 

No entanto, os desafios para a eliminação da hanseníase no Brasil persistem. Em regiões com maior vulnerabilidade socioeconômica, a incidência da doença permanece alta. Conforme veremos adiante, as regiões Nordeste e Centro-Oeste são as mais afetadas, refletindo as disparidades sociais e econômicas do país. 

Como visto, infelizmente a hanseníase também está associada ao estigma e à discriminação, o que dificulta a busca por tratamento por parte dos pacientes. As políticas de saúde pública têm focado na descentralização do tratamento, na integração das ações de controle da doença com a atenção básica e na capacitação de profissionais de saúde para melhorar o diagnóstico precoce e o manejo adequado dos casos (BRASIL, 2019). 

O Brasil permanece em segundo lugar no ranking mundial em número de casos novos, o que o classifica como um país prioritário para hanseníase pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Globalmente, em 2022 o número de casos novos de hanseníase em menores de 15 anos foi de 10.302, o que corresponde a uma taxa de 5,1 casos por 1 milhão nesse grupo etário e a um aumento de 14,6% em relação a 2021 (BRASIL, 2024a, p. 9). 

Conforme veremos adiante, seja em função das condições geográficas de sua dimensão territorial; das desigualdades regionais acentuadas pelas atividades do agronegócio, ou ainda em função dos problemas relacionados ao alcance de um real Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), o estado de Mato Grosso conta com um percentual significativo de novos casos da doença entre os anos de 2021 e 2023, colocando o ente em uma posição de destaque um tanto, por assim dizer, negativa em relação aos registros dos avanços da doença no Brasil, na Região Centro Oeste e nas demais regiões. 

1.2 A hanseníase em Mato Grosso 

Durante o período imperial o combate à hanseníase e outras doenças era dificultado pela escassez de médicos e pela precariedade das condições sanitárias nas províncias. A falta de profissionais de saúde era um problema grave, especialmente no interior, onde a maioria da população não tinha acesso aos cuidados básicos em saúde (COSTA, 1985). 

No século XIX, a hanseníase era uma das várias doenças que afligiam a população, conforme registrado nos Relatórios dos Presidentes da Província de Mato Grosso. Esses documentos apontam que a hanseníase foi identificada como uma enfermidade endêmica, com casos registrados em vários anos, a exemplo de 1864, 1865, 1869, 1873 e 1874 (RUCKERT e MOTTA, 2021). 

As condições higiênicas de cidades, como por exemplo Cuiabá, eram inadequadas, com águas estagnadas e acúmulo de matérias orgânicas em decomposição que contribuíam para a disseminação de doenças. A teoria miasmática3, que associava a transmissão de doenças ao ar contaminado por miasmas, influenciava as práticas de saúde pública, levando à implementação de medidas para evitar a estagnação de águas e melhorar a limpeza urbana (RUCKERT e MOTTA, 2021). 

O impacto da hanseníase em Mato Grosso foi agravado pelas condições gerais de saúde pública da província. A Guerra do Paraguai, por exemplo, criou um quadro sanitário trágico, com a proliferação de doenças como cólera e varíola entre as tropas mobilizadas para o conflito. Mesmo com os esforços das autoridades para controlar as doenças, a hanseníase permaneceu uma preocupação significativa, refletindo as limitações da saúde pública na província durante o século XIX (RUCKERT e MOTTA, 2021). 

A partir do século XX, o combate a hanseníase em Mato Grosso teve um desenvolvimento marcado por várias fases e intervenções governamentais e sociais. Na década de 1920, a organização do Serviço de Profilaxia Rural revelou a existência de muitos casos da doença no estado, destacando a necessidade de um esforço coletivo para seu combate (NASCIMENTO, 2001). 

Nas décadas seguintes, o combate à hanseníase continuou com a criação de novos leprosários e a implementação de políticas de saúde pública. A partir de 1941, a inauguração da Colônia de Leprosos de São Julião marcou uma nova fase no tratamento e isolamento dos doentes. O modelo/método de isolamento compulsório foi mantido até a década de 1960, quando novas abordagens começaram a ser adotadas (NASCIMENTO, 2001). 

Na década de 1980, a introdução da Poliquimioterapia (PQT) representou um avanço significativo no tratamento da hanseníase. Projetos pilotos em municípios como Rondonópolis, Cuiabá e Cáceres ajudaram a expandir a cobertura terapêutica e a capacitação de profissionais de saúde. 

Em 1996, a cobertura dos serviços de controle e combate à hanseníase alcançou todos os municípios do estado, uma vez que cada munício mato-grossense contava com pelo menos uma unidade de saúde para atendimento. O início do século XXI trouxe novos desafios e estratégias para o combate à hanseníase em Mato Grosso. Em 2001, o Projeto “Tolerância Zero: Mato Grosso sem Hanseníase” foi lançado, com o objetivo de acelerar as atividades de controle e alcançar a meta de eliminação da doença. Incentivos financeiros foram concedidos a técnicos e municípios que atingissem as metas propostas, resultando em um aumento significativo na cobertura de unidades de saúde com ações de controle. (QUEIROZ, 2009). 

No entanto, conforme veremos no próximo capítulo, até os dias atuais, a meta inicialmente estabelecida para eliminação da hanseníase não foi alcançada nem pelo estado de Mato Grosso e nem pelo país, fazendo com que a doença mantenha o status de problema de saúde pública no Brasil. 

2 Observação e análise de dados relacionados à hanseníase no Brasil entre os anos de 2021 a 2023: Os registros da doença nas regiões Sul, Sudeste, Norte, Nordeste, Centro-Oeste e sua comparação em relação à posição do estado de Mato Grosso na disseminação da doença 

Neste capítulo faremos uma breve contextualização acerca dos registros de novos casos de hanseníase no Brasil, com destaque para o estado de Mato Grosso. Em razão do alcance temporal dos dados utilizados, nossa abordagem em relação aos mesmos observará as delimitações e parâmetros adiante estabelecidos. 

Uma primeira abordagem apresenta os resultados relacionados aos registros de novos casos de hanseníase, obtidos a partir da consulta e observação de dados registrados nos anos de 2021 e 2022, disponibilizados pelo Ministério da Saúde, por meio de sua Secretaria de 

Vigilância em Saúde e Ambiente, mediante publicação do Boletim Epidemiológico Hanseníase – 2024, edição datada de 22 de janeiro de 2024. De acordo com o referido documento, os dados utilizados são oriundos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), do Ministério da Saúde (Sinan/Hanseníase – ESUSVS)4.

O Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan é alimentado, principalmente, pela notificação e investigação de casos de doenças e agravos que constam da lista nacional de doenças de notificação compulsória (Portaria de Consolidação nº 4, de 28 de setembro de 2017, Anexo), mas é facultado a estados e municípios incluir outros problemas de saúde importantes em sua região[…]. Sua utilização efetiva permite a realização do diagnóstico dinâmico da ocorrência de um evento na população, podendo fornecer subsídios para explicações causais dos agravos de notificação compulsória, além de vir a indicar riscos aos quais as pessoas estão sujeitas, contribuindo assim, para a identificação da realidade epidemiológica de determinada área geográfica. O seu uso sistemático, de forma descentralizada, contribui para a democratização da informação, permitindo que todos os profissionais de saúde tenham acesso à informação e as tornem disponíveis para a comunidade. É, portanto, um instrumento relevante para auxiliar o planejamento da saúde, definir prioridades de intervenção, além de permitir que seja avaliado o impacto das intervenções. (BRASIL, 2024b) 

O Sinan pode ser operacionalizado no nível administrativo mais periférico, ou seja, nas unidades de saúde, seguindo a orientação de descentralização do SUS. A maioria das notificações é digitada nas Secretarias municipais de saúde. Se o município não dispõe de computadores, os dados são incluídos no sistema nas regionais de Saúde. A Ficha Individual de Notificação (FIN) é preenchida pelas unidades assistenciais para cada paciente quando da suspeita da ocorrência de problema de saúde de notificação compulsória ou de interesse nacional, estadual ou municipal. Esse instrumento deve ser encaminhado aos serviços responsáveis pela informação e/ou vigilância epidemiológica das Secretarias Municipais, que devem repassar semanalmente os arquivos em meio magnético para as Secretarias Estaduais de Saúde (SES). A comunicação das SES com a SVS deverá ocorrer quinzenalmente, de acordo com o cronograma definido pela SVS no início de cada ano. (BRASIL, 2024c) 

No que se refere aos dados relacionados ao registro da hanseníase de forma global no Brasil; de forma restrita por cada região do país e mais especificamente no estado de Mato Grosso, a fim de manter a devida observância aos limites, padrões científicos e acadêmicos aplicados à espécie deste trabalho, dada a elevada quantidade de dados disponibilizados em relação aos anos de 2021 e 2022, buscamos identificar e comparar, prioritariamente, as seguintes informações: 

a) O número total de novos casos registrados de hanseníase na população geral;
b) O número total de novos casos registrados de hanseníase em menores de 15 anos; 
c) O número e a taxa de detecção geral de casos novos de hanseníase (por 100 mil habitantes) segundo a região e a unidade da Federação de residência; 
d) O número e a taxa de detecção de casos novos de hanseníase em menores de 15 anos (por 100 mil habitantes) segundo a região e a unidade da Federação de residência – Brasil. 

Numa segunda abordagem, serão apresentados dados relacionados aos registros de novos casos para ano de 2023 (janeiro/2023 a janeiro/2024) e dados parciais relativos ao ano de 2024 (janeiro a maio/2024 atualizados até 13/06/2024), disponibilizados no painel Business Intelligence (BI) DATASUS5 do Ministério da Saúde, relativo ao monitoramento da hanseníase no Brasil. No que tange especificamente à análise e considerações acerca dos dados coletados nessa segunda abordagem, buscamos identificar e comparar, prioritariamente as seguintes informações: 

e) O número total de novos casos registrados de hanseníase na população geral; 
f) O número total de novos casos registrados de hanseníase para menores de 15 anos de idade; 

No que concerne aos dados relacionados ao estado de Mato Grosso, faremos a abordagem dos mesmos em confronto com os dados registrados para o Brasil e suas regiões geográficas, inclusive o centro-oeste. As referidas abordagens visam o alcance dos objetivos perseguidos em relação à temática proposta para este artigo. 

2.1 Número total de novos casos registrados para a população geral no Brasil, nas regiões geográficas e no estado de Mato Grosso 

Este tópico apresenta informações relacionadas às duas abordagens anteriormente informadas, compreendendo a análise de dados relacionados aos itens “a” e “e”. 

A análise global dos dados relacionados ao número de novos casos da doença no Brasil evidenciou um aumento de 23,52% desses registros para a população geral entre os anos de 2021 a 2023. No ano de 2021 foram registrados 18.318 novos casos, em 2022 esse número foi de 19.635 novos casos, em 2023 de 22.628 novos casos. 

A seu turno, no período de janeiro a maio de 2024 já foram registrados 6.855 novos casos da doença; contra 5.594 casos registrados para o mesmo período no ano de 2023. A diferença de registros evidencia a possibilidade do aumento de 22,54% de novos casos da doença, que pode chegar a mais de 27.000 registros em 2024. 

De acordo com os registros de novos casos por regiões geográficas, o ano de 2021 evidenciou os seguintes resultados: Região Norte: 3.324 casos; Região Nordeste: 8.012 casos; Região Sudeste: 2.904 casos; Região Sul: 652 casos; Região Centro-Oeste: 3.426 casos. 

Em relação ao número de novos casos nessas regiões no ano de 2022, foram registrados: 3.215 casos na Região Norte; 8.879 casos na Região Nordeste; 3.128 casos na Região Sudeste; 643 casos na Região Sul; e 3.770 casos na Região Centro-Oeste

No ano de 2023 foram registrados: 3.551 casos na Região Norte; 7.775 casos na Região Nordeste; 4.742 casos na Região Sudeste; 677 casos na Região Sul; e 5.883 casos na Região Centro-Oeste

O período de 2021 a 2023 evidenciou uma alta nos registros de novos casos de hanseníase na população geral em quase todas as regiões brasileiras, com exceção da Região Nordeste que registrou uma leve queda de 2,96%. A Região Sul apresentou a menor alta no período, com 3,83% a mais de registros de novos casos. 

A maior variação ficou por conta da Região Centro-Oeste, com alta de 71,72% no registro de novos casos da doença. No acumulado dos três anos analisados, o Centro-Oeste registra uma alta aproximadamente três vezes maior que a do Brasil, ou de 205% nesse período, sendo responsável por 21,59% de todos os casos registrados. 

De janeiro a maio de 2023 foram registrados: 1.040 casos na Região Norte; 2.242 casos na Região Nordeste; 1.057 casos na Região Sudeste; 178 casos na Região Sul; e 1.077 casos na Região Centro-Oeste. Em 2024, foram registrados, respectivamente, 1.133 casos; 2.814 casos; 1.150 casos; 180 casos; e 1.578 casos. 

Em uma análise isolada dos dados relacionados ao estado de Mato Grosso, identificamos o registro de: 2.096 novos casos no ano de 2021; 2.422 no ano de 2022; e 4.626 em 2023. De janeiro a maio de 2023 foram registrados 675 novos casos. O mesmo período em 2024 totaliza 1209 novos casos registrados. 

De acordo com as informações até então elencadas, o estado de Mato Grosso teve um aumento de 120,7% no número de registros de novos casos de hanseníase para a população geral entre os anos de 2021 a 2023. Em dados proporcionais, o estado registrou cinco vezes mais casos que o Brasil durante o ano de 2023, sendo responsável por 20,44% do total de todos os registros de novos casos na população geral do país. Ao considerarmos o período compreendido entre os anos de 2021 a 2023, essa parcela de responsabilidade salta para 58,68% dos casos registrados. 

Na comparação das altas registradas entre os anos de 2021 a 2023, para o Centro-Oeste e para o estado de Mato Grosso, foi possível identificar que o número de registros de novos casos no estado cresce numa proporção de 1,68 vezes, ou 168% maior que os registros realizados na região.  

No mesmo contexto, a comparação entre o total de registros de novos casos de janeiro a maio dos anos de 2023 e 2024 evidencia um aumento de 79,11%, indicando um alto nível de disseminação da doença no estado. 

Na comparação de todos os dados até então apresentados, considerando o número de novos casos registrados de janeiro a maio nos dois anos retromencionados, constatamos a possibilidade da ocorrência de uma nova alta da doença no ano de 2024. 

Neste contexto, caso o número de registros de novos casos permaneça no mesmo ritmo apurado até o mês de maio de 2024, concluímos pela possibilidade da seguinte ocorrência: 

Brasil: Estimativa de 27.728 novos casos em 2024, indicando uma tendência de alta de 22,54%. Região Norte: Estimativa de 3868 novos casos em 2024, indicando uma tendência de alta de 8,94%. Região Nordeste: Estimativa de 9.759 novos casos em 2024, indicando uma tendência de alta de 25,52%. Região Sudeste: Estimativa de 5.159 novos casos em 2024, indicando uma tendência de alta de 8,80%. Região Sul: Estimativa de 684 novos casos em 2024, indicando uma tendência de alta de 1,12%. Região Centro-Oeste: Estimativa de 8619 novos casos em 2024, indicando uma tendência de alta de 46,52%. Mato Grosso: Estimativa de 8.285 novos casos em 2024, uma tendência de alta de 79,11%. 

Seguindo a mesma tendência do resultado apresentado em relação ao acumulado dos registros de novos casos entre os anos de 2021 a 2023, na estimativa ora apresentada, a Região Centro-Oeste apresenta uma tendência de alta proporcionalmente duas vezes maior do que a estimada para o Brasil em 2024, ou de 106,39% nesse período, apresentando a possibilidade de vir a ser responsável por aproximadamente 31% do total dos novos casos de hanseníase registrados no país. 

No mesmo compasso, Mato Grosso pode registrar um aumento proporcional nos registros de novos casos de hanseníase em 2024, uma vez que a proporção da alta estimada é 3,5 vezes, ou aproximadamente 250% maior do que a estimada para o Brasil, que é de 22,54%. 

No que se refere ao possível percentual de participação do estado em relação ao total geral de novos casos, eventualmente registrados no ano de 2024, este pode se tornar responsável por, aproximadamente, 29% de todos os casos registrados no Brasil e 96% de todos os casos registrados na Região Centro-Oeste. 

2.2 Número total de novos casos registrados de hanseníase em menores de 15 anos 

Este tópico apresenta informações relacionadas às duas abordagens anteriormente informadas, compreendendo análise de dados relacionados aos itens “b” e “f”. 

Em relação ao número de novos casos em menores de 15 anos, o ano de 2021 registrou:  

No Brasil: 761 casos; na Região Norte: 195 casos, na Região Nordeste: 344 casos; na Região Sudeste: 100 casos; Região Sul: 10 casos; Região Centro-Oeste: 112 casos; e no estado de Mato Grosso: 89 casos. 

A seu turno, o ano de 2022 registrou: No Brasil: 836 casos; na Região Norte: 183 casos; na Região Nordeste: 432 casos; Região Sudeste: 92 casos; Região Sul: 12 casos; Região Centro-Oeste: 117 casos; e no estado de Mato Grosso: 97 casos. 

Na sequência, o ano de 2023 registrou: No Brasil: 929 casos; na Região Norte: 200 casos, na Região Nordeste: 351 casos; na Região Sudeste: 134 casos; na Região Sul: 09 casos; na Região Centro-Oeste: 235 casos; e no estado de Mato Grosso: 216 casos. 

De janeiro a maio de 2023, foram registrados: No Brasil: 409 casos; na Região Norte: 82 casos, na Região Nordeste: 162 casos; na Região Sudeste: 54 casos; Região Sul: 05 casos; Região Centro-Oeste: 106 casos; e no estado de Mato Grosso: 95 casos. 

No mesmo período em 2024, foram registrados: No Brasil: 242 casos; na Região Norte: 68 casos, na Região Nordeste: 105 casos; na Região Sudeste: 32 casos; na Região Sul: 03 casos; na Região Centro-Oeste: 34 casos; e no estado de Mato Grosso: 28 casos. 

Com base nesses dados, restou evidenciado que, entre os anos de 2021 a 2023, o registro de novos casos em menores de 15 anos aumentou em quase todas as regiões, com exceção da Região Sul, que apresentou uma diminuição de 10% no número de registros. Os demais resultados foram: Brasil: aumento de 22.08%; Região Norte: aumento de 2.56%; Região Nordeste: aumento de 2.03%; Região Sudeste: aumento de 34.00%; Região Centro-Oeste: aumento de 109.82%; e no estado de Mato Grosso: aumento de 142.70%. 

Mantendo a tendência de alta nos registros de novos casos, agora para menores de 15 anos, o Centro-Oeste e o estado de Mato Grosso registraram as maiores altas no período de 2021 a 2023. Ambos apresentaram um crescimento cinco vezes maior nos registros em relação ao total registrado para o Brasil. 

De acordo com a análise realizada, em 2023, 25,30% dos novos casos no Brasil ocorreram no Centro-Oeste. A seu turno, Mato Grosso foi responsável por 91,91% dos novos casos nessa região e por aproximadamente 13,98% dos novos casos registrados no Brasil no ano de 2023. 

A comparação entre o número de registros de novos casos de janeiro a maio de 2024, em relação ao mesmo período no ano de 2023, apresenta uma possibilidade de queda na propagação da doença entre os menores de 15 anos. 

Contudo, conforme constatamos no tópico 2.1 deste trabalho, o número de registros de novos casos para a população geral estabelece um padrão que denota facilmente a existência de uma alta incidência de contaminação e disseminação da doença no Brasil, em específico no estado de Mato Grosso, fato que pode comprometer a baixa até então apontada para registros de novos casos para os menores de 15 anos no estado. 

2.3 Taxa de detecção geral de novos casos de hanseníase (por 100 mil habitantes) segundo a região e a unidade da federação de residência 

Este tópico apresenta informações relacionadas às duas abordagens anteriormente informadas, compreendendo a análise de dados relacionados aos itens “a”, “c” e “e”. 

A taxa de detecção geral de novos casos de hanseníase por 100 mil habitantes é calculada para medir a incidência da doença em uma população específica. Este cálculo é importante para entender a disseminação da hanseníase e avaliar a eficácia das estratégias de controle e prevenção da doença. O cálculo é feito com base no número de casos novos residentes em determinado local e diagnosticados no ano da avaliação, dividido pela população total residente no mesmo local e ano de avaliação. O resultado obtido deve ser multiplicado por 100 mil. Multiplicar por 100 mil padroniza a taxa, permitindo a comparação entre diferentes populações e regiões, independentemente de seu tamanho e população. (BRASIL, 2024a). 

Com base nos registros de novos casos no ano de 2021, foram apuradas as seguintes taxas de detecção geral: No Brasil: 8,59; na Região Norte: 17,58; na Região Nordeste: 13,89; na Região Sudeste: 3,24; na Região Sul: 2,13; na Região Centro-Oeste: 20,50; e no estado de Mato Grosso: 58,76. 

Com base nos registros de novos casos no ano de 2022, foram apuradas as seguintes taxas de detecção geral: No Brasil, 9,67; na Região Norte, 15,53; na Região Nordeste, 16,25; na Região Sudeste, 3,69; na Região Sul, 2,15; na Região Centro-Oeste, 23,15; e no estado de Mato Grosso, 66,20. 

De posse das informações apresentadas no tópico 2.1 deste trabalho, relacionadas ao número de registros de novos casos para a população geral no ano de 2023, e utilizando informações disponibilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes ao Censo Demográfico de 20226 (dados atualizados até 22/12/2023), o Brasil possui uma população de 203.080.756, distribuída da seguinte forma: Região Norte: 17.354.884; Região Nordeste: 54.658.515; Região Sudeste: 84.840.113; Região Sul: 29.937.706; Região Centro-Oeste: 16.289.538; sendo de 3.658.649 no estado de Mato Grosso. 

Neste contexto, fazendo uso da fórmula para cálculo desse indicador, bem como dos dados até então relacionados, realizamos uma estimativa dos valores da taxa de detecção geral para o ano de 2023: Brasil: 11,14; Região Norte: 20,46; Região Nordeste: 14,22; Região Sudeste: 5,59; Região Sul: 2,26; Região Centro-Oeste: 36,12; e no estado de Mato Grosso, 126,44. 

A taxa de detecção geral de novos casos de hanseníase por 100 mil habitantes é uma métrica crucial para entender a incidência da doença e avaliar a eficácia das estratégias de controle. De acordo com os dados estimados, é possível apontar variações significativas nas dessa taxa no Brasil, nas regiões analisadas e no estado de Mato Grosso entre os anos de 2021 a 2023. Nesse período, a taxa de detecção geral no Brasil aumentou de 8,59 para 11,14, representando uma elevação de 29,72%. A Região Sudeste registrou um aumento significativo, passando de 3,24 em 2021 para 5,59 em 2023, o que representa uma elevação de 72,53%. 

A Região Centro-Oeste aumentou de 20,50 em 2021 para 36,12 em 2023, registrando uma elevação de 76,20%. No estado de Mato Grosso não foi diferente, a taxa de detecção indicou uma alta vertiginosa, passando de 58,76 para 126,44, uma elevação de 115,18%. 

No comparativo, o estado de Mato Grosso apresentou a maior elevação percentual, destacando-se como uma área crítica para intervenções de saúde pública. Comparativamente, as taxas de Mato Grosso superam amplamente as do Brasil e de todas as outras regiões, indicando um grande desafio a ser enfrentado pelo poder público e pela sociedade na luta contra a hanseníase no estado. 

2.4 Taxa de detecção de novos casos de hanseníase em menores de 15 anos (por 100 mil habitantes) segundo a região e a unidade da Federação de residência 

Este tópico apresenta informações relacionadas às duas abordagens anteriormente informadas, compreendendo a análise de dados relacionados aos itens “b”, “d” e “f”. 

Com base nos registros de novos casos em menores de 15 anos, o ano de 2021 teve as seguintes taxas de detecção: No Brasil:1,73; na Região Norte: 3,99; na Região Nordeste: 2,73; na Região Sudeste: 0,58; na Região Sul: 0,17; na Região Centro-Oeste: 3,11; e no estado de Mato Grosso: 10,84. 

No ano de 2022 foram apuradas as seguintes taxas de detecção: No Brasil: 1,90; na Região Norte: 3,74; na Região Nordeste: 3,42; na Região Sudeste: 0,54; na Região Sul: 0,21; na Região Centro-Oeste: 3,25; e no estado de Mato Grosso: 11,81. 

De posse das informações apresentadas no tópico 2.2 deste artigo, com relação ao número de registros de novos casos para menores de 15 anos em 2023, e utilizando informações disponibilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes ao Censo Demográfico de 20227 (dados atualizados até 22/12/2023), o Brasil possui uma população de 40.128.261 pessoas menores de 15 anos, distribuídas da seguinte forma: Região Norte: 4.370.050; Região Nordeste: 11.550.470; Região Sudeste: 15.279.724; Região Sul: 5.525.017; Região Centro-Oeste: 3.402.000; sendo de 829.686 no estado de Mato Grosso. 

Neste contexto, fazendo uso da fórmula para cálculo desse indicador, bem como dos dados até então relacionados no item 2.2 deste trabalho, elaboramos uma estimativa para os valores da taxa de detecção de novos casos de hanseníase em menores de 15 anos para o ano de 2023: Brasil: 2,32; Região Norte: 4,58; Região Nordeste: 3,04; Região Sudeste: 0,88; Região Sul: 0,16; Região Centro-Oeste 6,91; e no estado de Mato Grosso, 26,03 

Com base na estimativa realizada, no ano de 2023, as taxas de detecção de novos casos de hanseníase em menores de 15 anos variaram significativamente entre as diferentes regiões do Brasil. A Região Sul marca destaque por apresentar a menor taxa entre todas as regiões, 0,16 casos por 100 mil habitantes. A seu turno, a Região Centro-Oeste apresentou a maior taxa, 6,91 casos por 100 mil habitantes. No mesmo contexto, o estado de Mato Grosso destacou-se com uma alta taxa, 26,04 casos por 100 mil habitantes. 

A comparação entre 2022 e 2023 revela variações percentuais impressionantes. No Brasil, a taxa de detecção aumentou 22,11%. Na Região Norte, o aumento foi ligeiramente superior, com uma variação de 22,46%. A Região Nordeste, por outro lado, registrou uma redução de 10,04% na taxa de detecção. A Região Sudeste experimentou um aumento substancial de 62,96%, enquanto a Região Sul teve uma redução de 23,81%. A Região CentroOeste teve um aumento significativo de 112,61%. A seu turno, o estado de Mato Grosso apresentou o maior aumento percentual, com uma variação de 120,49%. 

Esta análise mostra que o estado de Mato Grosso requer atenção especial devido ao elevado aumento na taxa de detecção de novos casos de hanseníase em menores de 15 anos. Comparativamente, a taxa de Mato Grosso é 1.121,55% maior do que a taxa nacional, destacando a doença como um problema de saúde pública de natureza extremamente grave. 

Além disso, a taxa de detecção em Mato Grosso é 376,55% maior do que a da Região Centro-Oeste, indicando que o estado está muito acima da média regional. Em termos de comparação, a taxa da Região Centro-Oeste é 297,84% maior do que a taxa para o Brasil. 

Estes dados sublinham a necessidade de estratégias de intervenção direcionadas para regiões e estados com taxas elevadas, particularmente em Mato Grosso, onde o aumento é alarmante. 

No caso específico do estado de Mato Grosso, as atividades relacionadas ao agronegócio estabelecem significativas diferenças no contexto socioeconômico dos municípios onde são desenvolvidas, uma vez que promovem uma influência direta na economia, estimulando o desenvolvimento local e o estabelecimento de uma melhor infraestrutura de serviços, inclusive os de saúde pública. 

Noutra banda, essas mesmas atividades também provocam disparidades, uma vez que municípios, fora do circuito do agronegócio, tendem a apresentar um menor desenvolvimento de sua infraestrutura, inclusive dos serviços de saúde pública. 

Ainda no mesmo contexto, a migração interna de trabalhadores, que saem desses municípios menos desenvolvidos em busca de oportunidades de trabalho no agronegócio e em outras atividades nos municípios mais desenvolvidos, pode comprometer o combate à disseminação da hanseníase e de outras doenças infectocontagiosas, caso o poder público não esteja atento ao controle e fiscalização dessa população de natureza sazonal. 

Dentro desta mesma ótica, é possível conceber a influência de indicadores como o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal Ajustado à Desigualdade (IDHMAD) em Mato Grosso – derivado inicialmente do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e comparado a partir da observação e confronto com os resultados do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) – como uma das causas diretamente relacionadas à alta ocorrência da hanseníase no estado. 

Sendo assim, além da necessidade de intensificar políticas públicas de saúde direcionadas ao combate da hanseníase, se faz necessário o estabelecimento de um olhar multidisciplinar e multinstitucional acerca da situação dessa doença no estado de Mato Grosso, uma vez que as desigualdades regionais, em seus vários aspectos estruturantes, impõem ao poder público uma atuação multisetorial e de amplo espectro sociopolítico na luta para a erradicação da mesma. 

Neste contexto, para além de sua função constitucional de controle da Administração Pública, dada à sua expertise no modelo de gestão baseado na Governança Pública para Resultados, bem como no seu notório conhecimento técnico-cientifico e jurídico normativo, o Tribunal de Contas de Mato Grosso assume a função social de órgão que fomenta a diminuição das desigualdades regionais do estado, mediante o estabelecimento de programas, atividades e ações que visam a contribuição para o desenvolvimento e execução de políticas públicas cada vez mais eficientes por parte dos municípios sob sua jurisdição. 

3 O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal Ajustado à Desigualdade (IDHMAD) no Brasil e em Mato Grosso; os possíveis impactos decorrentes da atividade agropecuária no combate para erradicação da hanseníase, e a função social do Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE-MT) no apoio ao desenvolvimento e execução de políticas públicas eficientes no âmbito dos municípios mato-grossenses 

Mato Grosso apresenta grandes disparidades socioeconômicas entre seus municípios. Enquanto alguns municípios são economicamente prósperos, principalmente aqueles ligados ao agronegócio, outros enfrentam desafios significativos em termos de desenvolvimento e acesso a serviços básicos de saúde. Essas desigualdades regionais têm um impacto direto na disseminação da hanseníase. 

Em tese, nos municípios mais pobres a hanseníase tende a ser mais prevalente devido às condições de vida adversas. A falta de acesso a cuidados médicos adequados, combinada com o estigma social associado à doença, impede que muitos pacientes busquem tratamento precoce, agravando a propagação da hanseníase. 

Por outro lado, municípios mais ricos, com melhor infraestrutura de saúde e maior investimento em programas de prevenção, conseguem controlar melhor a doença. Essa disparidade reflete a desigualdade no acesso aos serviços de saúde e na infraestrutura básica das cidades, como saneamento e habitação. 

Pesquisa realizada pela Comissão Permanente de Saúde de Saúde, Previdência e Assistência Social do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, junto ao banco de dados do Ministério da Saúde, evidenciou que entre os anos de 2008 a 2022, ocorreu um aumento considerável de registros de novos casos de hanseníase em municípios menos desenvolvidos do estado (TCE-MT, 2024). 

A exemplo, o município de Nova Santa Helena registrou um aumento de 251,30% na taxa de detecção geral, que foi de 114,16 em 2008 para 401,04 no ano de 2022. No mesmo período, o município de Juína foi de 115,14 para 390,24, o que representa uma elevação de 239% na taxa de detecção geral. No município de Castanheira o percentual de aumento dessa taxa foi, por assim dizer, “estratosférico”, sendo de 2307% no período analisado, uma vez que a taxa foi de 35,97 em 2008, para 865,97 no ano de 2022 (TCE-MT, 2024). 

Na esteira dos municípios mais desenvolvidos, os resultados da pesquisa realizada pelo TCE-MT evidenciaram um cenário distinto desses municípios retromencionados. A capital Cuiabá, registrou uma diminuição de 42,52% na taxa de detecção geral, indo de 72,44 em 2008, para 41,64 em 2022. Sorriso, município famoso no agro, também registrou queda, apresentando uma redução de 49,5% na taxa de detecção de novos casos, indo de 82,32 em 2008, para 41,58 em 2022 (TCE-MT, 2024). 

Contudo, conforme esboçado no capítulo anterior, a análise e controle do avanço da doença não pode levar em consideração apenas os aspectos relacionados ao porte e infraestrutura do ente ou região afetados, uma vez que vários fatores influenciam de forma direta ou indiretamente a disseminação da hanseníase. 

Nossa afirmação encontra respaldo a partir dos dados coletados pelo TCE-MT em relação à taxa de detecção de casos de hanseníase no município de Sinop, cidade que se destaca no cenário do agronegócio no Brasil e no Mundo. No ano de 2008 a taxa de detecção no município era de 83,15, passando para 127,74 em 2022, o que representa um aumento de 46,41% nos registros por 100.000 habitantes (TCE-MT, 2024). 

Neste contexto, muito embora os municípios mais “ricos” possuam, em tese, melhores estruturas em serviços públicos de saúde, também sofrem internamente com o enfrentamento de demandas sociais relacionadas a uma parcela carente de sua municipalidade, ou ainda, eventualmente, de demandas sociais reprimidas de outros municípios e regiões que, muito embora não provoquem colapso na rede pública de saúde local, comprometem a qualidade dos serviços ofertados com base na proporção de sua população, o que em muitos casos nem sempre é dimensionado de forma adequada. 

Conforme elucidaremos nos próximos tópicos, essa contextualização retromencionada pode ser facilmente compreendida a partir da simples observação e interpretação de dados e fatores relacionados à composição do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal Ajustado à Desigualdade (IDHMAD) no Brasil e em Mato Grosso, e a repercussão desse índice na vida da população de um modo geral. 

Do mesmo modo, uma outra vertente para essa contextualização recai sobre os impactos, positivos ou negativos, provocados pela atividade agropecuária no estado de Mato Grosso em relação ao combate e erradicação da hanseníase no estado. 

Nessa ótica, será realizada uma abordagem acerca do trabalho realizado pelo TCE-MT junto aos seus jurisdicionados e a sociedade de Mato Grosso, no exercício de sua função social na condição de órgão que fomenta o desenvolvimento e execução de políticas públicas de qualidade, direcionadas à diminuição das desigualdades regionais do estado. 

3.1 O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal Ajustado à Desigualdade (IDHMAD) no Brasil e em Mato Grosso 

Fruto de uma das muitas ações desenvolvidas pela Organização das Ações Unidas (ONU), por meio do trabalho realizado no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o IDHMAD é um indicador complementar, decorrente da implantação e desenvolvimento do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que, quando confrontado com outra metodologia denominada Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), identifica o real cenário de desenvolvimento humano de um município.  

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida resumida do progresso a longo prazo em três dimensões básicas do desenvolvimento humano: renda, educação e saúde. O objetivo da criação do IDH foi o de oferecer um contraponto a outro indicador muito utilizado, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento. Criado por Mahbub ul Haq com a colaboração do economista indiano Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1998, o IDH pretende ser uma medida geral e sintética que, apesar de ampliar a perspectiva sobre o desenvolvimento humano, não abrange nem esgota todos os aspectos de desenvolvimento. (PNUD). 

O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é uma medida composta de indicadores de três dimensões do desenvolvimento humano: longevidade, educação e renda. O índice varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano. O IDHM brasileiro segue as mesmas três dimensões do IDH Global – longevidade, educação e renda, mas vai além: adequa a metodologia global ao contexto brasileiro e à disponibilidade de indicadores nacionais. […] O IDHM é um índice composto que agrega 3 das mais importantes dimensões do desenvolvimento humano: a oportunidade de viver uma vida longa e saudável, de ter acesso ao conhecimento e ter um padrão de vida que garanta as necessidades básicas, representadas pela saúde, educação e renda. (PNUD). 

O IDH é uma medida média das conquistas de desenvolvimento humano básico em um país. Como todas as médias, o IDH mascara a desigualdade na distribuição do desenvolvimento humano entre a população no nível de país. O IDH 2010 introduziu o IDH Ajustado à Desigualdade (IDHAD), que leva em consideração a desigualdade em todas as três dimensões do IDH “descontando” o valor médio de cada dimensão de acordo com seu nível de desigualdade. 

Com a introdução do IDHAD, o IDH tradicional pode ser visto como um índice de desenvolvimento humano “potencial” e o IDHAD como um índice do desenvolvimento humano “real”. A “perda” no desenvolvimento humano potencial devido à desigualdade é dada pela diferença entre o IDH e o IDHAD e pode ser expressa por um percentual. (PNUD). 

Em 22 de maio de 2024, o PNUD publicou o Relatório Especial 2023 – 25 anos Desenvolvimento Humano no Brasil. Entre outros aspectos, o referido relatório apresenta dados atualizados acerca do real cenário dos índices de desenvolvimento humano no Brasil, suas regiões e estados. 

Com base no relatório retromencionado, a comparação entre os resultados obtidos para o IDHM e o IDHMAD entre os anos de 2012 a 2021, indica que o Brasil tem uma perda acumulada de 22,5% no desenvolvimento humano. No mesmo contexto, no ano de 2021, o IDHM registrou 0,766, enquanto o IDHMAD 0,591, resultando em uma perda de 22,84%, situação que classificou o país como baixo em desenvolvimento humano em 2021 (PNUD, 2024). 

O cenário de baixo desenvolvimento humano se torna mais crítico quando o IDHMAD é calculado de forma isolada em relação à dimensão da renda. Com base na série histórica apresentada no Relatório Especial 2023, no ano de 2012 a relação de perda para essa dimensão era de 38,62%. Em 2021, essa perda foi agravada, registrando uma diferença de 41,08%, situação que classifica a dimensão renda brasileira como muito baixo desenvolvimento humano (IDHMAD Renda 2021 – 0,436) (PNUD, 2024). 

No que concerne aos resultados registrados para o estado de Mato Grosso no ano de 2021, a perda foi de 20%, classificando o estado como baixo em desenvolvimento humano (IDHM 0,736 e IDHMAD 0,588). De acordo com as informações disponibilizadas no relatório, a série histórica (2012-2021) dos resultados regionais aponta que, tanto o Brasil, quanto os estados da federação, sempre foram reposicionados pelo IDHMAD para a classificação de baixo desenvolvimento humano (PNUD, 2024). 

Essa contextualização acerca do real índice de desenvolvimento humano no Brasil e, em especial no estado de Mato Grosso, nos remete, indiscutivelmente, à necessidade de uma melhor avaliação acerca das reais necessidades da parcela mais carente que compõe a população de cada município. 

Neste contexto, não se amolda como razoável a simples conclusão de que, em um município “mais próspero” a tendência é que a hanseníase seja combatida e erradicada de forma “mais fácil” que em um município com menos recursos e infraestrutura. 

De certo que no caso desse último, a ausência de serviços básicos em saúde influencia seu IDH, mas tal fato não pode ser considerado de forma isolada como a única causa que corrobora com a propagação da doença. 

Conforme será evidenciado adiante, várias questões e fatores precisam ser considerados pelo poder público no momento da análise das causas relacionadas à propagação da doença e às estratégias necessárias para seu combate. 

Algumas dessas questões também estão relacionadas às influências positivas e negativas proporcionadas pelo impacto do agronegócio no âmbito de municípios mais prósperos e de municípios menos desenvolvidos em Mato Grosso. 

3.2 Possíveis impactos da agropecuária na propagação e combate da hanseníase em Mato Grosso 

A agropecuária, principal motor econômico de muitos municípios em Mato Grosso, tem um impacto ambíguo na propagação da hanseníase. Por um lado, a prosperidade econômica gerada pelo agronegócio pode contribuir para a melhora dos indicadores de saúde e reduzir a incidência da doença a partir da geração de recursos fiscais no âmbito dos municípios. 

Por outro lado, a migração de trabalhadores temporários e as condições precárias de trabalho e habitação em áreas rurais podem aumentar o risco de disseminação da hanseníase. 

Essa migração sazonal de trabalhadores para áreas de plantio e colheita, frequentemente em condições de vida inadequadas, contribui para a propagação da hanseníase. Esses trabalhadores muitas vezes vivem em habitações superlotadas, sem acesso adequado a cuidados de saúde, o que facilita a transmissão do bacilo Mycobacterium leprae (WEIHS et al., 2017). 

A agropecuária contribui para a economia de municípios como Lucas do Rio Verde e Sorriso que, em tese, têm melhores indicadores de saúde. No entanto, a chegada de trabalhadores temporários, oriundos de regiões endêmicas aumenta o risco de transmissão da hanseníase em áreas agrícolas (WEIHS et al., 2017).  

Além disso, a pressão econômica para manter a produção agrícola pode levar à negligência das necessidades de saúde dos trabalhadores. Essa negligência, combinada com as condições de trabalho adversas, pode levar a surtos de hanseníase. A eventual falta de controle na prevenção da doença em áreas agrícolas é um desafio significativo para as autoridades de saúde. 

Neste ponto, se faz necessário abrir um parêntese, a fim de esclarecermos que não estamos atribuindo às atividades desenvolvidas pelo agronegócio qualquer parcela de responsabilidade pela evolução do número de registros de novos casos da hanseníase em Mato Grosso. 

A ótica aqui abordada, bem como a apresentada no tópico anterior, tem o objetivo de apresentar alguns potencias fatores, que precisam ser considerados e devidamente analisados no âmbito do desenvolvimento e estabelecimento de planos e estratégias de combate a essa doença a partir de um olhar e cuidados isonômicos, não apenas centrados nas ações em saúde, mas na diminuição das diferenças regionais e dos vários outros fatores decorrentes das mesmas, que a seu turno acabam influenciando de forma direta, ou não, no surgimento de entraves para o combate racional e adequado da hanseníase em Mato Grosso.  

3.3 A função social do Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE-MT) no apoio ao desenvolvimento e execução de políticas públicas eficientes no âmbito dos municípios mato-grossenses 

O Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso (TCE-MT) desempenha um papel fundamental na fiscalização das políticas públicas desenvolvidas no âmbito do estado de Mato Grosso. Para além desse seu mister constitucional, há muito o órgão tem desenvolvido diversas ações para garantir a aplicação correta e eficiente dos recursos públicos e a eficácia das políticas públicas elaboradas e executadas pelos seus jurisdicionados, entre essas as direcionadas à efetivação do direito social fundamental à saúde. 

Em específico à hanseníase, o tribunal tem realizado estudos a fim de monitorar o comportamento dos registros de novos casos nos municípios mato-grossenses. Exemplo recente desse trabalho encontra guarida no Estudo Técnico nº 001/2024, elaborado pela Comissão Permanente de Saúde, Previdência e Assistência Social (COPSPAS-TCE-MT), por meio do qual elaborou um diagnóstico histórico acerca do comportamento da taxa de detecção de novos casos da doença nos municípios mato-grossenses entre os anos de 2008 a 2022 (TCE-MT, 2024). 

A ação realizada pela COPSPAS-TCE-MT tem a finalidade de proporcionar, aos gestores públicos e demais interessados na área de saúde, o amplo acesso a dados de fácil interpretação e análise, catalogados por município e que retratam de forma real a magnitude da doença no âmbito do estado de Mato Grosso. 

No mesmo contexto, o TCE-MT tem proporcionado aos vários entes e poderes do estado a oportunidade de discutirem seus problemas e dificuldades de ordem legal, técnica e operacional, no âmbito da execução de suas respectivas atividades, cujo exercício da fiscalização e controle constitucionais se encontram sobre a égide da Corte de Contas. 

Neste contexto, fundamentada no consensualismo entre as partes interessadas, a denominada Mesa Técnica tem como objetivo propor a discussão acerca dos aspectos técnicos, legais e administrativos relacionados às demandas reais dos seus jurisdicionados, buscando, a partir do estabelecimento de um consenso prático entre o poder público, a iniciativa privada e a salvaguarda dos interesses e necessidades da sociedade, a solução mais eficiente e racional para o caso concreto analisado (TCE-MT). 

No exercício constitucional do controle externo, além da execução periódica dos sistemas de auditorias (operacionais, de contas etc.), o TCE-MT também realiza inspeções em campo, visitando unidades de saúde e entrevistando profissionais e pacientes. Essas inspeções permitem uma compreensão mais detalhada dos desafios enfrentados pelos municípios na implementação das políticas de saúde. 

As inspeções em campo realizadas pelo TCE-MT são fundamentais para obter uma visão completa da situação nos municípios. Essas visitas possibilitam a identificação de problemas específicos e a formulação de recomendações práticas para melhorar a eficácia das políticas de saúde dos jurisdicionados do órgão.  

Por meio da Escola Superior de Contas, o TCE-MT também promove capacitações e treinamentos para gestores e profissionais de saúde, visando melhorar a gestão dos recursos e a qualidade dos serviços prestados. Essas iniciativas são complementadas por campanhas de conscientização para a população, informando sobre a importância do diagnóstico precoce e do tratamento adequado de doenças endêmicas, incluindo a hanseníase. 

No que concerne ao acompanhamento voltado para o desenvolvimento dos municípios mato-grossenses, o TCE-MT tem promovido diversas ações na tentativa de estimular a redução das desigualdades regionais, principalmente por meio de programas como o Programa de Desenvolvimento Integrado (PDI) e o Gerenciamento do Planejamento Estratégico (GPE). 

Implantado e executado no âmbito dos dois primeiros Planejamentos Estratégicos de Longo Prazo (2006-2011 e 2012-2017) do TCE-MT, o PDI teve como principal objetivo incentivar, junto aos jurisdicionados, a cultura da gestão baseada na governança pública para resultados mediante a elaboração, desenvolvimento e execução de ações planejadas, coordenadas e executadas direcionadas à efetivação de políticas públicas eficientes, que de fato promovam a melhoria das condições e da qualidade de vida da população (TCE-MT, 2013). 

Na sequência do PDI, o TCE-MT desenvolveu e atualmente oferece aos seu jurisdicionados a possibilidade de adesão voluntária e gratuita ao GPE, cuja finalidade, além de permitir o adequado gerenciamento da execução do planejamento estratégico por parte do ente, também consolida a cultura desse tipo de ferramenta estratégica de gestão (TCE-MT, 2020). 

A adoção das técnicas e ferramentas disponibilizadas pelo TCE-MT ao longo desses últimos dez anos, tem oportunizado o alcance de significativos resultados em várias demandas relacionadas a diretos fundamentais sociais (TCE-MT, 2021). A exemplo de alguns resultados significativos na área de saúde pública, a adoção do GPE contribuiu para melhorias nos municípios de: 

  • Cuiabá: Reduziu a taxa de mortalidade infantil de 15% em 2016, para 11,5% em 2021; 
  • Diamantino: Entre 2018 e 2021, elevou de 25,2% para 39,2% o acesso à rede de esgoto; 
  • Campo Verde: Entre 2017 e 2021, elevou de 1.452 para 7.444 o número de pacientes atendidos por especialistas nas unidades descentralizadas de saúde do município. 
  • São Felix do Araguaia: Entre 2016 e 2021, reduziu de 28,7% para 14% a taxa de mortalidade infantil. 
  • Nortelândia: Entre 2018 e 2021, reduziu de 30,6% para 0% a taxa de mortalidade infantil. 

Além disso, o TCE-MT tem incentivado a capacitação contínua dos gestores e profissionais de saúde, proporcionando aos mesmos os conhecimentos necessários para a correta gestão e prestação de contas de recursos públicos na área de saúde. A exemplo desse tipo específico de ação, entre os dias 15 e 19 de julho de 2024, o TCE-MT promoverá o Seminário Técnico Gestão da Saúde nos Municípios de Mato Grosso.  

Neste contexto, é possível conceber a possibilidade de desenvolvimento de um trabalho conjunto, multisetorial e multinstitucional com a finalidade de promover o estudo, a elaboração, o desenvolvimento e execução de políticas públicas regionalizadas para combate e erradicação da hanseníase no estado de Mato Grosso. 

Contudo, o ponto primordial de tudo isso passa, necessariamente, pelo engajamento e comprometimento dos vários atores interessados, sociedade, poder público, iniciativa privada etc. A partir desse alinhamento, é possível vislumbrar a possibilidade de criação de grupos de estudos, ou mesmo uma mesa técnica a fim de permitir a criação de um grande plano de ação em saúde pública, com a finalidade de combater de forma específica a hanseníase em função das disparidades sociais dos municípios mato-grossenses. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Como visto, a hanseníase continua sendo um desafio significativo para a saúde pública no Brasil, especialmente em estados com grandes disparidades socioeconômicas como Mato 

Grosso. A análise detalhada dos dados de 2021 a 2023 revelou um aumento alarmante no número dos registros de novos casos e nas altas taxas de detecção apuradas, com variações regionais que destacam a necessidade de abordagens diferenciadas para o combate à doença. 

As condições socioeconômicas adversas e a falta de acesso adequado a cuidados médicos em municípios mais pobres contribuem para a prevalência da hanseníase. O estigma associado à doença agrava ainda mais a situação, impedindo muitos pacientes de buscarem tratamento precoce. Como contraponto, em tese os municípios mais ricos conseguem controlar de forma mais adequada a hanseníase devido a uma melhor infraestrutura dos serviços de saúde e maiores investimentos em programas de prevenção. 

O agronegócio, embora seja um motor econômico importante para muitos municípios de Mato Grosso, apresenta um impacto ambíguo na disseminação da hanseníase. A migração de trabalhadores temporários para áreas rurais, muitas vezes em condições de vida precárias, facilita a propagação da doença. Este cenário ressalta a necessidade de um olhar atento para as condições de trabalho e habitação desses trabalhadores, bem como para a implementação de estratégias de prevenção adequadas. 

Como visto, o TCE-MT tem desempenhado um papel crucial no apoio ao desenvolvimento e execução de políticas públicas eficientes por parte dos seus jurisdicionados. Através de estudos e monitoramentos contínuos, o TCE-MT proporciona a geração de dados valiosos para gestores públicos, facilitando a tomada de decisões informadas e a implementação de ações mais eficazes. A promoção de programas como o PDI e o GPE tem contribuído significativamente para a melhoria das condições de vida da população e a redução das desigualdades regionais. 

A colaboração multisetorial e multinstitucional é essencial para enfrentar os desafios impostos pela hanseníase. A criação de grupos de estudo e mesas técnicas, envolvendo sociedade, poder público e iniciativa privada, podem viabilizar a elaboração de estratégias integradas e eficazes para o combate à doença. 

É fundamental considerar os diversos fatores que influenciam a disseminação da hanseníase, desde as condições socioeconômicas até as particularidades regionais, para desenvolver planos de ação adaptados às necessidades específicas de cada região e município do estado. 

O compromisso político e a mobilização de recursos são vitais para alcançar a erradicação da hanseníase. A implementação de políticas públicas de saúde que abordem não apenas o tratamento, mas também a prevenção e a redução do estigma, é crucial. O fortalecimento do SUS e a capacitação contínua de profissionais de saúde são passos essenciais para melhorar o diagnóstico precoce e o manejo adequado dos casos. 

Por fim, concluímos que a análise detalhada dos dados relacionados à doença e a compreensão das disparidades regionais das localidades mais afetadas são fundamentais para a elaboração de estratégias de combate e erradicação eficazes. 

Neste contexto, concluímos que o TCE-MT tem um papel fundamental na promoção de políticas públicas eficientes e na redução das desigualdades regionais de seus jurisdicionados. Dessa forma, a colaboração entre todos os setores da sociedade é crucial para enfrentar e superar os desafios impostos pela hanseníase, garantindo um futuro mais saudável e equitativo para a população de Mato Grosso e do Brasil.


3A teoria miasmática foi uma explicação predominante para a origem das doenças antes do desenvolvimento da teoria germinal das doenças. Segundo a teoria miasmática, doenças como a peste, a cólera e a malária eram causadas por “miasmas,” ou seja, vapores ou emanações nocivas que emanavam de matéria orgânica em decomposição, águas estagnadas e outras fontes de poluição ambiental.
4Disponível em: < https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/ especiais/2024/be_hansen-2024_19jan_final.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2024.
5POWER BI DATASUS Hanseníase no Brasil. Disponível em: < https://app.powerbi.com/viewr=eyJrIjoiZjk4MGYwODctOGQxZC00MWJjLWI2ZTItOTMxZDVmMTUzMGIxIiwidCI6IjlhNTU0YWQzLWI1MmItNDg2Mi1hMzZmLTg0ZDg5MWU1YzcwNSJ9>. Acesso em: 10 jul. 2024.
6Informações obtidas no portal do IBGE em 15 de maio de 2024, às 17:55hs. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/1209#resultado.
7Informações obtidas no portal do IBGE em 15 de maio de 2024, às 17:55hs. Disponível em: < https://https://sidra.ibge.gov.br/tabela/1209#resultado>.

Referências: 

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1Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade Autônoma de Direito – FADISP; Secretário Geral da Presidência do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso. E-mail: mcastilho@tce.mt.gov.br.
2Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade Autônoma de Direito – FADISP; Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso (Biênio 2024-2025). E-mail: sergio@tce.mt.gov.br