A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO PROCESSO ADMINISTRATIVO: UMA ANÁLISE DA INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 1º, §1º DA LEI 9.873/99 À LUZ DO ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202503141352


Bruno Rafael de Albuquerque Lemos Araújo¹


Resumo: 

O presente artigo tem como objetivo analisar a problemática da prescrição intercorrente no processo administrativo, com foco na interpretação do artigo 1º, §1º da Lei 9.873/99. Enquanto as empresas devedoras da União defendem que apenas atos de instrução processual interrompem a prescrição, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que qualquer ato que impulsione o feito é suficiente para interromper o prazo prescricional. Este trabalho sustenta a tese de que qualquer ato processual capaz de impulsionar o processo administrativo interrompe a prescrição, posicionamento que se mostra mais benéfico à União e alinhado aos princípios da eficiência e da segurança jurídica. Além disso, o artigo aborda a jurisprudência recente do STJ, como o AgInt no REsp n. 1.938.680/RJ, e propõe uma reflexão sobre os impactos práticos dessa interpretação no âmbito do direito administrativo. 

Palavras-chave: Prescrição intercorrente, Processo administrativo, Lei 9.873/99, STJ, Atos interruptivos, Eficiência, Segurança jurídica. 

1. Introdução 

A prescrição intercorrente é um instituto jurídico que visa assegurar a razoável duração do processo, extinguindo a pretensão da parte quando o processo permanece estagnado por um período determinado. No âmbito do processo administrativo, a Lei 9.873/99 estabelece regras específicas para a prescrição, especialmente no que tange às dívidas ativas da União. Contudo, a interpretação do artigo 1º, §1º da referida lei tem gerado divergências entre as empresas devedoras e o STJ. Enquanto as primeiras defendem que apenas atos de instrução processual interrompem a prescrição, o STJ entende que qualquer ato que impulsione o feito é suficiente para interromper o prazo prescricional. Este artigo busca defender a tese do STJ, argumentando que tal interpretação é mais benéfica à União e está em consonância com os princípios do direito administrativo, como a eficiência, a segurança jurídica e a razoável duração do processo. 

2. A Prescrição Intercorrente no Processo Administrativo

A prescrição intercorrente é um instituto jurídico de grande relevância no âmbito do processo administrativo, especialmente quando se trata da cobrança de dívidas ativas da União. Esse mecanismo tem como objetivo principal garantir a celeridade e a efetividade do processo, evitando que ele se prolongue indefinidamente sem uma resolução adequada. Para compreender a importância da prescrição intercorrente, é necessário analisar seus fundamentos, sua aplicação no processo administrativo e as controvérsias que envolvem sua interpretação, especialmente no que diz respeito ao artigo 1º, §1º da Lei 9.873/99.

2.1. Conceito e Fundamentos da Prescrição Intercorrente

A prescrição intercorrente é um instituto que se diferencia da prescrição tradicional (extintiva) por ocorrer durante o curso de um processo, seja ele judicial ou administrativo. Enquanto a prescrição tradicional extingue o direito de ação após o decurso de um determinado prazo, a prescrição intercorrente atua como um mecanismo de controle da duração do processo, extinguindo a pretensão da parte se o processo permanecer paralisado por um período específico.

No âmbito do processo administrativo, a prescrição intercorrente tem como objetivo evitar que os processos se arrastem indefinidamente, garantindo que a administração pública atue com eficiência e celeridade. Esse instituto é especialmente relevante no contexto das dívidas ativas da União, onde a morosidade pode prejudicar a arrecadação de recursos públicos e, consequentemente, a realização de políticas públicas.

2.2. A Lei 9.873/99 e o Prazo Prescricional

A Lei 9.873/99 estabelece regras específicas para a prescrição no âmbito do processo administrativo, especialmente no que diz respeito às dívidas ativas da União. De acordo com o artigo 1º da referida lei, a prescrição da dívida ativa da União ocorre em cinco anos, contados a partir da constituição definitiva do crédito. Esse prazo é considerado razoável para que a administração pública promova a cobrança da dívida, garantindo a efetividade do processo administrativo.

O §1º do artigo 1º da Lei 9.873/99 dispõe que a prescrição é interrompida por qualquer ato que impulsione o processo administrativo. Esse dispositivo tem sido alvo de intensas discussões, especialmente no que diz respeito à interpretação do termo “qualquer ato”. Enquanto alguns entendem que apenas atos de instrução processual (como a produção de provas e a realização de perícias) são capazes de interromper a prescrição, outros defendem que qualquer ato que impulsione o feito (como a juntada de documentos ou a emissão de despachos) é suficiente para interromper o prazo prescricional.

2.3. A Controvérsia sobre os Atos Interruptivos

A interpretação do artigo 1º, §1º da Lei 9.873/99 tem gerado divergências entre as empresas devedoras e o Superior Tribunal de Justiça (STJ). As empresas argumentam que apenas atos de instrução processual, como a produção de provas e a realização de perícias, são capazes de interromper a prescrição. Essa interpretação restritiva se baseia na ideia de que apenas atos que contribuam diretamente para a instrução do processo devem ser considerados interruptivos.

Por outro lado, o STJ tem adotado uma interpretação mais ampla, entendendo que qualquer ato que impulsione o feito é suficiente para interromper a prescrição. Essa posição se baseia no entendimento de que o processo administrativo deve ser visto como um todo, e não apenas como uma sucessão de atos isolados. Dessa forma, atos como a juntada de documentos, a realização de audiências ou a emissão de despachos são considerados suficientes para interromper o prazo prescricional.

Essa divergência interpretativa reflete a tensão entre os interesses das empresas devedoras e os da União. Enquanto as empresas buscam limitar a interrupção da prescrição para evitar a cobrança de dívidas antigas, a União defende uma interpretação ampla que permita a efetiva cobrança de suas dívidas.

2.4. A Importância da Prescrição Intercorrente para a Efetividade do Processo Administrativo

A prescrição intercorrente é um mecanismo essencial para garantir a efetividade do processo administrativo. Sem esse instituto, os processos poderiam se arrastar indefinidamente, prejudicando tanto a administração pública quanto os administrados. No caso das dívidas ativas da União, a prescrição intercorrente assegura que a administração pública tenha um prazo razoável para promover a cobrança, evitando que as dívidas se tornem impagáveis devido à morosidade processual.

Além disso, a prescrição intercorrente contribui para a segurança jurídica, garantindo que os processos tenham uma duração razoável e previsível. Isso é especialmente importante no contexto do direito administrativo, onde a estabilidade das relações jurídicas é fundamental para a realização dos interesses públicos.

2.5. A Jurisprudência do STJ sobre a Prescrição Intercorrente

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem desempenhado um papel fundamental na interpretação do artigo 1º, §1º da Lei 9.873/99. Em julgados como o AgInt no REsp n. 1.938.680/RJ, o STJ consolidou o entendimento de que qualquer ato que impulsione o processo administrativo é suficiente para interromper a prescrição.

Nesse caso, o STJ destacou que a interpretação ampla do dispositivo legal está em consonância com os princípios da eficiência e da segurança jurídica, garantindo que o processo administrativo seja um instrumento eficaz para a cobrança de dívidas ativas da União. A jurisprudência do STJ reforça a tese de que a prescrição intercorrente não pode ser utilizada como um instrumento para protelar o pagamento de dívidas, especialmente quando a administração pública demonstra interesse em resolver o caso de forma célere e eficiente.

3. A Interpretação do Artigo 1º, §1º da Lei 9.873/99

A divergência interpretativa em torno do artigo 1º, §1º da Lei 9.873/99 reflete a tensão entre os interesses das empresas devedoras e os da União. As empresas argumentam que a restrição da interrupção da prescrição aos atos de instrução processual garantiria maior segurança jurídica, evitando que a União prolongue indefinidamente a cobrança de dívidas. Contudo, essa interpretação restritiva desconsidera o objetivo central da prescrição intercorrente, que é garantir a efetividade do processo administrativo.  

O STJ, por sua vez, adota uma interpretação mais ampla, entendendo que qualquer ato que impulsione o feito é suficiente para interromper a prescrição. Essa posição está alinhada com os princípios da eficiência e da celeridade processual, que são fundamentais no direito administrativo. Ao considerar que qualquer ato processual capaz de impulsionar o processo interrompe a prescrição, o STJ assegura que o processo administrativo não se torne um instrumento ineficaz para a cobrança de dívidas ativas da União. 

4. Argumentos em Defesa da Tese do STJ

A tese defendida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que qualquer ato que impulsione o processo administrativo é suficiente para interromper a prescrição intercorrente é a mais adequada ao ordenamento jurídico brasileiro, especialmente no que diz respeito ao direito administrativo. Essa interpretação ampla está alinhada com os princípios constitucionais e legais que regem a administração pública, como a eficiência, a segurança jurídica e a razoável duração do processo. A seguir, aprofundam-se os argumentos que sustentam essa posição, com base na doutrina, na jurisprudência e nos princípios do direito administrativo.

4.1. Princípio da Eficiência

O princípio da eficiência, previsto no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988, exige que a administração pública atue de forma ágil, eficaz e eficiente, buscando a melhor utilização dos recursos públicos e a concretização dos interesses coletivos. A interpretação restritiva do artigo 1º, §1º da Lei 9.873/99, defendida pelas empresas devedoras, contraria esse princípio ao limitar a interrupção da prescrição apenas aos atos de instrução processual, como a produção de provas e a realização de perícias.

Essa interpretação restritiva pode levar à estagnação do processo administrativo, pois desconsidera atos essenciais para o seu andamento, como a juntada de documentos, a realização de audiências e a emissão de despachos. Ao adotar uma interpretação ampla, o STJ assegura que o processo administrativo seja um instrumento eficiente para a realização dos interesses públicos, permitindo que a União cobre suas dívidas de forma célere e efetiva.

Além disso, a eficiência não se limita à celeridade, mas também à qualidade da decisão administrativa. Ao considerar que qualquer ato que impulsione o processo interrompe a prescrição, o STJ garante que a administração pública tenha tempo suficiente para analisar todos os aspectos relevantes do caso, evitando decisões precipitadas ou incompletas.

4.2. Segurança Jurídica

A segurança jurídica é um dos pilares do Estado de Direito, garantindo que as relações jurídicas sejam estáveis e previsíveis. No entanto, a interpretação restritiva do artigo 1º, §1º da Lei 9.873/99, ao limitar a interrupção da prescrição aos atos de instrução processual, pode gerar insegurança jurídica, especialmente para a União.

Essa interpretação permite que empresas devedoras se beneficiem da morosidade processual para evitar o pagamento de suas dívidas, prolongando indefinidamente o processo administrativo. Por exemplo, se apenas atos de instrução interrompem a prescrição, a empresa pode protelar o processo evitando a produção de provas ou a realização de perícias, enquanto outros atos, como a juntada de documentos ou a emissão de despachos, não teriam efeito interruptivo.

A interpretação ampla adotada pelo STJ, ao considerar que qualquer ato que impulsione o feito interrompe a prescrição, contribui para a segurança jurídica, pois impede que as empresas se valham de artifícios processuais para protelar o pagamento de suas obrigações. Dessa forma, a União pode cobrar suas dívidas de forma mais eficaz, garantindo a estabilidade das relações jurídicas e a realização dos interesses públicos.

4.3. Finalidade da Prescrição Intercorrente

A prescrição intercorrente tem como finalidade garantir a razoável duração do processo, evitando que ele se prolongue indefinidamente sem uma resolução efetiva. Esse instituto é essencial para assegurar que os processos administrativos não se tornem instrumentos ineficazes, especialmente no que diz respeito à cobrança de dívidas ativas da União.

A interpretação restritiva do artigo 1º, §1º da Lei 9.873/99, ao limitar a interrupção da prescrição aos atos de instrução processual, desvirtua essa finalidade, pois permite que o processo administrativo permaneça estagnado por longos períodos, sem que a prescrição seja interrompida. Por exemplo, se apenas atos de instrução interrompem a prescrição, a administração pública pode se ver impedida de cobrar dívidas antigas, mesmo que o processo esteja em andamento.

A interpretação ampla adotada pelo STJ, ao considerar que qualquer ato que impulsione o feito interrompe a prescrição, assegura que o processo administrativo cumpra sua finalidade de forma efetiva. Dessa forma, a prescrição intercorrente não se torna um obstáculo para a realização dos interesses públicos, mas sim um mecanismo que garante a razoável duração do processo.

4.4. Jurisprudência do STJ

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem consolidado o entendimento de que qualquer ato que impulsione o processo administrativo é suficiente para interromper a prescrição. Um dos julgados mais emblemáticos nesse sentido é o AgInt no REsp n. 1.938.680/RJ, no qual o STJ entendeu que a juntada de documentos ao processo administrativo foi suficiente para interromper o prazo prescricional.

Nesse caso, o STJ destacou que a interpretação ampla do artigo 1º, §1º da Lei 9.873/99 está em consonância com os princípios da eficiência e da segurança jurídica, garantindo que o processo administrativo seja um instrumento eficaz para a cobrança de dívidas ativas da União. A jurisprudência do STJ reforça a tese de que a interpretação ampla é a mais adequada, pois garante a efetividade do processo administrativo e a realização dos interesses públicos.

Além disso, o STJ tem reiterado que a prescrição intercorrente não pode ser utilizada como um instrumento para protelar o pagamento de dívidas, especialmente quando a administração pública demonstra interesse em resolver o caso de forma célere e eficiente.

4.5. Impactos Práticos da Interpretação Ampliativa

A interpretação ampla do artigo 1º, §1º da Lei 9.873/99 traz impactos práticos significativos para o processo administrativo. Em primeiro lugar, ela garante que a administração pública tenha maior flexibilidade para impulsionar o processo, sem se limitar apenas aos atos de instrução. Isso é especialmente importante em casos complexos, que exigem a análise de diversos documentos e a realização de múltiplas diligências.

Em segundo lugar, a interpretação ampla contribui para a redução da litigiosidade, pois evita que as empresas devedoras utilizem a prescrição intercorrente como uma estratégia para evitar o pagamento de suas dívidas. Ao considerar que qualquer ato que impulsione o processo interrompe a prescrição, o STJ assegura que o processo administrativo seja um instrumento eficaz para a realização dos interesses públicos.

Por fim, a interpretação ampla está em consonância com os princípios do direito administrativo, como a eficiência, a segurança jurídica e a razoável duração do processo, garantindo que o processo administrativo cumpra sua finalidade de forma efetiva.

5. Conclusão

A interpretação do artigo 1º, §1º da Lei 9.873/99 tem gerado divergências entre as empresas devedoras e o STJ. Enquanto as primeiras defendem que apenas atos de instrução processual interrompem a prescrição, o STJ entende que qualquer ato que impulsione o feito é suficiente para interromper o prazo prescricional. Este artigo defende a tese do STJ, argumentando que tal interpretação é mais benéfica à União e está em consonância com os princípios da eficiência, da segurança jurídica e da finalidade da prescrição intercorrente. A adoção dessa tese contribui para a efetividade do processo administrativo e para a realização dos interesses públicos. 

Referências Bibliográficas

– BRASIL. Lei nº 9.873, de 23 de novembro de 1999. Dispõe sobre a prescrição e a decadência de créditos tributários e dá outras providências. 

– BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 

– SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Jurisprudência sobre prescrição intercorrente no processo administrativo. 

– MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2019. 

– DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2020. 

– CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2021. 

Este artigo científico busca contribuir para o debate sobre a prescrição intercorrente no processo administrativo, defendendo uma interpretação que priorize a efetividade e a segurança jurídica, em benefício da União e do interesse público.


¹Procurador Federal – AGU
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