A PRESCRIÇÃO DA FALTA DISCIPLINAR NA EXECUÇÃO PENAL: A RELAÇÃO ENTRE O DIREITO ADMINISTRATIVO E A INTERPRETAÇÃO LEGISLATIVA PARA DETERMINAR A PRESCRIÇÃO DAS FALTAS NA EXECUÇÃO PENAL.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10139497


Vinícius Machado Lucas Gomes


1 Resumo

A Jurisprudência é controversa quanto o prazo prescricional da falta grave disciplinar cometida na execução penal. Como demonstrarei há divergência quanto se é aplicável 2 anos, pois essa é a menor prescrição em Direito Penal, ou se é de 3 anos por se tratar do menor prazo prescricional expresso no Código Penal.

Acontece que a legislação mineira, Regulamento e Normas de Procedimentos do Sistema Prisional de Minas Gerais (ReNP), é expressa ao falar da prescrição da punibilidade da sanção disciplinar em seu artigo 664.

Portanto para demonstrar a aplicação da regra expressa no ReNP demonstrarei a natureza administrativa da falta grava; a competência legislativa em direito administrativo; a melhor forma de interpretação da lei administrativa, em correlação com a constituição.

2 Competência legislativa em direito administrativo

A competência legislativa em matéria de Direito Administrativo é concorrente como ensina Alexandre Mazza “A competência para criar leis sobre Direito Administrativo, em regra, é concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal.”¹

A Constituição Federal ao tratar do tema das competências concorrentes fala em seu artigo 24 § 3º que na ausência de lei federal sobre o tema a lei estadual terá competência plena.

Desta forma quando a Lei de Execução Penal é omissa quanto a prescrição das faltas cometidas na execução penal, é plena a competência de legislar sobre o assunto dos Estados. O artigo 664 do ReNP é portanto pleno ao determinar a prescrição da pretensão punitiva da sanção disciplinar. Artigo que segue:

Art.664.Extingue-seapunibilidadedasanção disciplinar, no âmbito administrativo, no prazo de 12
(doze) meses, a partir da data do conhecimento do fato.

3 Natureza jurídica da falta disciplinar na execução penal.

A sansão dada na execução penal não pode ter outra natureza senão a administrativa. Não é por outra causa que o procedimento de apuração é chamado de PAD (procedimento administrativo disciplinar). E é conduzido pelo Diretor do Presídio e não pelo Juiz da Execução como segue em voto do STJ a seguir:

(…) a Lei de Execução Penal não deixa dúvida ao estabelecer que todo o “processo” de apuração da falta disciplinar (investigação e subsunção), assim como a aplicação da respectiva punição, é realizado dentro da unidade penitenciária, sendo de responsabilidade do seu diretor, porquanto é quem detém o exercício do poder disciplinar. Somente se for reconhecida a prática de falta disciplinar de natureza grave pelo diretor do estabelecimento prisional, é que será comunicado ao juiz da execução penal para que aplique determinadas sanções, que o legislador, excepcionando a regra, entendeu por bem conferir caráter jurisdicional.²

É inafastável, portanto, a natureza administrativa da falta disciplinar e com isso a competência legislativa concorrente para legislar sobre o assunto.

4 Da discussão doutrinária e jurisprudencial e as suas impropriedades.

A doutrina e a jurisprudência se dividem entre aplicar a regra da prescrição do código penal contido em seu artigo 109 no seu menor prazo 3 anos, e a aplicação da regra de prescrição da lei de drogas, Lei 11.343/06, para o caso de usuário de drogas, que considera o prazo da prescrição de 2 anos.

4.1 Posição da Doutrina.

A doutrina entende que o prazo prescricional deve ser de dois anos, uma vez que a jurisprudência selecionou o menor prazo penal existente no código penal, a doutrina entendeu que isto seria analogia in malam partem pois adotaria uma posição mais gravosa quando existe uma melhor ao réu no ordenamento. Como exposto no extrato a seguir do livro do Rodrigo Duque Estrada Roig:

O entendimento segundo o qual deve ser aplicada, por analogia, a regra da prescrição do Código Penal, com o menor lapso prescricional previsto, é contudo equivocado. Se a ideia é utilizar o menor prazo prescricional, deveria na verdade ser o menor prazo prescricional possível para um crime, que não é o de 3 anos do Código Penal, mas sim o prazo de 2 anos (art. 30 da Lei n. 11.343/2006) previsto para os delitos tipificados no art. 28 da Lei n. 11.343/2006 (condutas de adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo drogas para consumo pessoal, ou ainda, semear, cultivar ou colher, para consumo pessoal, plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica).³

Discordo desta posição por considerar que ela ignora o princípio da especialidade legislativa, no qual uma regra mais específica deverá ser aplicada ao caso específico. Desta forma a prescrição em geral não pode ser estipulada por uma regra só aplicável a um caso específico, se assim o fosso feriria toda a teleologia da norma jurídica.

Portanto me parece equivocado o argumento da doutrina em se considerar o prazo menos de dois anos para a prescrição, e ainda mais, o argumento ignora a maior dificuldade desta jurisprudência, que demonstrarei a seguir.

4.2 Posição da Jurisprudência

HABEAS CORPUS Nº 181.712 – RS (2010/0146334-4)
Com efeito, o entendimento pacificado em ambas as Turmas que julgam a matéria criminal nesta Corte Superior é no sentido de que diante da ausência de um prazo prescricional específico para apuração de falta disciplinar, deve ser adotado o menor prazo prescricional previsto no art. 109 do Código Penal, ou seja, o de três anos para fatos ocorridos após a alteração dada pela Lei nº 12.234, de 5 de maio de 2010, ou 2 anos se a falta tiver ocorrido antes desta data. 4

HABEAS CORPUS Nº 181.712 – RS (2010/0146334-4)
Da mesma forma, improcedente a alegação de prescrição com base no Regimento Disciplinar Penitenciário do Estado do Rio Grande do Sul (Decreto nº 46.534, de 04 de agosto de 2009), uma vez que não é competência do Regimento Disciplinar Penitenciário do Estado disciplinar a prescrição em matéria penal, razão pela qual denego essa parte do pedido.5

O trecho da decisão acima expõe a posição da jurisprudência de aplicar analogicamente o prazo de prescrição do Código Penal afastando a normas Estaduais que regulam o procedimento administrativo.

Como já defendido há uma completa confusão quanto a natureza jurídica do procedimento administrativo. Conferindo a natureza penal a tal procedimento, o judiciário cairia em contradição, pois, umas das causas de falta grave é o cometimento de novo crime. Tal entendimento e uma violação ao princípio do non bis in idem, porque, além da punição do crime ele teria a da falta grave aplicada à execução da pena, e, desta forma, o agente seria punido duas vezes pelo mesmo fato.

Fazendo um paralelo, com a finalidade de melhor esclarecer, seria como se a jurisprudência aplicasse a prescrição do crime de sonegação de imposto no processo administrativo de cobrança desse.

Portanto, o prazo prescricional do Código Penal é inapropriado para o prazo prescricional da falta disciplinares na execução penal, seja qual for o prazo, pois não considera a natureza jurídica sanção.

5 Posição defendida

5.1 Analogia ou Validade

Bobbio, Noberto
Entende-se por ‘analogia’ o procedimento pelo qual se atribui a um caso não-regulamentado a mesma disciplina que a um caso regulamentado semelhante6

A prescrição da falta disciplinar não é caso de analogia nos termos ensinados por Bobbio, porque a medida só é aplicável na ausência de norma que regulamente a situação. O ReNP é norma estadual que regulamenta o caso, inexistindo assim o argumento de analogia defendido tanto pela jurisprudência como pela doutrina. O argumento correto é o da interpretação integral do ordenamento jurídico conforme a constituição, como ensina Kelsen a ordem jurídica é escalonada, de forma que uma norma jurídica busque a sua condição de validade na outra.

Hans Kelsen

2. A estrutura escalonada da ordem jurídica

a) A Constituição

…Como, dado o caráter dinâmico do Direito, uma norma somente é válida porque e na medida em que foi produzida por uma determinada maneira, isto é, pela maneira determinada por uma outra norma, esta outra norma representa o fundamento imediato de validade daquela.

c) Lei e decreto

O escalão da produção de normas gerais – regulada pela Constituição – é por sua vez geralmente subdividido, na conformação positiva das ordens jurídicas estaduais, em dois ou mais escalões7

O ReNP é norma estadual mas possui a sua validade conferida pela norma constitucional em seu artigo 24 § 3o que seguirá abaixo. Portanto, ele é plenamente aplicável ao caso de faltas graves no Estado de Minas Gerais pois essa é a validade que foi conferida pela Constituição.

Constituição Federal
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
§ 3o Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

Desta forma, não há o que se falar em analogia com o Código Penal, ou com a Lei 11.343/06, ou até mesmo com o ReNP, porque não há lacunas no ordenamento, o caso é de interpretação conforme a constituição, considerando o ordenamento jurídico como todo, e atentando para a natureza jurídica da matéria, é possível ver que o Estado possui competência de legislar sobre o assunto da prescrição do procedimento administrativo disciplinar.

5.2 Legalidade Administrativa e a aplicação de Lei Estadual ou Federal.

Atentando que a matéria é administrativa, e que não havendo lei federal que regulamente o assunto, pode restar a dúvida de o porquê não aplicar o Decreto 6.049/2007 (Regulamento Penitenciário Federal). Ocorre nesta situação uma particularidade do direito administrativo melhor explicada pelo grande doutrinar José dos Santos Carvalho Filho, que segue:

Carvalho Filho, José dos Santos
Decorre do sistema federativo o princípio da autonomia de seus entes integrantes na organização político-administrativa do Estado, que, nos termos do art. 18 da CF, compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. A autonomia dos entes integrantes demonstra que são eles dotados de independência dentro dos parâmetros constitucionais e que as competências para eles traçadas na Constituição apontam para a inexistência de hierarquia entre eles. Gozam, pois, do que se denomina de poder de autodeterminação.
Como se pode observar, são indissociáveis as noções de federação e autonomia das pessoas federativas nos termos pautados na Constituição Federal, e é a autonomia que atribui aos entes da federação os poderes de auto constituição, autogoverno, auto legislação e autoadministração.8

Como exposto por José dos Santos Carvalho Filho os Entes Federados possui a capacidade de autolegislação, desta forma, cada um produz a lei aplicável à sua Administração. Por isso a lei federal que regulamenta os presídios federais não pode ser aplicada aos presídios estaduais pois feriria o princípio da autonomia dos Entes Federados.

Concluindo a interpretação mais correta seria a aplicação da lei estadual no caso. E, inexistindo essa lei no estado, ocorreria o caso de lacuna no ordenamento, devendo este ser preenchido por analogia. Porém, nessa analogia deve-se aplicar o Decreto 6.049/2007 e não do Código Penal porque, como ensinado por Noberto Bobbio, é a norma que regulamento caso semelhante.

6 Conclusão

O exposto não deixa nenhuma margem para uma conclusão diversa da aplicação do ReNP para a prescrição da falta grave da execução penal, apurada pelo procedimento disciplinar administrativo. Isso porque a interpretação do ordenamento jurídico que leve em consideração a natureza jurídica deste procedimento não deixo margem para a aplicação de norma diversa.


¹Mazza, Alexandre Manual de direito administrativo / Alexandre Mazza – 7 ed. São Paulo : Sairava, 2007 pg 72.
²Cf. STJ – Voto do Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE no AgRg no REsp 1251879 RS, 5a Turma, DJe 19/12/2013.
³Execução penal : teoria crítica / Rodrigo Duque Estrada Roig. – 2. ed. – São Paulo : Saraiva, 2016.
4HABEAS CORPUS No 181.712 – RS (2010/0146334-4)
5HABEAS CORPUS No 181.712 – RS (2010/0146334-4)
6Teoria do Ordenamento Jurídico/Noberto Bobbio Editora universidade de Brasília 8a ed. 1996 pg 151
7Teoria pura do direito / Hans Kelsen ; [tradução João Baptista Machado]. 6a ed. – São Paulo : Martins Fontes, 1998 pg. 155
8Manual de direito administrativo / José dos Santos Carvalho Filho. – 31. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017.