REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7650340
Pedro Gustavo Cavalcanti Soares1
Jean Bezerra de Moura2
RESUMO
Nas últimas décadas, o mundo assistiu a profundas transformações no modo de produção, especialmente a partir do processo de financeirização e mundialização da economia, levando a novos modos de trabalho e vida, que trazem no bojo flexibilização e precarização do trabalho. De outro modo, atualmente, as tecnologias avançam cada vez mais a patamares elevados, promovendo o surgimento de novas modalidades de relações de trabalho. Nesse cenário, surgiu o fenômeno da uberização do trabalho, o qual está intrinsecamente relacionado às inovadoras formas de gestão flexível e informal, enquanto, por outro lado, intensifica a precarização do trabalho. Neste artigo, busca-se lançar as bases teóricas, fundamentadas em Mészáros e Antunes, para a defesa do seguinte argumento: a informalidade nos contratos uberizados com motoristas de aplicativos proporciona a precarização da relação de trabalho. Em suma, a precarização traduz-se como um fenômeno que pode ser identificado por meio da informalidade, decorrente do desemprego crônico e estrutural.
Palavras-chave: Uberização. Informalidade. Relações de Trabalho. Precarização.
ABSTRACT
In recent decades, the world has witnessed profound transformations in the mode of production, especially from the process of financialization and globalization of the economy, leading to new ways of work and life, which bring flexibility and the precariousness of work. On the other hand, currently, technologies are advancing to higher levels, promoting the emergence of new types of work relationships. In this scenario, the phenomenon of the uberization of work emerged, which is intrinsically related to innovative forms of flexible and informal management, while, on the other hand, it intensifies the precariousness of work. In this article, we seek to lay the theoretical foundations, based on Mészáros and Antunes, for the defense of the following argument: informality in uberized contracts with app drivers leads to the precariousness of the employment relationship. In short, precariousness translates as a phenomenon that can be identified through informality, leading to chronic and structural unemployment.
Keywords: Uberization. Informality. Labor Relations. Precariousness.
1. INTRODUÇÃO
Os avanços tecnológicos das últimas décadas passaram a proporcionar impactos profundos nas práticas de produção e nos modos de gestão do trabalho. Tal movimento do capital financeiro é um verdadeiro divisor de águas para o que se entende atualmente por gestão empresarial ligada às relações de trabalho, pois não impactou somente o ambiente empresarial – utilizando-se para isso da tecnologia da informação, de novos e eficientes maquinários, de transações comerciais junto aos consumidores – como também promoveu o surgimento de novas modalidades de relações de trabalho, além de fomentar o avanço do setor de serviços.
Nesse cenário, surgiu o conceito de economia compartilhada enquanto modelo de consumo alternativo, que por sua vez, também abriu portas para um novo sistema que conecta pessoas desconhecidas e gera negócios a partir dessa conexão, fundamentado pela troca e pelo compartilhamento de serviços ou itens, sem ser necessário obter a sua propriedade de fato.
O componente elementar catalisado pelas plataformas de compartilhamento são as novas formas de espargir o trabalho sem com isso deixar de ter o comando sobre ele, gerando uma falsa sensação de autonomia para os trabalhadores que aderirem e que, na grande maioria, trata-se de mão de obra desempregada que necessita buscar novas formas de manutenção de suas necessidades, ou ainda uma complementação dos seus rendimentos, diante do contexto capitalista existente.
De maneira mais específica, nessa conjuntura, o surgimento dos aplicativos de transportes individuais tem despertado o interesse de pesquisadores sociais internacionalmente, no que concerne às suas consequências para as relações de trabalho da atualidade, haja vista suas repercussões em face da vida dos trabalhadores e da sociedade como um todo. Entretanto, ocasiona, de outro modo, prejuízos à consistência advinda do trabalho formal, bem como aos direitos trabalhistas outrora conquistados a duras penas.
Sob a luz das ideias de Mészáros e Antunes, o presente trabalho analisa a informalidade existente nos contratos uberizados com motoristas de aplicativos, sendo este um elemento ensejador da precarização do trabalho, ao tempo que denota suposta forma de gestão inovadora, ainda que não regulamentada.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. A Precarização do trabalho no contexto da crise estrutural do capital
Inicialmente, é importante destacar o conceito de capital e capitalismo trazido por Mészáros (2002), demonstrando que são entes diversos. O capital, enquanto relação social, antecede o capitalismo. O capital é um modo de controle do metabolismo social, das relações sociais. Assim já havia capital antes da existência do capitalismo.
(MÉSZÁROS, 2002).
Conforme destaca o autor acima citado, o capital vem suportando uma crise estrutural que afeta todas as esferas de produção e reprodução social, diante da interferência Estatal na vida social com um exacerbado potencial destrutivo, pois há uma inerente disjunção, cada vez mais expansiva, entre a produção para atender as necessidades sociais e a autorreprodução alienada e incontrolável do capital.
O sistema do capital é composto por um tripé: trabalho assalariado, Estado e capital, que se estruturam com a finalidade exclusiva de garantir que o capital esteja sempre em expansão. Consequentemente, esta necessidade expansionista gera uma massa de trabalhadores subjugados, equiparados a “maquinaria produtiva do capital” (MÉSZÁROS, 2002).
Entretanto, essa massa de trabalhadores, ao mesmo tempo que produz é também consumidor de sua própria produção. E como a força de trabalho é também considerada mercadoria para o sistema capitalista, também é facilmente descartada, ensejando um desemprego estrutural.
Desta forma, há uma redução do uso tanto do capital produtivo, das mercadorias e da força de trabalho, ocasionando limites frequentes para atuação do sistema e consequentemente, uma crise estrutural do capital.
Infelizmente, nessa crise estrutural do capital, esta propensão opera corroendo a ordem, tendo em vista que a diminuição do uso, tanto do capital de produção, dos bens e da força laboral, impulsiona o sistema progressivamente de encontro aos limites por si geradas do desemprego crônico, isto é, posicionam o sistema frente à um importante limite absoluto, conforme ensina Mészáros (2002).
Entretanto, ainda de acordo com Mészáros (2002), este fenômeno do desemprego crônico, gerado pela crise estrutural do capital, adquire proporções globais e próprio sistema capitalista não é capaz de solucionar tal problemática; por outro lado, ao tentar solucioná-lo, intensifica. O que o sistema consegue apresentar em contrapartida à situação do desemprego estrutural causado pela ordem do capitalismo é com mais geração de capital. Em outras palavras, aumentando a exploração desmedida sobre a mão de obra pelos instrumentos da mais-valia absoluta e mais valia relativa (MÉSZÁROS, 2002).
Assim, além de serem rodeados de uma crescente precarização do trabalho com diminuição da remuneração, dos direitos trabalhistas, da amplificação do trabalho em regime temporário, parcial e, inclusive do trabalho fora dos moldes formais, a solução apresentada pelo sistema apenas provoca o aprofundamento do problema, pois o aumento da exploração dos trabalhadores, no limite, causa mais desemprego, pela conhecida predisposição do capital de investimento progressivo em termos relativos no capital constante em desfavor do capital volátil. Finalmente, tem-se que o destino reservado a esse número crescente de desempregados que decidirem manifestar-se contra o sistema é a repressão, em especial, por intermédio da força (MÉSZÁROS, 2002).
Ainda no âmbito da crise estrutural do capitalismo mundial, Antunes e Druck (2020, p. 157-158) apontam que:
Trata-se de uma hegemonia da ‘lógica financeira’ que, para além de sua dimensão econômica, atinge todos os âmbitos de vida social, dando um novo conteúdo aos modos de trabalho e de vida, sustentados na volatilidade, na efemeridade e na descartabilidade sem limites. É a lógica do curto prazo, que incentiva a ‘permanente inovação’ no campo da tecnologia, dos novos produtos financeiros e da força de trabalho, tornando obsoletos e descartáveis os homens e mulheres que trabalham. São tempos de desemprego estrutural, de trabalhadores e trabalhadoras empregáveis no curto prazo, por meio das (novas e) precárias formas de contrato, em que terceirização, informalidade, precarização, materialidade e imaterialidade são mecanismos vitais, tanto para preservação quanto para a ampliação da sua lógica. (ANTUNES e DRUCK, p. 157-158)
De outro modo, já tratando da fenomenologia da precarização, os mesmos autores traçam os modos de ser desta:
Uma fenomenologia preliminar dos modos de ser da precarização demonstra a ampliação acentuada de trabalhos submetidos a sucessivos contratos temporários, sem estabilidade, sem registro em carteira, dentro ou fora do espaço produtivo das empresas, quer em atividades mais instáveis, quer nas temporárias, quando não na situação de desemprego. Crescentemente, a busca da ‘racionalidade instrumental’ do capital vem impulsionando as empresas à flexibilização das relações de trabalho, da jornada, da remuneração, reintroduzindo novas relações e formas de trabalho que frequentemente assumem feição informal. (ANTUNES e DRUCK, p. 160)
Essa supremacia incontestável do capital sobreleva-se à conjectura estritamente financeira do mercado e alcança de forma cada vez mais intensa todos os cenários da vida social, dando contornos a um novo modo de como trabalhar e de como viver. Trata-se de uma celeridade inédita do tempo social, fundamentado na instabilidade, efemeridade e descartabilidade ilimitadas de tudo o que é produzido e, especialmente, daqueles que produzem – ou seja, os homens e mulheres que vendem sua força de trabalho para viver.
É esse fato, portanto, que dá novas formas à flexibilização e, sobretudo à precarização do labor, que se transformam constantemente, assumindo novas dimensões e ferramentas utilizadas. Nesse sentido, a sociedade que preza pelo curto prazo – como elemento basilar dos investimentos financeiros – institui processos dinâmicos de produção e de trabalho, e, para que isso seja possível, é imprescindível que o sistema conte com a força de trabalho de sujeitos que se submetam a quaisquer que sejam as condições, para desse modo servir ao novo ritmo e às rápidas transformações.
Nesse ínterim, a precarização do trabalho se estabelece como uma ferramenta indispensável na dinâmica de flexibilidade ordenada pelas novas forças de produção e econômicas do capital, ainda que a elevada flexibilização do mercado de trabalho represente a possibilidade de transferência de riscos, responsabilidades e custos do trabalho diretamente dos empregadores para os trabalhadores e para o Estado, de acordo com Antunes (2020). Ainda de acordo com o pensamento desse pesquisador, essas ocupações precarizadas já não são resultado da inexistência de crescimento da economia de um país, mas são, na realidade atrelados ao próprio modelo de crescimento adotado. Em diversas nações em desenvolvimento, o trabalho precarizado não é somente o resultado de uma implacável, quase automática, substituição da segurança pela flexibilidade, mas na verdade se traduz como uma parte indispensável da estratégia de desenvolvimento proposta pelo sistema capitalista.
É nesse cenário, definido por um processo em que é constante a tendência de precarização estrutural do trabalho, causada pela crise estrutural do capital, que os capitais globais estão demandando que seja desarticulada e desmontada a legislação de proteção trabalhista, posto que os direitos atrelados à classe trabalhadora e à proteção social são compreendidos, pelo capital, como impedimentos à competitividade do mercado (MESZÁROS, 2002). Dessa forma, seguridade social, regulamentação do trabalho e a existência de sindicatos são definidas como as principais motivações das dificuldades econômicas em períodos de crise global (ANTUNES, 2020). Contudo, ao flexibilizar e desmontar todas as garantias legais do trabalho, o sistema está, em outras palavras, tentando amplificar as formas de precarização e destroçar os direitos trabalhistas que foram penosamente alcançados pela classe trabalhadora.
Finalmente, conforme Mészáros (2002) sempre recorda, resta evidenciar que a institucionalização continuada dos meios, materiais e força de trabalho como propriedade pelo capital deve ser compreendida como um aspecto suplementar da hegemonia do capital em face do trabalho. O ponto basilar que justifica a precarização do trabalho no contexto da crise estrutural do capital, como já deve ter restado evidente, é o controle completo e absoluto do processo de trabalho, o qual somente é corroborado pela propriedade privada dos meios de produção. Especialmente por este ponto, é necessário ter o entendimento de que a “expropriação dos expropriadores” é somente um dos requisitos das mudanças necessárias para que seja possível a suplantação do capital, enquanto ferramenta de controle da sociedade.
2.2. A precarização das relações de trabalho de motoristas de aplicativos, por meio da uberização
Desde o início da era capitalista é possível observar diversas batalhas entre o capital e a classe trabalhadora pelo reconhecimento de seus direitos e pela consubstanciação de relevantes políticas sociais na esfera da qualidade de vida no trabalho.
Durante a Revolução Industrial, verificou-se o surgimento do processo de conscientização dos trabalhadores quanto aos seus próprios interesses e de suas condições de vida, possibilitando, assim, a criação dos sindicatos e dos partidos de cada classe operária.
Outrossim, desde essa época, o desemprego sempre figurou como uma ameaça aos trabalhadores, colocando-os a todo momento em uma constante disputa por um lugar no mercado de trabalho. A concorrência entre os trabalhadores repercute diretamente na diminuição da despesa com sua mão de obra, especialmente quando pressionados por esta população sobejante que não é contratada. Nesse diapasão, os países capitalistas adotaram um movimento, tal como afirma Fontes (2017), ligado à redução do intervencionismo Estatal nas relações de trabalho, aumentando a contenção do grupo crescente de trabalhadores desempregados, de modo a subordina-los à produção do capital.
De acordo com Oliveira (1997), o surgimento de “milhares de pseudo-pequenos proprietários” é entendido não como um fato excepcional, mas como uma consequência do sistema capitalista. Tal fenômeno enseja, consequentemente, em relações contratuais, nas quais os sujeitos vulneráveis assumem os riscos no negócio. Essa transmissão de risco se consubstancia por meio de trabalho informal e por pequenos empreendimentos, que também representam uma composição informal do mercado de trabalho.
A princípio, realizar a prospecção de uma verdadeira multidão de trabalhadores que passa a ser gerenciada através da administração algorítmica também é enfrentar o árduo exercício de definir grupos de análise sobre o mundo do trabalho a partir de óticas da periferia. Trata-se, nesse caso, de observar modos de vida apartados de uma divisão sólida entre trabalho formal e informal, constituídos por uma passagem contumaz entre emprego, bico, inserção em programas sociais, empreendimento familiar, atividades legais e ilegais (TELLES, 2006; FELTRAN, 2014). Nesse cenário tão comum, conjugam-se diferentes ocupações e atividades que podem nem mesmo ser compreendidas como trabalho, mas se efetivam como tais, no viés da realidade enfrentada por muitos (ABÍLIO, 2014). Os arranjos rotineiros e as urbanidades são concebidas externamente ao mercado de trabalho, não se realizam por meio de trocas monetárias, mas integram o mundo do trabalho e os tecidos da reprodução social periférica (VIEIRA, 2006).
Nesse contexto, a precarização do trabalho, no cenário da sociedade capitalista, não se trata de uma novidade. Atualmente, a inovação está relacionada à implantação da tecnologia como mediadora das relações de trabalho.
Nas conjunturas do capitalismo, a aplicação da tecnologia, ao mesmo tempo que pode provocar um crescimento na precarização das condições empregatícias, mantêm um pseudo sentimento de liberdade e autonomia pelo fato de inexistir, ou não ser identificável, a figura do chefe. Ao passo em que se intitula como uma relação contratual autônoma, a uberização se utiliza de mecanismos de controle, fiscalização e gerenciamento das atividades de trabalho. Para Abílio (2017) isso significa uma transformação cimentada do trabalhador em um nano-empreendedor de si mesmo.
Para Antunes (2014, p. 53), “o incremento tecnológico, as novas formas de organização da produção e a introdução ampliada da terceirização acabaram por acarretar altos níveis de desemprego e subemprego”. O autor, na esteira de Mészáros (2002), defende que as formas precarizadas de contratação de trabalhadores tendem a aumentar em uma conjuntura de taxas elevadas de desemprego, tendo em vista que os trabalhadores sempre buscam se manter trabalhando, ainda que não seja com as condições devidas e sem as garantias legais de um contrato formal de trabalho. Nesse cenário, de toda forma, o trabalhador acaba por se sujeitar a atividades precárias, face à necessidade que se impõe.
Com o progresso tecnológico associado à competição intercapitalista, as plataformas digitais de trabalho são compreendidas como nuances do capital, em que a lógica de operação delas consiste em comprar o tempo das pessoas e fazer uso efetivo do tempo e da força de trabalho autônoma. O trabalho Uberizado, caracterizado pela utilização das plataformas digitais, provoca a subsunção do trabalhador ao serviço, considerando que estas se apresentam como uma nova maneira de produzir os meios necessários e suficientes ao prestador do serviço. É pela utilização da plataforma, portanto, de modo centralizado, que a engrenagem do trabalho Uberizado é definida (ANTUNES, 2019).
Por conseguinte, se faz necessário as empresas uberizadas que conectam motoristas de aplicativos são empresas de transporte de passageiros e não simplesmente empresas de tecnologia que se resumem somente ao aplicativo que disponibiliza para os usuários. O aplicativo é justamente a sua interface de intermediação da mão de obra, o instrumento utilizado para externar seu controle sobre a prestação de serviços que, embora ocorra de forma descentralizada, é tão vigorosa quanto a presencial.
A uberização do trabalho se manifesta por meio da aplicação da tecnologia no mundo, sem qualquer preocupação com o bem-estar laboral do trabalhador, ensejando a precarização do trabalhador, pois normalmente, são modelos de trabalho sem qualquer regulamentação e proteção legal. O trabalhador, inserido na lógica do processo de uberização, passa a ser responsável por todas as suas ferramentas de trabalho, bem como pela sua manutenção, assumindo todo e qualquer risco da atividade.
As atividades uberizadas, podem ser definidas como contratos atípicos de trabalho e normalmente, são mais frágeis que os vínculos empregatícios, por possuírem características peculiares, como curto tempo de permanência, menor nível de rendimento do trabalho, remunerações inferiores e maior adesão por jovens e pessoas com baixa ou nenhuma escolaridade.
Na prática, o trabalhador movido pelo ideal de oportunidade e desejo de uma maior liberdade, autonomia e empreendedorismo se submete à redução de garantias adquiridas constitucionalmente, no que concerne à dignidade do trabalhador.
Nesse contexto, a uberização é um fenômeno atrativo para mão de obra que não foi inserida pelo mercado de trabalho formal. No entanto, aprofundando o estudo sobre propensões do mercado de trabalho, concorrência capitalista e evoluções tecnológicas, pode-se verificar que empresas uberizadas demonstram uma primazia competitiva comparada às empresas em moldes tradicionais, fato que, de certo modo, tendem a provocar uma desvalorização dessas organizações nas searas em que atuam e/ou a modificação delas para modelos semelhantes de execução de suas atividades. Desse modo, há a predisposição de aumento progressivo desse modo de relação de trabalho, a qual representa uma facilitação para a acumulação capitalista ao mesmo passo em que também apresenta um aumento da precarização das garantias trabalhistas existentes nos tipos tradicionais de trabalho, com aumento dos riscos do negócio transferidos ao próprio trabalhador.
Diante deste contexto a precarização das relações de trabalho está marcada pela existência de uma atividade informal, em que os trabalhadores assumem o risco cotidiano para garantirem sua subsistência, sem qualquer proteção legal, ficando expostos e ainda mais vulneráveis ao sistema capitalista.
2.3. A Informalidade como elemento da precarização nos contratos uberizados com motoristas de aplicativos
O trabalho sem regulamentação afeta de forma negativa os trabalhadores por não possuir nenhuma segurança jurídica e não fornecer garantias fundamentais. A informalidade se refere a ausência de normas que regulamentem as relações contratuais de trabalho, tanto no aspecto individual por meio de instrumentos contratuais que visem garantias para realização das atividades dos motoristas, como no aspecto coletivo, por meio de normas gerais que proporcionem a garantia dos direitos trabalhistas.
A Informalidade gera a insegurança, a ansiedade e o medo constante de perder o trabalho, tendo em vista que o trabalhador não é detentor das garantias às quais fazem jus àqueles inseridos nos empregos formais, como qualificação, aquisição de habilidades profissionais, renda adequada, previsão de manutenção e continuidade na relação de trabalho, proteção em caso de infortúnios laborais e também a inserção no meio social. Para Antunes (2020), as novas formas de trabalho flexíveis são marcadas pela exploração, que pode ser percebida pelas “piores condições de trabalho, pela jornada de trabalho maior e pela ausência de direitos”.
Desta forma, a informalidade é um problema social que marca os trabalhadores brasileiros, ensejando a precarização do trabalho.
O contrato dos motoristas de aplicativos com as empresas plataforma é formalizado unicamente por meio de cadastro no aplicativo, momento em que o trabalhador apenas aceita os Termos de Uso determinados pelas empresas. Assim, não há um contrato formal, nem assinatura de carteira de trabalho ou qualquer contrato de prestação de serviços que garanta direitos, proteção ou benesses em caso de necessidade para os motoristas.
As empresas também não fornecem qualquer auxílio quanto às despesas enfrentadas pelos motoristas para realização da atividade, de modo que esses custos provocam uma redução dos seus ganhos, posto que além desses custos inerentes à atividade, os motoristas ainda têm que arcar com o pagamento da taxa por utilização do aplicativo.
O trabalho de transporte de pessoas é produto de uma sociedade que possui, dentre outros problemas, um mercado de trabalho marcado pela informalidade e cidades com precária mobilidade. Ao contrário do que muitos imaginam, o trabalhador que transporta pessoas utilizando-se de aplicativos é apenas uma das expressões de um mercado de trabalho que põe nossa classe trabalhadora, em geral, numa constante situação precarizada.
Ademais, o contrato de motoristas de aplicativos, refere-se a um modelo extremamente novo de trabalho, informal e tecnológico e que, diante de tal fato, não possui inserção na legislação brasileira, fugindo aos moldes de trabalho até então conhecidos e regulamentados.
No Brasil, os contratos de trabalho uberizados com motoristas de aplicativo não são reconhecidos como vínculos empregatícios, mas como trabalho autônomo, em que os motoristas possuem ampla liberdade para contratarem com a plataforma digital, a fim de se conectarem com usuários que queiram receber os seus serviços de transporte de passageiros.
De toda forma, os atos praticados pelas empresas-aplicativo refletem um trabalho subordinado, visto que a empresa se utiliza de algoritmos, programas de controle e comando digital processa grandes quantidades de informações, controlando toda a forma de trabalho dos motoristas parceiros e direcionando o trabalho segundo sua demanda. Resta indubitável o controle da atividade econômica, do início ao fim, pelas empresas-aplicativo.
Entretanto, os contratos com motoristas de aplicativo não são regulamentados por lei própria e sequer são protegidos pelas normas celetistas e previdenciárias, proporcionando insegurança jurídica aos trabalhadores que se vinculam a normas e controle fixado pelas empresas uberizadas, sem qualquer proteção legal, diante da informalidade existente.
É certo que já existem projetos de lei em tramitação, para regulamentação dos contratos uberizados com motoristas de aplicativos, como o projeto de Lei n. 974/2021, de autoria do senador Randolfe Rodrigues, mas, conforme entendimento majoritário do judiciário brasileiro, diante da informalidade existente, pela ausência de normas específicas, não há como se reconhecer a proteção celetista à tais trabalhadores.
Nesse sentido, diante da inexistência de qualquer lastro de formalidade em que se baseie essa categoria de trabalho, é um claro traço de precarização, haja vista que provoca a mitigação da dignidade do trabalhador.
Vale registrar que a proteção legal, por meio da formalização contratual promove a capacidade do cidadão buscar expressamente a garantia de seus direitos.
Ademais, a informalidade não se retrata somente por meio da ausência de leis, mas também pela inexistência de normas que possam ser enquadradas e aplicadas por analogia para estas novas relações de trabalho.
Desse modo, a informalidade existente nos contratos com trabalhadores uberizados, está diretamente associada à precarização de seu labor. Estes, quando sem condições de trabalhar no mercado formal, buscam fontes de renda na economia informal, mesmo que não haja amparo jurídico no exercício de suas atividades. Assim, a economia moderna promove a fragmentação do trabalho com o surgimento de novos segmentos e, consequentemente, promovem a precarização do trabalho. Em outras palavras, uma grande parcela do desemprego é resultado da dispensa do titular de emprego formal, substituído pelo emprego informal ou pela tecnologia, que extingue o posto de trabalho tornado vago pela dispensa.
Neste contexto, a informalidade gera precariedade nesta relação de trabalho, haja vista que tais trabalhadores ficam desprotegido legalmente de toda e qualquer proteção social. Caberia ao Estado conceder-lhes, pelo menos, um mínimo de proteção e dignidade que sejam compatíveis com as garantias previstas na Constituição Federal (art. 1º, IV, e art. 6º, ambos da CF/88).
Já existem países caminham no sentido de, pelo menos, minimizar a precariedade dessa relação, conferindo direitos a esses trabalhadores para que não se quedam em verdadeiro limbo trabalhista e previdenciário. Assim ocorreu no Reino Unido que, em decisão recente, a Suprema Corte (Uber BV and others v Aslam and others On appeal from: [2018] EWCA Civ 2748) concedeu aos motoristas de aplicativos direitos trabalhistas, os quais foram, posteriormente, estendidos à categoria que passará a ter direito a salário mínimo, férias e aposentadoria.
Importante destacar que para Mészáros (2002), o emprego regulamentado, alcançado após diversas revoluções trabalhistas, que até então representava predominância na indústria, é, agora, em significante parcela das vezes, suprimido por trabalhos autônomos ou temporários marcados por uma maior instabilidade.
A ausência de direitos, especialmente diante do não reconhecimento do vínculo empregatício entre motoristas e plataformas, é considerada um dos elementos centrais da Uberização, o que faz com que trabalhadores fiquem desprovidos de direitos historicamente conquistados. (ANTUNES, 2020; MÉSZÁROS, 2002).
Nesse sentido, a ausência de proteção jurídica diante do contexto capitalista expõe ainda mais os trabalhadores que se vêem necessitados de manter um contrato de trabalho para garantir um mínimo de condição para sua subsistência.
Portanto, resta evidente que essa relação de trabalho é diferente de todas aquelas que tinham sido vivenciadas anteriormente, sendo a condição atual geradora de instabilidade, pois não há nenhuma garantia trabalhista. Nesse sentido, Antunes (2020) expõe que essa é uma das novas formas de exploração do trabalho travestida de inovação e empreendedorismo, principalmente por gerar a falsa sensação de autonomia num contrato informal e consequentemente, precário.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme observado, a informalidade dos contratos uberizados com motoristas de aplicativos promove a precarização destas relações trabalhistas. Este fenômeno gera impacto na gestão empresarial, diante das mudanças socioeconômicas provocadas pelas constantes inovações tecnológicas e crise estrutural do capitalismo mundial.
Neste contexto, com base nos estudos de Antunes (2020), pode-se afirmar que a precariedade proporciona insegurança e a falta de garantias legais para dignidade do trabalhador, haja vista que a tecnologia, como elemento agregado neste tipo de contrato, tem sido utilizada gradativamente para a criação de novas formas de controle do trabalho. Por sua vez, o capital se utiliza dessas novas formas para explorar cada
vez mais a mão de obra do trabalhador, atrelando a ele uma falsa autonomia, ao mesmo tempo em que a sua organização estruturalmente o subordina e controla.
Finalmente, o trabalho dos motoristas das empresas-aplicativo se trata de mais uma modalidade de labor que acompanha a estratégia do capitalismo, indicando a existência um trabalho precário e degradante em vários aspectos, pois combinam ausência de segurança, exploração, sujeição indiscriminada, além do sequestro do tempo e da subjetividade do indivíduo. Diante de todo esse cenário, compreende-se que a Informalidade é fator essencial para proporcionar a precariedade desta relação de trabalho, marcada pela exploração de trabalhadores, sem qualquer amparo jurídico trabalhista, pois toda e qualquer classe trabalhadora deve ser detentora de direitos e dignidade mínima, sem que tenha que ser submetido a jornadas exaustivas e ausência de qualquer proteção para que possa prover o seu sustento.
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1Graduado em Relações Internacionais, Mestre e Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com estágio doutoral na Durham University (Inglaterra). Professor do Centro Universitário Boa Viagem (UniFBV/Recife).
2Graduado em Direito pelo Centro Universitário Tabosa de Almeida (Asces Unita), Mestre em Gestão Empresarial pelo Centro Universitário Boa Viagem (UniFBV/Recife).