A PRÁTICA DA REDUFLAÇÃO NA PERSPECTIVA DA PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR

THE PRACTICE OF REDUFLATION FROM THE PERSPECTIVE OF CONSUMER PROTECTION

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202501101901


Wiliane Maradja Bezerra de Araújo1
Fabrício Germano Alves2


RESUMO

A prática de reduzir a quantidade de produto dentro das embalagens habituais, sem o devido aviso, é conhecida como “reduflação” e vem se tornando cada dia mais presente no cotidiano do consumidor brasileiro. Contudo, ocorre que a relação de consumo no Brasil está resguardada por leis, desde a própria Constituição Federal, que visam proteger o consumidor, elo vulnerável, como também é o caso do Código de Defesa do Consumidor. Neste âmbito, o presente artigo buscou analisar, a partir do Código de Defesa do Consumidor, da Jurisprudência e da Doutrina ligados à relação consumerista, se tal estratégia comercial é lícita ou ilícita. Concluiu-se que a reduflação é uma estratégia comercial que fere diretamente o direito à informação e a boa-fé, pode-se afirmar que ela deve ser entendida como uma prática abusiva e ilícita. No mais, considerando o entendimento do STJ, a prática pode ser equiparada à publicidade enganosa por omissão, prática também ilícita vedada explicitamente pelo art. 37, caput do CDC. 

Palavras-chave: Reduflação. Direito do consumidor. Práticas abusivas. Direito à informação.

ABSTRACT

The practice of reducing the quantity of product within the usual packaging, without due warning,It is known as “reduflation” and is becoming more and more present in the daily lives of Brazilian consumers. However, it turns out that the consumer relationship in Brazil is protected by laws, which aim to protect the consumer, a vulnerable link in this situation, as is the case with the Consumer Code. In this context, this article sought to analyze, based on the Consumer Protection Code, Jurisprudence and doctrine linked to consumer relations, whether such a commercial strategy is legal or illegal. It was concluded since “reduflation” is a commercial strategy that directly violates the right to information and good faith, it can be said that it should be understood as an abusive and illicit practice. Furthermore, considering the STJ’s understanding, the practice can be equated to misleading advertising by omission, an illicit practice also explicitly prohibited by art. 37, caput of the CDC.

Keywords: Redufflation. Consumer law. Abusive practices. Right to information.

1 INTRODUÇÃO

Quanto à história da economia brasileira, sempre esteve evidente a conturbada relação do comércio nacional com a inflação, vínculo que se estende ao consumidor, e, porque não dizer, sendo este último a parte que mais sofre com seus efeitos. É neste cenário tanto histórico, quanto atual, que se vê emergir inúmeras estratégias comerciais que visam garantir, mesmo com instabilidade, uma ampla margem de lucro aos empresários. Dentre elas, uma vem se destacando pelo amplo rol de adeptos, pois não há quem não tenha se surpreendido com a redução na quantidade de algum produto costumeiramente adquirido, que continua com seu preço habitual, muitas vezes, tendo a descoberta desta redução ocorrido apenas após a efetivação da compra.  

Embora muitos consumidores não saibam, tal prática tem nome, se chama “reduflação” (shrinkflation), e, embora não seja uma manobra comercial inédita, vem tomando recentemente (início do século XXI) uma proporção maior, tendo sido amplamente adotada pela indústria nacional. Basicamente, a “reduflação” consiste em reduzir a quantidade dos produtos disponibilizados na embalagem, sem reduzir o seu preço. Em princípio, pressupõe-se que a iniciativa pode estar relacionada à tentativa dos fornecedores de diminuir o impacto do aumento dos preços sobre os consumidores, de modo a buscar que a redução na quantidade passe de maneira “imperceptível”.

Ocorre que, no Brasil, a relação jurídica de consumo, que é o que ocorre quando são adquiridos a maioria desses bens em lojas e supermercados, por exemplo, possui parâmetros legais a serem seguidos e respeitados. Uma vez que essa relação se estabelece, a aplicabilidade das normas consumeristas se faz necessária e o consumidor, elemento mais vulnerável dessa relação, precisa ser protegido. Do mesmo modo, vale salientar que, atualmente, a proteção do consumidor possui natureza de ordem pública, conforme previsto no artigo 1º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), o que significa determinar que qualquer cláusula ou norma, que eventualmente contravenha o Direito do Consumidor, deverá ser nula de pleno Direito.

Neste âmbito, o presente artigo se propõe a analisar, a partir do Código de Defesa do Consumidor e dos princípios ligados à relação consumerista, se a estratégia comercial conhecida como reduflação é lícita ou ilícita. Considerando que a proteção ao consumidor está pautada em direitos basilares como o acesso à informação e a boa-fé, o trabalho em questão buscará sanar tal questionamento, analisando quais danos a “reduflação” pode ou não causar ao consumidor. Pois, embora não se tenha ainda nenhum levantamento oficial sobre a prática no Brasil, no dia a dia, esta redução na quantidade de produto vem fazendo parte da realidade de muitos consumidores, visto a ampla adesão por parte dos fornecedores.

Na prática, as embalagens continuam as mesmas, com as mesmas cores e, por vezes, com o mesmo tamanho, mas o produto em seu interior, simplesmente, vem “sumindo”, redução que não ocorre no preço destes itens, o que agrava a questão. Mesmo que haja a descrição do peso correta no produto, não se verifica nenhum alerta de que a quantidade está inferior a habitual. Ou seja, o consumidor que já adquiriu o produto diversas vezes, leva-o agora em uma quantidade menor do que era de costume, pagando o mesmo valor, sem o devido sobreaviso.
Para investigar a problemática principal do trabalho, quanto à licitude ou ilicitude da prática da reduflação, será utilizado o método de raciocínio dedutivo, buscando saná-la a partir da norma consumerista, da doutrina e da jurisprudência brasileira. A partir desse método, será possível entender quais as práticas tidas como ilícitas pelo Código de Defesa do Consumidor, para, baseando-se na investigação dos principais aspectos da “reduflação”, entender como ela se encaixa à luz deste Código. 

Para a aplicação de tal método, inicialmente, serão estudados os conceitos da relação jurídica de consumo, além dos direitos do consumidor garantidos pela legislação brasileira, como o direito à Informação, trazido no art. 6º do CDC. Posteriormente, à luz do mesmo Código, será delimitada a definição de prática abusiva ou ilícita, para que, logo em seguida, sejam avaliados os pormenores da reduflação, no que consiste a prática efetivamente, como ela ocorre no cotidiano do consumidor e quais as consequências jurídicas que ela pode acarretar. Por fim, será apresentado o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre esta estratégia comercial.

2 RELAÇÃO DE CONSUMO E O DIREITO À INFORMAÇÃO

Em razão da complexa e dinâmica interação social que se vive no início do século XXI, fruto de uma evolução constante, seja no âmbito industrial, tecnológico, científico ou social, mudanças no ordenamento jurídico em diversos setores vêm se fazendo necessárias ou até urgentes. Estas ocorrem a fim de tutelar as novas interações humanas que são criadas ou substancialmente modificadas a todo momento. Atualmente, o foco se encontra na regulamentação das interações digitais, do uso da inteligência artificial, mas, não obstante, o mesmo processo ocorreu para regulamentar as relações de consumo, que se dão agora de forma cada vez mais corriqueira.

Em meados dos anos 1970, haja vista o exacerbado aumento do consumo para a época, fez-se necessário tutelar as relações entre o fornecedor e consumidor, pois, desde então, ficava claro que o consumidor era vulnerável frente a quem lhe prestava um serviço ou comercializava um produto. Em uma época em que o acesso a informação era restrito, tal como o acesso a judicialização, qualquer risco relacionado a esta relação recaía, quase integralmente, sobre os consumidores, que acabavam suportando os danos, porque, muitas vezes, não conseguiam provar a culpa do fornecedor ou a existência do vício do produto (Souza, Werner e Neves, 2018).

Quanto à evolução da proteção ao consumidor no Direito brasileiro, em 1987 foi criado o IDEC, então Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, que veio a pleitear a inclusão da defesa do consumidor na Constituição Federal, a partir da sua participação ativa na Assembleia Nacional Constituinte de 1987. Vale salientar que a Constituição Federal de 1988 foi chamada de Constituição cidadã, e tem como fundamentos, estabelecidos no artigo 1º, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (Maia, 2020).

Foi a partir desta intenção de fortalecer os direitos e garantias aos cidadãos que a proteção ao consumidor foi incluída no inciso XXXII, do artigo 5º da Constituição Federal, que estabelece: “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do Consumidor”. A proteção ao consumidor também se encontra estabelecida no art. 170, que determina que esta constitui um princípio básico da ordem econômica. Sendo, então, a partir deste momento, a defesa do consumidor alçada ao âmbito constitucional, marco inicial da normatização da relação de consumo, que estará firmada também em direitos imprescindíveis ao consumidor, como o dever de informar e a boa-fé (Maia, 2020), ambos estudados a seguir.

2.1 A RELAÇÃO DE CONSUMO E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Em cumprimento da norma constitucional que previa também, no art. 48, a elaboração de uma lei específica para regulamentar a relação de consumo, em 11 de setembro de 1990 foi promulgado o Código de Defesa do Consumidor (CDC) pela Lei nº 8.078. O CDC consiste em um conjunto de normas que visam proteger os direitos do consumidor, bem como disciplinar as relações entre fornecedores e consumidores, elencando as responsabilidades que têm os fornecedores com o consumidor, prevendo prazos e penalidades para os casos de descumprimento. Em resumo, o Código em questão visa tutelar a relação entre consumidor e fornecedor, uma vez que o Código Civil ou outras legislações específicas não abrangem especificamente essa seara.

Tendo em vista a relação que é objeto deste Código, surgem os seguintes questionamentos: quais os parâmetros necessários para conceituar os participantes como fornecedor ou consumidor, elementos subjetivos, e quais os itens porventura fornecidos que se enquadram como objeto destas relações jurídicas? 

Ocorre que o CDC se abstém de definir de maneira direta a relação de consumo. Neste sentido, passa a ser necessário buscar conceituar a relação jurídica de consumo a partir da doutrina. Segundo Salib (2014), tal relação se resume a um contrato firmado entre consumidor e fornecedor com a finalidade de aquisição de um produto ou prestação de um serviço, compreendendo-se como fornecedores todos aqueles que ofertam bens e serviços no mercado de consumo, de modo a atender às suas necessidades.

Por sua vez, o consumidor, sob a ótica exclusivamente jurídica, vem a ser a pessoa natural ou jurídica que, mesmo que coletivamente, contrate, para si próprio ou para uso de outrem, a aquisição ou a locação de bens, bem como a prestação de serviços, desde que obedeça a regra de ser esse o consumidor final (Filomeno, 2018).

Cabe ainda lembrar que existem as definições de consumidor que caracterizam a relação de consumo por equiparação, como é o caso da coletividade que intervém em uma relação de consumo (art. 2, parágrafo único, CDC), das vítimas dos acidentes de consumo (art. 17, CDC) e das pessoas que são expostas a determinadas práticas comerciais (art. 29, CDC), tais como a oferta e a publicidade (Alves, 2020). 

Quanto ao objeto da relação de consumo, há o consenso que o art. 3° do CDC o define, mesmo que de forma abrangente. Desse modo, o critério caracterizador seria que o objeto será aquele produto ou serviço adquirido de alguém que desenvolva atividades tipicamente profissionais, como a comercialização, a produção ou a importação (Marques, Benjamin e Miragem, 2019).

2.2 DIREITO À INFORMAÇÃO 

Como visto anteriormente, desde os primórdios da normatização da relação de consumo, à vulnerabilidade do consumidor ficou destacada. Segundo Garcia (2008), a vulnerabilidade do consumidor fica constatada a partir da análise do desequilíbrio técnico, jurídico e fático existente entre as partes. Mais especificamente, a vulnerabilidade técnica seria aquela na qual o comprador não possui conhecimentos específicos sobre o produto ou o serviço, podendo, portanto, ser mais facilmente iludido no momento da contratação. 

A vulnerabilidade técnica enfatiza que o poder da informação sobre os produtos e serviços concentra-se nas mãos do fornecedor e, por consequência, é um fator de desequilíbrio na relação estabelecida com o consumidor que busca por esses serviços e produtos. (Lima, 2006). Neste contexto, vale salientar que o intuito do CDC é tornar mais equilibrada a relação de consumo, buscando inibir ou sancionar práticas abusivas na aquisição ou utilização de bens e serviços. Quando se trata da vulnerabilidade técnica mencionada, o CDC busca neutralizá-la a partir do princípio da informação, consagrado no artigo 6º do mesmo Código, o qual é uma das bases principais para a segurança do consumidor.

Mais especificamente, o inciso III do art. 6º afirma que é direito do consumidor o acesso a informação adequada e clara sobre produtos e serviços, sendo necessária a especificação correta da sua quantidade, das suas características, composição, entre outros. O inciso IV, do mesmo artigo, por sua vez, visa garantir a proteção do consumidor contra práticas comerciais que podem ferir o direito à informação, como a publicidade enganosa e abusiva (Alves, 2020), métodos coercitivos e cláusulas abusivas impostas no fornecimento de produtos e serviços. Além do artigo citado, no art. 30 o CDC reitera que para uma oferta satisfatória, deve ser protegido o direito à informação. 

Complementarmente, o art. 30 segue afirmando que ficará o ofertante obrigado a fornecer todos os benefícios informados em anúncio publicitário veiculado por qualquer meio de comunicação, com relação a produtos e serviços oferecidos. Ainda quanto às informações que porventura devem ser prestadas, destaca-se o art. 31 do CDC, que cita a necessidade de que a oferta do produto se dê de forma correta e clara, sendo necessário que a embalagem apresente informações precisas sobre suas características, como quantidade, preço e prazo de validade.

Em resumo, o princípio em questão baseia-se no direito à informação por parte do consumidor. Tendo, assim, por objetivo garantir que as informações básicas acerca das características dos produtos e serviços estejam disponíveis à parte consumidora antes da aquisição deles, visto que estes detalhes, mesmo que mínimos, influenciam diretamente no interesse do consumidor em contratar determinado produto ou serviço (Alves; Araujo, 2022 apud Souza Júnior, 2020). Desse mesmo modo, presume-se que outras alterações, como possíveis variações em produtos já comercializados, devem também estar claras ao consumidor.

Outro princípio que busca estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo e que cabe ser mencionado aqui é a boa-fé, estabelecido no art. 4º, inciso III do CDC. Ocorre que toda relação jurídica no país deve estar pautada na ética e na honestidade, buscando não macular a relação de confiança deste elo jurídico. Segundo Garcia (2008), pode-se resumir a boa-fé como um conjunto de padrões éticos de comportamento que devem ser seguidos pelas partes contratantes em todas as fases da relação contratual. 

Assim, diante do exposto, fica nítido que é mais do que necessário, dever do fornecedor e direito do consumidor, conforme os princípios da informação e da boa-fé, que todas as cláusulas contratuais estejam claras no momento da pactuação do acordo, até mesmo os itens que possam ter caráter implícito. Dessa forma, prezando pela boa-fé, todas as informações necessárias para garantir que o consumidor tome a decisão de forma assertiva devem estar explícitas antes da efetivação do contrato, visando que o consumidor saiba o teor de todos os ônus e dos bônus com os quais se compromete (Vancin; Matioli, 2014). 

A presença do direito à informação e da boa-fé de forma reiterada no CDC se deve ao fato que, somente a partir do acesso amplo e eficiente à informação, o consumidor poderá exercer suas escolhas de forma satisfatória, sem os impactos causados pela vulnerabilidade. Em resumo, a tomada de decisão assertiva por parte do consumidor está baseada em uma complexa equação, que levará em consideração, tanto as suas necessidades, quanto às informações por ele recebidas, sejam elas sobre os produtos ou sobre os serviços negociados (Milanez, 2009).

3 PRÁTICAS ABUSIVAS E REDUFLAÇÃO

No Capítulo V do CDC estão elencadas as ações reconhecidas como “práticas comerciais” pelo Código. Em resumo, neste Capítulo, são apresentados alguns conceitos jurídicos relacionados ao mercado de consumo, tais como oferta, publicidade e cobrança de dívidas. O que mais chama atenção é que, ainda dentro deste Capítulo, o legislador expõe algumas práticas comerciais tidas como abusivas, em um rol exemplificativo, apresentado no art. 39. É consenso que se trata de um rol exemplificativo, uma vez que o próprio legislador informa que serão tidas como práticas abusivas as que lá estão, além das demais que, porventura, não estão citadas (Silva, 2023).

Por conseguinte, pode-se estabelecer que o CDC reconhece que existem, dentro dessas práticas comerciais, algumas que devem ser consideradas impróprias. Mas quais práticas seriam essas? No geral, elas são de fácil definição, pois, ao se analisar o rol inicialmente apresentado, é possível verificar que as práticas abusivas são aquelas que afrontam diretamente os direitos do consumidor, como as que desafiam o direito à informação, por exemplo. No contexto do CDC, a prática abusiva pode ser definida como a ação ou inação do fornecedor de produtos ou serviços no mercado de consumo, ainda que digital, em desfavor do consumidor. Esta conduta, para ser considerada abusiva, precisa ser necessariamente prejudicial à relação estabelecida (Silva, 2023).

3.1 REDUFLAÇÃO 

Aliadas às práticas comerciais observadas no CDC, existem, no mercado, inúmeras estratégias comerciais que buscam garantir o aumento do lucro para os fornecedores, pois, como é de conhecimento geral, o que movimenta o mundo capitalista é exatamente a possibilidade dos ganhos inerentes à prestação de serviços ou à comercialização de produtos e serviços. Nesse contexto, surge, entre outras práticas, a que é conhecida como “reduflação”. Esta prática, em resumo, consiste em reduzir a quantidade dos produtos disponibilizados na embalagem, sem reduzir o seu preço (Evangelidis, 2024).

Tal fenômeno vem ocorrendo de forma cada vez mais abrangente, em diversos ramos, não só o alimentício. A explicação mais usual para a prática é que com o aumento do preço de alguns insumos, e a necessidade da indústria em repassá-lo, esta seria uma forma de fazê-lo de maneira menos impactante para a aceitação do consumidor. Em outras palavras, a intenção é que o consumidor não note, ao menos não em um primeiro momento, que vem pagando o mesmo valor por uma quantidade menor de produto (Evangelidis, 2024) ou por um produto da mesma natureza, com qualidade inferior. 

Embora não se tenha nenhum levantamento oficial sobre a prática no Brasil, certamente é possível se encontrar no dia a dia embalagens que continuam as mesmas, com as mesmas cores e, por vezes, com o mesmo tamanho, nas quais o produto em seu interior, simplesmente, vem diminuindo, sem nenhum aviso prévio. Geralmente há uma alteração na descrição do peso, mas esta ocorre sem qualquer alerta de que a quantidade está inferior a habitual. Ou seja, o consumidor que já adquiriu o produto diversas vezes, leva-o agora em uma quantidade menor do que era de costume, pagando o mesmo valor, sem a devida informação.

A partir do esclarecimento desta prática, como já apontado anteriormente, a questão principal deste artigo é identificar se essa estratégia se encaixa como uma prática lícita ou ilícita, à luz do CDC e dos direitos basilares da relação consumerista, como o direito à informação e a boa-fé. Partindo disso, retomando a análise, observou-se que o CDC norteia quais as práticas comerciais são ilícitas, as chamando de abusivas. Nesse contexto, vale ressaltar que é possível relacionar o abuso causador de prejuízos à situação de inferioridade técnica, econômica, jurídica/científica ou informacional do consumidor. 

No mais, a violação da boa-fé e de seus deveres anexos estará presente nas práticas abusivas, não sendo possível considerá-la como usos ou costumes comerciais, na medida em que o CDC não admite o dolus bonus nas relações de consumo que regulamenta (Marques; Benjamin; Miragem, 2019). 

Outro aspecto importante sobre a reduflação é que a lesão ao consumidor não decorre do aumento dos preços, proveniente do fato de ele vir a adquirir uma quantidade inferior de produto com valores próximos aos que eram praticados anteriormente. Do mesmo modo, o dano não ocorre da quantidade que contém a embalagem, até porque os produtos e fornecedores que já foram multados pela prática apresentam a quantidade de acordo com o previsto na embalagem (Silva, 2010). 

A questão tida como abusiva e geradora de lesão é a alteração inadvertida da quantidade ou da qualidade do produto já praticada previamente. Para exemplificar, presume-se aqui que uma relação foi estabelecida ao longo dos anos, onde um determinado consumidor fiel a alguma marca compra o produto e não mais se preocupa em verificar a quantidade, pois pressupõe já conhecê-la, assim como seu rendimento, depositando sua confiança naquele item e naquela marca. Desta maneira, o consumidor acaba pagando um valor próximo ao de costume e adquirindo uma quantidade menor. Desse modo, por não saber da alteração, ele sequer teve o direito a uma decisão assertiva, de talvez optar por outra marca com um menor custo ou até mesmo de se abster de levar aquele item, caso a nova quantidade não supra sua necessidade (Silva, 2010).

O ato de diminuir a quantidade ou a qualidade corriqueira do produto e não informar ou alertar devidamente a alteração é que promove o abuso, sendo privado o consumidor do direito à informação a respeito desta redução. Neste quesito, como já visto, o CDC dispõe no art. 6º, que se deve proteger o direito à informação. Considerando que qualquer prática que venha a ferir os direitos do consumidor é uma prática abusiva e, por conseguinte, ilícita, e sendo a reduflação responsável por ferir o direito à informação e a boa-fé, esta se caracteriza como uma prática comercial abusiva.  

Vale salientar que, no rol de práticas abusivas apresentado pelo CDC, está destacado a prática da publicidade enganosa (Alves, 2020), que reconhece, no § 3° do art. 37, que há também a publicidade enganosa por omissão, que ocorre quando o anunciante deixa de informar sobre dado essencial do produto ou serviço, no caso da reduflação, essa informação seria sobre a redução da quantidade corriqueira. Seguindo este raciocínio, mesmo que algum fornecedor venha a alegar que pode haver elementos da relação com “caráter implícito”, reitera-se que, conforme inciso II do art. 4º do CDC, é dever do fornecedor e direito do consumidor que seja garantida a boa-fé, de modo que todas as cláusulas contratuais, até mesmo as que possam ter caráter implícito, devem estar organizadas para garantir ao consumidor, antes que venha a adquirir qualquer produto ou serviço, o total conhecimento do seu teor. 

A quantidade de um produto é um fator decisivo para que a sua aquisição se dê de forma consciente por parte do consumidor. Dito isto, a busca por ludibriar este sujeito, prejudicando o consumidor médio que vive no Brasil, muitas vezes com uma renda abaixo da necessária para suprir o essencial, é uma afronta ao direito à informação e à boa-fé, como visto. 

Optar por esta prática é uma conduta que afronta aos direitos do consumidor, visto que existem alternativas para que haja alterações nas quantidades ou na qualidade de produto de forma a não promover dano ao consumidor, sendo necessária a informação clara na embalagem ou um aviso ostensivo, como, por exemplo: “Nova embalagem com quantidade de produto reduzida”. 

Disto isso, imagina-se automaticamente o impacto negativo que isto traria à marca ou fabricante. Talvez por isso os fornecedores venham buscando que as alterações ocorram da forma mais sutil e imperceptível. Assim, poderão manter seu lucro ou até aumentá-lo, mesmo que prejudique o consumidor, demonstrando descaso com as normas vigentes no país. 

4 REDUFLAÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Quanto à jurisprudência, pode-se notar a existência de entendimento no sentido de que a prática é uma infração ao Código de Defesa do Consumidor por ferir o direito à informação, firmado como direito básico do consumidor pelo art. 6º, inciso II do CDC. 

A seguir, apresenta-se um caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Recurso Especial 1.364.915/MG, relatado pelo Ministro Humberto Martins,  que trata sobre um procedimento administrativo iniciado pelo Procon de Minas Gerais sobre a redução na quantidade habitual de refrigerante de um determinado fornecedor, de 600ml para 500ml, cuja informação sobre a alteração se encontrava na embalagem, porém, estava na parte inferior do rótulo e em letras pequenas.

O entendimento do STJ foi de que, segundo o Código de Defesa do Consumidor, a oferta e a apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras e ostensivas sobre suas características, qualidades, quantidade e preço, e que deve ser vedada a publicidade enganosa, a qual a prática da reduflação foi equiparada. 

A publicidade enganosa é tida como prática abusiva pelo mesmo Código, conforme entendimento do STJ exposto no caso, sendo aquela que possui mensagem inteiramente ou parcialmente falsa, mesmo que por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito das características, qualidade, quantidade, preço ou quaisquer outros dados sobre os produtos e serviços. Vale salientar que a razão de a prática da reduflação ter sido comparada a publicidade enganosa é que última se encaixa quase que perfeitamente na descrição da primeira.

Conforme art. 37 do CDC a publicidade enganosa está relacionada a informação ou omissão, que seja capaz de induzir o consumidor ao erro. Além disso, no §3º do mesmo artigo fica esclarecido que também será tratado como publicidade enganosa por omissão, o anúncio no qual o fornecedor deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço. No caso da reduflação, ocorre a não informação clara e ostensiva da redução da quantidade de produto costumeiramente comercializada, o que induz o consumidor ao erro, lhe causando dano.

No caso em questão, foi mantida a sanção administrativa aplicada pelo Procon de Minas Gerais ao fabricante, assim como a multa, visto que o entendimento do STJ foi no sentido da responsabilidade objetiva do fornecedor. Vale salientar que a decisão também tratou da quebra da confiança por parte do consumidor e em frustração às suas legítimas expectativas, questões que estão alinhadas ao princípio da boa-fé, conforme o art. 4º do CDC.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dentre tantas estratégias comerciais que buscam garantir lucro aos empresários e investidores, em um mercado tão sensível, se vê emergir um termo que tem impactado diretamente no poder aquisitivo do brasileiro, mesmo que de uma forma mascarada, a “reduflação” (shrinkflation). Basicamente, esta prática consiste em reduzir a quantidade dos produtos disponibilizados na embalagem ou até mesmo sua qualidade, sem reduzir o seu preço, buscando que essa alteração passe de maneira despercebida ao consumidor. 

Na perspectiva do Direito das Relações de Consumo, o consumidor é um elemento vulnerável, não só frente a prática, mas dentro de toda e qualquer relação de consumo. Baseando-se nessa vulnerabilidade, em 1988 o dever de proteção ao consumidor foi incluído na Constituição Federal, no artigo 5º. No âmbito infraconstitucional foi instituído o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), que tem por objetivo tornar mais equilibrada a relação de consumo, buscando inibir ou sancionar práticas abusivas na aquisição ou utilização de bens e serviços. Ainda nesse contexto, viu-se que um exemplo de direito do consumidor indispensável instituído pelo CDC é o direito à informação, previsto no art 6º, uma vez que o acesso devido a informação é essencial para a proteção do consumidor.

O amparo legal de proteção e do dever de informar permeia todo o Código de Defesa do Consumidor, ratificando a importância da informação nas relações de consumo para o efetivo esclarecimento do consumidor, a fim de que este faça uma contratação consciente. Ou seja, sem a informação clara necessária, o consumidor não poderá tomar a decisão mais assertiva. 

Ainda quanto ao CDC, observou-se que o legislador elenca, no Capítulo V, mais precisamente, algumas práticas comerciais tidas como abusivas, em um rol exemplificativo, apresentado no art. 39. Baseado na análise do artigo em questão, considera-se que práticas abusivas são todas e quaisquer condutas contrárias às normas consumeristas, mesmo que não citadas no referido dispositivo legal, que possam causar dano ao consumidor. 

Ao adquirir produtos em relação aos quais os fornecedores adotam a prática de reduflação, o consumidor não recebe de forma clara a informação sobre a redução da quantidade ou da qualidade costumeira do produto, a qual seria necessária para a tomada de decisão consciente durante a sua aquisição ou utilização. Isto se deve ao fato que, para o “sucesso” da estratégia, a redução na quantidade deve ocorrer de forma mascarada em relação ao consumidor, o qual sofre dano informativo ao comprar, pelo mesmo valor que está acostumado a pagar, uma quantidade inferior de produto, sem estar ciente desta situação. 

Vale salientar também que a reduflação se assemelha à publicidade enganosa, prática vedada pelo CDC, no art. 37, por prejudicar diretamente o consumidor, sendo assim considerada uma prática ilícita. Mais precisamente, se relacionaria a publicidade enganosa por omissão, prevista no §3° do artigo 37 do CDC, que ocorre quando o fornecedor deixa de informar sobre dado essencial do produto ou serviço. No caso da reduflação, a informação essencial seria sobre a redução da quantidade ou da qualidade corriqueira. 

Ainda quanto à ligação da reduflação a uma omissão por parte do fornecedor, e não a uma ação, conforme o art. 4º, inciso II do CDC, todas as cláusulas contratuais, até mesmo as que possam ter caráter implícito, devem estar dispostas de forma a garantir ao consumidor, antes que venha a adquirir qualquer produto ou serviço, o total conhecimento do seu teor. 

Deste mesmo modo entendeu o STJ, uma vez que ressalta que a oferta e a apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras e ostensivas sobre suas características, qualidades, quantidade e preço, conforme art. 31 do CDC, além da proibição da publicidade enganosa, art. 37 do CDC, a qual a prática da reduflação foi equiparada. A publicidade enganosa por omissão ocorre quando o fornecedor deixa de informar sobre dado essencial do produto ou serviço. No caso da reduflação, ocorre a não informação clara e ostensiva da redução da quantidade de produto que era costumeiramente comercializada, configurando claramente uma omissão. 

Em resumo, uma vez que o rol do art. 39 do CDC é exemplificativo, serão entendidas como práticas abusivas todas e quaisquer condutas contrárias às normas consumeristas, que possam gerar dano ao consumidor. Visto que a reduflação é uma estratégia comercial que fere o direito à informação e a boa-fé, pode-se afirmar que a reduflação deve ser entendida como uma prática abusiva.

Por fim, para que a devida informação estivesse sendo prestada, seria necessária a informação clara quanto a esta redução, uma alteração ostensiva na embalagem ou um aviso que ressaltasse aos olhos, apresentando, por exemplo, os seguintes dizeres: “Nova embalagem com quantidade reduzida de produto”. Outra opção, que parece mais óbvia, seria a manutenção da quantidade e o aumento do preço, proporcionalmente, dentro do aceitável. 

Caso a marca possua mesmo o interesse em democratizar seu produto, poderia ofertar embalagens menores como alternativa a embalagem de costume, também com valor inferior, o que não viria a causar dano ao consumidor, uma vez que haveria a possibilidade de o consumidor adquirir a quantidade ofertada anteriormente com o valor corrigido ou uma quantidade menor com o novo valor.

REFERÊNCIAS

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1Discente em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

2 Professor Doutor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.