REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202412200848
Ana Carolina Rôvere de Oliveira*
Resumo:
Este artigo examina a possibilidade da arbitragem como meio de resolução de conflitos de relações de consumo no Brasil. Em um primeiro momento, destaca-se as alterações introduzidas na Lei nº 12 e discute-se o regime jurídico do tribunal arbitral em conformidade com os princípios do Código de Defesa do Consumidor.
O presente artigo explora conceitos como princípio de competência, jurisdição e sua aplicação aos tratados de adesão, mostrando os benefícios da arbitragem, como celeridade e profissionalismo, bem como suas limitações, principalmente em relação às relações com clientes onde a vulnerabilidade do cliente exige maior proteção e garantias de equidade.
Palavras-chave:
Arbitragem, Relações de Consumo, Código de Defesa do Consumidor, Cláusula Compromissória, Contratos de Adesão, Princípio da Competência Competência, Direitos do Consumidor, Lei de Arbitragem, Solução de Conflitos, Justiça Arbitral.
Introdução
A resolução eficiente de conflitos é uma preocupação fundamental nas relações de consumo, tanto para os consumidores quanto para os fornecedores.
Apesar das controvérsias em torno da possibilidade de utilizar a arbitragem nas relações de consumo, conforme estabelecido pela ordem constitucional brasileira, é cada vez mais comum encontrar argumentos que defendem o uso de soluções alternativas de litígio no campo do Direito do Consumidor.
Isso ocorre porque a arbitragem tem se destacado como um método alternativo e eficaz de solução de disputas, sendo comumente associada a questões comerciais e contratuais.
A sua aplicação nas relações de consumo tem gerado discussões e debates acerca dos seus fundamentos, vantagens e limitações.
É importante ressaltar que o Código de Defesa do Consumidor é uma legislação de ordem pública com natureza constitucional e visa proteger os direitos dos consumidores. A legislação consumerista reconhece a vulnerabilidade do consumidor em relação ao fornecedor, considerando aspectos fáticos, jurídicos, econômicos e técnicos. Essa proteção se reflete na forma como a arbitragem é tratada nesse contexto específico.
Ao considerar a arbitragem em relação de consumo, é necessário ponderar os princípios e diretrizes do Código de Defesa do Consumidor, como a proteção ao consumidor, a ampla defesa e o acesso adequado à justiça.
A arbitragem, apesar de apresentar vantagens como celeridade, especialização e confidencialidade, também traz consigo limitações, como os custos envolvidos e a possível assimetria de poder entre as partes.
Diante desse panorama, o presente artigo tem como objetivo explorar a arbitragem em relação de consumo, analisando seus fundamentos, vantagens e limitações à luz do Código de Defesa do Consumidor.
Busca-se oferecer uma visão abrangente e crítica desse método alternativo de resolução de conflitos, contribuindo para um melhor entendimento de como a arbitragem pode ser aplicada de maneira adequada e equilibrada nas relações de consumo.
Espera-se que haja uma reflexão sobre o tema, visando o aprimoramento na aplicação da arbitragem em respeito à proteção dos direitos do consumidor, com soluções eficientes e equitativas para os conflitos nesse contexto específico.
I – Os marcos regulatórios da arbitragem
Antes da promulgação da Lei nº 9.307/1996, a arbitragem no Brasil era regulamentada pelo Código Civil de 1916, o qual continha disposições limitadas sobre o assunto.
No referido dispositivo, a arbitragem era tratada nos artigos 1.037 a 1.048, somente como meio indireto de pagamento, sendo esta pouco utilizada como forma de solução do conflito.
A ausência de uma legislação específica e abrangente resultava em incertezas e desafios na utilização da arbitragem como meio de solução de disputas. Não havia uma regulamentação detalhada que abordasse questões fundamentais, como a autonomia da vontade das partes, os procedimentos arbitrais e a execução das decisões arbitrais.
Além disso, na época, o Código de Processo Civil vigente (1973) exigia que a decisão proferida pelo árbitro ou como chamada, “laudo arbitral”, fosse homologada por sentença judicial, seguindo o Código Civil a mesma exigência.
Tal exigência condicionava a decisão arbitral a um processo judicial, tornando tal medida mais morosa, desacreditada e sem qualquer autonomia, uma vez que esta poderia ser integralmente revertida por um juiz do tribunal.
A situação mudou significativamente com a entrada em vigor da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996), que passou a regular de forma mais abrangente a arbitragem no Brasil. A lei estabeleceu um marco legal sólido, contribuindo para a segurança jurídica e o fortalecimento da arbitragem no país.
A Lei de Arbitragem estabeleceu, em seu artigo 1º1, que as pessoas capazes de contratar podem submeter a solução de conflitos patrimoniais disponíveis à arbitragem. Ela também conferiu autonomia às partes para determinarem as regras do procedimento arbitral, desde que não contrariassem a ordem pública.
A mudança mais relevante foi a revogação do antes regulamentado pelo Código de Processo Civil de 1973. A Lei da Arbitragem determinou, em seu artigo 312, que a sentença arbitral tem natureza de decisão judicial, possuindo, ainda, força executiva.
Respeitando os dizeres da Lei, o atual Código de Processo Civil estabelece em seu artigo 423 o dever de respeito à decisão das partes que optem pela utilização do juízo arbitral.
Outrossim, o mesmo dispositivo, em seu artigo 515, inciso VII4, prevê que a sentença arbitral estrangeira produz, no Brasil, os mesmos efeitos da sentença proferida pelo Poder Judiciário, contribuindo para a validade e execução das decisões arbitrais estrangeiras no território brasileiro.
Esse reconhecimento conferiu às decisões arbitrais a mesma eficácia que as decisões judiciais, facilitando sua execução e garantindo a finalidade das decisões arbitrais.
Tem-se, portanto, a configuração de caráter jurisdicional da arbitragem, sendo a agora chamada sentença arbitral devidamente considerada um título extrajudicial executável, sem qualquer necessidade de homologação pela jurisdição estatal. Nesse sentido, é o entendimento de Nelson Nery Júnior:
A natureza jurídica da arbitragem é de jurisdição. O árbitro exerce jurisdição porque aplica o direito ao caso concreto e coloca fim à lide que existe entre as partes. A arbitragem é instrumento de pacificação social. Sua decisão é exteriorizada por meio de sentença, que tem qualidade de título executivo judicial, não havendo necessidade de ser homologada pela jurisdição estatal. A execução da sentença arbitral é aparelhada por título judicial.5
A sentença arbitral possui, ainda, o poder de formação de coisa julgada, ou seja, a decisão final proferida pelo árbitro é irrecorrível, em seu mérito, ao judiciário.
Outro ponto favorável à arbitragem ao se comparar com procedimento judicial é a sua celeridade, vantagem está, destacada pelo doutrinador Luiz Antonio Scavone Junior:
Nota-se, assim, a grande vantagem imposta pela sentença arbitral, tendo em vista que a equivalente sentença judicial, fato notório, demora anos para encontrar sua solução final. Por outro lado, a sentença arbitral, pela experiência até agora, demora somente alguns meses para que possa gerar o mesmo efeito da sentença judicial transitada em julgado, com a solução de todos os recursos previstos no Código de Processo Civil.6
Destaca o renomado doutrinador, ainda, que apesar do tribunal arbitral não possuir poderes para decidir sobre medidas de urgência, como tutelas antecipadas e cautelares, deferidas pelo árbitro, bem como a execução da sentença arbitral, ainda se vê vantagem na escolha do procedimento, em razão da celeridade da decisão de mérito.7
Imperioso destacar que a Lei da Arbitragem, em seu artigo 1º, determina que as partes capazes, se desejarem, poderão valer-se da arbitragem para a resolução de seus litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Ou seja, o Tribunal Arbitral poderá decidir conflitos derivados de relações jurídicas de direito obrigacional, sendo aquelas que encontram sua origem nos contratos, nos atos ilícitos e nas declarações unilaterais de vontade.8
Não se pode olvidar, ainda, da possibilidade de ser resolvido pela Arbitragem direito patrimonial decorrente de direito indisponível.
Outra característica da arbitragem é a especialidade, uma vez que no procedimento arbitral, há a vantagem de as partes poderem escolher os árbitros responsáveis pela análise.
Uma vez optado pela resolução do conflito pela arbitragem, as partes poderão demonstrar sua vontade mediante Cláusula Compromissória ou, ainda, mediante Compromisso Arbitral. A diferença entre os dois institutos é o momento em que a convenção de arbitragem é estipulada.
A Cláusula Compromissória é contratualmente prevista, sendo esta estabelecida antes de qualquer litígio, seja este judicial ou extrajudicial. Essa modalidade de convenção se subdivide em duas possibilidades. A primeira é a Cláusula Compromissória Aberta e a segunda é a Cláusula Compromissória Cheia, conforme será demonstrado posteriormente.
No caso do Compromisso Arbitral, este será firmado somente após a ocorrência do litígio.
(…) é de se destacar que a cláusula compromissória é espécie, onde também é espécie o compromisso arbitral, do gênero “Convenção de Arbitragem”. A distinção diz respeito ao momento em que a convenção de arbitragem é estipulada; se contratualmente prevista, antes de um litígio judicial ou extrajudicial (antes da contenda surgir) é cláusula compromissória; se for posterior, quando as partes já estiverem com litígio iniciado, tanto judicial, quanto extrajudicial, é compromisso arbitral. Na legislação a distinção encontra guarida nos artigos 4º e 9º, da norma especial.9
Dessa forma, com o fortalecimento da arbitragem como meio para a solução de conflitos, questiona-se a possibilidade de sua utilização na resolução de conflitos que envolvam relações de consumo.
No entanto, por se tratar de ordem pública e interesse social, é fundamental ressaltar que a arbitragem deve estar em conformidade com os princípios fundamentais do direito do consumidor, a fim de torná-la um mecanismo justo e efetivo.
Tal observância se mostra necessária, para a devida proteção da parte mais vulnerável na relação de consumo, qual seja, o consumidor, garantindo sua ampla defesa e um acesso adequado à justiça.
II. A arbitragem e o Código de Defesa do Consumidor
Prefacialmente, importante esclarecer que se aplica o Código de Defesa do Consumidor quando configurada relação de consumo, envolvendo um consumidor e um fornecedor, nos termos dos artigos 2º e 3º do referido dispositivo legal.10
É cediço que o objetivo principal do Código de Defesa do Consumidor é proteger o consumidor, equilibrando as relações de consumo e garantindo segurança, informação adequada, transparência e efetivação de direitos.
A proteção à parte mais vulnerável é um pilar fundamental do direito do consumidor e deve ser mantida na arbitragem.
Isso significa que o processo arbitral deve levar em consideração a desigualdade de poder entre as partes, buscando equilibrar os interesses e garantir que o consumidor não seja prejudicado injustamente.
Além disso, é imprescindível assegurar que o consumidor tenha o direito de uma ampla defesa durante o processo de arbitragem.
Isso inclui o direito a ser ouvido, apresentar suas provas e argumentos, e participar ativamente das decisões que afetam seus direitos e interesses. A falta de uma defesa adequada pode comprometer a equidade do processo e prejudicar a confiança do consumidor na arbitragem.
Outro aspecto importante é o acesso adequado à justiça. Embora a arbitragem seja uma alternativa aos tribunais judiciais, é essencial garantir que o consumidor possa efetivamente buscar e obter reparação por meio desse mecanismo.
Isso implica em garantir que a arbitragem seja acessível, transparente, imparcial e eficiente, para que o consumidor não seja desencorajado a buscar seus direitos devido a obstáculos onerosos ou processuais.
Em síntese, a observância desses princípios fundamentais é crucial para assegurar a equidade e a efetividade da arbitragem em relação ao consumo.
Ao proteger a parte mais vulnerável, garantir sua ampla defesa e acesso adequado à justiça, é possível construir um ambiente em que a arbitragem seja um meio legítimo e confiável de solução de conflitos nesse contexto específico.
II.I O Princípio de Competência-Competência
Importante destacar-se o que prevê o princípio da Kompetenz Kompetenz ou, simplesmente, competência-competência, estampado no parágrafo único do art. 8º da lei 9307/1996.
De acordo com o referido artigo, caberá ao árbitro decidir acerca da existência, validade e eficácia da chamada convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.11
O referido princípio estabelece que o tribunal arbitral tem o poder de decidir sobre sua própria competência. Isso significa que é responsabilidade do tribunal arbitral determinar se possui ou não autoridade para julgar o mérito da disputa submetida a ele, não cabendo tal decisão ao poder judiciário:
Nesses termos, não cabe ao Poder Judiciário se imiscuir na decisão do árbitro sobre sua própria jurisdição, sendo admissível a intervenção do Estado-juiz apenas a posteriori, se assim for o caso.
O CPC adota esse posicionamento ao prever que o reconhecimento do juízo arbitral a propósito de sua jurisdição, ou mesmo o acolhimento da alegação de existência de convenção de arbitragem pelo juiz togado, ensejará a extinção do processo judicial sem resolução de mérito, conforme o art. 485, VII, do citado diploma.12
Esse princípio está intimamente relacionado à autonomia das partes na escolha da arbitragem como meio de solução de conflitos.
Quando as partes celebram convenção de arbitragem, elas estão dando ao tribunal arbitral a autoridade para resolver suas disputas. Portanto, o tribunal tem o direito de decidir se a questão em disputa está dentro do escopo do acordo de arbitragem e se possui a competência para julgá-la.
Essa prerrogativa é importante porque permite que o referido Tribunal analise tais objeções antes que o mérito da disputa seja examinado. No entanto, é importante ressaltar que a competência-competência está sujeita a revisão judicial.
De acordo com Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.278.852/MG, a legislação somente previu momento e forma específica para que o Poder Judiciário analise a questão, ou seja, após a prolação da sentença.13
Nesses termos, não cabe ao Poder Judiciário se imiscuir na decisão do árbitro sobre sua própria jurisdição, sendo admissível a intervenção do Estado-juiz apenas a posteriori, se assim for o caso. O CPC adota esse posicionamento ao prever que o reconhecimento do juízo arbitral a propósito de sua jurisdição, ou mesmo o acolhimento da alegação de existência de convenção de arbitragem pelo juiz togado, ensejará a extinção do processo judicial sem resolução de mérito, conforme o art. 485,VII, do citado diploma.14
Em outras palavras, o tribunal arbitral tem o poder de decidir, desde que sua análise seja feita em conformidade com os princípios e diretrizes do direito do consumidor.
II.II. A cláusula compromissória
Além da competência-competência, na arbitragem de consumo, é relevante considerar a distinção entre cláusula compromissória Vazia e cláusula compromissória Cheia, antes mencionadas.
Uma cláusula compromissória Vazia é aquela que permite às partes escolherem livremente o Tribunal Arbitral ou as regras de arbitragem que serão aplicadas. Essa cláusula confere maior flexibilidade às partes, permitindo que elas adaptem o processo arbitral de acordo com suas necessidades e preferências.
A cláusula arbitral vazia é aquela que não possui em seu conteúdo as formas para se instituir arbitragem, isto é, a parte se vincula a celebrar compromisso arbitral sobrevinda controvérsia quanto a determinada matéria do contrato. Contudo, não institui certos regramentos essenciais para se iniciar a arbitragem, tais como a câmara arbitral e nomeação de árbitros, por exemplo.15
Por outro lado, uma cláusula compromissória Cheia determina previamente o Tribunal Arbitral ou as regras de arbitragem que serão aplicadas na resolução de qualquer disputa. Nesse caso, as partes estão vinculadas à escolha prévia e não têm a mesma flexibilidade para decidir sobre o procedimento arbitral.
A cláusula compromissória cheia é aquela que, firmada antes de alguma controvérsia, institui todas as condições necessárias ao início de uma arbitragem. Isto é, estipula como deve ser escolhido o árbitro, quais as normas a serem aplicadas, local em que ocorrerá arbitragem dentre outras previsões.
Importante é perceber que quanto mais indicações a cláusula dispuser, maior será o sucesso da arbitragem, pois quanto mais direcionada estiver a solução do litígio, mais eficaz será a arbitragem.16
A cláusula compromissória Cheia, pode gerar preocupações em relação à imparcialidade e à equidade do processo arbitral, especialmente se o consumidor não teve a oportunidade de participar da escolha prévia. Essa cláusula pode, inclusive, ser considerada abusiva ou desequilibrada se impuser ao consumidor uma estrutura arbitral que possa prejudicar seus direitos.
Ao se tratar de relações de consumo, a cláusula compromissória Vazia apresenta-se mais favorável ao consumidor. Isso porque permite que ele participe da escolha do Tribunal Arbitral e das regras de arbitragem, assegurando que o processo seja conduzido por uma instituição e de acordo com normas que inspirem confiança e imparcialidade.
É importante ressaltar que o Código de Defesa do Consumidor estabelece que as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. Portanto, caso uma cláusula compromissória Cheia seja considerada abusiva ou prejudicial aos direitos do consumidor, ela poderá ser anulada pelo Judiciário.
II.III A Cláusula Compromissória nos Contratos de Adesão
Ao discutir a arbitragem de consumo, não se pode olvidar de mencionar a questão dos contratos de adesão. Os contratos de adesão são aqueles em que as cláusulas são estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor, sem a possibilidade de negociação por parte do consumidor. Esses contratos são comuns em diversas relações de consumo, como contratos de serviços, planos de adesão, contratos de seguro, entre outros.
No contexto da arbitragem, a existência de cláusulas compromissórias em contratos de adesão é uma questão sensível.
O Código de Defesa do Consumidor estabelece que as cláusulas contratuais devem ser claras, precisas, acessíveis e redigidas em linguagem simples e compreensível.
Além disso, o referido dispositivo proíbe cláusulas abusivas ou que coloquem o consumidor em desvantagem excessiva.
No caso das cláusulas compromissórias em contratos de adesão, há uma preocupação com a possibilidade de desequilíbrio de poder entre o fornecedor e o consumidor.
Isso porque, o consumidor muitas vezes não tem a oportunidade de discutir ou negociar as cláusulas, incluindo a cláusula de arbitragem, sendo compelido a aceitar os termos estabelecidos pelo fornecedor. Nesse sentido, dispõe Fichtner e demais doutrinadores:
Questão um pouco mais complexa é a indicação, na cláusula compromissória inserida em contrato de adesão, da câmara arbitral responsável pela administração da arbitragem.
A patologia de tais cláusulas decorre da circunstância de que, em tal hipótese, o fornecedor de produtos e serviços torna-se cliente cativo e constante de uma mesma câmara arbitral, enfraquecendo aquele que – o consumidor, individualmente considerado – nela se apresenta ocasionalmente processo arbitral.17
O ponto destacado pelos doutrinadores, é de extrema importância e relevância, uma vez que pode ser facilmente verificada na prática. A fim de se evitar qualquer vinculação entre o fornecedor e câmara arbitral, de rigor ser proporcionado ao consumidor a participação na escolha do órgão julgador responsável.
Nesse contexto, caso sejam identificadas cláusulas abusivas, que limitem o direito do consumidor de buscar a justiça ou que coloquem o consumidor em desvantagem excessiva, essas cláusulas podem ser consideradas nulas ou anuláveis.
(…) sempre que o fornecedor tentar prevalecer se da fragilidade do consumidor, praticará conduta ilícita que, estando expressa num contrato de consumo, receberá a denominação cláusula abusiva.18
Nesse sentido, resguarda o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, especificamente sobre a utilização compulsória da arbitragem:
Art. 51: São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (…) VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem
Destaca SCAVONE que a arbitragem não poderá ser imposta ao consumidor, presumidamente a parte vulnerável da relação jurídica, seja essa vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica.19
Buscando evitar-se qualquer compulsoriedade na utilização da arbitragem em Contratos Consumeristas de Adesão, a Lei nº 9307/1996, prevê, expressamente em seu artigo 4º e parágrafos, os seguintes requisitos:
Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir,relativamente a tal contrato.
§ 1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.
§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.
De acordo com o artigo, é necessário que conste no Contrato de Adesão a cláusula compromissória por escrito, devendo, ainda, o consumidor concordar, expressamente, com seu conteúdo, mediante assinatura ou visto específicos para essa cláusula.
Os dispositivos legais visam evitar que as cláusulas de arbitragem em contratos de adesão sejam utilizadas como instrumento para restringir indevidamente os direitos dos consumidores ou prejudicar sua capacidade de buscar a reparação adequada de seus direitos.
Assim, no contexto dos contratos de adesão, é essencial que as cláusulas compromissórias, incluindo as de arbitragem, sejam redigidas de forma clara, acessível e em conformidade com as disposições da legislação consumerista.
Conclusão
Consoante exposto, antes da promulgação da Lei nº 9.307/1996, a arbitragem era regulamentada de forma limitada pelo Código Civil de 1916, sendo pouco utilizada como meio de solução de conflitos. A falta de uma legislação específica resultava em incertezas e desafios na aplicação da arbitragem nas relações de consumo.
Com a entrada em vigor da Lei de Arbitragem, a arbitragem passou a ser regulamentada de forma mais abrangente e detalhada no Brasil.
A lei estabeleceu um marco legal sólido, conferindo segurança jurídica e fortalecendo a arbitragem como um método eficaz de solução de disputas.
Dentre as mudanças significativas, destacam-se a autonomia das partes na determinação das regras do procedimento arbitral e a natureza de decisão judicial atribuída à sentença arbitral,conferindo-lhe força executiva.
No contexto das relações de consumo, é fundamental considerar que o Código de Defesa do Consumidor estabelece que as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de forma mais favorável ao consumidor, assegurando sua proteção e equilíbrio nas relações de consumo.
Em razão disso, é preciso conciliar a utilização da arbitragem com os princípios fundamentais da legislação consumerista.
De acordo com a legislação, o consumidor é considerado a parte mais vulnerável na relação de consumo, sendo essencial garantir sua ampla defesa e acesso adequado à justiça durante o processo arbitral. Para isso, o método mais seguro para se averiguar a expressa concordância do consumidor com a convenção de arbitragem é através do compromisso arbitral, ou seja, a convenção de arbitragem firmada após a ocorrência do conflito.
Contudo, em caso de convenção de arbitragem através de cláusula compromissória, principalmente tratando-se de contratos de adesão, de rigor que estas deverão ser elaboradas de forma Vazia, sendo redigidas de forma clara, acessível e em conformidade com as disposições da legislação consumerista.
Além disso, é indispensável que o consumidor concorde expressamente com a cláusula, mediante assinatura ou rubrica específica. Verificada vulnerabilidade do consumidor em relação a cláusula, esta poderá ser declarada nula, nos termos legais.
Em conclusão, os avanços na legislação e nos marcos regulatórios da arbitragem no Brasil têm contribuído para fortalecer esse método de solução de conflitos.
Isso porque, cristalino que a arbitragem oferece vantagens como celeridade, especialização e flexibilidade, mas é importante e indispensável respeitar-se os princípios do direito do consumidor e garantir um ambiente equilibrado e justo para todas as partes envolvidas, sob pena de eventual nulidade.
A correta aplicação da arbitragem nas relações de consumo pode promover a efetividade da justiça, proteger os direitos dos consumidores e contribuir para a segurança jurídica.
1 Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. § 1o A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. (Incluído pela Lei nº 13.129, de 2015) § 2o A autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações. (Incluído pela Lei nº 13.129, de 2015).
2 Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo
3 Art. 42. As causas cíveis serão processadas e decididas pelo juiz nos limites de sua competência, ressalvado às partes o direito de instituir juízo arbitral, na forma da lei.
4 Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título: (…) VII – a sentença arbitral;
5 Scavone Junior, Luiz Antonio. Manual de arbitragem: mediação e conciliação, 8. ed. rev. e atual.
– Rio de Janeiro:Forense, 2018. Aput. Nelson Nery Junior. Código de Processo Civil
comentado, 3. ed., São Paulo: RT, 1997, p. 1.300.
6 Scavone Junior, Luiz Antonio. Manual de arbitragem: mediação e conciliação, 8. ed. rev. e
atual. – Rio deJaneiro: Forense, 2018, p. 21.
7 Scavone Junior, Luiz Antonio. Manual de arbitragem: mediação e conciliação, 8. ed. rev. e
atual. – Rio deJaneiro: Forense, 2018, p. 22.
8 Scavone Junior, Luiz Antonio. Manual de arbitragem: mediação e conciliação, 8. ed. rev. e atual.
– Rio de Janeiro:Forense, 2018, p. 28/29.
9 Pellizzaro, Vinícius Uberti. A Cláusula Compromissória (Convenção de Arbitragem) no
Contrato de Adesão deConsumo e o paradigmático julgamento do Superior Tribunal de Justiça, 2016 Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-clausula-compromissoria-
convencao-de-arbitragem-no-contrato-de-adesao-de-consumo-e-o-paradigmatico-julgamento-
do-superior-tribunal-de-justica/339342795.
10 Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou
serviço como destinatáriofinal.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que
indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entesdespersonalizados, que desenvolvem atividade de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante
remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as
decorrentes das relações de caráter trabalhista.
11 Art. 8o. (…) Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes,
as questões acercada existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato
que contenha a cláusula compromissória.
12 Vaughn, Gustavo Favero e Almeida, Eduardo Vieira. Arbitragem, princípio competência-
competência e STJ, 2020, disponível em https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-
superiores/325776/arbitragem–principio- competencia-competencia-e-stj
13 REsp 1.278.852/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4a Turma, j. 21.05.2013, DJe
19.06.2013.
14 Vaughn, Gustavo Favero e Almeida, Eduardo Vieira. Arbitragem, princípio competência-
competência e STJ, 2020, disponível em https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-
superiores/325776/arbitragem–principio- competencia-competencia-e-stj.
15 LIMA, Andriely Nascimento. CONVENÇÃO ARBITRAL: CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA E
COMPROMISSO ARBITRAL. Disponível em
https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/235/11777/1/21308016.pdf. P. 03
16 LIMA, Andriely Nascimento. CONVENÇÃO ARBITRAL: CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA E
COMPROMISSO ARBITRAL. Disponível em
https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/235/11777/1/21308016.pdf. P. 03.
17 Fichtner, José Antonio Teoria geral da arbitragem / José Antonio Fichtner, Sergio Nelson
Mannheimer, AndréLuís Monteiro. – Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 436
18 Almeida, Fabrício Bolzan de Direito do consumidor esquematizado / Fabrício Bolzan de
Almeida. – SãoPaulo: Saraiva, 2013, p. 888.
19 Scavone Junior, Luiz Antonio. Manual de arbitragem: mediação e conciliação, 8. ed. rev. e
atual. – Rio deJaneiro: Forense, 2018, p. 36.
Bibliografia
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Fichtner, José Antonio Teoria geral da arbitragem / José Antonio Fichtner, Sergio Nelson Mannheimer, André Luís Monteiro. – Rio de Janeiro: Forense, 2019.
LIMA, Andriely Nascimento. CONVENÇÃO ARBITRAL: CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA E COMPROMISSO ARBITRAL. Disponível em https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/235/11777/1/21308016.pdf.
Pellizzaro, Vinícius Uberti. A Cláusula Compromissória (Convenção de Arbitragem) no Contrato de Adesão de Consumo e o paradigmático julgamento do Superior Tribunal de Justiça, 2016. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-clausula-compromissoria-convencao-de
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BRASIL, LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015.
BRASIL, LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990.
*Advogada. Mestranda em Direito Empresarial pela Faculdade de Campinas – FACAMP. Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Endereço eletrônico: anacarolinarovere@gmail.com