A POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO DE EMBRIÕES EXCEDENTARIOS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202412100002


Wesley Barbosa Sousa de Carvalho


RESUMO

Este artigo aborda a questão da possibilidade da adoção de embriões excedentários como uma alternativa para determinar o destino desses embriões. O objetivo deste trabalho é compreender a legislação brasileira, que versa sobre os embriões criopreservados. Ao longo dos anos, a reprodução humana assistida tem passado por grandes avanços, como a inseminação artificial e a fertilização in vitro. Esses avanços têm sido pontos de partida para a reavaliação e atualização das normas jurídicas sobre o assunto. Com o aumento da eficácia dos procedimentos realizados nas clínicas, o número de embriões excedentários criopreservados também tem aumentado, o que justifica a necessidade de pesquisas e estudos sobre essa temática. Para atingir nosso objetivo, utiliza-se a metodologia hipotético-dedutiva, que consistiu na formulação de hipóteses viáveis dentro do contexto, a fim de responder à problemática proposta. Como resultado, constatamos que as legislações e as resoluções vigentes do Conselho Federal de Medicina permitem a destinação desses embriões para pesquisas e até mesmo a sua doação, porém com certas restrições. O que possibilita e viabiliza a introdução da discussão da temática da adoção embrionária, que se apresenta como alternativa para os embriões excedentário.

Palavras-chave: Embriões excedentários. Planejamento familiar. Reprodução Humana Assistida.

ABSTRACT

This article addresses the issue of the possibility of adopting surplus embryos as an alternative to determining their fate. This work aims to understand Brazilian legislation on cryopreserved embryos. Over the years, assisted human reproduction has undergone great advances, such as artificial insemination and in vitro fertilization. These advances have been the starting points for re-evaluating and updating the legal rules on the subject. With the increased effectiveness of the procedures carried out in clinics, the number of cryopreserved surplus embryos has also increased, which justifies the need for research and studies on this subject. To achieve our objective, we used the hypothetical-deductive methodology, which consisted of formulating viable hypotheses within the context, to answer the proposed problem. As a result, we found that the current legislation and resolutions of the Federal Council of Medicine allow the allocation of these embryos for research and even their donation, but with certain restrictions. This makes it possible and feasible to introduce the discussion of the topic of embryo adoption, which presents itself as an alternative for surplus embryos.

Keywords: Surplus embryos. Family planning. Assisted Human Reproduction.

1.  INTRODUÇÃO

Historicamente o conceito de família, passou por diversas modificações, na vigência do Código Civil de 1916 até o advento da Constituição Federal de 1988, considerava-se família apenas aqueles com vínculos consanguíneos e somente era possível o reconhecimento do vínculo de paternidade e filiação para os descendentes havidos dentro da relação matrimonial. Nesse contexto, o modelo tradicional de família passou por reformulações, privilegiando o surgimento de novas estruturas de convívio, tais como a família eudemonista, família anaparental, união estável, família reconstituída, família homoparental, família monoparental, entre outros modelos, todos sustentados pelo afeto. Diante dessas novas configurações familiares, surgem novos direitos. É nesse cenário que o presente trabalho se insere, pois é amplamente conhecido que a parentalidade, ou seja, o exercício da função de ser pai ou mãe, é um desejo comum entre as pessoas. Como resultado da natureza dinâmica do direito, os reflexos das mudanças de comportamento da sociedade no sistema normativo tornam possível concretizar o desejo de gerar e criar filhos para aqueles que desejam.

A adoção, com base na Lei 12.010/2009, conhecida como Lei Nacional da Adoção, constitui-se como uma alternativa para aqueles que desejam construir uma família, destacando a necessidade de compreender as circunstâncias que envolvem a decisão de adotar uma criança. No entanto, é importante ressaltar que existem enormes obstáculos impostos à adoção, o que justifica a busca por outras soluções para aqueles que desejam formar uma família com filhos. Devido aos avanços significativos da engenharia genética, a reprodução assistida, ou fertilização in vitro, tornou-se uma alternativa para substituir a concepção natural, seja por escolha pessoal, seja devido à dificuldade ou impossibilidade de um ou ambos os parceiros gerarem um filho.

No Brasil, a adoção embrionária, em que uma pessoa adota um embrião de outro casal, não é aceita. O direito brasileiro prevê a adoção de crianças e adolescentes, no entanto, o país ainda não possui legislação para regulamentar a reprodução assistida, bem como a promoção da adoção embrionária. Como resultado, um número significativo de embriões são criopreservados e tem seu desenvolvimento suspendido nas clínicas de fertilização artificial, uma vez que apenas parte dos embriões é inserida no útero e, obtendo sucesso, não há necessidade de prosseguir com a gestação dos demais embriões. Assim, o destino dos embriões excedentários é a criopreservação ou a pesquisa científica.

Atualmente o Conselho Federal de Medicina (CFM), por meio da resolução 2.320/2022, é a maior refência ao se tratar de regulamentação sobre a RHA, ocorre que suas normas não possuem força legislativa, e não são suficientes para sanar todos os questionamentos.

Entretanto, o ordenamento jurídico brasileiro não foi capaz de acompanhar o avanço medicinal na mesma velocidade, deixando brechas a respeito do tema . Com o crescente uso da técnica surgiram diversos conflitos, principalmente relacionados à criopreservação dos embriões, a destinação dos embriões excedentários, mudança da vontade das partes, assim como eclosão de novos direitos e deveres das partes envolvidas.

Em razão da ausência de legislação específica e a necessidade de preencher as lacunas que permeiam o tema, o presente artigo busca abordar a possibilidade da inclusão da adoção embrionária, como alternativa de destinação aos embriões excedentes, resultantes das técnicas de reprodução humana assistida.

Com o objetivo de esclarecer melhor o objeto desta pesquisa, a discussão sobre o processo de adoção de embriões excedentários se baseia na possibilidade de garantir aos embriões o direito ao reconhecimento da sua personalidade jurídica, à filiação e posteriormente a possibilidade da sua adoção. Dessa forma, é possível analisar a formação da família por meio da adoção de embriões excedentários, de forma semelhante à adoção de crianças e adolescentes, porém com suas especificidades, considerando que os embriões podem ser recebidos como filhos e, após o nascimento, inseridos em uma estrutura familiar, inclusive em casos de inseminação heteróloga.

O método de abordagem utilizado neste trabalho é caracterizado como indutivo. Esse método consiste na coleta de informações por meio de material bibliográfico e análise de trabalhos acadêmicos que abordam o tema, coletando diversas interpretações e entendimentos de doutrinadores jurídicos, que ajudam a construir hipóteses de soluções para o problema que envolve o tema em questão.

2.  O PLANEJAMENTO FAMILIAR

Tratando-se de um direito fundamental, a Constituição, mediante o artigo 226, § 7º, garante aos indivíduos a autonomia e a liberdade para organizarem sua vida reprodutiva e buscar a formação de uma família, tanto na escolha do número de filhos por meio de métodos contraceptivos, quanto no método de fertilização. Reconhece-se que nem todos os casais possuem a capacidade de gerar filhos de maneira natural, sem o auxílio de técnicas médicas (CHAGAS, 2020).

O desejo de procriar é intrínseco à natureza humana, e ao longo do tempo essa vontade e a preocupação com a impossibilidade de ter filhos têm sido constantes. Independentemente de outras transformações ao longo dos anos, os motivos para formar uma família também têm passado por mudanças, sejam elas de ordem religiosa, cultural, econômica, jurídica, entre outras.

Até a entrada em vigor do Código Civil Brasileiro de 1916, a legitimidade da família estava restrita apenas ao casamento, e a procriação era considerada uma obrigação (SÁ e TEIXEIRA, 2005). Atualmente, as famílias brasileiras são mais reduzidas em termos de número de filhos, predominantemente urbanas e menos hierarquizadas. A diminuição no número de filhos evidencia que a função puramente procriadora deixou de ser uma obrigação, tornando-se apenas um direito da pessoa humana (SCARPARO, 1991). O desejo de ter um filho se manifesta de diferentes perspectivas:

Reproduzir-se na linhagem ancestral, fabricar a carne de sua carne, imaginar criar uma relação pais/filhos ideal, recriar sua infância distante, dar um presente à seu companheiro ou à sua companheira, cercar-se de filhos para evitar a solidão dos anos futuros, múltiplas são as razões que levam um casal a se submeter a qualquer sacrifício para atingir a máxima ventura da perpetuação (LEITE, 1995, p.69).

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 3.510, o Ministro Ayres Britto expressou em seu voto do disposto no art. 226, § 7º:

A decisão por uma descendência ou filiação exprime um tipo de autonomia de vontade individual que a própria Constituição rotula como “direito ao planejamento familiar”, fundamentado este nos princípios igualmente constitucionais da “dignidade da pessoa humana” e da “paternidade responsável “. (STF – ADI: 3510 DF, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 29/05/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-096 DIVULG 27-05-2010 PUBLIC 28-05-2010 EMENT VOL-02403-01 PP- 00134).

No contexto desse tema, é fundamental ressaltar o respeito do Estado à livre escolha de cada indivíduo em relação à sua formação familiar, bem como o seu dever de garantir proteção jurídica às questões relacionadas às técnicas de reprodução. Nesse sentido, é válido destacar o entendimento de Barboza et al (2006), segundo o qual o ordenamento jurídico brasileiro deve considerar eventuais conflitos que possam surgir do direito ao planejamento familiar, de forma a não atribuir paternidade/maternidade a quem não tenha consentido, sob pena de violar a autonomia reprodutiva.

3.  REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

3.1 REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA HOMÓLOGA

No Brasil, atualmente, as técnicas de reprodução assistida são bastante avançadas, levando muitas pessoas com problemas de fertilidade a buscar esses tratamentos. No entanto, apesar do grande progresso científico, a reprodução assistida suscita questões de ordem jurídica, ética, social, moral, religiosa, psicológica, médica e bioética.

A reprodução humana assistida, pode ser definida como o conjunto de operações realizados para unificar, artificialmente, gametas feminino e masculino, para dar origem a um ser humano (DINIZ, 2017). Em certas ocasiões, haverá uma indicação médica para a escolhada técnica mais adequada para cada caso específico.

Atualmente, as principais técnicas de reprodução assistida são a inseminação artificial (IA), a fecundação in vitro (FIV), a transferência intratubária de gametas (GIFT), a transferência de zigoto nas trompas de falópio (ZIFT) e técnicas mais complexas, como doação de óvulos, congelamento de embriões, doação de embriões e até mesmo maternidade de substituição. Na inseminação artificial, ocorre a introdução do sêmen na cavidade uterina, podendo ou não ocorrer a fecundação pela fusão do óvulo e do espermatozoide. Já na fecundação in vitro, o embrião fertilizado em laboratório é transferido para o útero materno.

A concepção artificial homóloga consiste na implantação dos espermatozoides do doador no óvulo da mulher durante seu período fértil, sendo indicada quando há incompatibilidade ou hostilidade do muco cervical, oligospermia e retroejaculação (SCARPARO, 1991). Essa modalidade de concepção não gera nenhum problema jurídico, umavez que os materiais genéticos utilizados pertencem aos cônjuges. Nesse sentido, nossoordenamento jurídico, no artigo 1597, III, do Código Civil de 2002, estabelece o reconhecimento da filiação, presumindo-se concebidos na constância do casamento os filhos havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que o marido tenha falecido.

Dentro dessa modalidade de concepção, existe também a modalidade post mortem, que permite o uso da técnica homóloga quando o marido ou companheiro de uma união estável já faleceu, desde que sejam utilizados embriões excedentários, também conhecidos como embriões congelados (FERRAZ, 2008). Essa ação está prevista no artigo 1597, IV, do Código Civil de 2002, que estabelece que os filhos podem ser concebidos a qualquer tempo quando se tratar de embriões excedentários decorrentes de concepção artificial homóloga.

3.2 REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA HETERÓLOGA

A reprodução humana assistida heteróloga é uma técnica utilizada em casos em que um dos parceiros, ou ambos, não são capazes de fornecer gametas viáveis para a concepção. Nesse contexto, a heteróloga refere-se à utilização de gametas de doadores anônimos, que podem ser óvulos de uma doadora ou espermatozoides de um doador.

Essa técnica apresenta uma série de questões jurídicas, éticas, sociais e emocionais, uma vez que envolve a criação de um filho com a contribuição genética de terceiros. No entanto, para muitos casais, a reprodução humana assistida heteróloga oferece a oportunidade de ter um filho biologicamente relacionado a pelo menos um dos pais (FERRAZ, 2008).

A utilização de óvulos de doadoras pode ser recomendada em situações em que a mulher não produz óvulos saudáveis ou não possui óvulos devido a condições médicas ou idade avançada. Os óvulos são coletados da doadora, fertilizados em laboratório com o esperma do parceiro ou de um doador, e os embriões resultantes são transferidos para o útero da mulher receptora. Isso permite que a mulher geste e dê à luz um filho biologicamente relacionado ao seu parceiro

Da mesma forma, quando o homem apresenta problemas de fertilidade, como ausência de espermatozoides, baixa qualidade dos espermatozoides ou doenças genéticas transmitidas pelo pai, pode-se optar pelo uso de espermatozoides de um doador. Os espermatozoides do doador são utilizados para fertilizar os óvulos da parceira ou de uma doadora, e os embriões resultantes são transferidos para o útero da mulher.

A reprodução humana assistida heteróloga levanta questões legais sobre a identidade do doador, a privacidade e o direito da criança de conhecer suas origens genéticas. Em muitos países, as doações de gametas são feitas de forma anônima, protegendo a identidade tanto do doador quanto do receptor.

Além das questões legais, a reprodução humana assistida heteróloga também pode ter impactos emocionais significativos para o casal receptor e para a criança concebida. É essencial que esses aspectos sejam cuidadosamente considerados e abordados durante todo o processo, com a devida orientação e suporte psicológico.

A fertilização heteróloga oferece uma esperança real para casais que desejam ter um filho biologicamente relacionado, mas enfrentam desafios de fertilidade. No entanto, é fundamental que todos os envolvidos compreendam e estejam preparados para lidar com as implicações emocionais, éticas e legais associadas a essa técnica.

A evolução da tecnologia e da ciência continua a impactar e transformar a área da reprodução humana assistida, proporcionando a casais com dificuldades de fertilidade novas oportunidades de realizar seu sonho de ter um filho. É importante que a regulamentação, a ética e o apoio psicológico acompanhem esses avanços para garantir o bem-estar e os direitos de todas as partes envolvidas, incluindo os doadores, os receptores e as crianças concebidas.

3.3 DA FERTILIZAÇÃO IN VITRO

A fertilização in vitro (FIV) é um avanço médico significativo na área da reprodução assistida. Esse procedimento revolucionou a forma como muitos casais enfrentam desafios relacionados à fertilidade e possibilitou o nascimento de milhões de crianças em todo o mundo. A FIV oferece esperança e oportunidades para aqueles que desejam ter filhos, mas enfrentam dificuldades para conceber naturalmente.

A FIV é um processo complexo que envolve a combinação de gametas (óvulos e espermatozoides) em um ambiente de laboratório controlado. O procedimento começa com a estimulação ovariana da mulher, através da administração de medicamentos hormonais, a fim de aumentar a produção de óvulos. Esses óvulos são então coletados por meio de uma intervenção cirúrgica chamada punção folicular.

Uma vez obtidos os óvulos, eles são fertilizados em laboratório com os espermatozoides do parceiro ou do doador. A fertilização ocorre em uma placa de cultura, onde os óvulos e os espermatozoides são incubados em condições ideais para promover a fusão e a formação dos embriões. Após a fertilização, os embriões são monitorados quanto ao seu desenvolvimento e qualidade antes de serem transferidos para o útero da mulher.

A transferência dos embriões para o útero é um momento crítico no procedimento de FIV. Geralmente, são transferidos um ou mais embriões, dependendo das circunstâncias individuais de cada casal. O objetivo é que os embriões se implantem no revestimento do útero e continuem seu desenvolvimento, resultando em uma gravidez bem-sucedida.

A FIV oferece diversas vantagens e possibilidades. É uma opção para casais que enfrentam problemas de infertilidade devido a uma variedade de condições, como obstruções tubárias, baixa contagem de espermatozoides, endometriose ou fatores desconhecidos. Também pode ser uma alternativa para casais que já tentaram outros tratamentos de fertilidade sem sucesso.

Além disso, a FIV permite que casais com risco de transmitir doenças genéticas graves possam ter filhos saudáveis. Por meio de testes genéticos pré-implantacionais, é possível selecionar embriões saudáveis e livres de doenças específicas antes da transferência.

No entanto, a fertilização in vitro também apresenta desafios e considerações éticas. O processo envolve manipulação de embriões em laboratório, o que levanta questões sobre o status moral desses embriões e o início da vida humana. Além disso, a FIV pode ser emocionalmente desgastante e financeiramente onerosa para muitos casais, pois os ciclos de tratamento podem exigir várias tentativas antes de se alcançar a gravidez.

3.4 EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS: PRESERVAÇÃO E DESTINAÇÃO

Sobre o conceito da reprodução humana assistida é um:

Conjunto de procedimentos tendentes a contribuir na resolução dos problemas da infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas ou condutas tenham sido ineficazes para a solução e obtenção da gravidez desejada. (FRANÇA, 2001,p.225).

Devido ao sucesso do procedimento de Reprodução Humana Assistida, cada vez mais

casais buscam pelo tratamento para realizar o sonho de se tornarem pais. Surgindo dúvidas e incertezas, a sociedade busca apoio jurídico para solução dos conflitos, ocorre que o tema é escasso de legislação, o âmbito jurídico brasileiro não foi capaz de acompanhar esse grande avanço da medicina, não havendo uma legislação referente a Reprodução Assistida e nem proteção aos embriões excedentes.

No entanto há resoluções quanto a destinação dos embriões preservados, amparadas pela Lei da Biossegurança, a Resolução do Conselho Federal de Medicina e poucas normas do Código Civil Brasileiro, exigindo nestes casos o consentimento dos cônjuges, assim como expressaram suas vontades no ato da realização do procedimento.

O embrião excedentário é o óvulo fecundado artificialmente, por meio do procedimento de Reprodução Humana Assistida, que não foi implantado no útero materno, que se encontra congelado para utilização posterior. De acordo com a resolução 2.320/22 do Conselho Federal de Medicina, os embriões excedentários podem ser descartados na possibilidade de apresentarem diagnóstico de alteração genética que ocasione em uma doença, se assim for a vontade de seus genitores, caso contrário devem ser mantidos em congelamento por tempo indeterminado:

O número total de embriões gerados em laboratório será comunicado aos pacientes para que decidam quantos embriões serão transferidos a fresco, conforme determina esta Resolução. Os excedentes viáveis devem ser criopreservados.
[…]
As técnicas de reprodução assistida podem ser aplicadas à seleção de embriões submetidos a diagnóstico de alterações genéticas causadoras de doenças, podendo nesses casos ser doados para pesquisa ou descartados, conforme a decisão do(s) paciente(s), devidamente documentada com consentimento informado livre e esclarecido. (CFM, 2022).

As atuais técnicas de Reprodução Humana Assistida deparam-se com problemas éticos com relação à existência em vida e a devida destinação dos embriões fecundados que permanecem em criopreservação.

Os embriões resultantes da fertilização in vitro que não são aproveitados, ou seja, não implantados no útero da mulher serão mantidos criopreservados, ou seja, congelados.

A criopreservação é uma alternativa de procedimento que permite a preservação de embriões de boa qualidade, que podem surgir após uma tentativa de fertilização in vitro (FIV), ou ainda pelo desejo de proceder uma procriação futuramente dos indivíduos que optaram pela técnica:

[…] diz respeito ao risco a que está sujeito o próprio embrião, não pela crioconservação em si, mas pela manipulação térmica a que é submetido. O segundo, de fundo ético-legal, porquanto por meio da referida técnica torna-

se possível manter o embrião vivo indefinidamente, mesmo fora do organismo materno. Essa manutenção, se por um lado ressalta a autonomia vital do novo ser (eis que sobrevivente fora do útero), por outro, evidencia a sua vulnerabilidade, passível que está o embrião congelado a uma sobrevida indefinida ou à imediata destruição.

O congelamento ou criopreservação é um procedimento preliminar que será utilizado no futuro. Uma coisa a esclarecer aqui é que quando um paciente decide congelar um ovo para futura fertilização, apenas o ovo é congelado e não o embrião fertilizado, como algumas pessoas pensam.

A capacidade de armazenamento é praticamente ilimitada e o material é embalado em recipientes de nitrogênio líquido a -170 °C. Esta temperatura é tão extrema que o material pode ser congelado. Esta temperatura é tão extrema que o material pode ser armazenado indefinidamente. Pesquisas demonstraram que não há limite de tempo para a preservação de materiais orgânicos a temperaturas tão baixas. O Uemura traz a importante informação:

[…] cerca de 75% dos embriões sobrevivem ao processo de congelamento e descongelamento. Além disso, o médico que realiza a fertilização para o crescimento embrionário colocando-o em nitrogênio líquido, podendo o embrião ser mantido nessa condição por vários anos até o momento de ser utilizado, porém, quanto mais tempo passa entre o congelamento e o descongelamento, maior é o perigo que se produza um aborto ou um feto mal formado, por isso a lei inglesa (como a da maioria dos países que já legislaram sobre o assunto) determina que não se utilizem embriões com mais de três anos de congelamento. Deduz-se, portanto, que eles devem ser destruídos, mesmo contra a vontade dos pais. Porém, a técnica da criopreservação (congelamento), usada desde 1985, não apresentou até hoje qualquer motivo aceitável para a eliminação dos embriões mais antigos, ou maduros. (UEMURA,2003, p. 77-78)

Quanto a destinação dos embriões a Lei de Biossegurança, estabeleceu facultando ao casal doá-los a casais estéreis ou para pesquisas com células-tronco. O art. 5º dessa Lei dispõe:

Art. 5º- É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células tronco embrionárias, obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. § 1º – Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.§ 2º – Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.§ 3º – É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. (LEI 11.105, de 24 de Março de 2005).

Cabe ainda ao casal doador do material genético a devida autorização sobre a destinação

dos embriões, assim a resolução 2320/22, em seu artigo 3º, inciso V, do CFM:

Antes da geração dos embriões, os pacientes devem manifestar sua vontade, por escrito, quanto ao destino dos embriões criopreservados em caso de divórcio, dissolução de união estável ou falecimento de um deles ou de ambos, e se desejam doá-los. (CFM, 2022).

Mesmo havendo a anuência dos indivíduos interessados, a Lei 11.105/05 determina que as células não podem ser manejadas de maneira irresponsável e dependeram da aceitação do Comitê de Ética da Instituição.

Ainda sobre a destinação dos embriões excedentes, alguns doutrinadores divergem da Lei citada anteriormente, afirmando a sua inconstitucionalidade. Em sentido da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 3.510, defendem que a vida tem início com a fecundação, e o descarte de um embrião humano contesta o artigo 5º da Constituição Federal, que garante como direito fundamental a vida. Para os que defendem sua constitucionalidade, há vida quando as funções cerebrais e cardíacas funcionam, e que as pesquisas utilizando os embriões excedentes buscam proporcionar melhor qualidade de vida humana, como possíveis curas para algumas doenças.

Compreende-se que é inequívoca a anuência do casal sobre o destino a ser dado aos embriões. Acerca do dispositivo artigo 5º da Lei 11.105/05, surgiram questionamentos relacionados a mutação da vontade das partes envolvidas, principalmente em relação ao consentimento se houvesse a dissolução do matrimônio.

4. A POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO DE EMBRIÕES EXCEDENTARIOS E A TUTELA DA VIDA.

Adotar, do latim adoptare, é o ato de acolher, aceitar, legitimar. No Direito Civil Brasileiro é o ato jurídico, mediante vontade consciente, ocorre a filiação artificial, portanto é o instituto que cria relações de paternidade e filiação entre duas pessoas, com objetivo de constituir uma família, implicando à uma pessoa o direito de gozar do estado de filho de outra pessoa.

Na conceituação de Lobo (2008, p. 248) “A adoção é ato jurídico em sentido estrito, de natureza complexa, pois depende de decisão judicial para produzir seus efeitos. Não é negócio jurídico unilateral”. O doutrinador Fábio Ulhoa Coelho (2010, p.31) assevera que a filiação não é somente quando se relaciona ao genético, mas também às reproduções assis- tidas e ao emocional:

A experiência da paternidade ou maternidade não pressupões necessariamente a geração do filho. Ela é tão ou mais enriquecedora, mesmo que a criança ou adolescente não seja portador da herança genética dos dois pais. Perceba, contudo, que são recentíssimos a aceitação dessa ideia pelas pessoas em geral e seu cultivo como valor da sociedade.

No âmbito da adoção de embriões excedentários, observa-se a ausência de previsão expressa no ordenamento jurídico brasileiro, deixando em aberto a discussão sobre sua permissão ou proibição, bem como a regulamentação do procedimento. O Conselho Federal de Medicina, por meio da resolução nº 2.320/2022, mantém a permissão para a doação de embriões excedentários viáveis. No entanto, há poucos relatos no Brasil sobre a realização desse procedimento.

A adoção de embriões excedentários é uma modalidade distinta de adoção, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, baseada na vontade dos envolvidos e constituída por meio de procedimentos adequados para a verificação da adoção de embriões por pessoas que desejam gestar, dar à luz e estabelecer uma filiação. Embora existam algumas semelhanças com a adoção de crianças e adolescentes, como a necessidade de capacidade plena para adotar, não há razão jurídica para que a adoção embrionária não siga esse mesmo modelo. É importante ressaltar que, tanto na adoção de nascidos quanto na adoção embrionária, essa decisão deve ser irrevogável. Uma vez que o embrião é inserido no útero, não deve ser possível interromper a gestação por arrependimento, e, uma vez nascido, a condição de filho é estabelecida de forma definitiva, não admitindo qualquer tipo de reconsideração tardia por parte dos adotantes (GAMA, 2003).

A criação de bancos de dados estaduais interligados para genitores interessados em oferecer seus embriões excedentários para adoção, assim como para pessoas interessadas em adotar esses embriões, poderia facilitar o processo de adoção embrionária. Esses cadastros seriam supervisionados pelo Estado, a fim de evitar fraudes e garantir a gratuidade do procedimento, uma vez que a cobrança por esse tipo de “serviço” não é permitida no Brasil. A adoção embrionária ocorreria efetivamente no momento da inserção do embrião excedentário no útero receptivo. Ao nascer com vida, o embrião passaria a ser legalmente considerado filho daqueles que promoveram seu nascimento. Em conclusão, considerando a permissão legal para o uso de técnicas de reprodução humana assistida e a forma como essas técnicas são regulamentadas e viabilizadas no Brasil, enfrentamos o desafio de lidar com um grande número de embriões humanos excedentários. Esse problema surge devido à falta de limitação no número de embriões fertilizados, como ocorre em alguns países, além dos altos custos de manutenção desses embriões criopreservados e do desinteresse dos pais biológicos em dar vida a esses embriões (FERNANDES, 2000).

Um embrião humano é uma formação celular resultante da união de gametas masculinos e femininos, portador de um código genético humano único. Assim como um embrião fruto da concepção, um embrião resultante da fertilização merece respeito e proteção para nascer. Portanto, é necessário rejeitar a prática do descarte de embriões e buscar a adoção embrionária como uma alternativa mais adequada para esses embriões excedentários, uma vez que, tendo seus direitos resguardados e considerado como uma pessoa humana, é digno que este em seu potencial de desenvolvimento, prossiga a consumação de seu nascimento. Essa adoção seria efetivada no momento em que o embrião excedentário é inserido no útero adotivo, e uma vez que nasce com vida, adquire a irrevogável condição de filho daqueles que o adotaram.

Como filho, estabelecerá laços de afeto e parentesco com todos os demais membros da família, terá direito a nome, sobrenome, alimentos, sucessão, entre outros. Em suma, terá todos os direitos e deveres inerentes a qualquer filho, independentemente de sua origem. Essa solução seria benéfica para os adotantes e para o embrião excedentário. Para os adotantes, a adoção de um embrião reduziria os custos de uma fertilização in vitro (FIV), especialmente quando ambos os cônjuges não são capazes de produzir gametas (óvulos e espermatozoides), mas a mulher é capaz de gestar a criança. Nesse caso, seria necessário apenas a doação de óvulos e espermatozoides, pois o embrião já estaria formado, o que reduziria os custos e o tempo do procedimento. Para o embrião excedentário, seria uma forma de garantir o cumprimento dos princípios constitucionais e legais, pois ele também representa uma vida em potencial.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A reprodução humana assistida é um campo que se beneficia dos avanços científicos e tecnológicos para oferecer opções mais eficazes no planejamento reprodutivo. No entanto, a legislação brasileira não acompanhou plenamente essa evolução, resultando em uma lacuna jurídica que, em parte, é preenchida quando se asseguram os direitos dos embriões criopreservados.

Nesta pesquisa, investigamos a possibilidade de reconhecer o embrião excedentário viável como um ser em potencial, conferindo-lhe direitos à vida e dignidade, e, assim, considerar sua adoção. Ao analisarmos a origem do embrião excedente, constatamos os avanços significativos na medicina reprodutiva, especialmente no desenvolvimento de novas técnicas para tratar a infertilidade.

Quando os óvulos femininos são fertilizados in vitro, geralmente são criados vários embriões para garantir o sucesso do processo de gestação. No entanto, nem todos esses embriões são implantados, resultando em excedentes. Diante dessa realidade, buscamos examinar a proteção jurídica do embrião excedentário, considerando-o um sujeito de direito, dotado de vida em potencial e dignidade.

Observamos que a legislação brasileira carece de uma abordagem específica sobre esse tema, bem como o reconhecimento explícito do embrião como um ser em potencial, o que facilitaria a garantia de sua dignidade e seus direitos. Portanto, a adoção embrionária surge como a melhor opção para embriões excedentários viáveis, reforçando a hipótese inicial deste estudo.

Neste contexto, concluímos que embriões concebidos in vitro e criopreservados devem ter seus direitos humanos resguardados, incluindo dignidade e personalidade civil, além da possibilidade de adoção. Esta última representa um remédio para parte das complexas discussões morais e religiosas em torno da reprodução assistida e do destino dos embriões excedentes, evitando seu descarte ou esquecimento diante da criopreservação sem destinação.

O que se percebeu durante a pesquisa é que nossa legislação não prevê nem delimita a produção de embriões gerados em laboratórios. Com o avanço da técnica de fertilização in vitro de embriões humanos, testemunhamos um notável aumento na população de embriões criopreservados em clínicas e instalações destinadas a esse fim específico. No entanto, no Brasil, a única legislação que aborda o assunto é a Lei de Biossegurança nº 11.105/2005, a qual delineia os procedimentos e técnicas para reprodução humana assistida, determinando o descarte ou a utilização em pesquisa científica como destinos para os embriões excedentes, sem mencionar a possibilidade de adoção desses embriões.

Devemos considerar a viabilidade de um novo instituto jurídico para a adoção de embriões excedentários, permitindo-lhes a oportunidade de nascer e, ao mesmo tempo, possibilitando o planejamento familiar daqueles que desejam adotá-los.

É importante salientar que esse novo instituto jurídico poderia incorporar características e requisitos já estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente, garantindo assim o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse contexto, alcançamos o objetivo desta pesquisa ao examinar a possibilidade de proteção dos embriões excedentários viáveis, reconhecendo-os como sujeitos de direito e afirmando que não devem ser tratados como mercadoria ou objeto.

Por fim, ao defender a tese de que a adoção de embriões excedentários é viável, desde que haja uma legislação específica no ordenamento jurídico brasileiro, concluímos que esta pesquisa é relevante tanto para o meio acadêmico quanto para a sociedade em geral.

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