A POSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO DA EXCEÇÃO DE ROMEU E JULIETA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

THE POSSIBILITY OF APPLYING THE ROMEO AND JULIET EXCEPTION IN BRAZILIAN CRIMINAL LAW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10078298


Pablo Henrique Couto Faria1
Pedro Lucas Faria Garcia2
Pauliana Maria Dias3


Resumo: Este artigo vem com a finalidade de analisar a (in) adequação do artigo 217-A do Código Penal segundo os casos aos quais se aplicam o instituto da Exceção de Romeu e Julieta. A partir desse panorama, propõe-se uma reflexão acerca da importância de que o direito penal esteja em constante evolução, de forma a acompanhar as mudanças da sociedade. Nesse sentido, o presente trabalho analisa a possibilidade da relativização da vulnerabilidade presente no caput do artigo 217-A do Código Penal, bem como a utilização, no direito penal brasileiro, dos critérios de aplicabilidade da teoria da Exceção de Romeu e Julieta, considerando a atual sociedade, na qual as relações entre adolescentes já não são mais objeto de surpresa ou estranhamento.

Palavras-chave: Exceção de Romeu e Julieta; direito penal; estupro de vulnerável; vulnerabilidade etária; tipicidade material.

Abstract: This article aims to analyze the (in) adequacy of Article 217-A of the Penal Code according to the cases to which the Romeo and Juliet Exception applies. From this perspective, it proposes a reflection on the importance of criminal law being in constant evolution to keep pace with societal changes. In this regard, this paper examines the possibility of relativizing the vulnerability outlined in the head of Article 217-A of the Penal Code, as well as the application of the criteria for the Romeo and Juliet Exception theory in Brazilian criminal law, considering the current society where relationships among adolescents are no longer a source of surprise or strangeness.

Keywords: Romeo and Juliet Exception; criminal law; statutory rape of vulnerable individuals; age vulnerability; material typicity.

1 INTRODUÇÃO

O Direito é um ramo da ciência que está em constante mudança, já que, para que o ordenamento jurídico evolua junto com a sociedade, é preciso que as leis estejam em constante discussão. Ainda, no Brasil, é sabido que as leis são criadas pelo poder legislativo, que é constituído por pessoas eleitas pelo povo, que sequer, na maioria das vezes, possuem conhecimento jurídico. Então é comum que, com o passar do tempo, as leis passem por readequações, seja em sua forma escrita, ou até mesmo no entendimento/interpretação que o aplicador da lei dá a ela. No caso do Direito Penal, tem-se diversos exemplos de crimes que foram revogados em razão da adequação da lei à sociedade atual, como é o caso do crime de Sedução, que antes era previsto no artigo 217 do Código Penal, sendo revogado posteriormente pela Lei nº11.106 de 28 de março de 2005. (BRASIL, 2005)

O argumento utilizado para a revogação do disposto no artigo 217 do Código Penal decorreu justamente de sua flagrante desconformidade com a realidade atual, em que jovens da idade elencada no dispositivo legal, de 14 anos completos a 18 anos incompletos, já têm plena consciência da natureza dos atos sexuais. (BRASIL, 1940)

Diante de todo o exposto, é visível que a readequação/revogação de diferentes dispositivos legais, em razão do avanço da sociedade moderna, será sempre colocada em discussão, a fim de que o Direito Penal ande em consonância com a sociedade atual.

A pesquisa tem como objetivo analisar a (in) adequação do artigo 217- A do Código Penal (estupro de vulnerável) segundo os casos aos quais se aplicam o instituto da Exceção de Romeu e Julieta.

Analisando a redação do artigo 217-A do Código Penal, nota-se que o legislador, ao redigir o texto desse dispositivo legal, deixou uma ideia de que, independentemente do caso concreto, basta alguma das partes ser menor de 14 anos para que se configure o crime de estupro de vulnerável. Dessa forma, o legislador não abriu a possibilidade para que o aplicador da lei interprete o mencionado artigo e analise caso a caso, aplicando-a da forma mais justa de acordo com cada situação. (BRASIL, 1940)

Diante disso, é possível observar que, para que o artigo 217-A do Código Penal se adeque à sociedade moderna, em alguns casos específicos, o aplicador da lei deve analisar o dispositivo legal com um olhar crítico em face do caso concreto, utilizando-se dos critérios estabelecidos para a aplicação da Exceção de Romeu e Julieta, de forma a impedir que, em determinados casos, o Estado puna um adolescente, que sequer lesou o bem jurídico tutelado pelo artigo 217-A do Código Penal. (BRASIL, 1940)

Imagine a seguinte situação. Um homem de 40 anos de idade, utilizando-se de sua força e da inocência e incapacidade de resistir de uma criança de 8 anos de idade, comete uma conjunção carnal com ela. Agora imagine outra situação. Um jovem de 18 anos de idade, e uma adolescente de 13 anos de idade, se conhecem e iniciam um relacionamento amoroso, apoiado inclusive pela família de ambos, na qual sequer ocorre a conjunção carnal, apenas alguns atos libidinosos, como exemplo, um beijo lascivo. 

Ao comparar as duas situações, fica o questionamento. É possível que se ache justo que o homem de 40 anos do primeiro exemplo e o jovem de 18 anos do segundo exemplo, respondam como incursos no mesmo crime, qual seja, o Estupro de Vulnerável, previsto no artigo 217-A do Código Penal? Ao comparar as duas situações, é possível concluir que se tratam de circunstâncias completamente diferentes, na qual a primeira causa enorme revolta, e a segunda é vista com normalidade pela sociedade atual. Porém, mesmo com essa imensa diferença entre uma situação e outra, ao se analisar a redação do artigo 217-A do Código Penal, percebe-se que o ordenamento jurídico trata as duas situações exatamente da mesma forma. Em razão disso, fica clara a necessidade de que o aplicador da lei possa interpretar o artigo 217-A do Código Penal diante de cada caso concreto, de modo a atuar da forma mais justa possível. (BRASIL, 1940)

2 O CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL 

Previsto no artigo 217-A do Código Penal, o dispositivo legal tipifica o crime de estupro de vulnerável, sendo trazido pelo caput o critério etário para a caracterização da vulnerabilidade da vítima. O crime consiste em ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos. (BRASIL, 1940) 

O artigo mencionado ainda dispõe do parágrafo 1º, que incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer causa, não pode oferecer resistência. (BRASIL, 1940) 

Porém, para fins de análise do art. 217-A do Código Penal sob a ótica do instituto da Exceção de Romeu e Julieta, apenas será colocado em discussão o caput do artigo, que trata da pessoa menor de 14 anos. (BRASIL, 1940)

2.1 A VULNERABILIDADE TRAZIDA PELO CAPUT DO ARTIGO 217-A DO CÓDIGO PENAL 

Analisando os Códigos Penais anteriores, é possível ver como, com o passar dos anos, a lei penal foi acompanhando as mudanças da sociedade em relação ao critério etário utilizado nos crimes equivalentes ao crime de estupro de vulnerável.

O Código Penal de 1.830, em seu artigo 219, estabelecia a idade de consentimento válido em 17 anos, entendendo que a mulher só teria capacidade de consentir para algum ato sexual após essa idade. Com a entrada em vigor do Código Penal de 1.890, o artigo 272 reduz a idade de presunção de violência para 16 anos. (BRASIL, 1830) (BRASIL, 1890)

Já em 1.940, com o advento do atual Código Penal, a presunção de violência em relação aos crimes contra a dignidade sexual, expressa no artigo 224, é novamente reduzida, dessa vez para 14 anos. (BRASIL, 1940)

Em agosto de 2.009 entrou em vigor a Lei nº 12.015, revogando o artigo 224 do Código Penal e trazendo o então artigo 217-A do referido código, conservando o critério etário de 14 anos para a definir a vulnerabilidade da vítima no caput do artigo, e deixando de utilizar o termo “presunção de violência”. (BRASIL, 2009)

Diante de todo o exposto, fica claro como a lei penal brasileira foi sendo modificada com o objetivo de acompanhar as mudanças na sociedade, adequando-se aos costumes de cada época. Porém, o presente trabalho não visa defender a redução do critério etário previsto no artigo 217-A do Código Penal, e sim, a relativização da vulnerabilidade prevista no caput, de acordo com o caso concreto, levando-se em conta os critérios presentes na teoria da Exceção de Romeu e Julieta, a ser tratada a seguir.

3 A EXCEÇÃO DE ROMEU E JULIETA   

A teoria da Exceção de Romeu e Julieta, ausente no ordenamento jurídico brasileiro, é acolhida por diversos ordenamentos estrangeiros, como exemplo, alguns estados norte-americanos, como Indiana, no qual prevê, expressamente, que não há crime quando a diferença de idade entre os adolescentes for menor que 4 anos. (COLVARA, 2014)

A ausência do mencionado instituto no Direito Penal brasileiro abre espaço para a discussão acerca de sua aplicabilidade, devendo ser analisado sob vários prismas, como sua origem, implementação em outros Estados, adoção pelo Brasil e requisitos para sua aplicação prática.  

3.1 ORIGEM DA TEORIA

A teoria da Exceção de Romeu e Julieta foi embasada na tragédia escrita por William Shakespeare entre 1.591 e 1.595, a qual retrata dois adolescentes, Romeu, de 17 anos, e Julieta, de 13 anos, que se apaixonam, e em razão da rivalidade entre suas famílias, viveram um complicado romance proibido. No desfecho da história, após alguns acontecimentos que separariam o casal, Julieta toma uma poção que a faria parecer morta, e Romeu, ao encontrar sua amada desfalecida e aparentemente sem vida, toma um veneno que trazia consigo. Ao acordar, Julieta se depara com Romeu morto pelo veneno, e tira a própria vida com um punhal. (SHAKESPEARE, entre 1591 e 1595)

No direito norte americano, diante de uma frequente atribuição de crimes de natureza sexual à adolescentes, onde muitos estados proibiam o sexo com menor de 18 anos, consentido ou não, foi criada a chamada “Romeu and Juliet Law”, com o objetivo de proteger adolescentes que estavam na mesma fase de descobrimento sexual de seus parceiros. (COLVARA, 2014)

No estado da Geórgia, cuja lei anteriormente considerava ilegal a prática sexual consensual entre adolescentes, a Suprema Corte liberou da prisão o adolescente Garnalow Wilson, de dezessete anos, que estava detido por cometer ato libidinoso com uma garota de 15 anos. Isso ocorreu devido à nova lei que não mais classificava essa atividade como criminosa, revogando a criminalização de atos sexuais consensuais entre adolescentes. (COLVARA, 2014)

Seguindo o modelo norte americano, a teoria da Exceção de Romeu e Julieta gira em torno da hipótese de dois indivíduos, com pouca diferença de idade, sendo pelo menos um deles menor de 14 anos, que possuem um relacionamento amoroso consentido por ambos, não havendo que se falar no crime de estupro de vulnerável, previsto no artigo 217-A do Código Penal. (BRASIL, 1940)

3.2 APLICAÇÃO NO BRASIL

Na legislação nacional, a discussão gira em torno da relativização da vulnerabilidade prevista no caput do artigo 217-A do Código Penal, tendo em vista que o artigo dá a entender que essa vulnerabilidade é absoluta, ou seja, independentemente do consentimento da vítima, considera-se vulnerável a pessoa menor de 14 anos, configurando o crime sem considerar fatores relacionados à diferença de idade e o consentimento. (BRASIL, 1940)

Nesse sentido, a Súmula 593, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), demonstra o conservadorismo dos tribunais superiores em relação ao tema, dizendo ser irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, bem como sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente. (BRASIL, 2009)

Para Nucci, essa vulnerabilidade deve ser considerada absoluta quando se tratar de criança (menor de 12 anos), mas relativa em relação ao adolescente (maior de 12 anos), já que essa seria a demanda lógica do sistema legislativo, se analisado em conjunto. Desse modo, o autor defende a possibilidade de se debater a capacidade de consentimento de quem possua 12 ou 13 anos, no contexto do estupro de vulnerável. (NUCCI, 2015)

Essa lógica, ao analisar o sistema legislativo em conjunto, levando-se em conta o Estatuto da Criança e do Adolescente, decorre do fato de que a criança (12 anos incompletos) é considerada inimputável, enquanto o adolescente (12 anos completos a 18 incompletos) possui a chamada imputabilidade relativa, ou seja, a pessoa maior de 12 anos já pode responder por um ato delituoso, sendo submetido a uma medida socioeducativa. Fora do âmbito criminal, o maior de 12 anos ainda pode ter o direito de dar o consentimento informado para procedimentos médicos em certas circunstâncias, e até ter participação nas decisões familiares, como questões de custódia em casos de divórcio. (BRASIL, 1990) (NUCCI, 2015)

Sendo assim, é coerente entender que a norma exagera ao delimitar a idade em 14 anos, e não em 12 anos, já que para vários outros aspectos, entende-se que o maior de 12 anos já possui discernimento suficiente para entender o que é certo e errado, e tomar algumas decisões.

Ainda sobre a relativização da vulnerabilidade, é fácil entender a necessidade de que essa vulnerabilidade, trazida pelo artigo 217-A do Código Penal, não seja considerada absoluta. Isto porque, ao se imaginar uma situação em que dois adolescentes, com 13 anos cada, tenham algum tipo de relação sexual consensual, caso a vulnerabilidade de ambos seja considerada absoluta, isso significaria que ambos também devam responder pelo estupro de vulnerável. (BRASIL, 1940)

Com isso, deve o tema ser apreciado também sob o prisma da Teoria da Tipicidade Conglobante de Zaffaroni, na qual parte do princípio de que a interpretação dos tipos penais no Direito Penal não deve se limitar apenas aos elementos estritamente delineados na lei, mas deve estender-se ao contexto geral da conduta criminosa. Nessa perspectiva, é fundamental destacar a importância de se examinar a ação delituosa como um todo, levando em consideração todos os fatores relevantes que a envolvem. (ZAFFARONI, 2002) 

Nesse sentido, ao examinar uma conduta segundo a teoria do crime adotada pelo direito penal brasileiro, na análise da tipicidade da conduta, têm-se a figura da tipicidade material, que vai além da mera adequação da conduta ao tipo penal, levando-se em consideração aspectos como a relevância do resultado e o princípio da ofensividade, ou seja, se a conduta foi capaz de gerar um dano juridicamente relevante, lesando o bem jurídico tutelado pela norma em exame. (GOMES, 2006)

Por tanto, levando-se em consideração o real dano que uma relação sexual consentida entre dois adolescentes (sendo pelo menos um deles menor de 14 anos) causa ao bem jurídico tutelado pelo artigo 217-A do Código Penal, a tipicidade material deixa de existir, pois, não há que se falar em lesão à dignidade sexual, quando se trata de uma relação sexual consentida, na qual os envolvidos estão em uma mesma fase de descobrimento e desenvolvimento sexual. (BRASIL, 1940) (NUCCI, 2015)

Assim defende Machado, em seu livro “A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e dos Direitos Humanos”, ao dizer que, no caso de adolescentes menores de 14 anos que praticam relação sexual consentida, o nível de “capacidade” para compreender e desejar o ato sexual é equivalente, ou muito parecido, entre as duas pessoas, não havendo uma real ofensa à liberdade sexual de nenhuma delas. (MACHADO, 2003)

3.3 REQUISITOS E PRESSUPOSTOS PARA A APLICAÇÃO DA EXCEÇÃO NO BRASIL 

Apesar de que a teoria da Exceção de Romeu de Julieta tenha o propósito de descriminalizar um ato sexual entre dois indivíduos que estão em uma mesma fase de descobrimento sexual, é preciso seguir dois requisitos básicos para sua aplicação. 

Primeiro requisito: O mais fundamental dos requisitos se trata justamente do consentimento, que só é possível de se apreciar com a relativização da vulnerabilidade trazida pelo caput do artigo 217-A do Código Penal. Por tanto, essa teoria não visa descriminalizar, por exemplo, a conduta de um rapaz que, sem o consentimento de uma menor de 14 anos, pratica uma relação sexual sob violência ou grave ameaça com ela, devendo, nesse caso, responder conforme prevê o ordenamento jurídico, seja pelo ato infracional análogo ao crime de estupro de vulnerável ou pelo próprio crime de estupro de vulnerável. Porém, em uma situação na qual, dois indivíduos, sendo pelo menos um deles menor de 14 anos, praticam uma relação sexual consentida, deve, nesse caso, ser a vulnerabilidade da suposta vítima relativizada, a fim de que seu consentimento seja juridicamente relevante para a aplicação da teoria da Exceção de Romeu e Julieta. (NUCCI, 2015) 

Segundo requisito: A diferença da idade entre os sujeitos é outro fator importante, tendo em vista que não basta apenas o consentimento para a aplicação da exceção, se, por exemplo, um sujeito da relação sexual tiver 12 anos e o outro 40. Por isso, alguns doutrinadores, como Aury Lopes Jr. e Maria Berenice Dias, inclusive delimitam uma diferença de idade de no máximo 5 anos (como exemplo: uma pessoa com 13 anos de idade e a outra com 18 anos), como parâmetro para a aplicação da Exceção de Romeu e Julieta ao caso concreto. Porém, é importante salientar que existem diversos casos em que a diferença de idade é maior que 5 anos, e mesmo assim a exceção é aplicada, já que não há nada firmado ainda sobre o tema, devendo cada caso ser analisado individualmente. (JUNIOR, 2020) (DIAS, 2019)

Existe um terceiro requisito tratado por alguns doutrinadores, como exemplo, Guilherme de Souza Nucci, que defende uma idade mínima de 12 anos para a vítima como critério de aplicabilidade da exceção. Apesar de considerar absoluta a vulnerabilidade do menor de 12 anos (criança), o autor é favorável à relativização quando se trata de maior de 12 anos (adolescente), tendo em vista que essa seria a demanda lógica do sistema legislativo, se analisado em conjunto. Isso se torna um requisito, caso analisado sob a mesma ótica de Nucci, pois, se segundo ele, só é possível relativizar a vulnerabilidade do maior de 12 anos, para uma relação sexual que envolva um menor de 12 anos, essa criança seria considerada absolutamente vulnerável, independendo de consentimento e diferença de idade com o outro sujeito para a configuração do delito. Porém, cabe salientar que esse “terceiro requisito” não é muito discutido ainda, ficando como principais pressupostos para a aplicação a teoria da Exceção de Romeu e Julieta, os requisitos do consentimento e da diferença de idade. (NUCCI, 2015)

É importante ter cautela ao analisar a aplicabilidade da teoria de forma comparativa entre o Brasil e outros Estados, pois a cultura da sociedade de cada país deve ser levada em consideração para entender quais são as adequações a serem adotadas pelo ordenamento jurídico.  

Nos Estados Unidos da América, país extremamente puritano, alguns Estados proíbem a prática de relação sexual até mesmo com menores de 18 anos, demonstrando excessivo rigor em relação a valores morais e de comportamento. 

Já no Brasil, a sexualidade é vista de forma diferente, sendo um tema muito presente na música, em novelas, nas redes sociais, podendo ser percebida a diferença de cultura até mesmo no vestuário, como os trajes de banho. 

Diante disso, é normal que a sociedade não veja com maus olhos um relacionamento amoroso consentido, entre pessoas com pouca diferença de idade, tendo em vista que é de conhecimento geral que os adolescentes são cada vez mais expostos ao mundo sexual de forma precoce, sendo natural que a curiosidade por esse tema chegue mais cedo do que o esperado.

Por tanto, observando os requisitos para a aplicabilidade da teoria, deve a vulnerabilidade do menor de 14 anos ser relativizada, de modo a evitar que haja punição, quando o bem jurídico tutelado sequer foi lesado.

O Direito Penal possui diversos mecanismos para que seja adotada a teoria da Exceção de Romeu e Julieta, sendo a exclusão da tipicidade material talvez a mais apropriada, já que, nesse caso, sequer seria instaurado um processo judicial em face do acusado, que por si só já se trata de um grande fardo na vida de qualquer pessoa.

Dessa forma, apesar de já ser aplicada em alguns casos isolados, a pacificação da teoria da Exceção de Romeu e Julieta no Brasil seria de grande importância, tendo em vista que evitaria a disparidade de decisões e não mais dependeria do entendimento individual de cada operador do direito.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Ao ponderar os requisitos para a viabilidade da teoria da Exceção de Romeu e Julieta, torna-se evidente a necessidade de uma abordagem mais flexível e contextualizada no sistema legal brasileiro. A relativização da vulnerabilidade de menores de 14 anos em relacionamentos amorosos consentidos é uma medida que se alinha com a cultura e as dinâmicas sociais do país. Isso não apenas evitaria punições desproporcionais quando o bem jurídico tutelado não foi prejudicado, mas também contribuiria para evitar a sobrecarga do sistema judiciário com casos que poderiam ser resolvidos de maneira mais eficiente.

O Direito Penal brasileiro oferece diversos mecanismos para incorporar a teoria da Exceção de Romeu e Julieta, e a exclusão da tipicidade material se mostra uma alternativa apropriada para evitar a instauração de processos judiciais que, por si só, já impõem um grande fardo na vida dos envolvidos. Portanto, a adoção dessa teoria no Brasil é crucial para garantir uma maior consistência e justiça nas decisões judiciais nos casos que preenchem os requisitos para a aplicação da teoria.

Nesse sentido, a pacificação da teoria da Exceção de Romeu e Julieta no Brasil representa um passo significativo em direção a um sistema legal mais adaptado à complexa tapeçaria cultural da sociedade brasileira. Além disso, ela reduziria a dependência do entendimento individual de operadores do direito, contribuindo para uma aplicação mais uniforme e equitativa da lei e garantindo a justiça e os direitos dos envolvidos em tais casos.

5 REFERÊNCIAS 

BRASIL. Código Criminal do Império do Brasil de 1830. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1831. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm. Acesso em: 23/10/2023.

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BRASIL. Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890. Promulga o Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 11 out. 1890. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/d847.htm. Acesso em: 23/10/2023.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em 19/05/2023.

BRASIL. Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005. Dispõe sobre o sistema de consórcio e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 mar. 2005. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11106.htm. Acesso em: 23/10/2023.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 593. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2017_46_capSumulas593-600.pdf> Acesso em: 23/10/2023.

COLVARA, Gabriel. A exceção de Romeu e Julieta: Uma análise sobre a compatibilidade do instituto norte americano com o ordenamento jurídico nacional. Artigo científico, Apresentação na Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, 30 de julho de 2014.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.

GOMES, Luiz Flávio. Tipicidade material e a tipicidade conglobante de Zaffaroni. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1048, 15 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8450. Acesso em: 23 out. 2023.

JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2020.

NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal: arts. 213 a 361 do código penal, 7ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2015.

TOLEDO MACHADO, Martha de. A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e Os Direitos Humanos. Barueri/SP: Manole, 2003.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIARANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Parte geral. 4ª edição. São Paulo: RT, 2002.


1 Graduando do curso de Direito da IES UNA Bom Despacho. E-mail: pablohenrique002@hotmail.com. Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de graduação em Direito da IES UNA Bom Despacho como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. 2023. Orientadora: Pauliana Maria Dias – Mestre em Direito Processual.
2 Graduando do curso de Direito da IES UNA Bom Despacho. E-mail: pedrolucastap@hotmail.com. Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de graduação em Direito da IES UNA Bom Despacho como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. 2023.
3Orientadora – Mestre em Direito Processual.