A POLÍTICA PÚBLICA DE DESJUDICIALIZAÇÃO E O ACESSO À JUSTIÇA CÉLERE NA EXECUÇÃO CIVIL POR MEIO DO TABELIONATO DE PROTESTO EM CACULÉ (BA)

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7603493


Amanda Poliana Ferreira Nunes1
Edson José de Souza Júnior2


Resumo

O presente artigo trata sobre a política de desjudicialização e o acesso à ordem jurídica justa na execução civil, por meio do Tabelionato de Protesto em Caculé (BA). Tem-se por objetivo central fazer uma análise da contribuição que os tabeliães de protesto têm dado no desenvolvimento regional ao assumir atividades que facilitam o pagamento das dívidas, e promove a desjudiciliazação. Trata-se de pesquisa de natureza bibliográfica e documental, que tem por norte responder às seguintes questões: É possível utilizar os tabeliães de protestos do Brasil, como um instrumento a mais para fomentar o acesso à justiça nas ações de execução civil, promovendo o acesso à justiça e a ordem jurídica justa? Como a atuação do Tabelionato de Protesto de Caculé (BA) pode impactar no desenvolvimento regional? Utilizou-se como referência teórico Araújo (2019); Cappelletti e Garth (1998); Figueira Júnior (2020); Sen (2010); Siedenberg (2006); Watanabe (2011), dentre outros. Também se utilizou da vasta legislação referente à desjudicialização, em especial do Projeto de Lei n. 6.204 (BRASIL, 2019). Desta forma, conclui-se que os tabelionatos de protesto podem colaborar ainda mais ao acesso à ordem jurídica justa, com celeridade e segurança, sendo um excelente instrumento de pacificação social e recuperação de créditos, podendo contribuir decisivamente para o desenvolvimento regional.

Palavra-chave: desjudicialização; acesso à ordem jurídica justa; tabelionado de protesto; desenvolvimento regional; Caculé (BA).

Introdução

Equilibrar a quantidade de ações que são ajuizadas anualmente junto ao Poder Judiciário, com as ações que se encerram no mesmo ano é um desafio para os Tribunais brasileiros, isso se deve ao fenômeno da hiperjudicialização de problemas que ocorre no país. 

Então, diante de uma demanda que cresce em contraponto com o limite fisico, humano e intelectual que há no Poder Judiciário, foi-se construindo a ideia de justiça multiportas, e sobre a importância da desjudicialização. Nesse contexto, o foco é a prestação jurisdicional seja eficiente, no que se traduz na ideia de previsibilidade, baixo custo e duração razoável do processo.

Contudo, ter acesso à jurisdição tradicional é apenas um dos aspectos do acesso à justiça e que não se confunde, pois ter acesso à ordem jurídica justa consubstancia na resolução do problema de forma ágil, segura e que conduza a pacificação social, independentemente de ter sido solucionado por meio de uma decisão judicial.

Nesse contexto o presente trabalho visa apresentar o tabelionato de protesto como um agente de desenvolvimento regional posto que funciona como um facilitador do acesso à justiça, na recuperação de crédito, e portanto, como fomentador da atividade econômica por meio da disponibilização de recursos financeiros que geralmente ficam inacessíveis por um período muito grande, quando comparada com o uso tradicional da Jurisdição.

Como justificativa para a pesquisa pode-se citar que o acesso à justiça é um dos marcos do desenvolvimento de um país, e no Brasil há uma hiperjudicialização das dívidas, o que tem gerado alta taxa de congestionamento, assim o processo de desjudicialização por meio do tabelionato de protesto pode ser eficiente na recuperação de crédito, e no desenvolvimento regional.

Então, como já dito acima, será necessário analisar como os tabeliães de protesto tem auxiliado no processo de desjudicialização brasileiro nos últimos anos, e como sua atuação tem contribuído para o cumprimento da Meta 9 do Conselho Nacional de Justiça. Esclarecendo se é possível ampliar as competências do Tabelião de Protesto no âmbito das execuções civis. 

A pesquisa bibliográfica e documental serão as principais fontes de pesquisa, sobretudo, bem como legislação vigente, além de resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e projetos de lei, além documentos de organizações internacionais como Organizações das Nações Unidas (ONU), notadamente a Agente 2030. E foi utilizado como referencial teórico Araújo (2019); Cappelletti e Garth (1998); Figueira Júnior (2020); Sen (2010); Siedenberg (2006); Watanabe (2011), dentre outros. 

Desta feita, busca-se responder a seguinte questão norteadora: É possível utilizar os tabeliães de protestos do Brasil, como um instrumento a mais para fomentar o acesso à justiça nas ações de execução civil, promovendo o acesso à justiça e a ordem jurídica justa? Como a atuação do Tabelionato de Protesto de Caculé (BA) pode impactar no desenvolvimento regional?

Assim, o propósito o trabalho é fazer uma análise da contribuição que os tabeliães de protesto têm dado no desenvolvimento regional ao assumir atividades que facilitam o pagamento das dívidas, e promove a desjudiciliazação. Nesse contexto, espera-se apresentar dados concretos sobre esses processos e avaliar se outras mudanças também podem ser incorporadas no processo.

Os principais conceitos a serem trabalhados, são os novos olhares sobre o acesso à justiça, a justiça multiportas, qual a efetividade do acesso à justiça; qual o  papel da justiça no desenvolvimento regional, como o tabelião de protesto coopera na recuperação de crédito; e os impactos da atuação no desenvolvimento regional, principalmente em cidades pequenas.

2. DESENVOLVIMENTO 

2.1 METODOLOGIA

O presente artigo objetiva apresentar através da estratégia metodológica a realização de uma breve revisão bibliográfica análise de documentos normativos, especialmente a Lei n. 9.492 (Brasil 1997), alterada pela Lei n. 12.767 (BRASIL, 2012), e o Projeto de Lei n. 6.204 (BRASIL, 2019), Lei n. 13.105 (BRASIL,2015) – parte de execução; e a  Meta 9 (CNJ, 2020), que visa integrar a Agenda 2030 ao Poder Judiciário, que trata de apresentar uma nova modalidade de execução civil por meio do tabelião de protesto, como forma de fomentar a economia, e reduzir a morosidade judicial, nos moldes do direito português.

De modo que a pesquisa bibliográfica objetiva relatar o que já foi pesquisado e tenham conhecimento teórico, e qual as mudanças propostas pelo referido Projeto de Lei, e como as mudanças foram implantadas no direito português.

Já a pesquisa documental será limitada a análise dos documentos normativos citados, com análise e crítica ao referido Projeto de Lei, e sugestão de alteração, a fim de que possa superar os obstáculos atualmente existentes, comparando ainda com os avanços alcançados pelo protesto de Certidão de Dívida Ativa (CDA).

Foi realizada uma pesquisa bibliográfica de referência do funcionamento da execução em Portugal, e sobre o Projeto de Lei n. .204 (BRASIL, 2019), além de pesquisa na internet à procura de teses, artigos e dissertação nas bases de dados do Google Acadêmico, e Scielo sobre o assunto, com a descrição dos seguintes descritores ou palavras chaves: Desjudicialização; impactos econômicos, execução civil, agente de execução,  tabelionato de protesto. 

2.2. PROBLEMATIZAÇÃO

O problema de pesquisa aborda a política da desjudicilização da execução civil como parte da solução para fomentar o acesso à justiça célere no que tange ao tema, com a transferência dessa competência aos Tabeliães de Protesto, que atuarão como agentes de Execução, com recorte no Município de Caculé (BA), posto que a comarca engloba aproximadamente sessenta mil habitantes, com mais de seis mil processos, e com apenas um juiz de direito. 

Assim, com essa análise crítica- reflexiva sobre o tema, é possível compreender que as ações judiciais e a forma de condução das execuções civis têm impacto direto no custo do crédito, e na taxa de juros do país, que podem ser reduzidas, se o risco do credor diminuir. 

É possível utilizar os tabeliães de protestos do Brasil, como um instrumento a mais para fomentar o acesso à justiça nas ações de execução civil, promovendo o acesso à justiça e a ordem jurídica justa? Como a atuação do Tabelionato de Protesto de Caculé (BA) pode impactar no desenvolvimento regional?

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1  Evolução do conceito de acesso à justiça

Nas últimas décadas houve uma re-contextualização do termo acesso à justiça, que passou a ser compreendido como algo para além do poder judiciário, e isso se devem ao fato, de que é intrínseca a relação dos marcos de desenvolvimento de um país com a efetividade da prestação do serviço pelo Estado, que pode ser contabilizado e quantificado com as ferramentas atuais de gestão.

Nesse cenário os países têm investido em modernizar e melhorar o Poder Judiciário, como forma de pacificar os conflitos levados a apreciação, e reduzir o tempo e o custo das demandas. 

Há no Brasil uma preocupação com a taxa de congestionamento do Judiciário, e para corrigir esse problema, inúmeras mudanças já foram implementadas, especialmente com Emenda Constitucional n. 45 (BRASIL, 2004), que trouxe como garantia constitucional a razoável duração do processo, no artigo 5, inciso LXXVIII: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. (BRASIL, 1988).

Além disso, nesse mesmo período foi criado o Conselho Nacional De Justiça (CNJ), que passou a integrar o artigo 103- B da Constituição Federal (BRASIL, 1988), com competência para controle administrativo do Poder Judiciário, o que fez com que houvesse a quantificação dos processos e os custos individuais de cada serviço prestado na Justiça.

Nesse cenário ficou evidenciado que o grande gargalo atual do Poder Judiciário é sua taxa de congestionamento e o tempo de duração dos processos, que, elevam o custo dos processos, e causam o descrédito aos litigantes, já que uma sentença favorável demorada, também provoca sensação de injustiça. Tais fatos impactam diretamente na economia, já que encarecem os juros e os custos das transações comerciais, uma vez que se embute nos contratos o tempo excessivo da lide processual no Brasil.

Como Pinheiro (2009) escreve em seu livro o Judiciário e a economia do Brasil, resta evidente que as ações da justiça refletem na economia, e uma das formas de se impulsionar a economia é garantir que o Poder Judiciário seja célere, imparcial, e com decisões mais previsíveis, e para tanto, é necessário adotar novos modelos para modernização da estrutura do judiciário.

Para corroborar a importância da proposta, fez-se uma análise dos dados publicados no Relatório Justiça em Números de 2021 (CNJ, 2021), que traz os números das ações de execuções fiscais e civis no Brasil, e estas representam mais da metade dos processos pendentes, ou seja, são 52% (cinquenta e dois por cento ) ou 39 (trinta e nove) milhões de processos, isso de um total de 75 (setenta e cinco) milhões de processos que tramitam na justiça. E desses 39 milhões de execuções pendentes, quase 11 milhões são execuções civis.

Em relação ao tempo de duração dos processos, de acordo com o Relatório de 2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que a fase de conhecimento é mais rápida do que a fase de execução, mesmo que seja apenas para concretização de direito reconhecido em sentença ou em título judicial. No caso da instrução ou conhecimento, a média de prazo do processo é de um ano e sete meses, com taxa de congestionamento de 58%, e no caso da fase de execução, tem-se um prazo de quatro anos e três meses, com uma taxa de congestionamento de 82% (BRASIL, 2020).  

Diante da proposta de analisar criticamente sobre a possibilidade dos tabeliães de protesto do Brasil assumir os procedimentos de execuções civis nos termos do Projeto de Lei n. 6.204 (BRASIL, 2019). 

Ao propor essa alteração legislativa busca-se reduzir a demanda de ações judiciais em situações que já foram definitivamente julgadas pelo Poder Judiciário, e em casos em que os títulos estão aptos a serem executados, observa-se que nesses casos não há qualquer dúvida ou questionamento quanto ao direito, que já foi decidido no processo de conhecimento pelo Juiz, assim, haverá a transferência apenas do procedimento de compensação ou pagamento do que é devido ao credor.

Em relação ao direito comparado é possível identificar que muitos países já fizeram a transferência desses procedimentos para a esfera privada, e no caso modelo do projeto de lei apresentado, tem-se como paradigma o caso de Portugal, que trouxe a figura do agente de execução concentrada nos tabeliães de protesto.

O projeto visa resolver apenas parte da demanda do poder judiciário, já que não entram as execuções fiscais, que possuem outra tramitação, e há outros projetos de lei que abordam o tema. Além disso, é salutar destacar que muitas melhorias e inovações vêm sendo feitas pela Justiça Brasileira, e os resultados já são notórios quando comparados a década passada, já que atualmente é possível controlar, mapear e definir os passos de casa processo protocolado nos tribunais brasileiros.

Esclarece-se ainda que de acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a taxa de congestionamento do judiciário está em sete anos, ou seja, esse seria o prazo para julgar todas as ações judiciais hoje em andamento no país, sem que nenhum outro processo fosse protocolado, tal fato é demonstra o quão urgentes e necessárias são as propostas que buscam maximizar o acesso à justiça por outros meios, especialmente pela desjudicialização de algumas demandas para que haja efetiva prestação de serviço.

Diante dessa situação é evidente que as mudanças são benéficas, e vão gradativamente acelerando a prestação jurisdicional, e no caso em tela, com a transferência das execuções civis, projeta-se que haverá uma queda de mais de cinco milhões e processos, ao considerar a transferência de cinquenta por cento do acervo parado, o que já permite aos juízes e servidores se dedicarem mais tempo as demandas que são imprescindíveis da atuação estatal.

Voltando ao tema das execuções civis, é preciso destacar que a transferência do procedimento não afasta o acesso à justiça, especialmente porque como descrito acima o que se irá transferir é o acesso ao crédito do credor, ou seja, já houve um momento para que o devedor apresentasse sua defesa. Paralelo a isso, o fato de haver morosidade, e excesso de recursos, só desacredita a justiça, já que a pessoa tem a decisão favorável, mas não tem acesso ao crédito a que tem direito. 

Assim, socorremo-nos de Watanabe (2011, n.p) para deliminar o  acesso à justiça e a ordem jurídica justa, quando assevera que:

o princípio de acesso à justiça inscrito n. XXXV do art. 5.º da  Constituição Federal, não assegura apenas acesso formal aos órgãos judiciários, e sim um acesso qualificado que propicie aos indivíduos o acesso à ordem jurídica justa, no sentido de que cabe a todos que tenham qualquer problema jurídico, não necessariamente um conflito de interesses, uma atenção por parte do Poder Público, em especial do Poder Judiciário. Assim, cabe ao Judiciário não somente organizar os serviços que são prestados por meio de processos judiciais, como também aqueles que socorram os cidadãos de modo mais abrangente, de solução por vezes de simples problemas jurídicos, como a obtenção de documentos essenciais para o exercício da cidadania, e até mesmo de simples palavras de orientação jurídica. Mas é, certamente, na solução dos conflitos de interesses que reside a sua função primordial, e para desempenhá-la cabe-lhe organizar não apenas os serviços processuais como também, e com grande ênfase, os serviços de solução dos conflitos pelos mecanismos alternativos à solução adjudicada por meio de sentença, em especial dos meios consensuais, isto é, da mediação e da conciliação. (WATANABE, 2011, n.p)

Certamente, que uma recuperação de crédito mais célere e segura impacta diretamente a economia, e representa aumento no custo do crédito, especialmente quanto à taxa de juros e nos riscos dos negócios. Desta feita, o acesso à justiça entendido para além do acesso ao Poder Judiciário, bem como a uma ordem juridicamente justa (célere e segura) são fatores fundamentais para o desenvolvimento regional.

3.2. O processo de desjudicialização no Brasil

A relação de direito e economia tem sido objeto de inúmeros estudos especialmente a partir dos anos 2000 quando a economia brasileira ampliou o processo da globalização, nesse enfoque Pinheiro (2003), escreveu um artigo em que tratou de modo intrínseco essa relação, e colocou em evidência quais os principais desafios da justiça brasileira, no aspecto desenvolvimento econômico, e para tanto o autor utilizou um estudo do Banco Mundial sobre o tempo médio da resolução dos processos judiciais e as diferenças foram enormes, quanto à regulamentação, prática acesso à justiça e tempo médio de resolução, cita-se:

 Estudo realizado pelo Banco Mundial, com participação de escritórios de advocacia Lex Mundi e Lex Africaque fizeram uma análise sobre a qualidade dos sistemas judiciais e legais em 109 países especialmente no caso de despejo de inquilino e cobrança de cheque. (Pinheiro, 2003)

Pegando esse gancho com o estudo foi possível ao autor concluir que o Judiciário é uma instituição econômica, e precisa de clareza quanto à “garantia de acesso, previsibilidade e presteza dos resultados” como dispôs Sherwooet al (1994,  p.7). E com base nisso o autor realizou um estudo com empresários brasileiros, que apontaram as principais dificuldades do acesso à justiça no Brasil, e seu impacto na economia brasileira.

E pelo estudo apresentado o autor concluiu que há muita reclamação dos empresários no campo da falta de previsibilidade das decisões, a demora e custos das ações, que elevam os custos do crédito brasileiro, já que os investidores demoram a recuperar o que investiram, quando se socorrem ao Poder Judiciário Brasileiro.

Pensando nos desafios impostos pelo Poder Judiciário brasileiro em modernizar os serviços foi incluído como meta do Judiciário a Agenda 2030- ODS 16 (ONU, 2015): Serviços Extrajudiciais e Políticas Públicas de Desjudicialização (NASCIMENTO;  SILVA, 2021) que trouxe uma pesquisa para efetivação da ODS – 16 prevista na Agenda 2030, que foi incorporada no ordenamento jurídico brasileiro como um desdobramento de efetivação do acesso a justiça previsto no artigo 5°, inciso XXXV da atual Constituição Federal (BRASIL, 1988), “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Nesse aspecto, Cappelletti e Garth (1988) escreveram que havia três ondas de acesso à justiça, a primeira- “assistência judiciária”; a segunda- “interesses difusos”; e a terceira – “acesso à justiça”. Esse aspecto da justiça está superado e nas últimas décadas pode-se concluir que o desafio da justiça brasileira passa pelo aumento substancial no número de ações judiciais, cumulado com a baixa resolução das demandas, conforme números da Justiça Aberta de 2020, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Com o novo cenário pensar em soluções a esse problema passou a ser uma busca pelos juristas, e há mais de uma é cada já se tem entendido que a inafastabilidade da jurisdição prevista na vigente Constituição Federal (BRASIL, 1988), no artigo 5°, inciso XXXV não significa exclusividade de jurisdição, surgindo à expressão “sistema de justiça multiportas” que utiliza a atividade extrajudicial como um parceiro, já que surge como uma alternativa confiável para facilitar a resolução de demandas judiciais pela população.

Tanto que desde o ano de 2019 com a celebração do Pacto pela Implementação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU, 2015), foi aprovada a Meta 9 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que visa integrar a Agenda 2030 aos órgãos do Poder Judiciário, com objetivo de fomentar ações de prevenção e/ ou litígios vinculados a ODS. O termo justiça multiportas ou multidoor cour thouses tem suas origens em 1976 nos Estados Unidos da América, e foi formulado pelo Professor Frank Sander em uma conferência que propunha a reformulação do papel dos tribunais, que não seriam mais um local de julgamento de demandas, mas seria um centro de resolução de conflitos, isso na Pound Conference.

O termo ganhou destaque no Brasil, e muito se tem dito e escrito sobre ele, tanto que nas duas últimas décadas muitas leis foram formuladas com o intuito de efetivar o conceito de acesso a justiça por outros caminhos; e, tais leis reformularam conceitos antes consolidados do que seria devido processo legal, e acesso a justiça, mas ainda há muito que se pode rever, já que a desjudicialização ainda encontra resistência entre alguns operadores do direito e parte da população.

A evolução na prestação jurisdicional perpassa pela superação de conceitos que ainda são intrínsecos a noção processual de prestação jurisdicional, e isso encontra guarida na atual Constituição Federal (BRASIL, 1988) que no inciso XXXV do artigo 5º dispõe que: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, que consagrou o princípio da inafastabilidade da jurisdição, que veio como um garantidor de direitos, e corretor de injustiças, tendo em vista que a Constituição Federal de 1988 foi formulada após um longo período de ditadura, que significou um período de muitas violações dos direitos individuais.

Assim, ao passo que houve um avanço para o período em que foi escrito, nos Estados Unidos há quase uma década antes disso, já vinha se discutindo como acessar a justiça para além do Poder Judiciário. 

Dadas as particularidades de cada país em seus avanços e retrocessos, no Brasil, desde a Emenda Constitucional n. 45 (BRASIL, 2004), tem se trabalhado em prol da eficiência dos serviços prestados pelo judiciário, especialmente com a organização administrativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que adotou novas metas de modernização, uso de tecnologias e desjudicialização como metas a serem implementadas.

Nesse aspecto a transferência de atividades ao extrajudicial tem sido constante ao longo dos últimos quinze anos, isso porque a atividade notarial e registral é altamente regulada, com vinculação direta ao Poder Judiciário, e, portanto de fácil fiscalização, e tem como princípios prevenção de litígios, com observância à legislação vigente, nesse sentido pode-se citar a conciliação – Provimento/CNJ/n. 67 (BRASIL, 2018), a solução consensual de conflitos – Resolução/CNJ/n. 35 (BRASIL, 2007), a execução da alienação fiduciária da Lei n. 9.514 (BRASIL, 1997), a separação, divórcio, inventário e partilha da Lei n. 11.441 (BRASIL, 2007), as retificações administrativas de nome, gênero, Provimento/CNJ/n. 63(BRASIL, 2017),a Lei n. 6.015 (BRASIL, 1973), também conhecida como Lei dos Registros Públicos (LRP), a Lei  n. 8.951 (BRASIL, 1994) que trata da consignação em pagamento extrajudicial, com a inserção do § 1° no art. 890 do antigo Código de Processo Civil (CPC) – Lei n. 5.869 (BRASIL, 1973), e tantos outros processos de desjudicialização que envolveram o serviço extrajudicial como um todo.

Para além dessas leis, é preciso destacar que o atual Código de Processo Civil (CPC) contribuiu muito para novas formas de se pensar o sistema processual brasileiro, já que no artigo 3º, §§2º e 3º, do Código de Processo Civil (CPC) – Lei n. 13.105 (BRASIL, 2015), trouxe a mediação, a conciliação, a negociação direta e a negociação assistida como forma de resolução consensual de conflitos, juntamente com a Lei n. 13.140 (BRASIL, 2015) e o Provimento 67(BRASIL, 2018) que foram o início legal da mediação no Brasil. E a arbitragem, regulada pela Lei n. 9.307(BRASIL, 1996). 

Cita-se ainda a Lei 13.105 (BRASIL, 2015) , atual Código de Processo Civil que trouxe a usucapião extrajudicial; que gerou alteração no artigo 216-A na Lei nº 6.015 (BRASIL, 1973), e a criação da Resolução/ CNJ nº 65 (BRASIL, 2017), bem como trouxe a consignação em pagamento extrajudicial – artigo 539, §§ 1º a 4º, da Lei 13.105 (BRASIL, 2015);  a homologação do penhor legal extrajudicial – artigo 703, §2º, Lei 13.105 (BRASIL, 2015) ; a divisão e demarcação de terras particulares extrajudicial artigo 571, Lei 13.105 (BRASIL, 2015); a Ata Notarial como meio de prova típico artigo 384, Lei 13.105 (BRASIL, 2015); a possibilidade de averbação premonitória artigo 828, Lei 13.105 (BRASIL, 2015); o protesto de decisão judicial transitada em julgado – artigo 517, Lei 13.105 (BRASIL, 2015) , e a penhora de imóvel devidamente matriculado por termo nos autos – artigo 845, § 1º, Lei 13.105 (BRASIL, 2015); a dispensa de homologação, de sentença estrangeira de separação e divórcio puros pelo Superior Tribunal de Justiça,  artigo 961, § 5º, Lei 13.105 (BRASIL, 2015) e Provimento/CNJ n. 53 (BRASIL,2016).

Nesse contexto se desenvolveu o fenômeno da desjudicialização, no Brasil, que se apresenta em duas principais vertentes, uma utilizando a jurisdição voluntária por meio dos cartórios extrajudiciais e outra por meio da arbitragem.

Em relação à primeira vertente que utiliza os cartórios, pode-se citar o protagonismo dos tabeliães de Protesto na recuperação de crédito. Isso porque a função e as atribuições destes profissionais do direito se modernizou, e ampliou, consolidando-se como verdadeiros fomentadores da recuperação local do crédito, seja ele privado ou público, especialmente pela introdução da possibilidade do protesto das Certidões de Dívida Ativa (CDAs), no 1º da Lei n. 9.492 (BRASIL, 1997), inserido pelo artigo 25 da Lei n. 12.767 (BRASIL, 2012): “o protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida”.

 Inicialmente houve muito questionamento quanto à legalidade do protesto das Certidões de Dívida Ativa (CDAs), sob o argumento de que tratava de uma forma de abuso de direito, já que a Fazenda Pública teria uma forma especial de cobrança dos seus débitos tributários, que tem caráter coercitivo e obrigatório, e que seria uma forma de punir coativamente os devedores, que diferem dos débitos privados, que geralmente são acordados pelas partes.

Nesse sentido houve a propositura pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 5.135, que foi iniciado o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na data de 3/11/16 em que analisava o questionamento da constitucionalidade alteração legislativa, que incluiu no rol dos títulos sujeitos a protesto as Certidões de Dívida Ativa (CDAs) da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.

A Impetrante arguiu que o protesto de Certidão de Dívida Ativa (CDA) não encontrava respaldo legal ou vinculação com a atividade notarial do protesto, posto que “teria o único propósito de funcionar como meio coativo de cobrança da dívida tributária, procedimento esse que revela verdadeira sanção política”. Além da inconstitucionalidade formal arguida, a Impetrante ainda alegou que haveria um vício formal.

No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 5127 os Ministros da Suprema Corte entenderam que o uso do protesto pela Fazenda Pública facilita a recuperação de crédito, já que o protesto não constitui sanção, e sim modo legítimo de acesso rápido ao crédito, e não afronta a Constituição e a legislação vigente.

E o protesto não viola o acesso a justiça como bem pontuou o ministro Luís Roberto Barroso, “o fato de haver o protesto não impede o devedor, o contribuinte, de questionar judicialmente a dívida ou a legitimidade do próprio protesto”. E que a utilização do protesto como meio de cobrança além de adequada, é meio menos gravoso do que a Execução Fiscal, já que esta última permite a penhora de bens do devedor até o limite da dívida; e contribui para a desjudicialização dos litígios, e facilita a solução dos conflitos.

Como se pode observar, os argumentos utilizados no julgamento da referida Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) pelos Ministros da Suprema Corte Brasileira, também podem ser utilizados para o caso da execução civil ser realizada nos tabelionatos de protesto, dada a rapidez do procedimento de títulos e documentos de dívidas apresentados a protesto.

3.3. Alterações na execução civil – Projeto de Lei n. 6.204 (BRASIL, 2019)

Como já demonstrado acima, o processo de desjudicialização pode ser entendido como a busca e implantação de mecanismos fora do Poder Judiciário, mas que assegurem aos solicitantes o acesso à justiça com a resolução das lides propostas.

Muito se avançou nesse sentido nas duas últimas décadas, mas inúmeros outros projetos estão para serem votados no Congresso Nacional, com o intuito de promover ainda mais a desjudicialização dos serviços.

Araújo (2019, p. 94) usou o termo extrajudicialização, como o “acesso a uma ordem jurídica justa com a utilização das serventias extrajudiciais, ou seja, dos cartórios extrajudiciais”.

Ainda em sua tese o escritor defendeu a transferência de parcela dos processos para os serviços extrajudiciais, o que foi feito inclusive com a reforma da Lei n. 6.015 (BRASIL, 1973), através da Lei n. 14.382 (BRASIL, 2022), como a possibilidade de alteração de nome e inclusão de sobrenome diretamente nos Registro Civis – artigo 56 e 57; ou ainda a adjudicação compulsória nos Registros de imóveis, artigo 216-B, já transferiu todo um procedimento que antes somente poderia ser realizado nas vias judiciais.

Nesse cenário, tem-se que é nos procedimentos de jurisdição voluntária que a extrajudicialização tem avançado, já que a cada ano, mais pessoas são assistidas através dos cartórios em suas demandas de divórcio, inventário e partilha extrajudiciais, como também nas retificação administrativa, usucapião extrajudicial, consolidação da propriedade fiduciária, recuperação de crédito de Certidão de Dívida Ativa (CDAs), e outros, e o sucesso nesses procedimentos podem indicar que haveria de ser eficiente a transferência da  execução civil. Figueira Júnior (2020b, p. 01) explica:

A extrajudicialização como técnica resolutiva, inclusiva, participativa e eficiente se afigura como um alvissareiro e iluminado caminho sem volta que há muito o Brasil já vem trilhando e reafirmando cada vez mais a sua exitosa prática, iniciada há 16 anos com a lei 10.931/04 que instituiu a retificação do registro imobiliário sem a atuação do Estado-juiz, a edição de tantas outras, tais como: inventário, separação e divórcio (lei 11.441/07), da retificação de registro civil (lei 13.484/17) e da usucapião instituída pelo Código de 2015 (art. 1.071-LRP, art. 216-A). FIGUEIRA JÚNIOR, 2020b, p. 01).

Esclarece-se que o caso paradigma é o português, que obteve grande êxito com a reforma do processo de execução em 2003, por meio do Decreto-Lei n. 38 (PORTUGAL, 2003) e, posteriormente, pelo Decreto-Lei n. 226 (PORTUGAL, 2008) Tais leis vieram depois de estudo para desburocratiza a execução portuguesa que era similar a praticada no Brasil, e, portanto considerada ineficiente, então, as legislações de 2003 e 2008 alteraram o procedimento executório para particulares, através da desjudicialização, implacando um grande marco de mudanças.

Com a implantação da legislação a execução civil portuguesa não era mais conduzida pelo magistrado, mas sim por um agente de execução, profissional liberal, que foi inspirado no modelo Francês, na figura do “huissier de justice“. Cabe ao Magistrado a atividade jurisdicional, e por outro lado, coube privativamente ao agente de execução conduzir o procedimento de satisfação do crédito. Esclarecendo sempre que os últimos estão sempre sujeitos a fiscalização do poder judiciário.

A execução civil passava por grande crise de morosidade, e as reformas de 2003 e 2008, foram necessárias para “adequar Portugal às diretrizes da União Européia, tornar o processo executivo mais célere e efetivo mediante uma duração razoável, bem como combater a morosidade da melhor forma e com o menor custo possível […]” (CALDAS; MEIRA, 2020, p. 347)

Nesse sentido a proposta apresentada pela Senadora Soraya Thronicke a partir da apresentação do Projeto de Lei n. 6.204 (BRASIL, 2019) segue a mesma tendência e possui o mesmo objetivo, já que visa reformular a recuperação de credito na execução civil, através do agente de execução, na figura do tabelião de protesto, que são agentes privados, habilitados em concurso público, com fiscalização do Poder Judiciário, o que irá contribuir sobremaneira com a efetividade e celeridade das ações executivas, e desafogará o Poder Judiciário, o que irá proporcionar maior circulação de dinheiro, e pode impactar diretamente na economia, já que poderá reduzir as taxas de juros.

Em apartada síntese o processo de execução de títulos executivos no Brasil se divide em dois, o primeiro são os títulos executivos judiciais, previstos no artigo 513 – 519 do Código de Processo Civil, e decorrem de uma decisão judicial; e os segundos são conhecidos como títulos executivos extrajudiciais, que são aqueles a que a lei confere força de títulos executivos, prevista a execução no artigo 784 e 515 do Código de Processo Civil (CPC) – Lei n. 13.105 (BRASIL, 2015).

O conceito de execução civil em uma palavra seria satisfação, como bem disse o Ministro Luiz Fux leciona que “executar é satisfazer.

O referido autor definiu a execução da seguinte forma: Fux (2019, p. 290). “a atividade executiva e ter-se-á um título executivo, seja ele judicial ou extrajudicial que fundamenta o pedido de satisfação, como um documento que representa uma obrigação certa, líquida e exigível”. 

De acordo com o projeto a execução extrajudicial se iniciaria com a apresentação do título protestado ao Agente de execução, que notificaria a parte para realizar o pagamento ou fazer a impugnação. O agente de protesto analisaria os  requisitos de admissibilidade e validade do título, citaria o devedor para pagamento no prazo de cinco dias, sob pena de atos expropriatórios. Nesse contexto o procedimento extrajudicial terminaria com o pagamento do crédito, e se finda com a satisfação do crédito ou com possível auto-composição das partes.

Há no projeto o respeito aos princípios da ampla defesa e do contraditório, que podem exercidos por aquele se sentir lesionado por meio da suscitação de dúvida ou através da impugnação de atos praticados pelo agente de execução, ou mesmo pode-se utilizar dos embargos à execução, oponíveis junto ao juiz de direito competente.

Esse procedimento facilita e muito o acesso ao crédito, e visa fomentar a circulação de riquezas, e reduzir os custos dos juros do país, que acabam sendo altos tendo em vista a dificuldade de o credor recuperar o que foi perdido através do atual processo de execução.

Em relação aos sujeitos do processo de execuções civis, tem-se que o “incapaz, o condenado preso ou internado, as pessoas jurídicas de direito público, a massa falida, e o insolvente civil” (BRASIL, 2019) ficarão de fora da reforma, havendo se seguir a execução apenas na via judicial.

As críticas ao projeto se firmam no sentido de que haveria a retirada por completo do processo de execução do poder judiciário, e que tal fato implica em redução de direito processuais, constitucionalmente garantidos. Outros alegam que o problema da morosidade do judiciário não está na justiça, mas na falta de bens e recursos dos executados, de modo que acreditam que mudança legislativa não irá melhorar em nada a recuperação judicial. Uma parte ainda defende não haverá de fato redução de processos, já que seriam muitas as ações contestando a atuação dos agentes de execução quer seja por embargos ou mandados de segurança.

Já os defensores do projeto afirmam que as novas regras não violam as garantias processuais que foram garantidas na Constituição Federal (BRASIL, 1988), já que há mecanismos na própria legislação para assegurar a ampla defesa. A crítica em relação a demora das ações por falta de recursos, não guarda guarida em pequenos municípios, já que há apenas um Juiz, que passa anos sem dar andamento as execuções por falta de tempo, então haveria sim uma facilidade na recuperação de crédito. Em relação à crítica de que não haveria redução de processos porque as demandas seriam transmutadas em outras, eles entendem que as pessoas efetivamente lesadas realmente devem se socorrer da justiça para corrigir eventuais cobranças indevidas, como já ocorre hoje quando há protesto irregular.

Cinta-se ainda dados da Procuradora da Fazenda Nacional, responsável pelo protesto, Renata Gontijo D’Ambrosio, destacou que o protesto das Certidões de Dívida Ativa (CDAs) surgiu como um mecanismo de cobrança indireta extremamente efetivo:

O índice de recuperação é alto em comparação com as demais formas diretas de cobrança tributária. Desde março de 2013 até outubro de 2015, alcançou o patamar de 19,2%, que representa 167.219 inscrições com valor consolidado de R$ 728.260.828,54.

(…)

Protesto de CDAs possui taxa de recuperação de 19%, o índice de recuperação é alto em comparação com as demais formas diretas de cobrança tributária”, diz Renata Gontijo D’ Ambrosio, procuradora da Fazenda Nacional. Execuções fiscais recuperam apenas 1% das dívidas.

Como demonstrado acima, há uma recuperação de 18% (dezoito porcento) a mais do que os processos das execuções fiscais, isso dados de 2016 disponíveis no site do Governo Federal, o que representa milhões de reais direcionados aos cofres públicos, recuperados pelo protesto.

O sucesso na recuperação de crédito da Certidão da Dívida Ativa (CDA) também ocorre no Mato Grosso do Sul (MS), que trouxe na primeira edição da revista Direito Notarial e Registral Mato Grosso do Sul (MS), da Associação dos Notários e Registradores de MS (Anoreg/MS), uma  entrevista com a Procuradora-Geral do Estado, Fabíola Marquetti Sanches Rahim, que ressaltou:

Desde o início do Termo de Cooperação até o final de 2020, a PGE encaminhou 359.441 CDAs para protesto. Embora a PGE não utilize apenas o protesto para recuperação de créditos, o instrumento é responsável pela recuperação de R$ 170 milhões aos cofres do Estado.

(…)

Vale lembrar que a Procuradoria-Geral do Estado adota duas formas de cobrança da Dívida Ativa: a administrativa e a judicial. “A cobrança por intermédio do ajuizamento de ações de execução fiscal não representa um efeito imediato em razão da conhecida morosidade no trâmite das ações no Poder Judiciário. A judicialização não é recomendável para a cobrança massiva. A cobrança administrativa é efetivada com a oferta celamento e, eventualmente, programas de Refis [Programa de Recuperação de Créditos Fiscais], que concedem grandes descontos. No entanto, a grande evolução dos índices de recuperação do crédito veio com a adoção do protesto de títulos”, relata a procuradora. 

… Outra vantagem relevante é a negativação do devedor. Registrado o protesto, os cartórios encaminham o nome do devedor para a Serasa e SPC. Destarte, apenas com o ato de protesto, negativa-se o devedor em três órgãos de consulta da maior relevância para o mercado. REVISTA , 2021.

Vê-se que o que ocorreu com a recuperação de crédito da Certidão de Dívida Ativa (CDA) poderá ocorrer com as execuções civis. Já que o procedimento adotará as mesmas ferramentas de agilidade, especialmente em pequenos municípios como Caculé- Bahia, em que existe um único Juiz de Direito para todas as demandas de uma população de sessenta mil habitantes.

As execuções civis acabam sendo negligenciadas ante a gravidade e urgência das demais ações, e isso só prejudica a economia e o acesso ao crédito na região, já que há certeza dos devedores de que haverá mora no julgamento de suas ações de cobrança.

E as críticas em relação a qualquer abuso do direito por credores de má-fé, não podem servir de parâmetro para impedir que esses avanços nas execuções civis aconteçam, especialmente porque já há no ordenamento jurídico atual mecanismos punitivos para tais condutas. 

4. DISCUSSÃO

  O conceito de desenvolvimento regional, para Siedenberg (2006, p. 71), apresenta-se como:

[…] um processo de mudanças sociais e econômicas que ocorrem numa determinada região. Nesse caso, é necessário considerar duas dimensões intrínsecas ao conceito, uma temporal e outra espacial, ao passo que as mudanças podem ser de ordem qualitativa e/ou quantitativa, podendo ser mensuradas através de diferentes indicadores e parâmetros

  Assim, tem-se que desenvolvimento regional não é produto de uma construção teórica ou acadêmica simplesmente, mas sim uma construção real considerando os cenários, além de fomentado por diversos atores.

Cabe ao Poderes constituídos criar instrumentos de desjudicilização, para permitir o desenvolvimento, bem como a melhora da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos. Expandir as liberdades que temos razão para valorizar não só torna nossa vida mais rica e mais desimpedida, mas também permite que sejamos seres sociais mais completos, pondo em prática nossas volições, interagindo com o mundo em que vivemos e influenciando esse mundo (SEN, 2010, p. 28-29).

Não resta extreme de dúvidas a importância, dentre outros, da aprovação do Projeto de Lei n. n. 6.204 (BRASIL, 2019), posto caso aprovado projetos da espécie “potencializarão o acesso ao sistema jurídico, sem a necessidade da atuação jurisdicional, com menor custo e maior agilidade na solução dos mais diversos problemas vivenciados pelos cidadãos em uma sociedade cada vez em evolução”.’ (FLORES, 2022, n.p).

Pimentel (2019, p. 131), no contexto do estímulo do acesso responsável à justiça, destaca que é imprescindível: 

A revisão das leis processuais, a criação ou extinção de hipóteses de cabimento de recursos, a mudança no procedimento das ações ou até mesmo a edição de um código de processo completamente novo produzem os seus efeitos mas tais mudanças, se não estiverem alinhadas com os estímulos econômicos adequados, podem não atingir os resultados desejados. (PIMENTEL, 2019, p. 131)

Com efeito, o poder público deve propiciar a utilização do Tabelionato de Protesto, notadamente de Caculé (BA) para permitir o desenvolvimento regional a partir da recuperação de créditos, tudo como estratégia de desjudicialização e acesso à ordem jurídica justa.  Não resta dúvida que os custos do conflito (financeiro, temporal, psicológico) impactam na decisão das partes em buscar a solução do conflito com a pacificação social. 

  E sem dúvida a desjudicialização é um movimento sem volta pois se demonstra vantajoso e é o único caminho para o acesso à ordem jurídica justa (célere e segura), para alavancar o desenvolvimento regional a partir da recuperação de créditos. 

Conclusão

Pelo exposto acima, é possível concluir que o Projeto de Lei n. 6.204 (BRASIL, 2019) apresenta inovação no ordenamento jurídico processual brasileiro, com o escopo de fomentar o desenvolvimento através da desburocratização, e desjudicialização da execução civil, com a redução na complexidade do procedimento, e a transferência dessa parte aos Agentes de Execução na figura do Tabelião de Protesto.

Essa medida tem caráter desenvolvimentista, e acompanha o que ocorreu nos países da Europa, e em uma análise mais próxima, para o caso de Portugal, que conseguiu melhorar todos os seus indicadores de recuperação de crédito, com impacto no desenvolvimento ao adotar tais medidas.

Em relação a desconfiança dos envolvidos em se retirar toda a execução da esfera judicial, pode-se alterar o projeto de lei para “poderá” ser requerido pelos credores a opção de utilizar a via extrajudicial de execução civil, assim como fora feito na  Lei n. 11.441 (BRASIL, 2007), que ano a ano tem seus indicadores aumentados, já que passou a ser uma via mais rápida para os divórcios e inventários.

Assim, conclui-se que o Projeto de Lei n. 6.204 (BRASIL, 2019) representará um avanço no processo de desburocratização através da extrajudicialização da execução civil, já que representa uma forma facilitada e rápida do credor tentar recuperar seu crédito. 

Já que eventuais correções ao referido Projeto de Lei são bem vindas no escopo de se manter as garantias constitucionais do devido processo legal e do contraditório, mas não é possível aceitar o engessamento do sistema de execução civil brasileiro, sem que haja de fato fundamento, especialmente porque o cenário atual exige que a prestação jurisdicional seja cada vez mais célere, eficiente e compatível com  a demanda da população. 

E no caso das execuções civis, o impacto no desenvolvimento regional pelo encarecimento do crédito, dos juros é evidente em todo o processo. Assim, é necessário aderir a um modo desenvolvimentista, e mais eficiente para que o Brasil consiga atingir melhores patamares de recuperação de crédito.

Como bem já foi relatado no início deste artigo, a prestação de serviço pelo Poder Judiciário  tem  relação direta com o desenvolvimento de um país, e já está claro que o Brasil deve adotar diuturnamente medidas que possam fomentar a redução das taxas de juros, e a facilidade do crédito. E um dos pontos a ser atendido é melhorar a recuperação do crédito pelo credor, que terá importante papel no processo de desenvolvimento regional, especialmente em pequenos municípios, que a prestação jurisdicional é mais precária que nos grandes centros.

Referências bibliográficas

ARAÚJO, André Villaverde de. Cartórios Extrajudiciais Brasileiros como Instrumento de Acesso a uma ordem jurídica justa pela Extrajudicialização. Tese de Doutorado em Direito constitucional, Universidade de Fortaleza – UNIFOR, PPGD- Programa de Pós- Graduação em Direito. 2019.

BRASIL. Lei n. 11.441, de 4 de janeiro de 2007.  Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11441.htm >. Acesso em: 20.01.2023

_________. Lei n. 12.767, de 27 de dezembro de 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/L12767.htm >. Acesso em: 29.01.2023

_________. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm >. Acesso em: 29.01.2023

_________. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Acesso em 30.01.2023, disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm , Revogada pela Lei nº 13.105, de 2015 (Vigência) 

_________. Lei n. 9492 de 10 de setembro de 1997. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9492.htm >. Acesso em: 29.01.2023

_________. Projeto de Lei n. 6.204 de 2019. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/139971 >. Acesso em: 29.01.2023.

_________, CNJ, Justiça em Números 2021, 2021. Disponível em:  https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-em-N%C3%BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf , Ultimo acesso em 25.04.2022.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 30.01.2023;

CAPPELLETTI, Mauro e GARTH,  Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Editora Safe, 1 Edição. Reimpressão 2015.

D’AMBROSIO, Renata Gontijo- Procuradora da Fazenda Nacional em entrevista – https://www.gov.br/pgfn/pt-br/assuntos/noticias/2016/protesto-de-cdas-possui-taxa-de-recuperacao-de-19 consulta em 20.01.2023.

DALEFFI, Bruno; TRECENTI Julio; NUNES, Marcelo. Impacto da covid-19 no Judiciário de São Paulo, 1 de abril de 2020.  Disponível em: <https://www.linkedin.com/pulse/impacto-da-covid-19-judici%C3%A1rio-de-s%C3%A3o-paulo-bruno-daleffi/>. Último acesso em: 25/04/2022

FIGUEIRA. Joel Dias Júnior. Arbitragem. 3 Edição, Editora Forense. Ano 2019. 

__________. Joel Dias Júnior. Execução Civil- Novas Tendências. 1 Edição, Editora Foco, Ano- 2022. Coletânea.

FLORES, Daiana. A função notarial e registral no contexto de um novo paradigma jurídico no Brasil. São Paulo: Editora Dialética. 2022. 

FUX, Luiz. Processo civil contemporâneo. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 980.

HILL, Flávia Pereira. “O procedimento extrajudicial pré-executivo (Pepex): reflexões sobre o modelo português, em busca da efetividade da execução no Brasil”. In MEDEIROS NETO, Elias Marques de. RIBEIRO, Flávia Pereira. Reflexões sobre a Desjudicialização da Execução Civil. Curitiba: Juruá. 2020. pp. 305-322.

________, Flávia Pereira. “Desjudicialização da Execução Civil: Reflexões sobre o Projeto de Lei Nº 6.204/2019”. Revista Eletrônica de Direito Processual. Volume 21, número 3. Setembro- Dezembro de 2020. Pp. 165-206.

LOUREIRO, Luiz Guilherme. Manual de Direito Notarial- Da atividade e dos Documentos Notariais. 3. Edição- Revista, atualizada e ampliada. Editora JusPodivm. 2018.

_________ , Luiz Guilherme. Registros Públicos. Teoria e Prática. 10. Edição- Revista, atualizada e ampliada. Editora JusPodivm. 2019.

NETO. Elias Marques de Medeiros e RIBEIRO, Favia Pereira. Organizadores. Reflexões sobre a Desjudicialização da Execução Civil. 1 Edição, Editora Juruá. Ano 2020. 

PIMENTEL, Wilson. Acesso responsável à Justiça: o impacto dos custos na decisão de litigar. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2019.

PINHEIRO, Armando Castelar (org). Judiciário e economia no Brasil [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2009. 140 p. ISBN: 978-85-7982-019-9. Availablefrom SciELO Books <http://books.scielo.org >.

________, Armando Castelar, Direito e Economia num Mundo Globalizado: Cooperação ou confronto? Fevereiro e 2003, Economista do IPEA e Professor o IE/ UFRJ.

_________, Armando Castelar; CABRAL, Célia Costa. Mercado de crédito no Brasil: o papel do judiciário e de outras instituições. Rio de Janeiro: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, 1998. 88 p. (Ensaios BNDES ; 9).

Revista Direito Notarial e Registral Mato Grosso do Sul – ANO I – Nº 1 – abril e maio de 2021. Fabíola Marquetti Sanches Rahim, procuradora-geral do Estado de Mato Grosso do Sul e Leandro Augusto Neves Corrêa, presidente do IEPTB/MS.

RIBEIRO, César. Relações entre Judiciário, corrupção e desenvolvimento: o balanceamento entre a desburocratização e garantia do controle da atividade pública. FEA – Faculdade de Economia e Administração e FD – Faculdade de Direito Universidade de São Paulo. São Paulo, 2005.

RODRIGUES. Loredany Consule Crespo; GOMES, Adriano Provezano; TEIXEIRA, Evandro Camargos, EFEITO DA CORRUPÇÃO SOBRE A EFICIÊNCIA INSTITUCIONAL DOS PAÍSES. Economia Aplicada, v.24, n.4. Recebido em 09 de março de 2020. Aceito em 22 de julho de 2020.

SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

_______, Amartya Kumar. Sobre ética e economia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

SIEDENBERG, D. R. Dicionário do desenvolvimento regional. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2006.

SILVA, Marcos Fernandes Gonçalves, Políticas e governo e planejamento estratégico como problemas de escolha pública – Parte II. in Revista de Administração de Empresas – ERA/EAESPFGVSP. Vol. 36, 4, 1996e, 1996.

SILVA, Rogério Luiz Nery da; NASCIMENTO, Artur Gustavo Azevedo do; PINHEIRO, Rodolfo Ferreira, Revista Cidadania e Acesso a Justiça, p. 01-18- Jul/ Dez. 2021.

WATANABE, Marilda. Manual de Direito. Para Iniciantes no Estudo do Direito 2011. Editora: ‎Saint Paul; 2ª edição (1 março 2011)


1Aluna do Programa de Mestrado Profissional em Desenvolvimento Regional no Centro Universitário Alves Faria (UNIALFA). Graduada em Direito pela UNIMONTES- Universidade Estadual de Montes Claros.  Pós-graduada em pós graduação Ciências Criminais- Universidade Gama Filho, Brasil ; e em Direito Público, Universidade Anhanguera, Uniderp; e em Gestão Pública Municipal, Universidade Federal de São João Del-Rei.
ORCID 0000-0002-3609-2360.

2Orientador. Pós-doutor em Direito pela Universitádi Messina (IT). Doutor em Educação/PUC-GO. Doutor em Direito/Estácio de Sá. Mestre em Educação/UFG. Mestre em Direito Agrário/UFG.
ORCID: 0000-0002-8131-409X