ORALITY AS AN OBJECT OF STUDY IN PORTUGUESE CLASSES
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202411301359
Edilcilene da Silva Albarado Pinto¹;
Osiulnei da Silva Pinto².
RESUMO: Este artigo tem como intuito apresentar reflexões e resultados obtidos em pesquisa sobre a inserção da oralidade como objeto de estudo nas aulas de língua portuguesa. Esta investigação é fundamentada nos pressupostos de diversos autores, entre os quais destaca-se Ataliba de Castilho (2012), Cyranka e Magalhães (2012), Bortoni Ricardo (2005), Marcuschi (2007), Marcos Bagno (2006), Bakhtin (2006) e Geraldi (2015); e resultou na elaboração de um subsídio metodológico direcionado aos professores de língua portuguesa que, embora compreendam a necessidade do trabalho com a oralidade, ainda têm se questionado a respeito de como fazer. A proposta metodológica elaborada denomina-se “Histórias para Contar Histórias” utiliza como instrumento para estudo da oralidade narrativas culturais no intuito de aproximar o objeto de estudo da realidade cultural do estudante, o que torna possível a vivência de uma metodologia interessante e produtiva, com a qual se pode muito colaborar para um ensino mais eficiente desta disciplina.
Palavras-chaves: Oralidade; Professor; Língua Portuguesa; Narrativa; Metodologia.
ABSTRACT: This article aims to present reflections and results obtained in research on the insertion of orality as an object of study in Portuguese language classes. This research is based on the assumptions of several authors, among them Ataliba de Castilho (2012), Cyranka and Magalhães (2012), Bortoni Ricardo (2005), Marcuschi (2007), Marcos Bagno (2006), Bakhtin (2006) ) and Geraldi (2015); and resulted in the elaboration of a methodological subsidy for Portuguese-speaking teachers who, although they understand the need for oral work, have still been questioned about how to do it. The methodological proposal elaborated is called “Stories to Tell Stories” as an instrument for the study of oral or cultural narratives in order to bring the object of study closer to the student’s cultural reality, which makes possible the experience of an interesting and productive methodology, with which can greatly contribute to a more efficient teaching of this discipline.
Keywords: Orality; Teacher; Portuguese language; Narrative; Methodology.
1. Introdução
Há décadas, muito tem se refletido sobre o ensino de Língua Portuguesa no intuito de oferecer aos alunos não só metodologias diversificadas e motivadoras, mas principalmente, possibilidades de reflexão sobre o uso da língua, considerando suas diferentes variedades. Muitos estudiosos da linguagem defendem o trabalho com a oralidade nas aulas de Língua Portuguesa, indo muito além daqueles que ainda acreditam que o tema não é tarefa da escola. Contudo, ainda assim, a língua oral não é tratada durante as aulas de forma satisfatória. De acordo com Joaquim Dolz¹ e Bernard Schineuwly² (2004), ao tratar da construção de um objeto de ensino com o texto oral:
Embora a linguagem oral esteja bastante presente nas salas de aula (nas rotinas cotidianas, na leitura de instruções, na correção de exercícios, etc.), ela não é ensinada, a não ser incidentalmente, durante atividades diversas e pouco controladas. Assim (…) o ensino escolar da língua oral e de seu uso ocupa atualmente um lugar limitado. Os meios didáticos e as indicações metodológicas são relativamente raros; a formação dos professores apresenta importantes lacunas.³ (DOLZ e SCHINEUWLY, 2004, P.149)
Dolz e Schineuly discutem com propriedade a forma insuficiente de tratamento da oralidade no ambiente escolar, a escassez dos materiais de suporte para esta finalidade, bem como o déficit que há no que se refere à formação dos professores. E vão além, no que diz respeito ao tratamento da modalidade oral ao apresentar uma proposta na qual o ensino da oralidade se dá ao levar o aluno a refletir sobre a língua em uso. Entretanto, o tratamento da oralidade na escola ainda tem se constituído a partir de atividades como debates, entrevistas, mesa redonda, relatório, leitura pública, etc. Ou seja, de textos bem distantes da realidade dos alunos falantes da língua, e que não proporcionam compreensão e reflexão sobre a língua em uso.
A obra de Dolz e Schneuwly (2004), por exemplo, ao discutir o ensino de unidades do discurso (gêneros), abrange tanto o ensino de gêneros escritos como os orais formais públicos, dedicando a este maior privilégio, o que é justificado pelos autores, por se tratar de um objeto novo do ponto de vista do ensino de língua materna.
Compreende-se, entretanto que, mesmo na proposta sugerida por Dolz e Schineuwly, instaura-se a forte dificuldade de libertar-se das práticas tradicionais, ancoradas na gramática normativa. É como se toda tentativa de se buscar inovar o ensino de Língua Portuguesa fosse impedido pela imposição da tradição secular pois se assim for, de acordo com os mesmos, não se terá muitos problemas, ao passo que tornar-se-ão muito difícil aos que nela não estiverem absolutamente assegurados.
Em contrapartida, o professor Ataliba de Castilho (2011), um dos precursores do estudo da língua falada no Brasil, em seu livro “A língua falada no ensino de português” corrobora com o que se sugere esta investigação ao propor, de forma diferenciada dos autores supracitados, a integração da língua falada, em sua forma usual nas práticas escolares:
No caso particular da Língua Portuguesa, não se acredita mais que a função da escola deva concentrar-se apenas no ensino da língua escrita, a pretexto de que o aluno já aprendeu a língua falada em casa. Ora, se essa disciplina se concentrasse mais na reflexão sobre a língua que falamos, deixando de lado a reprodução de esquemas classificatórios, logo se descobriria a importância da língua falada, mesmo para a aquisição da língua escrita. (CASTILHO 2011, p. 13).
Com base nesses pressupostos é que se apresenta uma proposta de tratamento da oralidade, tão almejada pelos docentes de Língua Portuguesa, que tende a proporcionar ao aluno, de forma sistematizada, o exercício de reflexão sobre a língua em uso, por compartilhar com o professor Ataliba a ideia de que pensar a respeito da língua pode ser o ponto de partida para que se alce o bom e melhor desempenho de suas competências linguísticas, tanto orais, quanto escritas. Ao prosseguir suas concepções de que, por meio da língua falada, fundamentado no que o aluno já sabe, pode- se chegar, num percurso mais proveitoso, a domínios que ele não conhece, Castilho justifica, com os seguintes pontos, a inclusão da língua falada nas práticas escolares:
1) Via de regra, o aluno não procede de um meio letrado (…) A escola deve iniciar o aluno valorizando seus hábitos culturais, levando-o a adquirir novas habilidades(…) 2) A escola é o primeiro contato do cidadão com o Estado, e seria bom que ela não se assemelhasse a um “bicho estranho”, a um lugar onde se cuida de coisas fora da realidade cotidiana. Com o tempo o aluno entenderá que para cada situação se requer uma variedade linguística, e será assim iniciado no padrão culto, caso já não o tenha trazido de casa. (CASTILHO 2011, p. 21).
Para o linguista, o papel da escola seria incitar o aluno à aquisição de suas habilidades linguísticas, incluindo a norma culta, mas valorizando inicialmente seus hábitos linguísticos, ou seja, a língua que ele traz ao iniciar sua vida escolar. Contudo, como se percebe de forma tão evidente, as discussões e as práticas de ensino de Língua Portuguesa, infelizmente, ainda seguem numa espécie de círculo vicioso, em que o ponto de partida e o ponto de chegada é a gramática normativa. E assim, este ensino segue condenado à equivocada supremacia da escrita, que segue a norma culta da língua.
É o que acontece com aquele professor que mesmo ao tentar construir atividades diferenciadas, para o tratamento da modalidade oral na sala de aula, acaba por utilizá-la apenas propondo aos seus alunos atividades, em sua maioria, insuficientes e ou ineficientes sugeridas em livros didáticos que ainda acabam culminando com textos escritos e que mais se aproximam da escrita formal; além de não se buscar reflexão e análise sobre as características da língua oral, o que realmente faria sentido, só ao pensar que o nível formal não é inapropriado para todas as situações de uso da língua.
Certamente, há um grande número de professores que, após o curso de formação, de posse de todos os conhecimentos teóricos adquiridos, conscientes da necessidade de incluir a língua oral nas suas práticas pedagógicas, sabedores de que o trabalho com a linguagem na escola não deve englobar somente a língua escrita tentam, mas não conseguem colocar em prática o que aprenderam. O que parece, metaforicamente, é que há um verdadeiro fosso entre o conhecimento adquirido e a prática.
Isso pode ocorrer por consequência de vários fatores, entre os quais se destaca o comodismo dos recém-formados que não buscam novas formas de ensinar por acreditar em coisas como “eu aprendi assim, vou ensinar da mesma maneira”; por conta de se sentirem melindrados diante do olhar crítico de seus colegas “mais experientes” por estarem atuando na área há mais tempo; pelas imposições da escola ou do sistema de ensino; pela extrema falta de subsídio para esta finalidade; ou mesmo pela extrema necessidade de se rever a grade curricular dos cursos de formação dos professores de Língua Portuguesa a qual deveria incluir disciplinas direcionadas à prática na sala de aula, para que ainda durante a graduação, futuros docentes pudessem, não só discutir e refletir sobre a língua, ou perceber o déficit do ensino de Língua Portuguesa e as incoerências do ensino tradicional, mas que, desde já, fossem instigados a descobrir caminhos para um ensino que incluísse o estudo da língua oral em suas práticas educativas.
Ao tratar da escassez de material de suporte aos professores para a inserção da oralidade como objeto de estudo, buscou-se analisar alguns livros didáticos de Língua Portuguesa, entre os quais destaca-se, para efeito de algumas considerações a respeito do tratamento da oralidade, o direcionado ao 8º ano do ensino fundamental que faz parte da coleção “Português Linguagens” de Willian Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães (2012), integrante do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) do Ministério da Educação (MEC), que não se pode deixar de mencionar, faz parte de uma das coleções de livros didáticos que mais se aproximam do que se espera para um ensino produtivo de Língua Portuguesa e, por conta disso, a coleção é bastante utilizada por professores de diversas cidades do país.
Contudo, observou-se entre as atividades propostas que dizem respeito ao tratamento da oralidade, que estas são apresentadas em um número bastante reduzido e ainda superficiais, com aspectos relacionados aos diferentes contextos sociais e regionais brasileiros que, pouco contribuem para a reflexão sobre o uso da língua, e que ainda trazem discursos preconceituosos sobre as variedades linguísticas que diferem da considerada “norma culta”.
Um dos pontos observados, ao tratar da oralidade, é que o aluno escreva, de forma “correta” palavras ou enunciados retirados do dialeto regional ou caipira, como os que se encontram na música Cuitelinho, de Renato Teixeira, Pena Branca e Xavantinho ou Asa Branca, de Luiz Gonzaga, as quais apresentam versos como os seguintes: “E os zóio se enche d’água”; “Nem um pé de prantação”, o que se configura, no mínimo em um desrespeito com a cultura popular, pois acredita-se que o objetivo dos compositores seja justamente retratar e valorizar a cultura e a identidade de determinada região do país, jamais no sentido de estigmatizá-la.
Entre as atividades observadas no livro analisado está o tratamento das variedades linguísticas em uma tira de humor do cartunista Fernando Gonsales a qual apresenta, no primeiro quadrinho, um papagaio que fala as seguintes palavras: “bicicreta, “cocrete” e “cardeneta” que causam estranhamento a uma mulher que, por sua vez, diz: – “Nossa! Ele fala tudo errado!”; No segundo quadrinho, a mulher procura um comerciante para devolver o papagaio, que após vê-la com a ave, pronuncia a seguinte frase: – “Argum pobrema? ”
No estudo sobre a tira, o livro sugere que, considerando como os papagaios aprendem a falar, a razão que levou a mulher a querer devolver o papagaio foi evitar que pensem que em sua casa se fala como ele. A tira finaliza com a frase “Argum pobrema?” provocando humor, comum à este tipo de texto, o que se configura em uma forma preconceituosa de tratar as variedades linguísticas e na dificuldade que os docentes têm em obter um material de suporte com atividades realmente significativas, que possa lhes auxiliar no tratamento mais adequado da oralidade na sala de aula, considerando não o estigma, mas a valorização da grande diversidade linguística que constitui a Língua Portuguesa causadas por fatores como idade, sexo, grau de instrução, região, etc.
Outro problema encontrado no que concerne ao tratamento da oralidade para fins de estudo é que, raramente há o propósito de caracterizar a relação fala-escrita como duas modalidades de uso da língua com funções igualmente importantes na sociedade. Há sim, o claro e equivocado privilégio desta, negligenciando a extraordinária potencialidade daquela bem como a compreensão do uso e significados produzidos por elementos prosódicos (ritmo, entonação, pausas, hesitações, repetições, alongamentos) e elementos não verbais (gestos, expressões faciais, risos, olhar, movimentos corporais) que acompanham a fala e têm papel fundamental na interação social. Sobre esta relação fala e escrita, Marcuschi (2007) relata que:
Assim como a fala não apresenta propriedades intrínsecas negativas, também a escrita não tem propriedades intrínsecas privilegiadas. […] Postular algum tipo de supremacia ou superioridade de alguma das modalidades seria uma visão equivocada, pois não se pode afirmar que a fala é superior à escrita ou vice-versa. (MARCUSCHI, 2007, p. 35)
Infelizmente, na grande maioria do sistema escolar o que impera é a supervalorização da escrita. O pouco que tem se proposto como trabalho com a oralidade ainda é para desenvolver no aluno habilidades orais através de gêneros, considerando somente a língua oral culta, que mais se aproxima da escrita. É o que tem se denominado de “ensinar o oral”, a língua falada que para muitos, tem sido desenvolver o domínio dos gêneros que apoiam a aprendizagem escolar de Língua Portuguesa. Neste trabalho, entretanto, entende-se que o estudo da oralidade deve ir além, aqui, se defende a inclusão do educando em atividades de reflexão sobre a língua viva, dinâmica, utilizada diariamente.
Com base em toda a problemática e pressupostos já apresentados, compreende-se que para que se obtenha um ensino de Língua Portuguesa mais eficiente, o grande desafio dos docentes que atuam com esta disciplina é: Que caminhos seguir para uma metodologia eficaz de tratamento da oralidade? Falta-lhes um objeto norteador, que apresente caminhos que possam ser experienciados, a partir dos quais seja possível fazer adaptações, que se adequem à realidade dos alunos e que possibilite sistematizar conhecimentos importantes sobre como a língua oral deve ser trabalhada na escola. Ao tratar de propostas pedagógicas, as autoras Lucia Furtado de Mendonça Cyranka e Tânia Guedes Magalhães (2012) relatam:
[…] o ensino sistematizado da oralidade envolve a interação com textos por meio de escuta, produção oral e análise linguística (ou reflexão linguística). Com base nisso, são construídos conhecimentos e conceitos sobre a linguagem, sobre os papéis sociais envolvidos na interação, sobre as relações entre fala e escrita, bem como a inserção do aluno em atividades de oralidade letrada. (CYRANKA e MAGALHÃES, 2012, p.61)
Cyranka e Magalhães (2012) ao prosseguir com suas reflexões concordam que fala e escrita, no dia a dia, seguem padrões diferentes da letrada e reforçam a defesa de uma abertura da escola para o estudo da oralidade, adotando a perspectiva de língua como “um feixe de variedades”, o que promoverá melhor compreensão e aceitação das diferenças dialetais, que se possa abordar. Ao tratar deste assunto, Bortoni Ricardo (2005) descreve: “Os professores comumente acreditam, que é seu dever coibir os usos que desviam da norma padrão, corrigindo os erros de português. […] No entanto […] essa prática ocorre, muitas vezes, pela falta de reconhecimento das variedades linguísticas”.
Para a autora, não se trata de se desconsiderar o ensino da variante culta da Língua Portuguesa, mas de apresentar ao aluno a diversidade linguística existente. Também Marcuschi (2007), ao contribuir sobre práticas de oralidade como instrumento didático na escola, aponta a necessidade de um ensino escolar capaz de promover uma compreensão de língua que comporte suas variantes sócio, cognitiva e histórica. O autor afirma que:
O trabalho com a oralidade pode, ainda, ressaltar a contribuição da fala na formação cultural e na preservação de tradições não escritas… Dedicar-se ao estudo da fala é também uma oportunidade singular para esclarecer aspectos relativos ao preconceito e a discriminação linguística, bem como suas formas de disseminação (MARCUSCHI, 2007, p.83)
É interessante observar a concepção de Marcuschi no que se refere à cultura, preservação, tradição e aspectos relacionados à discriminação, a qual estimula a reflexão sobre a grande importância do oral para a história da humanidade, o que também não se deve deixar de tratar ao realizar o estudo dessa modalidade da língua, para que o aluno possa dar-lhe o devido valor. O autor supracitado ainda reforça a ideia de que a oralidade é componente imprescindível da linguagem humana.
Compreende-se que ainda que se adote a perspectiva dos autores supracitados e se apresente aos discentes a existência de um “feixe de variedades” para que estes reconheçam a grande diversidade linguística existente, isso não garante mudança e melhoria no ensino de Língua Portuguesa que se deseja alcançar, nem mesmo a mudança de atitude dos alunos no que se refere ao respeito a esse “feixe de variedades”. É necessário ainda que se pense que passos seguir, sistematiza-los cuidadosamente, para que se possa realmente chegar ao que se pretende: à compreensão do aluno no que se refere ao funcionamento da língua, à valorização da diversidade que a constitui, inclusive a sua, e a um ensino mais produtivo e eficiente que proporcione o efetivo desempenho das habilidades linguísticas que se visa no ensino de Língua Portuguesa.
De acordo com Marcos Bagno (2006), a língua falada é que é a verdadeira língua natural do indivíduo, a língua que o sujeito aprende na realidade em que vive, e que está em constante transformação. O autor propõe um ensino crítico da norma-padrão, em que a escola dê espaço para todas as manifestações linguísticas possíveis: rurais, urbanas, formais, informais, cultas, não cultas, orais, escritas, etc. Para Bagno, quando o aluno tem contato com todas as variações linguísticas, pode ter a possibilidade de escolha ao se expressar nas diferentes circunstâncias de interlocução.
Em consonância com esta concepção, Bortoni-Ricardo (2006) relata que a escola não pode ignorar as diferenças sociolinguísticas. Nesse contexto, seu papel é o de acolher e respeitar os diferentes dialetos existentes, além de possibilitar o aprendizado e o reconhecimento das diferentes variedades linguísticas, como forma de incentivar a aquisição de novas habilidades de uso da linguagem. Para a autora, os professores precisam buscar desenvolver uma pedagogia que seja culturalmente sensível aos saberes dos educandos, que esteja atenta às diferenças entre a cultura que eles representam e a cultura adotada pela escola, como uma forma de conscientizar os educandos sobre as diferenças tanto culturais quanto linguísticas.
Assim, é extremamente necessário que se introduza, nas aulas de Língua Portuguesa, o princípio da heterogeneidade da língua e de suas consequências, que a variação possa ser reconhecida como um fenômeno natural e legítimo e que uma série de preconceitos fundados numa concepção equivocada de língua estável e padrão como “modelo” do melhor sejam desconstruídos. Bakhtin (2006) menciona que “[…] a linguagem é um produto da atividade humana coletiva e que, portanto, não se desvincula do conteúdo ideológico dos grupos sociais que a utilizam. Desse modo, fica ela sujeita ás alterações determinadas pelos falantes que a utilizam[…]”. Perini (2010) ao tratar da questão, afirma ser legítima toda e qualquer ocorrência linguística em uso: Para ele, “[…] certo é aquilo que ocorre na língua”.
Ao tratar deste aspecto, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/96) contempla a necessidade de incluir experiências cotidianas do aluno, que se traduzem pela experiência múltipla de costumes, tradições e valores presentes em um Brasil diverso e rico, impossível de se conter em um padrão único de ensino. Da mesma forma, as Diretrizes Curriculares Nacionais (1996) corroboram esta ideia ao afirmar:
A proposta político-pedagógica das escolas deve estar articulada à realidade do seu alunado para que a comunidade escolar venha a conhecer melhor e valorizar a cultura local. Trata-se de uma condição importante para que os alunos possam se reconhecer como parte dessa cultura e construir identidades afirmativas, o que também pode levá-los a atuar sobre a sua realidade e transformá-la com base na maior compreensão que adquirirem sobre ela. (DCN, 1996, p. 110)
Entre os documento oficiais, não se pode deixar de citar a Base Nacional Comum Curricular (BNC) disponibilizada pelo MEC em 2015, que visa aprimorar toda a Educação Básica, ao implementar ações entre as quais, mudanças significativas no material didático pela incorporação de elementos audiovisuais e a proposta de se agregar conteúdos específicos, de acordo com a qual é importante tarefa da área da linguagem, possibilitar o encontro com nossa diversidade linguística e cultural; e ampliar a relação dos sujeitos com as culturas locais, além das universais.
O referido documento relata que esse trabalho reflexivo busca promover a percepção de que há diferentes compreensões, representações e entendimentos sobre a realidade que incluem relações, entre outros, de valores, configurados pela linguagem, que possibilitam à reflexão, o questionamento, expressão, experimentação e escolha, oportunizando vivências culturais significativas, além da integração destes com realidades marcadas pela diversidade. Ao tratar da oralidade, a BNC destaca a valorização dos textos de tradição oral, levando-se em consideração a importância das reflexões relativas aos sentidos e as práticas sociais em que tais textos surgem e se perpetuam.
João Wanderley Geraldi (2015), em artigo que trata do ensino de Língua Portuguesa e a Base Nacional Comum Curricular, observa que este documento, além da concepção de linguagem como forma de ação e interação no mundo, também assume um segundo princípio relativo ao objeto e à forma de trabalho escolar com a linguagem: “[…] trata-se de elevar as práticas de linguagem à posição de objeto e ao mesmo tempo de forma pela qual a aprendizagem de recursos expressivos a serem mobilizados se dará” (GERALDI, 2015. p. 385).
Para o autor, isso significa um grande avanço nesta área, já indicado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), em que se aponta para as práticas linguísticas como o caminho mais efetivo para aprender a mobilizar recursos expressivos na produção de compreensões de textos, na elaboração de textos e na própria reflexão sobre esses fazeres. Daí o princípio metodológico uso-reflexão-uso que orienta toda a proposta curricular de Língua Portuguesa. Dessa forma, os aspectos linguísticos abordados em atividades de leitura, escrita e oralidade podem ampliar os conhecimentos dos estudantes em relação a variedades que eles não dominam ainda, sem desqualificar as variedades de origem. Assim, conforme o avanço na escolaridade é esperado um aumento gradativo do nível de sistematização e de utilização de categorias gramaticais.
É exatamente nesse progresso que se acredita neste estudo, que partir da valorização da sua língua natural, o aluno possa trilhar caminhos para adquirir novas habilidades linguísticas. Para que isso se dê, o professor deverá assumir o papel de mediador, pois é o agente das estratégias de ensino e aprendizagem e por isso, precisa estar disposto. O professor precisa ousar, usar sua criatividade, experimentar estratégias diversas visando sempre o bom desempenho linguístico de seus alunos. Nesse contexto, a criatividade é um instrumento eficaz, pois pode trazer inovações às práticas docentes. Como incentivo aos professores brasileiros na implementação de práticas pedagógicas, Geraldi lhes direciona o seguinte recado em entrevista à revista da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro (2008): “Não tenha medo de errar”!
Portanto, ao considerar toda a problemática elencada acima, acredita-se que é fundamental que o professor de Língua Portuguesa possa refletir criticamente sobre sua ação diante da realidade deste ensino, de modo que isso favoreça seu estímulo para o aprimoramento de suas práticas, bem como para a construção de novas metodologias mais produtivas e significativas, e que ressalte também aspectos que promovam o desenvolvimento de um olhar crítico do aluno para o mundo ao seu entorno, no que se refere à oralidade e suas diversas variedades, constituintes da Língua Portuguesa.
2. Qual o tratamento dado a oralidade nas aulas de português?
Com o intuito de verificar como está acontecendo o tratamento da oralidade nas aulas de Língua Portuguesa nas séries finais do ensino fundamental e ensino médio, durante esta pesquisa foi realizado um diagnóstico, em março de 2016, através de questionários com perguntas abertas e fechadas, em que se entrevistou 30 educadores dessa área, discentes do Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS/2014 e 2015), vinculados à Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), oriundos de nove das cidades da região norte do Brasil (Monte Alegre, Santarém, Óbidos, Vitória do Xingu, Manaus, Laranjal do Jari, Uruará, Altamira e Parintins). Ao analisar as respostas adquiridas com a entrevista, foi possível tabular os dados e obter os seguintes resultados:
Quanto ao trabalho com a oralidade como objeto de estudo na sala de aula, pôde-se verificar que grande parte dos educadores, ou seja, 86,7% afirmam trabalhar. Apenas 13,3% dos entrevistados responderam que não trabalham. Este resultado é, sem dúvida animador, pois mostra que há na maioria dos educadores a aceitação da importância de inserir este tema como objeto de ensino na escola.
Dos docentes entrevistados que responderam trabalhar a oralidade como objeto de ensino na sala de aula, a maioria, 86,7%, diz que desenvolvem suas aulas a partir textos orais e escritos; sendo que 13,3% dos educadores dizem desenvolver a partir de somente textos escritos. Os resultados demonstram que embora a maioria dos professores adotem o trabalho com a oralidade na sala de aula, ainda há equívocos entre eles no que diz respeito aos textos que utilizam para este fim, pois subtende-se que o trabalho com a oralidade deva acontecer a partir de textos orais, já que se trata desta modalidade da língua.
No que se refere ao objetivo de se trabalhar com a oralidade na sala de aula, em escala do maior para o menor, obteve-se as seguintes respostas dos entrevistados: Desenvolver a competência comunicativa do aluno: 57,7%; Desenvolver a comunicação e refletir sobre a língua: 11,6%; Auxiliar textos escritos: 7,7%; Valorizar a variação linguística do aluno: 7,7%; Provocar debates sobre tema: 3,8%; Melhorar a qualidade de ensino: 3,8%; Desenvolver leitura e escrita: 3,8%; Aperfeiçoar a capacidade de escrita: 3,8%.Os resultados indicam que as duas maiores incidências de objetivos definidos pela maior parte dos entrevistados dizem respeito a competências que realmente se deve obter com o tratamento da oralidade na escola. Entretanto, verifica-se que há aqueles que, por algum motivo, ainda não compreendem o propósito de se incluir esta modalidade da língua no ensino. Isso indica a necessidade de melhor compreensão dos professores a respeito do assunto.
Em relação aos gêneros orais utilizados pelos docentes, organiza-se em escala do mais ao menos mencionado, 11 categorias: Debate: 50%; Música: 46,2%; Conversa Oral: 38,5%; Poema: 38,5%; Entrevista: 15,4%; Relato: 15,4%; Seminário: 15,4%; Texto Narrativo: 11,5%; Conto: 7,7%; Dramatização: 7,7%; Leitura Oralizada: 7,7%; Artigo: 3,8%; Exposição: 3,8%; Crítica: 3,8%; Notícia: 3,8%; Conferencia: 3,8%; Piada: 3,8%; Romance: 3,8%; Teatro: 3,8%. Observou-se que a variedade de textos citados para o tratamento da oralidade, em que se incluem muitos textos escritos, indica, mais uma vez, que o assunto parece ainda não estar tão claro para os professores que precisam buscar mais conhecimentos sobre esta temática para, de posse destes, estarem aptos a sistematizar melhor suas práticas escolares para esta finalidade.
Ao serem indagados quanto aos suportes didáticos que têm utilizado para o desenvolvimento da temática, 73,1% dos professores entrevistados mencionaram o uso de livro didático e de outros meios; 23,1% disseram usar exclusivamente o livro didático e 3,8% disseram utilizar somente outros meios. Diante destes resultados, verifica-se que há a preocupação, por parte dos docentes, de buscar materiais que possam lhes servir como subsídios para o tratamento do oral, resta saber o quê esses suportes lhes têm oferecido, no sentido de um ensino produtivo. Isso se verifica na próxima análise.
A respeito do que sugerem os livros didáticos para o trabalho com a oralidade, a análise das respostas obtidas indicam os seguintes resultados: 46,2% dos professores disseram que os livros orientam a realização de seminários, debates, saraus, jornal, entrevistas, júri simulado, teatro e contação de histórias; 3,8% relataram tratar de um ensino descontextualizado; outros 3,8% que os livros orientam que se observe a variação na turma; mais 3,8% proferiram que os livros sugerem leitura comparativa de registros; 3,8% opinaram que pouco sugerem; 3,8% que recomendam leitura em grupo; 3,8% indicam que se utilize o texto escrito como base; outros 3,8% aconselham que o desenvolvimento dessas habilidades são necessários para a boa formação do aluno; 3,8% que dão orientações sobre a forma correta de registrar e mencionam a sua inferência sócio cultural; outros 3,8% disseram não utilizarem livros para esta atividade; mais 3,8% relataram que os livros indicam leitura e seminário; 7,7% relataram que os livros que utilizam não sugerem nada; outros 7,7% não responderam.
Os dados com diferentes relatos dão indícios de que as sugestões contidas nos livros didáticos para o tratamento da oralidade na escola não satisfazem as necessidades dos docentes que compreendem a importância do tema e buscam suportes para este fim. Daí a relevância deste estudo que visa contribuir com estes professores com um valioso material para subsidiar suas práticas no tratamento do oral no ambiente educacional.
Partindo do pressuposto de que o público alvo do ensino aprendizagem é o aluno, buscou-se também conhecer, através da pesquisa, como estes tem recebido o tratamento da oralidade no espaço escolar. De acordo com as informações de 53,9% dos docentes entrevistados, os estudantes participam das atividades com entusiasmo; 15,4% deles disseram que os discentes sentem-se desconfortáveis; outros 15,4% relataram que alguns alunos recebem bem, entretanto, outros resistem; 7,7% contaram que eles recebem apenas como uma tarefa; 3,8% responderam que os estudantes Inicialmente ficam receosos, depois acostumam; outros 3,8% disseram que os alunos recebem com entusiasmo, dependendo do tema.
O resultado mostra que o professor, ao tratar de qualquer conteúdo, na sala de aula, precisa planejar muito bem suas propostas de modo que estas aconteçam a partir de ações motivadoras. Este é um dos principais desafios do professor, por isso, a maneira como as metodologias são estruturadas afeta diretamente a vontade dos alunos em aprender. Portanto, o ensino de forma geral, aqui se tratando da oralidade, objeto deste estudo, deve ser colaborativo, com tarefas desafiadoras, experiências práticas e relacionadas com a realidade cultural e linguística do aluno.
No que se refere à forma como os docentes têm avaliado seus alunos em relação ao estudo da oralidade, 77% dos entrevistados disseram que os avaliam de acordo com o desempenho; 7,7% deles sentem dificuldades em avaliar, mas reconhecem a importância do tema; 3,8% dos professores relataram que avaliam os estudantes com dificuldades, pois “eles travam”; mais 3,8% deles incluem as atividades na avaliação geral; outros 3,8% disseram avaliar de forma positiva, surpreendem-se quando um aluno tímido se manifesta com propriedade e 3,8% optaram por não responder.
Verifica-se, de acordo com os dados obtidos, no que se refere à avaliação de práticas de oralidade, que o professor sente dificuldade no momento de medir o desempenho do aluno, o que é natural, pois, na grande maioria das vezes, não houve orientação sobre isto durante os cursos de formação, considerados por muitos estudiosos como ineficientes. Avaliar configura-se em mais um dos desafios da docência. Geralmente, na maioria dos casos, quando o professor julga o desempenho dos seus alunos, o faz considerando o que se constatou no resultado desta pesquisa. Entretanto, deve-se considerar que a avaliação não deve ser reduzida a apenas atribuir notas, pois se o ato de aprender consiste na aquisição de conhecimento e mudança de comportamento, a avaliação deve consistir em verificar se o aluno está ou não sendo atingido e quais são os seus avanços e dificuldades.
Ao serem questionados sobre qual a importância do trabalho com a oralidade no ensino de Língua Portuguesa, 73,4% dos docentes responderam que este ensino desenvolve a habilidade comunicativa do aluno; 3,8% que diminui o preconceito linguístico; outros 3,8% que é a primeira modalidade que se aprende; mais 3,8% que este faz com que se abandone a postura de só trabalhar o escrito; os seguintes 3,8% disseram que aproxima o ensino da língua do falante; mais 3,8% relataram que mostra o funcionamento da língua; outros 3,8% disseram que desenvolve não só a comunicação, mas também a escrita e os 3,8% restantes proferiram que a oralidade é parte fundamental da língua. Observou-se com estes resultados que os entrevistados, em sua grande maioria, têm consciência da importância da oralidade no ensino de Língua Portuguesa, o que realmente parece lhes faltar são as orientações de como agir, ou seja, que passos seguir na sua prática, na sala de aula.
Sobre encontrar ou não dificuldades notrabalho com a oralidade na sala de aula, 57,7% dos professores responderam que sim. Destes, 19,2% indicaram como motivo que falta material (suporte) adequado/ metodologias; 15,4% justificaram suas dificuldades ao dizer que os alunos têm problemas para se expressar; 11,6% relataram que este trabalho nem sempre é visto com seriedade pelos alunos; 3,8% explicaram que as dificuldades ocorrem em função dos conteúdos exigidos pelo currículo; outros 3,8% disseram que recebem criticas de colegas professores que acreditam não ser importante este trabalho. Não encontram dificuldades 42,3% dos entrevistados.
Ao serem indagados se o curso de formação tem contribuído para sua atuação com a oralidade na sala de aula, 50 % dos docentes responderam positivamente; Os 46,2% restantes afirmaram que não. Estes justificaram que, o curso não fornece preparação para a prática na sala de aula, que somente a formação continuada abriu novos horizontes sobre a oralidade ou que o curso ficou muito preso à escrita. Não respondeu 3,8% dos entrevistados. Esses índices sinalizam a urgente necessidade de uma reformulação na organização curricular dos cursos de preparação de professores, de modo que se estabeleça novas e significativas relações entre teoria e prática.
A problemática apontada pelos resultados da pesquisa indica que o ensino, especialmente o de Língua Portuguesa, do qual se trata neste estudo, precisa urgentemente de reformulação, pois se configura em um tradicionalismo que mais parece petrificado. É a escassez de metodologias motivadoras, principalmente para tratar de temas inovadores como a oralidade; é a falta de preparação dos professores que não conseguem estabelecer uma ponte entre o conhecimento e a sua prática, na sala de aula; é a falta de motivação entre os docentes que por não se sentirem valorizados, acabam não se empenhando em melhorar suas ações, como buscar capacitar-se constantemente para acompanhar as inovações deste setor; é os que tentam superar tantas dificuldades, mas que ainda são bloqueados pelas regras impostas, verticalmente, pelos sistemas de ensino; como também a falta de bom senso dos colegas professores que, por não buscarem superar as dificuldades para realizar um bom trabalho, criticam os que tentam fazê-lo.
Assim, o presente diagnóstico permitiu verificar não só como tem se dado o tratamento da oralidade como objeto de estudo ou ensino na escola, especificamente na região norte do país, considerando o público entrevistado. Mas proporcionou perceber que o grande déficit na eficiência deste ensino, pode ser originário da baixa qualidade dos cursos de formação de professores que, de acordo com o que se averiguou, necessitam urgentemente de reformulação para que os profissionais recém-formados não cheguem às salas de aulas, somente embasados em teorias e discussões, mas também em práticas que devem acontecer ainda durante a formação inicial. Acredita-se que este debate pode trazer importantes e significativas contribuições para o tratamento da oralidade na sala de aula como objeto de estudo, bem como para um ensino de Língua Portuguesa mais eficiente.
3. A proposta metodológica “Histórias para contar Histórias” e os resultados de sua aplicação
A Proposta Metodológica “História para Contar Histórias: A Oralidade Como Objeto de Estudo na Escola” é uma sugestão direcionada ao professor de Língua Portuguesa das séries finais do ensino fundamental, 6º ao 9º ano, para servir como subsídio para o tratamento da oralidade na sala de aula. Ela se apresenta em mídia digital e constitui-se de sequências didáticas para serem desenvolvidas nas aulas de língua portuguesa, a partir do estudo de narrativas culturais orais escolhidas como instrumento para esta finalidade com intuito de aproximar o objeto de estudo do universo cultural dos alunos. As atividades estão seguidas de orientações para escuta, reflexão, produção oral e construção de conhecimentos a respeito da língua falada.
A realização desta pesquisa possibilitou trilhar um instigante percurso de descobertas tão interessantes quanto reveladoras em que não só se constatou a importância de se inserir o estudo da oralidade nas aulas de Língua Portuguesa como se definiu caminhos para esta finalidade. O estudo constituiu-se em busca de responder a uma pergunta comum a um grande número de professores de Língua Portuguesa do país que, ao compreender a necessidade da inserção da oralidade como objeto de estudo em suas aulas, ainda buscam direcionamentos. Como fazer?
A proposta foi desenvolvida durante pesquisa de Mestrado em Letras, vinculado à Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) e parte do princípio de que a oralidade deve servir como ponto de partida para um ensino de Língua Portuguesa mais produtivo e eficiente. Assim, é necessário ampliar as reflexões sobre a língua em uso e a partir disso construir progressivamente novas habilidades linguísticas que se requer neste ensino. Para aplica-la é necessário que o professor, antecipadamente, tome conhecimento de todos os passos os quais deve seguir, iniciando com a escuta e assistência das narrativas, em mídia digital, para em seguida, executar as sequências didáticas em que consta uma base de instruções planejadas e destinadas a cada uma das narrativas, para que, caso o docente prefira, faça as adaptações necessárias, de modo a adequar à realidade da sua turma, bem como para que sua prática seja desenvolvida de modo eficiente.
Compreende-se que o tratamento da língua oral não deve significar para a escola somente possibilitar o acesso a usos mais formalizados e convencionais da linguagem, nem tão pouco significa trabalhar a capacidade de falar em geral. Acredita-se que é necessário que se promova o estudo dessa modalidade da língua, de modo que se desenvolva, fundamentalmente, atividades que possibilitem ao educando reflexões sobre seu uso real, bem como de seus aspectos, para que deste modo, se possa construir progressivamente conhecimentos e a aquisição de novas habilidades.
A proposta de intervenção didática “Histórias para contar Histórias: A Oralidade como Objeto de Estudo na Escola” foi aplicada no período de junho a setembro de 2016, nas três turmas seguintes: 7º e 8º ano do ensino fundamental, ambas com 35 e 30 alunos respectivamente, da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio José de Alencar, situada na Rua São José, nº 148, CEP: 68030-620, no Bairro Aparecida, em Santarém – Pará.
A verificação demonstrou êxito no que se propôs, pois inicialmente, os alunos participantes da pesquisa tiveram a oportunidade, talvez jamais tida como experiência na sala de aula, de observar a oralidade de uma forma diferenciada, como algo importante, que merece atenção. Na verdade, todo o processo de aplicação se assemelhou a uma experiência em um laboratório, em que passo a passo, a cada atividade proposta esteve-se observando a reação dos alunos e simultaneamente, obtendo sensações de satisfação em constatar que a ideia que se teve trazia bons resultados.
Para que se efetuem todos esses passos, é necessário que se apresente o estudo da oralidade aos alunos de forma que estes sejam estimulados à inúmeras descobertas a respeito da própria língua. O material é apenas uma sugestão que visa auxiliar o professor no estudo do oral em busca de melhor compreensão sobre a língua e consequentemente oportunidades para aquisição de outras habilidades linguísticas de modo mais consciente.
4. Considerações Finais:
Verificou-se com esta investigação que a inserção da oralidade nas aulas de língua portuguesa é extremamente importante e necessária, para o processo que envolve inúmeras habilidades linguísticas que se requer que os alunos adquiram no ensino de português, pois ao refletir sobre a língua, em especial a partir de um elemento tão comum, tão próximo da sua cultura como são as narrativas culturais orais, motiva os estudantes a ir além, a querer mais, a compreender que estudar a língua é interessante. O ensino deixa de ter a aparência ilusória de algo que é muito difícil, distante da realidade do aluno e conforme o desenvolvimento das sequências didáticas, os estudantes vão deslumbrando-se com a própria língua, ao refletir sobre como ela acontece na realidade, observando seus diversos aspectos, compartilhando suas observações e aprendizados. Assim, os estudantes vão progressivamente adquirindo conhecimentos sobre a língua oral ao fazer descobertas, passam a valorizá-la e alcançam melhores níveis de aprendizados no que se refere ao que se requer no ensino de língua portuguesa.
Entre as descobertas destaca-se que para inserir a oralidade como objeto de estudo, na perspectiva de refletir sobre a língua, um dos caminhos é partir do princípio de que a maior importância da incorporação da língua falada no ensino está em fazer valer nossa identidade que inevitavelmente está em nossa língua e que, por conta disso, merece ser valorizada, respeitada e, porque não, aproveitada na escola. Isto quer dizer que o ensino de Língua Portuguesa deve partir do estudo da oralidade, da reflexão sobre a língua falada que, de acordo com o que se pode constatar neste trabalho é, inevitavelmente, mais reveladora do que a outra modalidade da língua, no que diz respeito aos processos constitutivos da linguagem humana.
Esta percepção é fundamentada nos pressupostos de Ataliba de Castilho, de acordo com o qual, quando se fala, não se prepara um rascunho, verbalizando um script depois de corrigido. Mas, joga-se tudo para o ar, tanto o assunto da conversação quanto os processos de criação linguística que estão sendo desenvolvidos. Deste modo, acredita-se que a aquisição de habilidades e competência linguísticas, tanto no que se refere à linguagem oral quanto à escrita, objetivos do ensino de Língua Portuguesa, deve acontecer de forma processual tendo como ponto de partida a inserção da oralidade como objeto de estudo, não só no desenvolvimento da competência oral no sentido do bem falar em público, mas na valorização da identidade linguística do aluno, que o ocasionará no respeito à diversidade linguística, condição para que o preconceito linguístico, ainda tão enraizado em nossa sociedade, seja extinto.
Portanto, a reflexão sobre a língua oral desencadeia em uma infinidade de conhecimentos linguísticos, de posse dos quais cada aluno estará apto a trilhar caminhos para a aquisição de melhores competências e desempenhos linguísticos para comportar-se com eficiência nos mais variados contextos de práticas linguísticas.
¹Trabalhou vários anos com a formação de professores e como colaborador científico em Genebra. Atualmente é mestre de ensino e de pesquisa, desenvolve pesquisa em didáticas de línguas relacionadas ao ensino-aprendizagem da produção de gêneros textuais orais e escritos.
²É professor titular e tem trabalhos publicados na área de desenvolvimento e ensino da linguagem oral e escrita;
³O livro: Gêneros Orais e Escritos na Escola (2004) é uma tradução que versa sobre o ensino do francês, no entanto, a discussão cabe perfeitamente à realidade do ensino de Língua Portuguesa do Brasil, por conta de estar se discutindo sobre a língua materna e não do francês.
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¹Doutoranda em Educação, Universidade Nacional de Rosário – Argentina, Monte Alegre – Pará – Brasil. E-mail: edilcilene.albarado@gmail.com
²Doutorando em Educação, Universidade Nacional de Rosário – Argentina, Monte Alegre – Pará – Brasil. E-mail: neisp.rb@gmail.com