A NECESSIDADE DE AÇÕES AFIRMATIVAS PARA A TUTELA DAS PESSOAS TRANSEXUAIS E TRAVESTIS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10916723


Isadora Souza Silva;
Mateus Santana.


RESUMO

Pessoas transexuais e travestis, ao longo da história ocidental sofreram e continuam sofrendo até os dias atuais, devido a construção social em que vivemos, em que se tem um padrão a ser seguido, e tudo o que é tido como diferente é discriminado. Assim, pessoas da comunidade LGBTQIA+ em especial, pessoas trans e travestis, são de certa forma as mais marginalizadas. O artigo perpassa, portanto, acerca da história da transexualidade no Brasil e no mundo, apresentando como a causa de pautou, marcos históricos e conquistas realizadas. Com isso, observa-se como o Estado tem responsabilidade de tutela de pessoas socialmente marginalizadas, afirmativa alicerçada ao princípio da igualdade, somado as ações afirmativas a estratégias repressivas. As ações afirmativas, combinado as políticas de combate à discriminação, combinadas, conseguiriam mudar a realidade vivida por pessoas trans no Brasil. De modo a conseguir igualdade material com a sociedade, pelas ações afirmativas e ainda, reprimir, ainda que de maneira punitiva o preconceito, em especial a transfobia.

Palavras-chave: Transexualidade, Direitos, LGBTQIA+, Ações Afirmativas, Igualdade.

ABSTRACT

Transgender and transvestite individuals have suffered and continue to suffer throughout Western history due to the social constructs in which we live, where there is a standard to be followed, and anything deemed different is discriminated against. Thus, LGBTQIA+ individuals, especially trans and transvestite individuals, are to some extent the most marginalized. This article discusses the history of transgender identity in Brazil and worldwide, presenting how the cause has been advocated, historical milestones, and achievements. It is observed that the State has a responsibility to protect socially marginalized individuals, an assertion grounded in the principle of equality, coupled with affirmative actions and repressive strategies. Affirmative actions, along with anti-discrimination policies, combined, could change the reality experienced by transgender individuals in Brazil, aiming to achieve material equality with society through affirmative actions and also to suppress, even punitively, prejudice, especially transphobia.

Keywords: Transgender identity, Rights, LGBTQIA+, Affirmative actions, Equality.

1. INTRODUÇÃO

Ao longo da história, questões relacionadas ao gênero e a sexualidade despertam grandes interesses e curiosidades, e, portanto, grandes polêmicas. Na maior parte da história do direito brasileiro, pessoas LGBTQIA+, estão completamente desamparadas, sem legislações que as protejam dos preconceitos e agressões presentes na sociedade, ou mesmo os privando de direitos básicos, como casar e constituir família, por exemplo. Dessa forma, somente em momentos recentes do direito brasileiro, observa-se conquistas em face ao ordenamento jurídico do país, um exemplo disso é a aprovação recente do Supremo Tribunal Federal a favor da criminalização da LGBTQIA+fobia, tornando-a, portanto, equivalente ao crime de racismo.

Face a este contexto, o presente trabalho tem o objetivo à problematização do tema abordado bem como, a necessidade de proteção jurídica das pessoas transexuais e travestis, em relação a discriminações, somado a inclusão social e condições dignas, a partir das ações afirmativas somadas as estratégias repressivas formadas a partir da criminalização de condutas e ações discriminatórias.

A pesquisa realizada reflete a preocupação com o preconceito e a discriminação, e estereótipos arraigados no imaginário social, atrapalham a percepção das pessoas, acerca da diversidade. Por causa de julgamentos preconcebidos, as pessoas acabam não se importando com a dor da outra. Esse tipo de comportamento pode levar à negação e à violência, e aumentar as barreiras à exclusão social, que agora é considerada legal em uma sociedade que rejeita uma identidade diferente daquela julgada correta.

Tendo em vista a grande problemática social que é a discriminação, marginalização e privatização ao acesso educacional e no mercado de trabalho, de pessoas trans e travestis no Brasil, essa pesquisa utilizou se no método indutivo, através da pesquisa qualitativa de bibliografias e documentos acerca da temática, para estabelecer o vínculo positivo entre essa problemática social e as ações afirmativas e estratégias repressivo-punitivas legais.

2. AÇÕES AFIRMATIVAS E A GARANTIA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE

O termo “ações afirmativas” foi utilizado pela primeira vez na década de sessenta nos Estados Unidos, durante o governo de John Kennedy, sendo empregada à época, para se referir a atividades e políticas governamentais que promovesse a igualdade entre brancos e negros, haja vista o histórico de discriminação racial nos EUA. Porém na atualidade este termo se abrange sendo empregado, por tanto, para políticas públicas voltadas para grupos sociais que sofrem discriminação, tendo por objetivo promover a inclusão socioeconômica de grupos historicamente privadas ao acesso a oportunidades, como é o caso das pessoas transexuais e travestis no Brasil.

Dito isso é possível fazer um vínculo entre as ações afirmativas e a Constituição Federal de 1988 que é pautada no princípio da isonomia, bem como na dignidade do ser humano, de acordo com o que é estabelecido pelo artigo 1º, inciso III da Constituição, “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III. a dignidade da pessoa humana”. Evidenciando, portando a preocupação constitucional, com o estabelecimento de condições dignas de existência humana a todos os cidadãos brasileiros, princípio consequentemente negligenciado quando se trata de pessoas LGBTQIA+, em especial travestis e transexuais.

A Carta Magna traz ainda, em seu artigo 3º que:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Fator tal que, reafirma a necessidade de políticas públicas, que como disponibiliza o texto constitucional, devem ser efetivadas a todos os brasileiros no sentido de promover o fim ao preconceito seja qual for, a marginalização, a pobreza e a desigualdade.

E para garantir a efetividade desses princípios constitucionais supracitados, o princípio da igualdade, estabelecido no caput do artigo 5º da Constituição Federal, diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

A partir destas normas constitucionais acima citadas, é possível analisar tendo como parâmetro o princípio da igualdade, a inadmissibilidade de diferenciações de tratamento, exteriorizadas sob a forma de discriminações, agressões físicas e psicológicas, bem como o tratamento desigual em qualquer âmbito social.

Portando pode-se afirmar que, apesar de vivermos em um o Estado Democrático de Direito, em que se tem a proteção da igualdade legal, ou seja, todos são iguais perante a lei, este mesmo Estado de certa maneira produz desigualdades entre os indivíduos, sejam desigualdades econômicas ou sociais. Esta igualdade tal qual a conhecemos é apenas formal (está apenas expressa na lei), sendo diferente da igualdade material defendida pela equidade. Pois entende se a partir da equidade que o justo é proporcionar resultados iguais para pessoas diferentes tratando-se os iguais de maneira igual e os diferentes de maneira diferente.

De maneira geral, podemos dizer que além do direito à igualdade, o direito à diferença também se manifesta como um direito básico: o respeito à diferença e à diversidade, e um tratamento especial nessas situações.

Pode-se concluir, portanto, que as ações afirmativas têm o objetivo de garantir a efetivação e a consolidação do Princípio Constitucional da Igualdade e, de maneira mais intensa, ser um mecanismo de aplicação e de efetivação do Princípio da Igualdade. Para isso, deve-se buscar não somente a igualdade formal estabelecida no supramencionado artigo, como também a igualdade material, construindo de fato a realização desses princípios no cotidiano das pessoas tuteladas por ele.

Portanto, entender o que é justiça social é, na verdade, entender sua conexão com os ideais de igualdade e justiça. São esses valores que norteiam as políticas e lutas pela construção de uma sociedade melhor. É importante notar que em diferentes sociedades de diferentes níveis econômicos, existem riscos de comportamento arbitrário, desleal e injusto de vez em quando.

A discriminação (gênero, orientação sexual, raça, etnia etc.) relacionada à falta de oportunidade é uma tradução da complexa realidade de alguns países e constitui um círculo vicioso de exclusão social. Nesse contexto, surgiram as chamadas ações afirmativas: medidas políticas destinadas a acabar com a exclusão social, cultural e econômica de indivíduos pertencentes a grupos que sofrem qualquer tipo de discriminação.

3. NORMAS JURÍDICAS REPRESSIVAS À DISCRIMINAÇÃO

Diante do que foi exposto, entende-se que o ordenamento jurídico tem uma necessidade de urgência de combater o preconceito e a discriminação, haja vista que, na atual realidade do país, esse grupo social sofre de formas imensuráveis, existe, portanto, medidas contundentes a serem tomadas pelos governantes. Uma maneira mais rápida para o enfrentamento desse problema social, é a criação de normas jurídicas que com caráter repressivo-punitivo, causem de maneira geral na sociedade uma aversão a esse tipo de comportamento, uma vez que, traz junto com ela uma sansão legal. Assim, com a criminalização de condutas discriminatórias a população de certa forma evita a prática ou, pelo menos, evita a população de cometê-las por medo das consequências legais acarretadas por determinada conduta.

Contudo somente a proibição de condutas discriminatórias não se torna eficiente ao combate, pois a não pratica de discriminação por si só, não significa que o preconceito não esteja presente na sociedade. Diante disso, entram as ações afirmativas, em com sua função compensatória, consegue promover o acesso e a ajudar a consolidação a igualdade material, pois, a partir do acesso ao mercado de trabalho e às instituições de ensino, proporcionando a qualificação ao mercado de trabalho.

4. COMBATE AO PRECONCEITO CAUSADO PELA DESINFORMAÇÃO

Além disso, projetos de combate ao preconceito, e à ignorância, no sentido do desconhecimento ao assunto, uma vez que todas essas faculdades são criações sociais, portando podem ser recriadas e modificadas, atualmente a sociedade na sociedade brasileira atual, tem-se o preconceito e a discriminação de pessoas LGBTQIA+, mas nada impede de esta situação mudar, e o nomo “normal” ser a não-discriminação dessas pessoas.

Um grande obstáculo ao combate ao preconceito, e o desconhecimento das pessoas acerca das diversidades, uma vez que elas não têm muitas das vezes ligação com a sua realidade pessoal, desse modo não há o interesse em conhecer sobre e se desconstruir de preconceitos.

Mas porque as pessoas são preconceituosas? Nascemos em uma sociedade patriarcal, e hierarquicamente dominada por pessoas brancas, em que o diferente é tido como inferior, ou desmerecedor de respeito; tido isso como verdade, surgem os preconceitos nas diversidades, sendo exemplos disso, o racismo, a homofobia, a transfobia, e mesmo em amplas parcelas, como o machismo que recai sobre as mulheres.

Dessa forma, o desconhecimento, acerca dessas construções sociais, impossibilita o entendimento dessa problemática, e consequentemente consolida o preconceito. Assim, somente a partir do conhecimento e da busca pela desconstrução pessoal1, pode-se combater o preconceito presente no imaginário geral da sociedade.

5. A HISTÓRIA E O CENÁRIO PROTAGONIZADO POR TRAVESTIS E TRANSEXUAIS NO MUNDO E NO BRASIL

5.1. HISTÓRIA NO MUNDO

Observando a história do mundo no geral é obviamente perceptível que desde muito tempo atrás se iniciou a construção, feita pelo homem, do que seria o normal ou o aceitável. Essa noção nem sempre foi a mesma, transformando o “normal” em uma metamorfose derivada da ideologia do grupo de indivíduos que possuíam maior poder, fosse econômico ou ideológico, era a eles a quem esse “normal” se moldava, a ideia de gênero não sendo exceção.

A palavra procedente do latim nem sempre carregou o significado que conhecemos hoje, que é ligado a biologia e a clara segregação do corpo masculino e feminino entre sexo designado no nascimento, a biologia foi ligada a palavra após o início do Renascimento e a Idade Moderna, nesse tempo é que o normal começa a tomar forma de uma pessoa que hoje conhecemos como cisgênero, forma que persiste até hoje na ideologia da sociedade atual. Ao longo dos anos o normal foi ditado por homens brancos e livres, que acreditavam na sua supremacia e tinham total poder sobre o destino de mulheres, negros, e pessoas LGBT, é notável a violência sofrida por grupos que não eram compostos por pessoas consideradas normais, pois diferente do que se é disseminado pelo senso comum hoje em dia, pessoas transexuais existem a muito tempo apesar de suas vozes só passarem a ser ouvidas nos tempos recentes.

Como minoria as pessoas transexuais tiveram seus passados ignorados ou excluídos dos livros de história, gerando uma escassez de conhecimento sobre pessoas trans nos estudos das gerações ao longo dos anos, que contribui para que o assunto e a existência da transexualidade se tornassem um tabu, foram necessários uma série de protestos e ativismos para que as vozes dessa comunidade por tanto tempo silenciada começassem a serem ouvidas. A luta dos travestis e transexuais historicamente está intrínseca a luta LGBT, e suas reivindicações incluíam, dentre outras, o reconhecimento e legalidade das pessoas LGBT, o rompimento da ideologia e de leis que relacionava a homossexualidade e transexualidade a patologia, e o impedimento de violência policial contra a comunidade.

Um marco muito importante para a luta LGBT é a Revolta de Stonewall que aconteceu em Nova York nos E.U.A no ano de 1969, no dia 28 de junho os frequentadores do bar Stonewall Inn, um bar no qual a clientela era constituída por pessoas da comunidade LGBT, se rebelaram contra a violência policial que sofriam naquela manhã, assim como em muitas outras, os integrantes da comunidade LGBT eram agredidos fisicamente e verbalmente nas ruas, e encontravam no bar um lugar para serem e agirem como quisessem, mas naquela manhã estavam sendo levados em custódia por demonstrarem afeto a pessoas do mesmo sexo, ou vestirem roupas que eram vistas como do gênero oposto, sendo importante frisar que na época a polícia dos E.U.A tinha respaldo na detenção desses indivíduos, haja vista que, era ilegal qualquer tipo de ação homossexual ou transexual como as citadas acima. A opressão se construiu a um ponto de exaustão, levando os clientes a se rebelarem com gritos ou objetos que estavam ao alcance, sua frustração e vontade de ser quem eles eram de forma explicita e com orgulho foi a fonte de seus atos que viraram um marco na luta LGBT como referência de resistência, e tornando a luta conhecida no mundo, assim com marcando o mês de junho como o mês do orgulho da comunidade.

5.2. TRAJETÓRIA NO BRASIL

Os primeiros registros encontrados no país relacionados a transexualidade são do Santo Ofício do século XVI e falam sobre a travesti Xica Manicongo, escrava africana do Congo, que biologicamente era do gênero masculino, mas que andava com vestimentas de sua terra natal tidas como femininas na época, ela também se relacionava com homens e por isso foi perseguida durante a Inquisição pelo crime de sodomia, Xica é um ícone da luta por ter se resistido em meio a opressão.

Apesar dos registros sobre Xica serem tão antigos, a luta transexual apenas começou a colher seus frutos recentemente, alguns grupos LGBT foram criados ao longo dos anos como o coletivo Turma Ok, a primeira organização de socialização LGBT criada no Rio de Janeiro em 1962 nos tempos de ditadura militar no Brasil, grupos como esse foram essenciais para a luta e resistência travesti e transexual que só ganhou uma associação específica em 1992 com o ASTRAL, hoje conhecido como ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais, sendo 1992 muito recente na linha do tempo humana.

O primeiro registro de uma cirurgia de redesignação de sexo no Brasil foi feita em 1971 pelo cirurgião plástico Roberto Farina, realizada na paciente Waldirene Nogueira nascida Waldir Nogueira, apesar de Farina ter realizado outras cirurgias, a de Waldirene foi a primeira a ser descoberta pelo governo militar da época que condenou Farina por lesão corporal grave, com pena de dois anos e violentou Waldirene após sua cirurgia, lhe expondo a “exames” que violaram sua privacidade, esse acontecimento aponta como a transexualidade sofria um forte preconceito que o classificava como doença mental e deixava indivíduos transexuais completamente desamparados na área da saúde, apenas em 2004 foi criado um comitê técnico com o intuito de amparar a comunidade LGBT após 27 travestis e transexuais, no dia 29 de janeiro, irem até o Congresso Nacional e reivindicarem seus direitos assim marcando o Dia Nacional da Visibilidade Transexual no Brasil. É alarmante pensar que em 2019 foi que a Organização Mundial de Saúde oficialmente tirou a transexualidade da categoria de transtornos mentais, a apenas dois anos atrás, assim como apenas em 2016 é que o foi reconhecido pela legislação a importância do uso do nome social, essa conquista da comunidade travesti e transexual é de extrema relevância por se tratar de algo tão importante para qualquer indivíduo, o nome social é aquele que a pessoa escolhe ser chamada, aquele ao qual ela reconhece como seu, o registro do nome social nos documentos de uma pessoa trans evita o constrangimento de ser chamado por um nome que não é seu, pelo Decreto nº 8.727 ficou estabelecido que a mudança poderia acontecer por meio de processo judicial, e finalmente em 2018, pessoas trans foram permitidas de mudarem seus nomes em seus documentos diretamente no cartório, sem necessidade de um processo judicial,  essas datas são extremamente recentes e mostram que a luta trans no Brasil não está nem perto de acabar.

5.3. COMO É A VIDA DE TRAVESTI E TRANSEXUAIS NO BRASIL HOJE

Na escola, quando estudamos biologia somos ensinados que existem dois gêneros: o masculino e o feminino, sendo o feminino composto de dois cromossomos X e o masculino de um cromossomo X e um Y, essa ideia apresenta a biologia como o único fator  que decide o gênero de um indivíduo assim que ele nasce, essa visão apesar de biologicamente correta, não é a única que decide o gênero, pois há também aspectos com relação a socialização do indivíduo ou a ideologia de gênero do tempo em que ele vive, fatores que também são determinantes para o entender o que é gênero, a falta de discussão nas escolas brasileiras sobre esses aspectos influência de forma extremamente negativa na vida de pessoas transexuais, pois torna o assunto um tabu, algo a ser tratado com estranheza ao invés de respeito, causando a ignorância que violenta travestis e transexuais fisicamente, psicologicamente e economicamente até mesmo dentro da escola, que cria um ambiente hostil e ocasiona na desistência e no fim da vida acadêmica de estudantes transexuais, em 2015 a Associação Brasileira de  Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais ABGLT realizou uma pesquisa em instituições de ensino no país que apontaram que 43% dos alunos se sentiam inseguros/as por causa de sua identidade/expressão de gênero, essa estatística nos mostras como travestis e transexuais já se vêm desamparados logo no início de suas vidas, porém o abandono não para na vida acadêmica.

No mercado de trabalho o cenário também não é positivo, o ingresso já é dificultado por conta da falta de escolaridade e diplomas e se agrava por conta do preconceito e transfobia proeminentes na ideologia social atual, um indivíduo travesti ou transexual não é visto como alguém respeitável ou responsável no mercado de trabalho, este estigma trabalha contra a efetivação dessas pessoas em empresas de forma formal, acontece então a desvalorização da mão de obra transexual, como visto em uma pesquisa realizada por Maria Amélia de Sousa Mascena Veras, coordenadora do Projeto Muriel, um projeto que tem como finalidade estudar e expor as vulnerabilidades da comunidade travesti e transexual no acesso a serviços e direitos, na pesquisa realizada com 672 participantes da comunidade travesti e transexual apenas 16,7% deles eram empregados formalmente no mercado de trabalho, e pela falta de oportunidades de trabalho com carteira assinada e benefícios, o caminho que leva ao trabalho sexual é frequentemente a única opção remanescente, como também exposto no estudo, 40% dos entrevistados se mantêm por meio do trabalho sexual.

A prostituição não é uma opção segura para qualquer indivíduo, é perigoso fisicamente pois expõe totalmente o corpo da pessoa, a violência e a doenças sexualmente transmissíveis, o sujeito que se expõe não tem nenhum amparo efetivamente e é frequentemente negligenciado, apesar de a prostituição ser reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego ainda é exorbitante o nível de desamparo de pessoas que recorrem ao trabalho sexual para sobreviverem, e no caso dos travestis e transexuais a situação do trabalho sexual age também como agravante para a hipersexualização do corpo travesti e transexual.

O preconceito contra travestis e transexuais lhes atribui um papel de “seres depravados” pois a ideia propagada por muitos anos pelo senso comum, alimentado por credos religiosos, é a de hipersexualização de pessoas da comunidade LGBT, que tem efeito extremamente negativo para essas pessoas que passam por um processo de objetificação, seus corpos são vistos como objetos que carecem de humanidade e servem apenas para satisfazer fetiches, em 2019 um dos maiores site de pornografia no mundo, o Pornhub, divulgou as estatísticas de pesquisa e vídeos assistidos no site, estatísticas que apontam o Brasil como país que mais consume pornografia protagonizada por travestis e transexuais, fica então evidente como essa objetificação é proeminente no país e como contribui para a violência que advém da transfobia.

O Brasil é uma nação extremamente perigosa para travestis e transexuais, todos os fatores citados acima constroem uma ideologia muito prejudicial no cotidiano de pessoas trans, é comum para eles viverem em constante medo de terem seus corpos e mentes violados, por uma ignorância construída em vários aspectos é que o Brasil se tornou o país que mais mata pessoas trans no mundo como divulgado pelo Dossiê dos ASSASSINATOS e da violência contra pessoas Trans em 2020 feito pela ANTRA. Todo esse desamparo que vem desde a infância, desde a escola é que ocasiona na falta de segurança e deixa pessoas trans à mercê de grupos transfóbicos os quais marginalizam as vidas trans e reiteram o abandono dessas vidas em lugares e questões públicas fazendo com que a luta travesti e transexual caminhe com grande lentidão.

Os frutos colhidos pela luta são importantes para a evolução do pensamento em relação a comunidade transexual, para a qualidade de vida dos indivíduos que se identificam como travestis ou transexuais, mas eles apontam também como a luta é necessária para reivindicar questões básicas que não deveriam ter necessidade de serem reivindicadas, mas deveriam ser inerentes aos indivíduos da comunidade e intrínsecas não só a constituição mas também ao dia a dia, a movimento luta para normalizar coisa que já deveriam ser consideradas normais, assim como luta para que direitos básicos que constam na Constituição sejam efetivamente garantidos à comunidade

6. COMO AÇÕES AFIRMATIVAS PODEM INFLUENCIAR DE FORMA POSITIVA NA VIDA DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS

Diante do que foi exposto, cabe salientar a importância e o impacto positivo na vida das pessoas trans e travestis, que pode ser propiciado com a implantação das ações afirmativas. Uma vez que, o intuito principal das ações afirmativas é promover a igualdade, ou reduzir as desigualdades e garantir o acesso às oportunidades.

A utilização das ações afirmativas já se mostrara eficiente no país, exemplo disso são as ações afirmativas destinadas a população negra, como a lei de cotas, que proporcionou o incentivo à população negra a ingressar na faculdade, e garantir o ensino superior e a qualificação para o mercado de trabalho, como exposto pela V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos Graduandos(as) da IFES 2018 que aponta que no ano de 2003 o número de estudantes pretos era de 27.693, e após a implementação de cortas raciais em 2014 esse número chegou no ano de 2018 a 143.599 estudantes pretos. Essa mesma pesquisa também aponta que a porcentagem de alunos trans nas instituições é menor que 0,3%, esse número é consequência direta do abandono precoce da vida acadêmica devido à dificuldade que jovens trans enfrentam diariamente nas escolas, portanto é necessário ações que incluam pessoas trans e validem seu estudo e esforço, haja vista que menos da metade das universidades públicas oferecem cota para pessoas trans, também é necessário instruir jovens cisgênero, no ambiente escolar, para que não disseminem preconceitos e estereótipos negativos sobre a comunidade LGBTQIA+, tratando o problema na raiz.

Um dos principais problemas enfrentados pelas pessoas transexuais e travestis é a impossibilidade do acesso ao mercado de trabalho, sendo negado a elas oportunidade de trabalho, fazendo com que na maioria das vezes a única opção seja a prostituição ou a criminalidade, assim pressupõe que um grande avanço para a erradicação dessa problemática seria a criação de vagas destinadas a população trans, em instituições públicas, ou a criação de projetos que tenham como meta a inclusão de travestis e transexuais em empresas, fazendo o papel de intermediadores e auxiliando nas etapas de processos de seletivos básicos para quem não possua formação superior ou tenha alguma limitação econômica, assim como proporcionar mais contratos públicos para pessoas trans, criando assim uma alternativa de trabalho para que não as fosse necessário recorrer a medidas marginalizadas.

É importante que o estado atue para corrigir a falta de inclusão de pessoas trans em cargos importantes, para que jovens trans se vejam representados e seja normalizada a atuação e convivência de pessoas trans em todos os lugares, sejam acadêmicos, profissionais, midiáticos, entre outros.

A ideia de reparação que as ações afirmativas trazem é extremamente relevante também na área econômica, levando em consideração a situação econômica precária que travestis e transexuais vivenciam, por consequência da desvalorização sofrida por eles, muitos são expulsos de casa quando jovens após declararem sua identidade de gênero e se veem sem nenhum amparo e sem ninguém para prover o necessário para sua sobrevivência básica, fato que resulta na insuficiência econômica desses indivíduos e não os possibilita de desenvolver um mínimo poder aquisitivo, em relação a moradia ou a mobilidade por exemplo, portanto são interessantes ações que facilitem a aquisição de moradia própria ou algo parecido, o Estado deve atuar também nessa carência econômica.

Outra atuação necessária do governo é na proteção de travestis e transexuais, haja vista que esses compõem um dos grupos que mais sofrem violência no país, resultando não só em mortes, mas também em doenças psicológicas em grande parte da comunidade.

Apesar dos avanços no Sistema Único de Saúde, como a utilização do nome social e as cirurgias de redesignação de sexo, pessoas trans ainda encontram dificuldades no acesso à saúde pública por conta da discriminação, suas necessidades especiais não são vistas ou cuidadas como deveriam, como por exemplo o alto índice de HIV na população travesti que é exposta a doenças sexualmente transmissíveis na prática do trabalho sexual, essa problemática não é vista coma seriedade que exige, resultando na negligência por parte dos funcionários públicos da saúde, e consequentemente no não tratamento de doenças em travestis e transexuais.

O índice de doenças psicológicas na comunidade trans é agravante a sua condição social, em decorrência das experiências negativas e dos traumas normalmente vivenciados a partir da infância é que as doenças psicológicas são desenvolvidas e, portanto, são necessárias ações que protejam e assistam a saúde mental de travestis e transexuais, ações que não necessariamente atuem de forma direta, mas que possam diminuir desigualdades e reparar as violências sofridas resultando na manutenção da dignidade humana e na melhora da qualidade de vida de travestis e transexuais, para que os efeitos colaterais dos problemas gerados pelo preconceito e pelo abandono não sejam tão exorbitantes a ponto de gerar doenças psicológicas em mais da metade da comunidade trans, é esse o papel do Estado para com a comunidade.

Em relação a cultura é pertinente que o Estado atue para a valorização da cultura Queer, que carrega historicamente uma conotação negativa e, portanto, não é enaltecida como as demais culturas brasileiras. A cultura Queer abrange toda a cultura LGBTQIA+ que nos dias de hoje tem bastante influência em vários aspectos de nossas vidas, como na mídia por exemplo, que tem criado programas voltados especialmente para o público queer, como o popular programa “Rupaul’s Drag Race” que foi criado em 2009 e se popularizou de forma substancial não só na comunidade LGBTQIA+ mas também com outros públicos, o programa normaliza e enaltece a arte performática das Drag Queens, uma arte advinda da cultura Queer e que se faz muito presente na cultura atual, e provam como é necessária a inclusão da cultura queer em outros ramos artísticos no país.

Além disso, o crescimento da vinculação e da exibição de elementos e pessoas Queer, na mídia, na cultura e nos meios de comunicação, possibilitam a representatividade¹ para pessoas pertencentes a essa parcela da sociedade, sendo, portanto, uma projeção dessas classes sociais silenciadas, possibilitando sua exibição e voz. Bem como, a disseminação e normalização desta realidade para pessoas não pertencentes a estes grupos sociais.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante as questões supracitadas, pode se concluir, que são necessárias a igualdade formal e a igualdade material, para que se conquiste o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana em relação as pessoas trans e travestis.

A igualdade formal ou legal, está expressa no ordenamento jurídico, de forma que na jurisdição essa igualdade já foi conquistada, porém somente a igualdade por si só não garante o igual tratamento, uma vez que o ordenamento jurídico foi criado e evolui junto com a sociedade, entende-se que há uma maior necessidade de tutela jurisdicional, aos grupos sociais mais necessitados, ai que entra por exemplo a criação de uma norma jurídica mais específica, como anteriormente exposto a criminalização da LGBTQIA+fobia, tornando a equivalente ao crime de racismo, pois se entende que essa parcela da sociedade carece de uma maior proteção jurídica, devido ao tratamento hostil advindo da sociedade, sendo necessário portanto a equidade.

Não somente é importante a equidade no ordenamento jurídico, mas também na sociedade em si, devendo haver, portanto, equivalência no tratamento, no acesso, principalmente em questões materiais. Para isso ocorrer se deve efetivar, portanto, uma tutela por parte do Estado, garantindo a essas pessoas, condições de existência digna, fator impossibilitado pelo preconceito existente na sociedade, uma vez que mediante a agressões físicas e verbais, e a impossibilidade de conseguir emprego digno. Muitas vão para rua, para conseguir com a prostituição garantir o próprio sustento.

Para que essa triste realidade social deixe de existir, é necessário que o Estado intervinha de maneira contundente, garantindo mudança social, uma maneira eficiente e por meio das ações afirmativas, como por exemplo a disponibilização de emprego para essa parcela da sociedade, além de garantia ao ensino proporcionando a qualificação para o trabalho, com uma política de cotas. Políticas as quais, já são entendidas e efetivadas pelo Estado em favor da população negra e indígena, e como foi supracitado o Estado entendeu que a população trans necessita de tutela assim como a população negra, quando se criminalizou a LGBTQIA+fobia.

Desse modo, seria coerente abranger essa tutela, para além da norma, mas também em ações sociais que minimizem essa exorbitante desigualdade presente em nossa realidade social.

8. REFERÊNCIAS

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