A NATUREZA COMO FONTE DE INSPIRAÇÃO NO DESENVOLVIMENTO DE PROJETOS 

NATURE AS REFERENCE ON INSPIRATION FOR PROJECTS DEVELOPMENT

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11235608


Dra. Thays Obando Brito1
Lucas Adriel Batista Pereira2
Laércio Jandir Arndt 3


RESUMO

O presente artigo investiga a relação entre projeto e a biomimética/biônica a partir da observação humana da natureza, de maneira não consciente e consciente, através de um exercício teórico e com exemplos de projetos históricos. Assim, aborda uma discussão sobre projetos inspirados na natureza, datados desde a pré-história até os dias atuais, dos simples aos complexos, demonstrando analogias a partir da biônica em vários ramos como o automobilístico, moda e arquitetura. Ao final, é enfatizado o projeto de design de produto desenvolvido no programa de pós-graduação em design e tecnologia, destacando a eficiente utilização da biônica como fonte de inspiração para os profissionais na criação de seus produtos. 

Palavraschaves: “Projetos”, “Biônica” e “Produto”

INTRODUÇÃO

A natureza desenvolveu e aperfeiçoou soluções para os seus desafios de forma primorosa em bilhões de anos de evolução. Tal processo de adaptação resultou na seleção natural das espécies, quando alguns se tornaram fósseis e outros permaneceram trazendo consigo o segredo da sobrevivência. Somente aqueles suficientemente adaptados às suas funções e ao meio-ambiente sobreviveram. A evolução da natureza trouxe, portanto, o desenvolvimento de mecanismos biológicos altamente eficazes e energeticamente eficientes (BENYUS, 2007, BAR-COHEN, 2006).

Tem-se como quase certa a origem do homem na África, perto da linha do Equador. Sua evolução deve ter se iniciado nas savanas que se estendem no norte do Quênia ao sul do oeste da Etiópia, nas proximidades do lago Rudolf. Há dois milhões de anos, o primeiro ancestral do homem teria se firmada sobre um par de pernas de forma idêntica ao do homem moderno. Tal evolução começou quando o clima se tornou seco, secando lagos, e atrofiando a floresta na forma de savana, forçando os macacos a se tornarem bípedes e se adaptarem ao seu novo ambiente, por meio de uma cobrança por um preço para a sobrevivência do mais apto (BRONOWSKI, 1992).

 Ao firmar os pés na terra e andar na posição ereta, os primitivos homens assumiram um compromisso com novo tipo de integração de vida. Desde então, o desenvolvimento de utensílios se tornou uma prática comum, devido às necessidades básicas de sobrevivência. Para a criação desses artefatos, o homem veio buscar diferentes modos de resolução para os seus problemas, utilizando-se de várias fontes de inspiração. 

Dentre as soluções, é possível identificar os elementos da natureza como meio de inspiração com intuito de catalisar conhecimentos biológicos, elementos naturais, e transformá-los em projetos eficientes, visando solucionar as necessidades e imaginações humanas.

  Assim, neste deste artigo será abordada a relação entre design e a biônica a partir da observação humana sobre a natureza, de maneira não consciente e consciente, através de um exercício teórico e contando com exemplares históricos para verificação de suas afirmações. O texto abordará projetos inspirados na natureza. 

1.     Observações não Conscientes e Conscientes a partir da natureza

Segundo Bronowski (1992) o homem é uma criatura singular, possuindo um conjunto de dons que o torna único entre os animais e, diferentemente destes, não é apenas uma peça na paisagem, mas um agente que a transforma. Usa o seu corpo e sua mente na investigação da natureza, capaz de transformá-la conforme sua necessidade. Dessa forma, ele se diferencia dentre os outros animais por seus dons de imaginação.

Desde a pré-história até os dias atuais, a natureza sempre influenciou na imaginação e inspiração humana, seja de maneira consciente ou não consciente.

Bronowski (1992) cita que as figuras primitivas podiam antecipar as situações a serem enfrentadas pelos caçadores. A arte rupestre recriou o modo de vida do caçador, descortinando o passado e o futuro daquele povo. Essas pinturas foram uma espécie de telescópio para a imaginação do homem primitivo, possibilitando-o possuir habilidades para enxergar o futuro, no qual permitiria um planejamento adequado da ação que se pretendia alcançar. Este foi um fato que contribuiu de forma significativa para a escalada do homem quanto à observação a partir do seu entorno, natureza, com o objetivo de aproveitá-la de alguma maneira. Neste primeiro caso, o homem apoderouse de elementos da natureza para imaginar e comunicar sua vida primitiva. Já a observação consciente e intencional de copiar alternativas da natureza para projetos, está associada a certos períodos históricos geralmente caracterizados por grande efervescência criativa, demonstrando um método de investigação de forma mais discriminada, até então antes visto apenas de maneira empírica sobre a utilização do potencial da natureza (DAPPER, 2012).

 Conforme abordado por Dapper (2012) os autores Nunes & Texeira (2007), citam que no século XVI Leonardo da Vinci observou e estudou a anatomia de pássaros, visando à aplicação em uma máquina voadora (Figura 1). Por meio da observação do voo de aves, Leonardo Da Vinci percebeu que os pássaros não dependiam tanto do bater das asas para voar, mas sim da forma como exploravam as correntes de ar e o vento com suas asas. Com base nesta constatação, Leonardo propôs diversos modelos de máquinas voadoras e, apesar de não ter obtido sucesso em colocar essas invenções para funcionar, ele contribuiu com parte da história da aviação. Este é um dos exemplos mais famosos da área de estudo conhecida como biomimética, que tem como objetivo aprender com a natureza para, depois, aplicar esse conhecimento nas ciências (VENTUROLI, 2012, RIBEIRO, 2010).

Figura 1: Máquina Voadora do Século XVI baseada na anatomia  dos pássaros, de Leonardo da Vinci.

Fonte: Adapatada por Dapper (2012).

Conforme Detanico (2011), Da Vinci também deixou estudos referentes à estrutura do corpo humano, no clássico desenho intitulado “Homem Vitruviano” (Figura 2), segundo a tese do filósofo e matemático Pitágoras (aprox. 570 a. C – 496 a. C) na qual “o homem é a medida de todas as coisas”, ou seja, o homem, como ser integrante da natureza, também revela em si as proporções e leis que regem todo o universo. 

Esse padrão matemático encontrado no corpo do ser humano, também pode ser identificado na constituição de outros seres como peixes, aves, flores e frutos, chamado de proporção áurea. Tal proporção contribui para padronizar projetos a serem desenvolvidos por design, arquitetos e engenheiros e foi reafirmando por Peter Peace (1990), defendendo que a natureza tende a produzir estruturas padronizadas, mas com diversidade, gerando um conceito de modularidade.

Figura 2 -Proporção na imagem do homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci

Fonte: Doczi, 1990

Outras figuras historicamente importantes também tiveram projetos inspirados na natureza, como Clement Ader, engenheiro francês, precursor da aviação e inventor do termo avion. Ader construiu em 1890, por meio da observação do voo dos morcegos, um aparelho chamado L’Éole (Figura 3) e teria ele realizado a primeira decolagem de uma máquina, movida a vapor, mais pesada que o ar (DAPPER, 2012).

Figura 3: Máquina voadora L’Éole, de Clement Ader,  Inspirada  no voo dos morcegos.

Fonte: Adaptada por Dappe (2012).

Em 1851, o arquiteto e paisagista Joseph Paxton projetou seu Palácio de Cristal (Figura 4) para a Exposição internacional das Indústrias, do Comércio e das Artes em Londres. Tal arquitetura foi inspirada na estrutura das folhas da Vitória-Régia, uma planta que pertence a família dos nenúfares, possuindo enormes folhas flutuantes que podem chegar a dois metros de diâmetro. 

Figura 4: Projeto e obra do Crystal Palace desenvolvido por Joseph Paxton.

 Fonte: Adaptado por Dapper (2012)

A vitória régia (Figura 5) apresenta um sistema de nervuras que lhe propiciam grande resistência, sendo tais nervuras a inspiração para a cobertura da edificação. Paxton usou o mesmo princípio da folha da vitória-régia, mas ao invés de seguir a distribuição radial como na matriz optou por usar nervuras paralelas e perpendiculares (RIBEIRO, 2010).

Figura 5: Folha da Vitória-Régia e a sua estrutura

Fonte: Adaptado por Dapper (2012)

 Até este momento, o termo “biônica” ainda não era utilizado para identificar os projetos com inspiração na natureza, sendo formalizado no século XX.

2. Origem da Biônica 

 Nos anos de 1950, o coronel da Força Aérea Americana, Jack Ellwood Steele (Figura 6) pesquisou aplicações de engenharia de modelos biológicos e foi responsável por fundar em 1960 o termo “biônica”, denominando-a uma ciência ou atividade formalizada, ocorrendo durante um simpósio intitulado de Bionics Symposium.  Nesse simpósio, Steele apresentou sua dissertação de mestrado intitulada Bionic Designs of Intelligent Sistems, contando com a presença de matemáticos, físicos, biólogos, engenheiros e psicólogos (DAPPER, 2012).

 Assim, Steele definiu a biônica como “ciência dos sistemas cujo funcionamento é baseado naquele dos sistemas naturais ou que guardem qualquer analogia com estes”. (ARRUDA, 2012)

Figura 6: Retrato de Jack E. Steele e Jack E. Steele durante o Bionics Symposium.

Fonte: Adaptado por Dapper (2012)

Conforme retomado na pesquisa de Dapper (2012), nessa época, biônica se referia exclusivamente à transferência de tecnologias em formas de vida, também conhecido como biomimética, biognosis, engenharia criativa, biomimicry ou bionical.

Com o passar do tempo, a biônica deixou de ter seu uso vinculado unicamente aos propósitos militares e passou a integrar no cotidiano de designers, arquitetos e engenheiros ao redor do mundo em busca de novos métodos para projetar (RIBEIRO, 2010).

3.     Aplicação da Biônica em Projetos 

O homem sempre usou a mente para melhorar o que fazia. Queria cada vez algo melhor ou maior. Não se contentava com o que os outros já haviam feito antes dele. Na verdade, ele sempre queria ultrapassar os limites alcançados. Com certa frequência passou por dissabores, que o ajudaram a compreender melhor o que estava fazendo.Da soma desses dissabores veio o progresso (VASCONCELOS, 1922). 

Independente do seu tempo, o homem procurou soluções para sobreviver, observado desde a pré-história até atualmente, forçando-o a vencer barreiras em cada época vivida, desenvolvendo cada vez mais soluções práticas de acordo com sua necessidade e imaginação. 

Assim, a natureza corriqueiramente foi fonte de inspiração para o homem. Não é para menos que em 3,5 bilhões de anos de evolução na Terra, os animais e as plantas desenvolveram sistemas vitais que desafiam a imaginação dos cientistas. Os mexilhões, por exemplo, grudam-se às rochas como um adesivo tão consistente que resiste às violentas ondas e correntes marítimas, e até hoje não se conseguiu criar em laboratório uma cola com tanta potencialidade à superfícies úmidas. À medida que o conhecimento da ciência avança sobre as estruturas das células e moléculas, fica mais fácil reproduzi-las (VENTUROLI, 2013).

Dessa forma, cada vez mais a ciência utiliza lições da natureza para encontrar soluções tecnológicas. Um grupo de pesquisadores australianos da Organização de Pesquisa Científica e Industrial da Comunidade Britânica, de Santa Lucia, conseguiu a façanha de sintetizar artificialmente a resilina. Graças à presença da resilina em suas patas, as pulgas, que medem menos de 2 milímetros de altura, conseguem dar saltos de 30 centímetros. A resilina também permite que as abelhas e os insetos voadores batam as asas em grande velocidade, a mais de 500 milhões de vezes ao longo da vida, sem que suas articulações apresentem desgaste ou fadiga. Entre as muitas aplicações previstas da resilina sintética, estão desde solados de tênis até próteses médicas, principalmente em discos da coluna vertebral (VENTUROLI, 2013, VASCONCELOS, 1922).   Além disso, a sabedoria da natureza  também é aproveitada  no emprego de tecnologias para indústria automobilística, com projetos de carros e até mesmo trens bala. 

A Mercedes-Benz desenvolveu um carro com base na espécie peixe-cofre (Figura 7), com design que copia tanto o visual como a estrutura da carroceria. O peixe é um habitante dos oceanos Índico, Pacífico e Atlântico. Resultando, assim, em um carro com características mais leves, devido à aerodinâmica calcada na forma do peixe em questão. Em suma, gasta 20% menos combustível do que os modelos de mesmo porte. Além disso, como tal espécie apresenta uma forma arredondada, resultou em um design de carro com interior mais espaçoso e confortável para o usuário (ARRUDA, 2011).

Figura 7: Formato do peixe-cofre inspirou o Mercedez-Bens Bionic 

Fonte: Barbosa (2008) e revistaplaneta.com.br.

 O trem-bala (Figura 8) surgiu a partir de uma problemática, pois no Japão quando um trem saia do túnel, este ar comprimido de repente se expandia com um grande estrondo sônico. Disparando, assim, a quilômetros de distância um ruído que extrapolava os padrões ambientais de poluição sonora na cidade. Com intuito de solucionar tal situação, especialistas estudaram um tipo de pássaro chamando martimpescador. Essa espécie possui um rabo curto e grosso, cabeça grande e longo bico.

Através de um olhar mais atento, cientistas perceberam que este animal mergulhava para dentro da água com respingo muito pequeno e através da cópia do seu bico, proporcionaram a solução do problema para trem-bala. O resultado foi uma redução do ruído, possibilitando uma viajem mais silenciosa. Além de redução da energia em torno de 15% e aumento de 10% na sua velocidade (ARRUDA, 2011).

Figura 8: Martim-pescador otimizou a performance dos trens-balas

Fonte: Sam Doshi/wildxplorer

 Até para a exploração de outros planetas o reino animal oferece soluções geniais. Cientistas de diversas universidades americanas objetivam reproduzir tecnologicamente os micropêlos que existem nas patas das lagartixas (Figura 9), que lhes permitem ficar grudadas nas paredes e no teto por uma atração entre as moléculas chamada força de Van der Waals. O sistema seria usado em sondas capazes de escalar rampas íngremes ou entrar em crateras de vulcões (VENTUROLI, 2013).

Figura 9: Micropêlos que existem nas patas das lagartixas

Fonte: Biomimetics Robotic Lab. MIT; NanoRobotics Laboratory Carnegie Mellon University

Mesmo pequenos objetos do dia a dia podem se beneficiar da imitação dos processos da natureza pela tecnologia. Conforme Detanico (2011), o fecho velcro (Figura 10), usado em peças de vestuário e bolsas, foi inventado nos anos 40 por um engenheiro suíço, após um passeio no campo que o deixou com as roupas cheias de carrapichos. Foi analisando a estrutura dos carrapichos, repleta de filamentos em forma de gancho, que ele teve a ideia de reproduzir o sistema artificialmente. 

Figura 10: Os carrapichos, que grudam em roupas e cabelos,  serviram de inspiração para o velcro 

Fonte: detodaforma.com.br

No setor da moda a biônica também se manifestou. A indústria japonesa Teijin transferiu para um tecido o princípio que dá cores às asas das borboletas. Sobrepondo dezenas de camadas de fibras de poliéster e náilon com diferentes índices de refração, o pano ganha cor apenas com o jogo de luzes do ambiente. 

Outra ideia a partir da natureza de fundamental importância, como argumenta Ribeiro (2012), foi a tinta biônica Lotusan, deixando fachadas e outras superfícies à prova de água e consrvadas por muito mais tempo. Em 1982, o botânico Wilheim Barthlott percebeu que a folha de Lótus possui superfície hidrófoba (que repele a água) e auto limpante, conhecido como Lotus-effect. Isso porque em um nível microscópico, a folha possui uma série de micro e nanoestruturas enceradas que diminuem a superfície de contato com a água e a sujeira. A água que cai sobre uma folha de lótus forma gotículas que se movem como as de mercúrio, recolhendo partículas de impurezas pelo caminho. 

Na arquitetura, a biônica também mereceu um olhar especial, podendo ser encontrada tal analogia no Centro Aquático dos Jogos Olímpicos de Pequim (Figura 11) em 2006 e no Estádio Olímpico, mais conhecido como Ninho de Pássaro (Figura 12) em 2008. O primeiro é chamado de Cubo D’Água pelo seu formato e pela sua iluminação azul, por fora, tem a aparência de diversas bolhas de sabão agrupadas. O segundo tem um design inovador, com o formato de um ninho de pássaro, na qual a noite recebe uma iluminação vermelha que é refletida em um espelho d’água ao seu redor (DETANICO, 2011).

Figura 11: Centro Aquático dos Jogos Olímpicos de Pequim

Fonte: Adaptado por Detanico (2011)

Figura 12: Estádio Olímpico Ninho de Pássaro

Fonte: Adaptado por Detanico (2011)

Com base nos exemplos citados anteriormente podemos observar que a biônica é uma nova forma de ver e valorizar a natureza, seja através da imitação de suas formas, processos, mecanismo. Ela inaugura uma era cujas bases assentam não naquilo que podemos extrair da natureza no sentido de prejudicá-la, mas no que podemos aprender com ela, aproveitando suas qualidades no desenvolvimento de projetos com grande potencial tecnológico em diversas áreas de atuação. Solucionando problemas desde os mais simples aos mais complexo, através da eficácia que a natureza proporciona pelo seu sistema perfeito.

Conforme enfatizou Christopher Elvin, líder da equipe que sintetizou a resilina, “o homem tem muito a aprender e desenvolver, tanto em termos de design quanto de processo de montagem, tudo com ideias retiradas da natureza” (ARRUDA, 2011).

4.     Projeto em desenvolvimento no PGDesign da UFRGS com base na Biônica 

 Percebe-se que a biônica é uma ferramenta de grande importância para a solução de problemas projetuais, aperfeiçoamento o design convencional. Possui grandes perspectivas de aplicação nos projetos de design, principalmente em se tratando da solução de problemas mecânicos (DAPPER, 2012).

 Dessa forma, torna-se interessante a observação da anatomia de elementos naturais que possuem características passíveis de serem estudadas para aplicação biônica em produtos. Com base neste contexto, pode ser exemplificado o projeto desenvolvido em 2014, no programa de Pós-Graduação em Design – PGDesign da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, um grampo de sutura .

 O grampo foi projetado a partir da mandíbula da formiga, saúva soldado, do gênero Atta, em uma referência a filme Apocalypto (2006), no qual o diretor Mel Gibson retrata a cultura pré-colombiana na América Central, mediante um excerto de uma cena em particular: uma mulher aplicava mandíbulas de formigas para suturar o ferimento do filho (Figura 13). Tal prática foi mencionada por Hering et al. (1993), mediante uma estimação de aproximadamente 1.000 anos a.C. prescrita no texto médico indiano Charaka Samhita, em que a utilização de mandíbulas de formigas induziria a aproximação das bordas de um ferimento humano, a fim de selar vasos sanguíneos, confirmando o histórico da pesquisa.

Figura 13: Sutura com formiga

Fonte: Filme Apocalypto, Mel Gibson (2009).

 O diferencial do grampo projetado (Figura 14), além da inspiração a partir da natureza, está em uma das três partes que o compõem – produzida com material biomaterial absorvível, o que permite a queda dos pontos análogos ao processo da queda da formiga na sutura, após a cicatrização da ferida.  As outras partes, a tampa e o suporte do grampo, ficam na parte externa da pele do paciente. A tampa, de silicone, tem a função de isolamento, e o suporte, de aço cromo, permite ao profissional de saúde flexionar o produto para prendê-lo na pele. 

Figura 14: Grampo de sutura, (A) tampa de silicone, (B) suporte de liga de aço cromo (C) material biodegradável 

Fonte: Adaptado por Brito (2009)

 Tal pesquisa em questão traz contribuições de uma produção científica de quatro anos (BRITO, 2009), voltada ao desenvolvimento de grampos de sutura a partir da mandíbula da formiga que derivaram duas patentes tecnológicas do tipo modelo de utilidade[1], a partir de um processo contínuo iniciado em 2010 e finalizado em 2011 por uma parceria entre UFAM – Universidade Federal do Amazonas e INPA – Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia. 

 Este projeto resgata a possibilidade da biônica ser aplicada até mesmo na área médica, confirmando o caráter multidisciplinar que tal técnica proporciona.  Além disso, cabe enfatizar que através dessa é possível oferecer produtos com grande potencial e de grande avanço na medicina, neste caso, na prática da sutura. Tornando-a muito mais rápida ao profissional de saúde e, portanto, menos traumática ao paciente. 

5.     CONSIDERAÇÕES FINAIS

 Cada vez mais a ciência utiliza lições da natureza para encontrar soluções tecnológicas. Assim sendo, é percebido que as criações da natureza possuem aptidões e atributos muito superiores às do homem. 

 A descoberta e o aprendizado das estratégias perfeitas da natureza permitiriam a ampliação das capacidades das invenções humanas. Dessa forma, percebe-se que a biônica, dentro desse cenário, vem a ser uma ferramenta de grande importância para a solução de problemas projetuais, como uma solução de abordagem para o aperfeiçoamento dos projetos que vão dos mais simples aos mais complexos. Possuindo grandes perspectivas de aplicação em ramos relacionados ao design, arquitetura, engenharia, arte, entre outras. Percebe-se que a natureza quase sempre tem uma solução para nossos problemas, bastando apenas observá-la para encontrar a alternativa apropriada. 

 Cabe destacar que, a biônica nos projetos enfatiza a natureza não no sentido de explorá-la prejudicando-a, mas no sentido de entendê-la e assim aplicar seus ensinamentos – seja através de formas, mecanismos, sistemas ou processos, contribuindo também para o desenvolvimento de projetos com grande potencial sustentável, já que a natureza é o melhor exemplo de sustentabilidade. Portanto, agrande demanda por esse tipo de soluções vem abrindo espaço para pesquisas em universidades, centros tecnológicos, empresas e associações que oferecem esse tipo de serviço.

REFERENCIAL BIBLIOGRAFICO

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ARRUDA, Felipe. (28 de agosto de 2011). 5 tecnologias inspiradas pela  natureza.Acesso     em     25     do     01     de    2011,     disponível    em     Tecmundo.             com.br:<http://www.tecmundo.com.br/ciencia/12821-5-tecnologias-inspiradas-pelanatureza.htm#ixzz2NC6A2teL> 

ARRUDA, Amilton José V Proposta didática metodológica: Utilizzo de lIa classificazione naturale come elemento di studio bionico. Master in Industrial DesignlBionica. Milano: Istituto Europeo di Design, 1991.

BARBOSA, Enio Rodrigo. Inspiração que vem da natureza exige visão multidisciplinar na pesquisa. Ciência e Cultura. vl.60, n.3, São Paulo, Sept., 2008. 

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DAPPER.  Silvia Trein Heimfarth. Contribuição ao design de Fôrmas para concreto prémoldado com aplicação de textura bionspirada. Dissertação parcial (mestrado) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, Programa de Pós- Graduação em Design e Tecnologia. Porto Alegre, RS, 2012.

DETANICO, Flora Bittencourt. Sistematização de Princípio de Solução da Natureza para Aplicação no Processo Criativo do Projeto de Produtos. Dissertação (mestrado) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, Programa de Pós- Graduação em Design e Tecnologia. Porto Alegre, RS, 2011.

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RIBEIRO, Carlos Eduardo Dias. Arquitetura, design e natureza. Dissertação (mestrado) em Arquitetura e Urbanismo

VASCONCELOS, Augusto Carlos de. Máquina da Natureza: um estudo da interface entre Biologia e Engenharia. São Paulo: Ed. Do Autor, 2004.  

VENTUROLI. Thereza. (23 de novembro de 2005). A natureza fez primeiro. Acesso em15         de         02         de         2013,         disponível         em   Veja.abril.com.br:<http://veja.abril.com.br/231105/p_064.html>


[1] Número de registros respectivamente: MU9002473-7 e MU9102934-1 (INPE, 2011, 2012).


1 Universidade Federal do Amazonas – UFAM 

2Universidade Federal do Amazonas – UFAM