REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202412221242
Rafael Mota De Queiroz1
RESUMO: O imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN) é tributo de fundamental importância para a sustentabilidade financeira da maior parte dos Municípios brasileiros. O boom da construção civil nos últimos anos exige que a legislação tributária seja entendida e interpretada de modo a gerar segurança para os agentes do mercado. Ao ser reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal repercussão geral ao Recurso Extraordinário (RE) nº 603.497/MG (Tema n. 247), e a recepção da norma do Art. 9º, §2º, “a” do Decreto-Lei nº 406/1968, o Superior Tribunal de Justiça alterou sua jurisprudência, já consolidada, quanto a regra de que o custo do serviço em sua totalidade é que compõem a base de cálculo do ISSQN, e não admissão da subtração em sua base de cálculo dos valores correspondentes aos materiais utilizados pelo prestador de serviço, retomando, todavia, mais recente, a sua pretérita jurisprudência. O artigo analisa a regra matriz de incidência do ISSQN, a regra referente a não inclusão de material utilizado na base de cálculo do imposto, e essa alteração jurisprudencial, utilizando-se, para isso, dos aportes teóricos do construtivismo lógico-semântico, tendo como objetivo geral apresentar criticamente o critério não inclusão na base de cálculo incidência; historiar e analisar essa alteração jurisprudencial. Utilizase metodologia qualitativa e das técnicas bibliográfica e documental para analisar o estado da arte. Constatou-se a não possibilidade de exclusão da base de cálculo do ISSQN de materiais utilizados na obra de engenharia civil, pois o critério quantitativo do tributo é o valor total do preço do serviço contratado, que regra de exclusão referida pelo Art. 7º, §2º, I, da Lei Complementar nº 116/2003 é norma de “não incidência legalmente qualificada”, e que a alteração da jurisprudência do STJ trouxe insegurança e possível perca arrecadatória aos Municípios.
PALAVRAS-CHAVE: ISSQN – Engenharia civil – Dedução materiais – não incidência – base de cálculo – jurisprudência.
1- INTRODUÇÃO:
Segundo sondagem da Indústria da Construção, realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), com o apoio da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), o nível médio de atividade do setor de construção civil no 3º trimestre de 2024, está superior ao registrado em igual período do ano anterior, o que tem alavancado a produção de insumos típicos da construção. Conforme esse estudo, “Nos últimos anos observa-se crescimento expressivo da Construção Civil. Apesar disso, o setor ainda está distante de alcançar o seu pico de atividades, que foi registrado no início de 2014” (VASCONCELOS, 2024).
Apesar de ser descrita como “Industria” (supra), o setor tem em sua característica fundamental na prestação de serviço, tratando-se daqueles que são referidos atualmente pela Lei Complementar (LC) nº 116/2003, especificamente nos seus itens 7.02 e 7.05, e portanto, tributados pelo Imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN), e tratados aqui como serviços de engenharia civil2.
Como visto, o mercado está “aquecido”, e esse crescimento impacta diretamente na receita municipal, o que revela a importância do tema, sobretudo na perspectiva de cumprimento das políticas públicas e, ao mesmo tempo, em garantir segurança jurídica na tributação desse setor de prestação de serviços.
A atual Constituição da República Federativa de 1988 modela um sistema em que o direito tributário, e sua maior expressão, o tributo, devem ser vistos não apenas como atividade arrecadadora, mas, como atividade estatal sobremodo imprescindível para a garantia e promoção de direitos fundamentais.
Tendo se como verdade que o direito tributário é fundamental à realização de direitos e a garantias previstas pela Carta Política – v.g. realização de políticas públicas – de igual modo se tem na imposição fiscal cenário propício para o campo da litigiosidade, em que esses mesmos direitos fundamentais servem a assegurar ao contribuinte-cidadão contra o ímpeto do Estado Fiscal (QUEIROZ, 2021).
Essa realidade suscita cada vez mais conflitos: a aceitação da ordem jurídica, o dever de pagar tributos, o tributo justo, as desonerações, o papel do tributo na redução das desigualdades sociais e regional (art. 3º, CF), na concretização da justiça social (art. 170, caput, CF), na efetividade dos direitos e garantias, no cumprimento dos compromissos constitucionais, etc, tornam inevitável o estabelecimento de sem-número de conflitos de natureza tributária, com intensa litigiosidade (no sentido não de quantidade de ações judiciais, mas de disputas renhidas) que, ao fim e ao cabo, reclamam a ingerência dos tribunais superiores.
Neste cenário, a evolução e reveses da jurisdição dos Tribunais Superiores desperta atualmente um campo de estudo instigante e importante ao direito brasileiro, não somente pelo seu significado meramente jurídico, mas também pela significação institucional de suas decisões a espraiar seus comandos, a depender da decisão, a serem observados pelos demais ramos do Poder Judiciário e da Administração Pública, seja de modo obrigatório ou, quando não, orientativo de suas ações.
O presente trabalho, portanto, tem como objetivo analisar o tributo do ISSQN em relação aos serviços de engenharia civil atualmente discriminados nos itens 7.02 e 7.05, da lista da LC n º 116/2003, em particular o papel da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sua alteração a partir das decisões nos autos do RE 603.497/MG (Tema n. 247 do STF), e posterior retomada de seus precedentes quanto a regra que prevê a dedução de materiais empregados na prestação serviços de engenharia civil, e, assim, reconstruir o significado dessa norma de “não incidência”.
A metodologia é qualitativa, com uso de técnicas bibliográfica e documental para analisar o estado da arte e obtenção do objetivo pretendido.
É empregado, para tanto, os aportes teóricos do construtivismo lógico semântico3, na perspectiva da hermenêutica constitucional, sobretudo quanto a regra matriz de incidência do ISSQN, e seu desenho no texto constitucional, a competência do STJ, a regra de dedução da base de cálculo do ISSQN, segundo a jurisprudência do STJ, e a construção de significado quanto a dedução de material empregado na prestação de serviço da referida listagem.
A teoria (construtivismo lógico-semântico) dá importância à linguagem, código social existente em qualquer comunidade, como ponto de partida para a compreensão do direito como fato social, em clara perspectiva culturalista, e a partir de corte metodológico específico para focar o objeto de análise no aspecto “linguístico do jurídico”, com o uso da Lógica visando a compreensão das estruturas gramaticais, lógicas ou formais, pressupondo o sintático, semântico e o aspecto pragmático que é conferido por seus utentes (CARVALHO, 2018).
Nesta dimensão, a construção do mundo ocorre por meio da linguagem. O ponto principal, portanto, de investigação (filosófica) é a linguagem, já que os equívocos produzidos em filosofia são nada mais que incoerências linguísticas” (WITTGENSTEIN, 2017).
Como o direito se forma a partir da linguagem, com fundamento em determinado método que justifique o uso daquela linguagem, dotada de lógicajurídica, de modo que o fenômeno jurídico pressupõe a linguagem, só há realidade jurídica onde atuar a respectiva linguagem: a jurídica, a possibilitar inclusive o fenômeno da interpretação (QUEIROZ, 2021).
Logo, apenas haverá o “jurídico”, no Sistema Social Direito, onde houver linguagem jurídica, daí se falar em sua autorreferenciabilidade, atuando, por outro lado, de forma fechada em suas operações internas, estando, contudo, aberto cognitivamente para manter-se em evolução, permitindo apreender elementos externos para realizar sua mutação, por meio do acoplamento estrutural4 com os demais Sistemas (NEVES, 2020, p. 79-85).
Ao se perquirir, portanto, sobre a regra matriz de incidência tributária do ISSQN, e não inclusão de materiais na base de cálculo desse imposto e a perspectiva jurisprudencial, o arcabouço teórico do construtivismo lógico-semântico mostra-se de grande valia, pois o rigor concentra-se na linguagem, desse modo, a investigação para o sentido da norma jurídica pode se dar por meio da técnica da análise-hermenêutica, nela o estudo se fará com a decomposição analítica do enunciado normativo em partes, para, em momento posterior, ser reconstruída, sem, todavia, descurar-se, em momento seguinte, ao aspecto pragmático (contexto cultural), afim de se ter o todo (MARQUES, 2021, p. 24).
2. O ISSQN NA CONSTITUIÇAO FEDERAL E SUA REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA
Foi a partir da Emenda Constitucional (EC) nº 18/19655 que se introduziu o imposto sobre serviço tal como atualmente o conhecemos6, derivado do antigo imposto sobre indústria e profissões, o que se seguiu na Constituição Federal (CF) de 1988:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
(…)
III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.
De início, chama atenção texto constitucional ao pretender a tributação sobre serviço de “qualquer natureza”, e, ao mesmo tempo, ser resguardado eventual conflito de competência com o tributo estadual do ICMS (Art. 155, II), excepcionando-se, com isso serviços de comunicação e de transporte intermunicipal e interestadual.
A tributação ocorre sobre serviços de qualquer natureza, em que a “presença do verbo, na esquematização formal do suposto normativo” (CARVALHO, 2022, p. 293), se dará sob a forma do “prestar”, entendido como obrigação de fazer. Sua esquematização foi definida expressamente em lei, na qual o verbo “prestar” foi substantivado: “a prestação de serviços” (Art. 1º, LC nº 116/20037):
Art. 1o O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador. – destaquei.
Inobstante a essa constatação, o STF, foi instado a definir, no julgamento do RE 116.1218, que o tributo não poderia incidir sobre o “serviço” de “locação de bens móveis”, pois “serviço” é obrigação de fazer, e a locação contém uma obrigação de dar o bem, embora houvesse a previsão na legislação federal anterior da tributação de locação de bem móveis.
O suposto normativo definido em lei tem o verbo “prestar” em sua materialidade, o que não impediu aos contribuintes advogarem que outros itens da lista da LC nº 116/2003 também não seriam serviços e, portanto, seria inconstitucional a exação do ISSQN.
O STF, contudo, alterando um pouco sua orientação anterior, ou adotando entendimento mais abrangente, passou a compreender que, uma vez havendo previsão legal, determinada atividade deve ser considerada “serviço de qualquer natureza” para fins da tributação pelo ISSQN, o que ocorreu quanto aos planos de saúde (RE 651.703), leasing (RE 592.905 e 547.245), franquia (RE 603.136), software – de forma indireta (ADIs 5.659 e 1.945) e, agências franqueadas dos Correios (ADI 4.784).
Ao mesmo tempo, a compreensão é que a lista legal encerra todos os serviços que devem ser tributados pelo ISSQN, a lista é taxativa, admite-se, todavia, “(…) a incidência do tributo sobre as atividades inerentes aos serviços elencados em lei em razão da interpretação extensiva” (Tema 296, da repercussão geral). A LC nº 157/2016, seguindo a ideia de ser taxativo o rol dos serviços tributados, atualizou a listagem, incluindo atividades que até 2003 não existiam ou não possuíam expressões econômicas (MACHADO SEGUNDO, 2024, p. 269).
Tem-se como como critério territorial a regra geral de que o serviço considera-se prestado, e o imposto, devido, no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador (Art. 3º LC nº116/2003), especificando a lei que, o estabelecimento prestador é o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas (Art.4º, da LC nº 116/2003).
A regra matriz de incidência tributária do ISSQN, em seu aspecto quantitativo, tem sua base de cálculo o preço do serviço (Art. 7º da LC). Neste sentido, é possível falar que há perfeita sintonia com o critério material da hipótese (prestar serviço).
A base de cálculo “é a receita da empresa, relativa à atividade de prestação de serviços tributáveis” (MACHADO, 2018, p. 417)
No entanto, nem sempre é fácil definir o consequente da regra, pois existem determinados valores que ingressam no cofre do contribuinte e que, embora se originem do mesmo negócio jurídico, não necessariamente podem ser qualificados como “preço do serviço”, logo, não é qualquer ingresso financeiro, que se classifica apto a ser mensurado para fins da tributação.
Certo não ocorrer maiores dificuldades a dimensionar a base de cálculo para serviços simples, como na representação comercial, prestado o serviço, o tributo incide sobre o valor acordado (LUSTOZA, 2019). A dificuldade estará naqueles serviços em que é empregado materiais e instrumentos na consecução da atividade contratada, e sobre os quais dimensionar a base calculável pode representar um problema aos interprete, uma vez que nem todo ingresso será considerado receita direta da prestação de serviços.
No âmbito da construção civil esse dimensionamento para fins de aplicação da base de cálculo se torna pouco mais complexo dada a natureza da prestação do serviço, e a falta de maior clareza legislativa, sobretudo porque a norma prevê a base de cálculo do imposto o preço do serviço, mas afirma que nele não se incluem “o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05” da listagem legal, e, esses itens, ao final da descrição do serviço, exceptuarem “o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS”. Veja-se:
Art. 7o A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
(…)
§ 2o Não se incluem na base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza:
I – o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa a esta
Lei Complementar;
(…)
7.02 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
(…)
7.05 – Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
Suscitando-se debates sobre o entendimento a respeito do “valor” que “Não se incluem na base de cálculo” do tributo, o que servia “materiais fornecidos pelo prestador” e “fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador”.
No que se refere a alíquota, a Constituição estabelece que cabe a LC fixar as suas alíquotas máximas e mínimas (Art. 156, §3º, I). A LC nº 116/2003 passou a prever a alíquota máxima em 5%, porém, não estabeleceu a alíquota mínima, aplicando-se, assim, o que foi previsto no ADCT9, conforme EC nº 37/2002, em 2% como regra geral10, como o propósito de se evitar entre os Municípios a chama guerra fiscal. Atualmente o Art. 8-A, da LC nº 116/2003 acrescido pela LC nº 157/2016 determina a alíquota mínima em 2%.
Assim, a regra matriz de incidência do ISSQN, conforme Carvalho (2021, p. 386), tem como hipótese: a prestação à terceiros de utilidade (material ou imaterial) “de conteúdo econômico, sob regime de direito privado, realizado dentro dos limites territoriais do Município, dando-se por acontecido o evento no momento da entrega do serviço, pronto e acabado, à pessoa interessada”, e seu consequente: a prescrição do vínculo obrigacional em seu critério pessoal, sujeito ativo, a Fazenda Pública, e sujeito passivo, o prestador, o critério quantitativo expresso pela base de cálculo valor do serviço prestado, e pela alíquota (máxima de 05% e mínima de 02%).
2.1. A REGRA DE NÃO INCLUSÃO DE MATERIAS FORNECIDOS NA BASE DE CÁLCULO DO ISSQN
Perquirir sobre o que não está incluso ou o que é excluído da regra matriz de incidência seria algo desnecessário, pois foge do campo da juridicidade, o que importa é o fato jurídico. O legislador ao recolher os dados de fato da realidade que pretende disciplinar (realidade social), qualificando-o como fatos jurídicos (CARVALHO, 2021, p. 291) já selecionou a hipótese objetiva real e, portanto, excluiu todas as demais. Então, não caberia perquirir o que não está ou não consta de determinada proposição descritiva, ou especificamente de seus critérios (materiais, espaciais ou temporais).
Conquanto se tenha procedido com tal seleção e posta a hipótese de incidência no ordenamento, o legislador considerar esclarecer e especificar, em uma função didática e para prevenir litígios – embora a realidade as vezes comprove o contrário, como a que é objeto deste artigo – expressamente que o tributo não incide em determinada situação (MACHADO, 2018, p. 232)
Existem, todavia, situações em que poderiam ser suscitadas dúvidas a propósito da configuração, ou não, da hipótese de incidência tributária. Nestas situações o legislador, espancando as dúvidas, diz expressamente que o tributo não incide. São hipóteses de não incidência juridicamente qualificada. A lei, nestes casos, exerce função simplesmente didática, preventiva de litígios. A rigor, mesmo sem a norma que afirma a não incidência, ela estaria configurada. (MACHADO, 2018)
Em se tratando do ISSQN tem-se as regras do Art. 2º, da LC nº 116/2003, assim, o imposto não incide sobre as exportações de serviços para o exterior do País, conforme a regra Art. 156, §3º, II, CF; em relação a prestação de serviços em relação de emprego, dos trabalhadores avulsos, dos diretores e membros de conselho consultivo ou de conselho fiscal de sociedades e fundações, bem como dos sócios-gerentes e dos gerentes-delegados; e, sobre o valor intermediado no mercado de títulos e valores mobiliários, o valor dos depósitos bancários, o principal, juros e acréscimos moratórios relativos a operações de crédito realizadas por instituições financeiras, como situações legalmente qualificadas de não incidência (HARADA, 2017).
Temos, portanto, o que a doutrina chama de “não incidência” como o que está fora do campo abrangido pela tributação, qualificando-a como não incidência pura, que se contrapõe à não incidência legalmente qualificada que, para Harada (2017), “representa uma restrição à hipótese de tributação” ou uma “modificação parcial da norma definidora do fato gerador da obrigação tributária”. Na verdade, repita-se, em sua função descritiva o legislador selecionou a realidade a ser disciplinada elaborando objetivamente a hipótese que ocorrendo fará incidir a norma, os demais acontecimentos da vida por estarem fora da proposição são irrelevantes, podem até se qualificar como fato jurídico mas referentes a outra proposição ou hipótese de incidência. Assim, cremos que a regra de não incidência, seja ela pura ou legalmente qualificada não representa uma restrição à hipótese de incidência, tampouco teria o poder de alterar parcialmente a norma definidora do fato gerador da obrigação tributária, é que:
Mesmo que não existissem, porém, o tributo continuaria não incidindo sobre as situações ou pessoas que mencionam, e evidentemente não se há de exigir, para reconhecer uma hipótese de não incidência, que ela esteja assim expressamente indicada. (MACHADO SEGUNDO, 2024, p. 64)
Por outro lado, é preciso clarear que não incidência legalmente qualificada não deve ser confundida com a hipótese de isenção, sobretudo porque o legislador muitas vezes usa a expressão “não incidência” quando, na verdade, quer tratar de isenção. Como critério para diferenciar a isenção da não incidência classificada pela lei, “(..) basta imaginar imaginar qual seria a consequência do desaparecimento da regra correspondente. Se o tributo não sendo devido, trata-se de não incidência; se tornar-se devido, tem-se isenção” (MACHADO SEGUNDO, 2024, 64).
Ainda, cabe referir que o legislador usa o termo “dedução” para situações de não incidência, e, também, para casos de isenção, tornando-o imprecisa, muitas vezes tal expressão. A análise do uso do termo é importante, porquanto é essa denominação – “dedução” – que tem prevalecido na linguagem dos Tribunais, em especial do STJ, quando tratam da regra do Art. 7º, §2º, I, e itens 7.02 e 7.05 da LC nº 116/2003.
Consideramos as lições de Hugo de Brito Machado Segundo (2024, p. 64) acima referida, se na consequencia do desaparecimento da regra correspondente, o tributo continua indevido, a hipótese seria de não incidência, mas, se a supressão faz incidir a regra tributária, esta “dedução” se refere a isenção. Assim, se determinada lei estabelece a dedução: (I) de valores da subempreitada (que já foi tributada), e (II) de determinado percentual sobre a sua receita decorrente de espetáculo teatral/circense. No caso do inciso (I) tem-se não incidência, ainda que não tratada em lei, o tributo não poderia incidir, neste caso específico para evitar “bis in idem”; e, no inciso (II), a isenção, pois caso subtraída a regra, o imposto seria devido.
Sob a vigência da regra do Art. 9º, §2º (a), do DL nº 406/1968:
Art 9º A base de cálculo do impôsto é o preço do serviço.
(…)
§ 2º Na prestação dos serviços a que se referem os itens 19 e 20 da lista anexa o impôsto será calculado sôbre o preço deduzido das parcelas correspondentes: (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 834, de 1969)
a) ao valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços;
b) ao valor das subempreitadas já tributadas pelo impôsto. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 834, de 1969) – sic – destaquei.
O STF considerava que a disposições cuidava da base de cálculo do tributo, e não configurava isenção:
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ISS. CONSTRUÇÃO CIVIL. D.L. 406/68, art. 9º, § 2º, a e b. I. – Dedução do valor dos materiais e subempreitadas no cálculo do preço do serviço. D.L. 406/68, art. 9º, § 2º, a e b: dispositivos recebidos pela CF/88. Citados dispositivos do art. 9º, § 2º, cuidam da base de cálculo do ISS e não configuram isenção. Inocorrência de ofensa ao art. 151, III, art. 34, ADCT/88, art. 150, II e 145, § 1º, CF/88. RE 236.604-PR, Velloso, Plenário, 26.5.99, RTJ 170/1001. II. – RE conhecido e provido. Agravo improvido. (RE 214414 AgR, Relator(a): CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 05-11-2002, DJ 29-11-2002 PP-00032 EMENT VOL-02093-02 PP-00390)11 – destaquei
Como se verifica, não especificava qual a natureza dessa “dedução” (“deduzido”), porém, acertaram ao verificar não se tratar de norma isentiva.
Já sob a égide da LC nº 116/2003, a norma refere a uma exclusão (“não se incluem”) referente a base de cálculo:
Art. 7o A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
(…)
§ 2o Não se incluem na base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza:
I – o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa a esta Lei Complementar;
II – (VETADO) – destaquei.
Consideramos que a despeito da impropriedade linguística, a normatização acima trata de não incidência (legalmente qualificada), isto porque a regra matriz de incidência do ISSQN não sofre flexão, sendo que o consequente o critério quantitativo se expressa pelo valor do preços do serviço, ou seu valor global, a renda bruta correspondente ao serviço (MACHADO SEGUNDO, 2024, p. 269, MACHADO, 2018).
3. O “VAI E VEM” DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ QUANTO A (NÃO) INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DO ISSQN DO VALOR DOS MATERIAIS FORNECIDOS PELO PRESTADOR DOS SERVIÇOS
O STJ possuía entendimento, na vigência do DL nº 406/1968, que, as empresas de construção civil não seriam contribuintes do ICMS, exceto se produzissem bens e, com eles, pratiquem atos de comércio diferentes da sua real atividade, vendendo esses bens a terceiros; mas, nunca quando adquirem mercadorias para utilizarem como insumos em suas obras, e, que, como prestadoras de serviço sujeitam-se a exclusiva incidência de ISS, pois quaisquer bens necessários a essa atividade não podem ser tipificados como mercadorias sujeitas ao ICMS (EREsp n. 149.946/MS, e EDcl no REsp n. 123.528/SP, REsp n. 328.427/PR, v.g.), cite-se ainda:
TRIBUTÁRIO. ICMS. OPERAÇÕES INTERESTADUAIS. DIFERENCIAL DE ALÍQÜOTAS. EMPRESA DE CONSTRUÇÃO CIVIL. NÃO INCIDÊNCIA.
1 – As empresas de construção civil não são contribuintes do ICMS, salvo nas situações que produzam bens e com eles pratiquem atos de mercância diferentes da sua real atividade, como a pura venda desses bens a terceiros; nunca quando adquirem mercadorias e as utilizam como insumos em suas obras.
2 – Há de se qualificar a construção civil como atividade de pertinência exclusiva a serviços, pelo que “as pessoas (naturais ou jurídicas) que promoverem a sua execução sujeitar-se-ão exclusivamente à incidência de ISS, em razão de que quaisquer bens necessários a essa atividade (como máquinas, equipamentos, ativo fixo, materiais, peças, etc.) não devem ser tipificados como mercadorias sujeitas a tributo estadual” (José Eduardo Soares de Melo, in “Construção Civil – ISS ou ICMS?”, in RDT 69, pg. 253, Malheiros).
3 – Embargos de divergência rejeitados.
(EREsp n. 149.946/MS, relator Ministro Ari Pargendler, relator para acórdão Ministro José Delgado, Primeira Seção, julgado em 6/12/1999, DJ de 20/3/2000, p. 33.)
Evidente que as proposições (I) nunca incide ICM (ou ICMS) “quando adquirem mercadorias e as utilizam como insumos em suas obras” e (II) sujeitam-se a exclusiva incidência de ISS “quaisquer bens necessários a essa atividade (como máquinas, equipamentos, ativo fixo, materiais, peças, etc.)” – destaquei – divergem, pois a utilização de quaisquer bens (expressão bem abrangente), a integrar a base de cálculo do tributo municipal permitira que todo e qualquer bem adquirido pela prestadora possa servir como base de cálculo ainda que empregada como mero instrumento, sem se incorporar de modo definitivo a obra, não servindo o exemplo contido na decisão a esclarecer aa incidência do ISSQN, sobretudo porquanto não ser possível compreendê-los como “insumo”.
Embora em inúmeros precedentes do Tribunal se faça expressa referência ao EREsp n. 149.946/MS, o certo é que o STJ atribuía à base de cálculo apenas os insumos utilizados para a construção civil, “os materiais adquiridos com essa finalidade devem compor a base de cálculo do ISS”, porquanto não haveria circulação econômica de mercadorias a ensejar o fato gerador do ICMS.
Essas decisões, em sua maioria, se referiam a processo em que se discutia conflito quanto a incidência do tributo estadual (ICMS) x o municipal (ISSQN), e não necessariamente conflitos estabelecidos entre a prestadora do serviço x Município especificamente quanto a composição da base de cálculo do ISSQN, mas, em que pese essa diferenciação, o entendimento e conceitos ali usados foram adotados nos processos em que se discutia a exclusão de matérias da base de cálculo do tributo municipal, tal como na decisão abaixo:
AGRAVO REGIMENTAL – RECURSO ESPECIAL – TRIBUTÁRIO – ISS – CONSTRUÇÃO CIVIL – BASE DE CÁLCULO – INCLUSÃO DO VALOR DOS MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO – PRECEDENTES.
Se as empresas de construção civil não são contribuintes do ICMS, imposto estadual incidente sobre a circulação de mercadorias, conceito que não se ajusta aos insumos utilizados para a construção de edifícios e outros, os materiais adquiridos com essa finalidade devem compor a base de cálculo do ISS. Precedente: REsp 256.210/MG, Rel. Min. José Delgado, DJ 25.9.2000.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp n. 658.265/RJ, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 3/8/2006, DJ de 12/9/2006, p. 301.)
Antes da atual Constituição de 1988, o STJ possuía a firme orientação de que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço de construção civil contratado, não sendo possível deduzir os materiais empregados, salvo se (1) produzidos pelo prestador fora do local da obra e (2) por ele destacadamente comercializados com a incidência do ICMS. É o que pode ser verificado no julgamento do REsp n. 926.339/SP[11], relatora Ministra Eliana Calmon:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – CONSTRUÇÃO CIVIL – ISS – BASE DE CÁLCULO – DEDUÇÃO DOS MATERIAIS EMPREGADOS – IMPOSSIBILIDADE – OMISSÃO INEXISTENTE.
(…)
2. A jurisprudência uniforme desta Corte é no sentido de que a base de cálculo do ISS é o custo integral do serviço, não sendo admitida a subtração dos valores correspondentes aos materiais utilizados e às subempreitadas. Precedentes.
3. A mudança de disposição, na lista do ISS, do serviço de execução de obras de construção civil do item 19 para o 32, conforme a redação da LC 56/87 é circunstância inteiramente desinfluente.
Isso porque tanto ao tempo da vigência do DL 834/69 quanto da LC 56/87 a dedução dos materiais empregados, por prescrição dos itens 19 e 32, respectivamente, restringia-se ao fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação de serviço.
4. Os referidos itens criaram, em relação ao § 2º do art. 9º do DL 406/68, uma regra de dedução ainda mais específica, que não admitia o abatimento de outros valores que não aqueles correspondentes aos materiais expressamente consignados, sobre os quais se fez recair a incidência do ICMS.
5. Tal orientação não sofreu abalo nem mesmo com a vinda da LC 116/2003, porque os serviços discutidos, agora definidos no item 7.02 da lista mais recente, mantiveram-se submetidos à mesma sistemática outrora imposta.
6. Recurso especial improvido.
(REsp n. 926.339/SP, relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 3/5/2007, DJ de 11/5/2007, p. 393.)- destaquei.
A relatora procedeu a análise histórica das alterações legislativas, desde as alterações promovidas no DL nº 406/1968 até a introdução da LC nº 116/2003, concluindo pela permanência da mesma sistemática.
Penso, por essas razões, que a mudança de disposição, na lista do ISS, do serviço de execução de obras de construção civil – do item 19 para o 32, conforme a redação da LC 56/87 – é circunstância inteiramente desinfluente para a resolução da controvérsia. Explico.
O art. 9º, § 2º, “a”, do DL 406/68, com redação dada pelo DL 834/69, prescrevia:
Art 9º A base de cálculo do impôsto é o preço do serviço.
(…)
§ 2º Na prestação dos serviços a que se referem os itens 19 e 20 da lista anexa o impôsto será calculado sôbre o preço deduzido das parcelas correspondentes:
a) ao valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços;
b) ao valor das subempreitadas já tributadas pelo impôsto À época de vigência do mencionado DL 834/69, o item 19 da lista de serviços contava com a seguinte redação:
LISTAS DE SERVIÇOS (Redação dada pelo decreto Lei nº 834, de 8.9.1969)
(…)
19. Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de construção civil, de obras hidráulicas e outras obras semelhantes, inclusive serviços auxiliares ou complementares (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que ficam sujeitas ao ICM).
Com as alterações promovidas pela LC 56/87, o serviço de execução de construção civil passou a ser definido no item 32 da mesma lista, restando intacta, porém, a redação do caput e do § 2º do art. 9º do DL 406/68. Em decorrência dessas modificações, assim ficou estabelecida a nova ordem: LISTAS DE SERVIÇOS (Redação dada pela Lei Complementar nº 56, de 15.12.1987)
(…)
19. Limpeza de chaminés;
(…)
32. Execução por administração, empreitada ou subempreitada, de construção civil, de obras hidráulicas e outras obras semelhantes e respectiva engenharia consultiva, inclusive serviços auxiliares ou complementares (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICM) Veja-se que tanto ao tempo da vigência do DL 834/69 quanto da LC 56/87 a dedução dos materiais empregados, por indicação dos itens 19 e 32, respectivamente, restringia-se ao fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação de serviço.
Isso sucede porque os referidos itens criaram, em relação ao § 2º do art. 9º do DL 406/68, uma regra de dedução ainda mais específica, que não admitia o abatimento de outros valores que não aqueles correspondentes aos materiais expressamente consignados, sobre os quais se fez recair a incidência do ICMS. Tal orientação não sofreu abalo nem mesmo com a vinda da LC 116/2003, porque os serviços discutidos, agora definidos no item 7.02 da lista mais recente, mantiveram-se submetidos à mesma sistemática outrora imposta (…).
A jurisprudência do STJ foi mantida na vigência da atual Carta Política, e já sob o comando da LC nº 116/2003, conforme se verifica:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL CONTRA DECISÃO QUE PROVEU O RECURSO ESPECIAL. INCONSISTÊNCIA DO ÓBICE INVOCADO PELA RECORRIDA (ORA AGRAVANTE). TRIBUTÁRIO. ISS. BASE DE CÁLCULO. DEDUÇÃO. MATERIAIS ADQUIRIDOS DE TERCEIROS. IMPOSSIBILIDADE.
1. Quanto à alegação no sentido de que o recurso especial não podia ser conhecido, verifica-se que tal alegação é inconsistente, pois o acórdão recorrido está amparado no art. 7º, § 2º, da LC 116/2003, ou seja, o acórdão não julgou válida lei local contestada em face de lei federal (na forma do art. 102, III, “d”, da CF/88), como afirma a agravante.
2. A orientação das Turmas que integram a Primeira Seção desta Corte firmou-se no sentido de que a base de cálculo do ISS é o custo integral do serviço, de modo que não é admitida a dedução dos valores correspondentes aos materiais utilizados e às subempreitadas. Desse modo, “a tese de que não apenas os materiais produzidos pelo próprio prestador, mas também os adquiridos de terceiros, devem ser excluídos da base de cálculo do ISS não encontra respaldo no ordenamento jurídico, pois a regra legal que trata da incidência do ISS sobre serviços de construção civil é clara ao excluir apenas os materiais produzidos pelo próprio prestador fora do local onde prestados os serviços”, de modo que “quando os materiais são produzidos pelo prestador no canteiro de obras ou quando são adquiridos de terceiros, como não há possibilidade de incidência de ICMS, devem ter seus valores mantidos na base de cálculo do ISS” (AgRg no REsp 1.002.693/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 7.4.2008).
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg nos EDcl no REsp n. 1.081.617/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 21/9/2010, DJe de 8/10/2010.) – destaquei.
Os precedentes do STJ se mantiveram até 201013, quando a questões referentes a recepção ou não do DL nº 406/1968 em seus art. 9º, §2º, “a”, pela CF/1988, e suposta violação aos art. 59, e 146, III, “a”, da Constituição por ter se entendido pelo não cabimento da dedução na base de cálculo do ISSQN dos materiais fornecidos pela recorrente, chegaram ao STF, por meio do Recurso Extraordinário (RE) n. 603.497/MG, figurando Topmix Engenharia e Tecnologia de Concreto S/A, como recorrente, e, o Município de Betim/MG, recorrido, se reconheceu a repercussão geral da seguinte forma:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS – ISS. DEFINIÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. DEDUÇÃO DOS GASTOS COM MATERIAIS EMPREGADOS NA CONSTRUÇÃO CIVIL. RECEPÇÃO DO ART. 9º, § 2º, b, DO DECRETO-LEI 406/1968 PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. RATIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA FIRMADA POR ESTA CORTE. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
(RE 603497 RG, Relator(a): ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 04-02-2010, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-081 DIVULG 06-05-2010 PUBLIC 07-05-2010 EMENT VOL-02400-08 PP-01639)14
Do acórdão pela repercussão geral da questão a relatora, expressamente consignou:
Desse modo, entendo que, com o reconhecimento da existência da repercussão geral e havendo entendimento consolidado da matéria, os Tribunais de origem e as Turmas Recursais podem, desde logo, com fundamento no §3º do citado art. 543-B, aplicar a orientação firmada por este Supremo Tribunal Federal. (RE 603497, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, julgado em 18/08/2010, publicado em DJe-172 DIVULG 15/09/2010 PUBLIC 16/09/2010) – destaquei
Já em decisão quanto ao caso concreto, foi dado provimento ao RE nos seguintes termos:
1. A hipótese dos autos versa sobre a constitucionalidade da incidência do ISS sobre materiais empregados na construção civil. O acórdão assim decidiu:
“TRIBUTARIO – ISS – CONSTRUÇÃO CIVIL – BASE DE CALCULO – MATERIAL EMPREGADO – DEDUÇÃO – IMPOSSIBILIDADE. A jurisprudência desta Corte pacificou· o entendimento de que a base de cálculo do ISS é o preço total do serviço, de maneira que, na hipótese de construção civil, não pode haver a subtração do material empregado para efeito de definição da base de cálculo. Precedentes de Corte. Agravo regimental improvido.”
2. Este Tribunal, no julgamento do RE 603.497, de minha relatoria, reconheceu a existência da repercussão geral da matéria para que os efeitos do art. 543-B do CPC possam ser aplicados.
Esta Corte firmou entendimento no sentido da possibilidade da dedução da base de cálculo do ISS dos materiais empregados na construção civil. Cito os seguintes julgados: RE 262.598, red. para o acórdão Min. Cármen Lúcia, I a Turma, DJe 27.09.2007; RE 362.666-AgR, reI. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJe 27.03.2008; RE 239.360-AgR, reI. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJe 31.07.2008; RE 438.l66-AgR, reI. Min. Carlos Britto, P Turma, DJ 28.04.2006; AI 619.095-AgR, reI. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 17.08.2007; RE 214.414-AgR, reI. Min. Carlos Velloso, 2a ‘Turma, DJ 29.11.2002;’ AI 675.163, reI. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 06.09.2007; RE 575.684, reI. Min. Cezar Peluso, DJe 15.09.2009; AI 720.338, reI. Min. Joaquim Barbosa, DJe 25.02.2009; RE 602.618, reI. Min. Celso de Mello, DJe 15.09.2009 .
O acórdão recorrido divergiu desse entendimento.
3. Ante o exposto, com fundamento no art. 557, § 1°-A” do CPC, dou provimento ao recurso extraordinário. Restabeleço os ‘ônus fixados na sentença. (…).
Das decisões supra é necessário fazer alguns destaques: primeiro, a decisão coletiva reconhecedora da repercussão geral, em sua ementa, asseverou que a recepção do Art. 9º, § 2º, “b” (a referência correta seria alínea “a”), do DL nº 406/1968 pela Constituição de 1988, ratificando a sua jurisprudência. No entanto o RE (e o Tema15) se referiam a saber se o art. 9º, §2º, “a”, do Decreto foi recepcionado pela Constituição/1988, e a suposta violação aos art. 59, e 146, III, “a”, da CF, dada a impossibilidade de dedução de materiais da base de cálculo do ISSQN; segundo, as decisões se referem a entendimento “pacífico” do STF, no sentido da possibilidade da dedução da base de cálculo do ISS dos materiais empregados na construção civil, citando inúmeros precedentes que, a despeito de possibilitarem tal dedução, se referem a recepção do Art. art. 9º, §2º, “a”, do DL nº 406/1968 pela CF, e nada mais. Neste sentido, é válido afirmar que, de fato, a norma anterior a Constituição, permitia, a dedução de materiais na base de cálculo, isso não há dúvida, no entanto, as decisões não compreenderam exatamente o limite do recurso, economizaram nas palavras, e, ao afirmar que o acórdão recorrido (do STJ) teria divergido “desse entendimento”, o STF – equivocamente – transmitiu a ideia de que o ordenamento jurídico, ao recepcionar aqueles dispositivos, permitiria qualquer dedução de material na base de cálculo do ISS.
A decisão recorrida fazia tão somente a interpretação do texto infralegal, como é de competência deste Tribunal, não havendo razão pela qual o STF ter afirmado a sua erronia.
Como a decisão de repercussão geral firmou a existência de “entendimento consolidado da matéria”, permitiu-se aos “Tribunais de origem e as Turmas Recursais, desde logo, aplicar a orientação firmada por este Supremo Tribunal Federal”.
A maioria dos Tribunais e o STJ autorizados pelo julgamento (ainda que não se tivesse o transito em julgado da decisão) passou a adotar o entendimento de que o Supremo autorizou a dedução de qualquer material, sem qualquer limitação ou restrição, conforme se depreende das seguinte decisões
TRIBUTÁRIO. ISS. BASE DE CÁLCULO. DEDUÇÃO DOS VALORES GASTOS COM MATERIAIS EMPREGADOS NA CONSTRUÇÃO CIVIL. POSSIBILIDADE. MATÉRIA RECONHECIDA EM REPERCUSSÃO GERAL PELO STF. PRECEDENTES.
1. “Após o julgamento do RE nº 603.497, MG, a jurisprudência do Tribunal passou a seguir o entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto à legalidade da dedução do custo dos materiais empregados na construção civil da base de cálculo do imposto sobre serviços, incluído o serviço de concretagem. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no AREsp 409.812/ES, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA TURMA, DJe 11/04/2014) 2. Precedentes: AgRg no REsp 1.370.927/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 12/09/2013;
EDcl no AgRg no REsp 1.189.255/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 05/11/2013; AgRg no REsp 1.360.375/ES, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 13/09/2013.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp n. 520.626/MG, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 5/8/2014, DJe de 13/8/2014.) – destaquei.
TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ISSQN. BASE DE CÁLCULO. DEDUÇÃO DO VALOR DOS MATERIAIS EMPREGADOS NA CONSTRUÇÃO CIVIL. DESINFLUÊNCIA DA DISTINÇÃO ENTRE MATERIAIS FORNECIDOS PELO PRÓPRIO PRESTADOR DO SERVIÇO E MATERIAIS ADQUIRIDOS DE TERCEIROS. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
I. A dedução do valor dos materiais, utilizados na construção civil, da base de cálculo do ISSQN, conforme previsão do Decreto-lei 406/68 e da Lei Complementar 116/2003, abrange tanto os materiais fornecidos pelo próprio prestador do serviço, como aqueles adquiridos de terceiros. O que importa, segundo o entendimento pretoriano atual, é que os materiais sejam empregados na construção civil.
II. Na forma da jurisprudência, “‘Após o julgamento do RE nº 603.497, MG, a jurisprudência do Tribunal passou a seguir o entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto à legalidade da dedução do custo dos materiais empregados na construção civil da base de cálculo do imposto sobre serviços, incluído o serviço de concretagem. Agravo regimental desprovido’ (AgRg no AREsp 409.812/ES, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA TURMA, DJe 11/04/2014). Precedentes: AgRg no REsp 1.370.927/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 12/09/2013; EDcl no AgRg no REsp 1.189.255/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 05/11/2013; AgRg no REsp 1.360.375/ES, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 13/09/2013″ (STJ, AgRg no AREsp 520.626/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 13/08/2014).
III. Agravo Regimental improvido.
(AgRg no AREsp n. 664.012/RJ, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 10/3/2016, DJe de 17/3/2016.) – destaquei.
Já em 2020, a ser dado parcial provimento a Agravo Interno (AI) no RE n. 603.497, agora sob a relatoria da Min. Rosa Weber, e definida a tese: “O art. 9º, § 2º, do DL nº 406/1968 foi recepcionado pela ordem jurídica inaugurada pela Constituição de 1988”, a decisão deixou claro que o julgamento não estabelece “interpretação sobre o seu alcance nem analisar sua subsistência frente à legislação que lhe sucedeu – em especial, a LC 116/2003 -, tarefas de competência do Superior Tribunal de Justiça”.
DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA. CONSTRUÇÃO CIVIL. BASE DE CÁLCULO. MATERIAL EMPREGADO. DEDUÇÃO. RECEPÇÃO DO ART. 9º, § 2º, “A”, DO DL 406/1968. ACÓRDÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE NÃO DESTOA DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, reafirmada na decisão agravada, circunscrevese a a asseverar recepcionado, pela Carta de 1988, o art. 9º, § 2º, “a”, do DL 406/1968, sem, contudo, estabelecer interpretação sobre o seu alcance nem analisar sua subsistência frente à legislação que lhe sucedeu – em especial, a LC 116/2003 -, tarefas de competência do Superior Tribunal de Justiça. 2. No caso, o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, objeto do recurso extraordinário, não destoou da jurisprudência desta Suprema Corte, porque, sem contrariar a premissa de que o art. 9º, § 2º, “a”, do DL 406/1968 foi recepcionado pela atual ordem constitucional, e considerada, ainda, a superveniência do art. 7º, § 2º, I, da LC 116/2003, restringiuse a delimitar a interpretação dos referidos preceitos infraconstitucionais, para concluir pela ausência, na espécie, dos requisitos para a dedução, da base de cálculo do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), de materiais utilizados no fornecimento de concreto, por empreitada, para construção civil. 3. Agravo interno conhecido e parcialmente provido, para, reafirmada a tese da recepção do art. 9º, § 2º, do DL 406/1968 pela Carta de 1988, assentar que sua aplicação ao caso concreto não enseja reforma do acórdão do STJ, uma vez que aquela Corte Superior, à luz do estatuído no art. 105, III, da Constituição da República, sem negar a premissa da recepção do referido dispositivo legal, limitou-se a fixar-lhe o respectivo alcance. (RE 603497 AgR-segundo, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 29-06-2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-201 DIVULG 12-082020 PUBLIC 13-08-2020). – destaquei.
Desta feita, e de modo muito mais claro, o Supremo tão somente afirmou que o Art. 9º, § 2º, “a”, do DL 406/1968 foi recepcionado pela CF/1988, isto é, que a hipótese de dedução traça pela lei foi recebida pela ordem constitucional vigente, não adentrando como, e em quais casos, se daria a dedução prevista em lei complementar.
Neste momento, já em 2020, o Superior Tribunal de Justiça, ao compreender que no RE 603.497/MG, o Supremo apenas assentou que o art. 9º, § 2º, “a”, do DL 406/1968 foi recepcionado pela atual ordem constitucional, retomou com sua jurisprudência, isto é, a de que a base de cálculo do ISSQN é o preço total do serviço de construção civil, e que todos os insumos utilizados na obra compõem a base de cálculo do tributo municipal. Veja-se:
TRIBUTÁRIO E CONSTITUCIONAL. AGRAVO INTERNO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL ISSQN. SERVIÇO DE CONCRETAGEM. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DOS MATERIAIS EMPREGADOS PELO PRESTADOR DE SERVIÇO. LEGALIDADE. JURISPRUDÊNCIA SÓLIDA DO STJ. JULGAMENTO DO RE 603.497/MG PELO PLENO DO STF.
1. Apesar do que foi assentado na decisão monocrática da Presidência, o agravante lavrou tópico específico no Agravo em Recurso Especial (fls. 390-394, e-STJ) contra o único óbice imposto na inadmissibilidade, qual seja, a Súmula 83/STJ, razão pela qual o Agravo Interno procede.
2. Nas razões do Recurso Especial, a parte sustenta haver violação do art. 9°, § 2°, “a” e “b”, do Decreto-Lei 406/1968, sob a tese, em síntese, de que, verbis, o “serviço de construção civil, encontra-se previsto expressamente na lista de serviços, no item 32, razão pela qual deve incidir somente o ISS sobre o total da operação” (fl. 297, e-STJ).
3. Assim, a tese recursal sublinha que “os materiais adquiridos de terceiros (objeto da presente ação) ou produzidos pela autora dentro do local da prestação de serviços não podem ser deduzidos [da base de cálculo do ISSQN]” (fl. 298, e-STJ).
4. “O ISS incide sobre o preço total do serviço de construção civil. Os insumos adquiridos de terceiros pelo construtor e utilizados na obra compõem a base de cálculo do tributo municipal” (AgRg nos EDcl no REsp 973.432/MG, Segunda Turma, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe 19/3/2009).
4. O STF, ao avaliar o RE 603.497, com repercussão geral, asseverou ser possível deduzir, da base de cálculo do ISSQN, o valor referente aos materiais empregados na construção civil.
5. Recentemente o Pleno do Supremo Tribunal Federal julgou o referido RE, em que assentou que o art. 9º, § 2º, “a”, do DL 406/1968 foi recepcionado pela atual ordem constitucional. Também concluiu que a exegese do STJ sobre o aludido artigo legal, verbis, “é restritiva, mas não se mostra ofensiva à Constituição da República” (RE 603.497/MG, AgR-segundo, Relatora Min. Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/2020, publicado em 13-08-2020).
6. Agravo Interno provido para conhecer do AREsp e negar provimento ao Recurso Especial. (AgInt no AREsp n. 1.620.140/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 21/9/2020, DJe de 1/10/2020.) – destaquei
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ACÓRDÃO COMBATIDO. DECISÃO SURPRESA. INEXISTÊNCIA. ISS. BASE DE CÁLCULO. SERVIÇO DE CONCRETAGEM. DEDUÇÃO DOS MATERIAS EMPREGADOS. IMPOSSIBILIDADE.
1. A valoração jurídica diversa, calcada nos fatos da causa, dada pelo magistrado à atividade empresarial da contribuinte não caracteriza decisão surpresa que justifique a anulação do julgado.
2. Esta Corte Superior há muito consolidou o entendimento de que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço de construção civil contratado, não sendo possível deduzir os materiais empregados, salvo se produzidos pelo prestador fora do local da obra e por ele destacadamente comercializados com a incidência do ICMS.
Precedentes.
3. O Supremo Tribunal Federal, ao proferir o primeiro julgamento do RE 603.497/MG (Tema 247 do STF), em 31/08/2010 (DJ 16/09/2010), decidiu reformar acórdão do STJ com fundamento no entendimento do Pretório Excelso sobre a “possibilidade de dedução da base de cálculo do ISS dos materiais empregados na construção civil”.
4. A partir desse momento, esta Corte Superior, buscando alinhar a sua jurisprudência à referida decisão da Suprema Corte, começou a decidir naquele mesmo sentido, como se observa, a título de exemplo, no AgRg nos EAREsp n. 113.482/SC, relatora Ministra Diva Malerbi (Desembargadora Convocada TRF 3ª Região), Primeira Seção, julgado em 27/2/2013, DJe de 12/3/2013.
5. Entretanto, mais recentemente, em 03/07/2020 (publicação da ata de julgamento em 13/07/2020), nos mesmos autos do RE 603.497/MG, o STF deu parcial provimento a agravo interno para, reafirmando a tese de recepção do art. 9º, § 2º, do DL n. 406/1968 pela Constituição de 1988, assentar que a aplicação dessa tese naquele caso concreto não ensejou reforma do acórdão do STJ, ficando evidenciada, no referido julgamento, a intenção do Pretório Excelso de preservar a orientação jurisprudencial que o Superior Tribunal de Justiça sedimentou no âmbito infraconstitucional acerca da impossibilidade de dedução dos materiais empregados da base de cálculo do ISS incidente sobre serviço de construção civil.
6. Diante desse último pronunciamento da Suprema Corte no julgamento do seu Tema 247, há de voltar a ser prestigiada a vetusta jurisprudência do STJ sobre o tema.
7. Hipótese em que a parte autora nem sequer alegou, muito menos comprovou, que comercializou de forma apartada os materiais empregados nos serviços de concretagem e submeteu o valor deles à tributação pelo ICMS, de modo que não faz jus à pretendida dedução da base de cálculo de ISS.
8. Recurso especial desprovido. (REsp n. 1.916.376/RS, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 14/3/2023, DJe de 18/4/2023)16
Foi, portanto, preservada, ao final, desse curso histórico, aquela jurisprudência, de que (I) a base de cálculo dos serviços de engenharia civil formada pelo preço do serviço global contratado, nele compreendido o valor dos materiais fornecidos pelo próprio prestador, como aqueles adquiridos de terceiro, (II) deduzindo ou não incidindo os valores daqueles materiais produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, e sujeitos à tributação do ICMS.
5. CONCLUSÃO
Com o mercado ativo para o setor da construção civil, é preciso que seu regamento seja suficientemente claro e objetivo a gerar confiança a previsibilidade, sobretudo no campo da tributação, em que o ISSQN, importante fonte de receita aos Municípios, constitui importante custo aos operadores do setor.
Assim, definida a regra matriz de sua incidência para os prestadores de serviço de engenharia civil (itens 7.02 e 7.05, da LC nº 116/2003), e que seu critério quantitativo – base de cálculo é o preço do serviço – foi preciso analisar o que “não se inclui” em sua base de cálculo, uma vez que o §2º, I, do Art. 7º, da LC nº 116/2003, estabelece que o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05” “não se incluem na base de cálculo do Imposto”.
Ao ser descortinado a regra exclusiva de valores da base de cálculo do ISSQN, foi verificado se tratar de regra de “não incidência” legalmente qualificada, usada pelo legislador de forma didática, esclarecedora, e preventiva de litígios, não representando restrição à hipótese de incidência, em particular ao ISSQN, pois seu critério quantitativo continua a se expressa pelo valor do preços do serviço, seu valor global, ou a renda bruta correspondente ao serviço. A jurisprudência do STJ já consolidada sob a vigência ainda do DL nº 406/1968, que se manteve de tal forma, após suas alterações, e com o advento da CF/1988, e da LC nº 116/2003, era de que a base de calculo dos serviços de engenharia civil se constituía pelo preço total do serviço contratado, não se podendo dele excluir, não incidir, ou deduzir, insumos (materiais) fornecidos pelo prestador do serviço ou aqueles adquiridos de terceiros pelo construtor e utilizados na obra, tão somente admitindo que caso fornecido mercadoria produzida pelo prestador, fora do local da prestação dos serviços, sujeito a tributação do ICMS, sobre eles não se tivesse a tributação do ISSQN.
O julgamento inicial sucedido pelo STF quanto ao RE 603.497, se mostrou equivocado, não pelo fato de declarar a recepção ao art. 9º, §2º, “a”, do DL nº 406/1968, entendimento encontrado em seus precedentes, mas de não observar que a questão submetida envolvia a alegada ofensa aos artigos 59 e 146, III, “a”, da Constituição Federal, quanto a (não) dedução de valores sobre materiais empregados na construção civil, posto que o acordão do STJ em análise tinha expressado entendimento pela impossibilidade de dedução.
Após recurso, o STF explicitou que a recepção daquelas norma do DL 406/1968 pela atual ordem constitucional, porém esclarecer a recepção da norma em nada alterava o decidido pelo STJ, não ensejando reforma de seu acórdão, preservando seus anteriores os precedentes, acerca da impossibilidade de dedução dos materiais empregados da base de cálculo do ISS incidente sobre serviço de construção civil, como regra. Com a decisão final a respeito do assunto o STJ retomou com sua jurisprudência, conforme verificado.
Essa alteração jurisprudencial, perdurou aproximadamente uma década, o que gerou insegurança jurídica para os municípios e o prestadores de serviço de engenharia civil, possível perda de arrecadação, quando já se tinha o padrão normativo e a inflexão da base de cálculo do ISSQN compreendendo o preço total do serviço contratado, sem possibilidade de exclusão dos insumos agradados à obra, conforme os precedentes jurisprudenciais do STJ.
2“(…) o conceito de construção civil abrange todas as atividades de obras de engenharia assim compreendidas aquelas que causam interferência física ao meio natural, derivadas de um conjunto de ações empregadas na execução de um projeto a ser entregue a alguém” (JESUS e VALENTE, 2022, p. 102).
3“Agora, se agregarmos a tal critério expositivo a preocupação com a linguagem jurídiconormativa; se atinarmos para o rendimento que pode ser obtido pela utilização das categorias do projeto semiótico, mais precisamente para as dimensões lógico-semânticas do texto prescritivo; se pensarmos que toda a marcha do raciocínio se reporta a uma visão da norma jurídica, analisada com vigor na sua inteireza conceptual, como “unidade mínima e irredutível” da mensagem deôntica portadora de sentido completo; se não perdermos de vista a necessidade premente de o discurso teórico propiciar a compreensão, com boa dose de racionalidade, da concretude empírica do direito posto; estaremos diante daquilo que bem se pode chamar de “constructivismo jurídico” (CARVALHO, 2018, p. 05). A este conceito o professor adiciona o aspecto cultural, pois evita que se pretenda entrever o mundo pelo prisma reducionista do mero racionalismo descritivo (CARVALHO, 2018, p. 04), e o aspecto pragmático, que estaria relacionado a destinação dada pelos utentes ao direito.
4O direito concebido como um sistema fechado operacionalmente, autopoiético, não pode ser tido (em hipótese alguma), como isolado. Apenas as suas operações são executadas no seu interior – sempre pelos modais lícito/ilícito. O acoplamento estrutural é o responsável pela troca de comunicações com outros sistemas, isso traz irritação ao sistema e gerar nova comunicação, permitindo ao sistema evoluir e até mesmo a constituição de novos sistemas.(LIMA, Fernando Rister Sousa. Constituição federal: acoplamento estrutural entre os sistemas político e jurídico. Revista Direitos Fundamentais e Democracia, vol. 4, 2008, p. 11-12.
5Art. 15. Compete aos Municípios o impôsto sôbre serviços de qualquer natureza, não compreendidos na competência tributária da União e dos Estados.
6Quanto ao histórico legal do tributo, o regramento do Código Tributário Nacional (CTN) teve vigência efêmera, dando lugar as disposições do Decreto-Lei (DL) nº 406, de 31 de dezembro de 1968, que teve sua listagem de serviços atualizada pela LC nº 56/1987, e, posteriormente passou a ser regulamentado também, inclusive passando a dispor de nova listagem dos serviços tributados. Se usa o temo também porque, a par das regras da LC n º 116/2003, outras disposições do DL nº 409/1967 continuam em vigor (e recepcionadas pela CF), isso inclusive será objeto da análise mais adiante, em especial quanto ao julgamento do RE 603.497/MG (Tema n. 247) pelo STF que envolvia a recepção do art. 9º, § 2º, “a”, do referido DL.
7De igual modo o Art. 8º, do DL nº 406/1968: Art 8º O impôsto, de competência dos Municípios, sôbre serviços de qualquer natureza, tem como fato gerador a prestação, por emprêsa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço constante da lista anexa, que foi revogado pela LC nº 116/ 2003.
8Posteriormente foi editada a Súmula Vinculante (SV) nº 31: É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis.
9Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
10Interessante destacar que ao prever a alíquota mínima em 2%, a ADCT excepcionou os serviços dos itens 32, 33, e 34, da Lista do DL nº 406/1968: “Art. 88. Enquanto lei complementar não disciplinar o disposto nos incisos I e III do § 3º do art. 156 da Constituição Federal, o imposto a que se refere o inciso III do caput do mesmo artigo: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002) I – terá alíquota mínima de dois por cento, exceto para os serviços a que se referem os itens 32, 33 e 34 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968 ; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002). Tais itens correspondem aos serviços aqui caracterizados como de engenharia civil: “32. Execução por administração, empreitada ou subempreitada, de construção civil, de obras hidráulicas e outras obras semelhantes e respectiva engenharia consultiva, inclusive serviços auxiliares ou complementares (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICM); 33. Demolição; 34. Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICM). Ao assim agir, no parece que o constituinte derivado pretendida, por meio do ajustes de alíquotas, abaixo do mínimo (2%) – a regra geral, caso não prevista em LC – incentivar o setor de engenharia civil. Com o acréscimo do Art. 8-A à LC nº 116/2003 pela LC nº 157/2016 não há exceção para o cumprimento do mínimo legal.
11De igual forma: RE 236.604, e RE 239.360.
12Citem-se, como exemplos: REsp 974.265/RS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, DJ 26/08/2009; REsp 976.605/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJ 02/04/2009; AgRg no REsp 1002693/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJ 07/04/2008; AgRg no Ag 830.095/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJ 24/10/2007; REsp 622.385/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJ 28/06/2006; REsp 577.356/MG, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, DJ 31/05/2004, AgRg no REsp n. 1.189.255/RS, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 5/8/2010, DJe de 18/8/2010, AgRg no REsp 1.002.693/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 7.4.2008, AgRg nos EDcl no REsp n. 1.081.617/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 21/9/2010, DJe de 8/10/2010, entre outros.
13Citam-se, como exemplo: AgRg no REsp n. 1.128.343/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 2/9/2010, DJe de 28/2/2011, AgRg no REsp n. 1.189.255/RS, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 5/8/2010, DJe de 18/8/2010, AgRg nos EDcl no REsp n. 1.081.617/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 21/9/2010, DJe de 8/10/2010, entre outros.
14Consta da ementa referência a alínea “b” do §2º do Art. 9º, do DL nº 406/1968, quando o correspondente RE e a própria decisão referem a alínea “a” desse dispositivo.
15O Tema ficou assim descrito: Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 59; e 146, III, a, da Constituição Federal, a constitucionalidade, ou não, da incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre materiais empregados na construção civil e, por conseguinte, a revogação, ou não, do art. 9º, § 2º, a, do Decreto-lei nº 406/68, que autoriza a dedução da base de cálculo do ISS das parcelas correspondentes ao valor desses materiais, pela Constituição de 1988.
16No messo sentido: AgInt no AREsp n. 1.548.130/SP, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 19/6/2023, DJe de 22/6/2023, AgInt no RE nos EDcl no REsp n. 1.166.703/MG, relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 22/8/2023, DJe de 25/8/2023, e (AgInt no REsp n. 2.109.050/SC, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 13/5/2024, DJe de 16/5/2024.
REFERÊNCIAS:
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BRASIL, Emenda Constitucional nº 18 de 1965. Dispõe sobre o sistema tributário nacional e dá outras providências. Diário Oficial da União – Seção 1 – 6/12/1965, Página 12375 (Publicação Original). ??????. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/emecon/1960-1969/emendaconstitucional18-1-dezembro-1965-363966-publicacaooriginal-1-pl.html. Acessado em: 15/11/2024.
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1Mestre em Direito pela Universidade da Amazônia – UNAMA, no Programa de Pós-Graduação em Direitos Fundamentais. Especialista em Direito Público pela Uniderp. Procurador do Município de Belém, atuante na área fiscal.