REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7975567
Mayara Maria da Silva1
Alisson Justino Alves da Silva2
Tayslane dos Santos Gonçalves3
João Paulo Camilo de Oliveira4
David Ian Machado Alves5
Fabiana Correia Bezerra6
Renan Alfredo Machado Bantim7
Resumo
O tráfico de fósseis consiste em uma prática ilícita que vem cada vez mais acarretando prejuízo para a comunidade científica e local, dificultando a valorização do patrimônio fossilífero de uma determinada região, acarretando perdas como o impedimento do conhecimento da biodiversidade pretérita. Essa prática advém de fatores históricos, onde, especificamente na região do Cariri Cearense, a população acabou por se acostumar com seus bens patrimoniais sendo subtraídos, aliado ainda a falta de conhecimento sobre a importância do patrimônio paleontológico e a falta de leis que contribuissem de forma eficaz no combate ao tráfico de fósseis. Com isso ocorreu e ocorre prejuízos aos estudos científicos, uma vez que os fósseis traficados vão parar em museus de outros países e até mesmo em coleções particulares, sendo inacessíveis aos pesquisadores que estudam esses materiais dos locais onde acontece o tráfico. O objetivo dessa análise bibliográfica foi trazer a realidade do tráfico de fósseis na região do Cariri Cearense, seus impactos para a comunidade científica e as ações de intervenções que foram criadas para combater o tráfico desse material, a exemplo do Araripe Geopark Mundial da UNESCO, que tem por objetivo também a proteção e divulgação científica relacionada aos fósseis, protegidos por lei, considerados patrimônio da União. A realidade dos fósseis dessa região não é diferente das outras, o tráfico acontece tanto por falta de conhecimento como também pelo valor monetário que o mercado clandestino agrega a ele. As leis que deveriam proteger esses materiais são antigas, precisando de uma revisão para que possam ser executadas de forma mais eficiente.
Palavras-chaves: Araripe. Patrimônio. Paleontologia. Tráfico.
1 Introdução
Os fósseis são restos de animais e plantas que permaneceram preservados em diversos materiais, essa preservação ocorre principalmente nas rochas, mas ocorre também nos sedimentos, solo, resinas ou em outros depósitos como no gelo, os exemplos mais frequentes são os ossos e caules fossilizados (Figura 1), tendo a paleontologia como a principal disciplina científica que utiliza fósseis como objeto de estudo (OLIVEIRA, VIANA, GONÇALVES, 2022).
Figura 1 – A. Crânio do pterosauro Tupandactylus Navigans da Formação Crato; B. Tronco silicificado de gimnosperma da Formação Missão Velha.
Foto: A. Renan Bantim, 2018; B. Matulja, 2012.
A lei brasileira que determina a versa sobre a proteção de fósseis no Brasil foi constituída em 1942. Esta lei determina que toda atividade que envolva extração de fósseis necessite de autorização prévia e seja fiscalizada pelo Departamento Nacional da Produção Mineral – DNPM (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1942), atualmente denominada Agência Nacional de Mineração – ANM (BAMBIRRA, F. M. De Carvalho, D. F., 2018). Infelizmente essa lei não contempla de forma satisfatória todas as situações que envolvem a proteção do patrimônio fossilífero, e, portanto, necessita urgentemente de atualização, pois, por exemplo, não determina quais as penas para quem comete crime envolvendo extração e venda de forma ilegal de fósseis (DE OLIVEIRA, 2022).
Políticas voltadas à educação patrimonial e medidas de geoconservação são um desafio a ser superado no Brasil, e essa lacuna dificulta a conscientização da população frente a sua memória cultural e desenvolvimento com impacto mínimo. Diante disso, surge o conceito de Geoparque: uma estratégia territorial com limites definidos, destinados a práticas de conservação e desenvolvimento econômico sustentável dos municípios envolvidos, onde deve conter elementos de grande valor geológico, paleontológico ou arqueológico. Também é importante levar em conta a biodiversidade atual e assim, tirar proveito do potencial turístico onde não se encontram áreas de proteção ambiental legal (ONARY-ALVES et al., 2015).
Apesar do avanço das pesquisas da paleontologia brasileira, o contrabando ainda ocorre, apesar dos esforços consideráveis realizados nos últimos anos contra o tráfico de fósseis. Campanhas contra o comércio ilegal de fósseis no Brasil e a forma como os pesquisadores e autoridades brasileiras tem feito para dar ciência em outros países da nossa legislação, têm contribuído para despertar a conscientização de potenciais compradores no exterior e o risco de estarem comprando fósseis de procedência ilegal, o que acarretaria grande dificuldade de publicação de artigos científicos envolvendo fósseis brasileiros depositados em coleções internacionais de forma ilegal (SIMÕES e CALDWELL, 2016).
O tráfico de fósseis ocorre na região da Chapada do Araripe, no sul do Ceará, e em outras áreas circunvizinhas à bacia do Araripe (DE OLIVEIRA, 2022). Investigações apontam para vários envolvidos (SANTOS et al., 2022). A cadeia do tráfico começa nos trabalhadores de minas de exploração do calcário laminado, da gipsita e argilas, sendo o ponto de partida para o tráfico. Mais de duzentos fósseis apreendidos no ano de 2021 são um exemplo de que a rede do tráfico continua ativa (DE OLIVEIRA, 2022).
A Bacia do Araripe é considerada o mais importante depósito fossilífero do Brasil, tendo chamado a atenção de estudantes e pesquisadores de todo o mundo (DE OLIVEIRA, 2022). Segundo pesquisadores, ela se destaca pela grande diversidade de fósseis de vários grupos de animais e plantas, que viveram no final do Período Jurássico até o Cretáceo Inferior, à cerca de 110 milhões de anos, e alguns, são encontrados em perfeito estado de conservação (SARAIVA et al., 2021; DE OLIVEIRA, 2022).
Este trabalho teve como objetivo realizar um levantamento bibliográfico a respeito do tráfico de fósseis e a saída de forma não muito ética dos fósseis da Bacia do Araripe para outras regiões brasileiras e coleções internacionais. Também abordaremos os impactos para a comunidade científica e as ações de intervenções que foram criadas para combater o tráfico desse material, a exemplo do Araripe Geopark.
2 Metodologia
Para a coleta de dados foi realizada uma busca usando o Banco de Dados Periódicos Google Scholar, utilizando os seguintes descritores: “Tráfico, Fósseis, Legislação e Patrimônio”. Estudos publicados nos últimos dez anos, entre 2013 e 2023 foram revisados. Artigos de texto completo foram selecionados de acordo com o título resumo e palavras-chave incluiu os descritores acima mencionados. Os artigos completos foram analisados de acordo com os seguintes critérios: Tráfico de fósseis da bacia sedimentar do Araripe (KOHLS-SANTOS; MOROSINI, 2021).
3 Resultados
Estudos geológicos e paleontológicos, apontam que existe uma abundância de fósseis que já foram coletados e identificados, e que são de extrema importância para o patrimônio histórico e científico da região do Cariri cearense, do Brasil e do mundo, pois diversos estudos ainda podem ser feitos na região (REBELATO et al., 2022). Evidências de pesquisas através dos microfósseis são capazes de alterar significativamente o estudo da geologia da região. A presença das cianobactérias, vestígios de plantas e animais são fatores importantes para a preservação e proteção dos fósseis, que são patrimônio científico (LIMA ,2021; DE OLIVEIRA, 2022).
O elevado valor econômico de alguns fósseis, é resultado de fatores como raridade, qualidade de preservação, valor estético e histórico da origem a um comércio que, em grande parte dos países, é ilegal, colocando em risco muitas jazidas paleontológicas, e em especial em países com níveis socioeconômicos moderados (VILAS BOAS; BRILHA; DE LIMA, 2013).
Sabe-se que parte da venda dos fósseis da bacia do Araripe está associada às explorações de calcário laminado da Formação Crato. O destino destas vendas são vários, desde revendedores conhecidos na região e colecionadores particulares, até pesquisadores ligados às universidades (DE OLIVEIRA, 2022). Em muitas situações, a melhor maneira de preservar fósseis consiste no seu resgate e transporte para instituições que possam assegurar a sua proteção (VILAS BOAS; BRILHA; DE LIMA, 2013).
O valor científico dos fósseis para os pesquisadores tem chamado atenção para esse mercado clandestino, sendo este patrimônio comercializado no mercado negro, com valores as vezes nas casas dos milhares de dólares. Por esse motivo os paleontólogos brasileiros procuram a justiça para que fósseis que saíram da região do cariri e do Brasil de forma ilegal sejam resgatados (DE OLIVEIRA, 2022).
Uma das ações de enfrentamento ao tráfico de fósseis foi realizada por pesquisadores do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, Laboratório de Paleontologia da URCA e Geopark Araripe, com a realização de um curso de treinamento de agentes da Polícia Militar (Batalhão Meio Ambiente), Polícia Rodoviária Federal (GECAN), Polícia Federal (Proteção a crimes contra o patrimônio) (Figuras 2), dando início ao trabalho investigativo com o apoio do Ministério Público com centenas de fósseis impedidos de serem traficados.
Figura 2 – Treinamento de agentes da Polícia Militar e Polícia Rodoviária Federal. A. Equipe do Batalhão de Polícia do Meio Ambiente – Ceará; B. Equipe do Grupo de Enfrentamento aos Crimes Ambientais (GECAM); C. Equipe do BPMA identificando fósseis da Bacia do Araripe; D. Equipe do GECAN identificando fósseis da Bacia do Araripe
Foto: A-C – Flaviana Jorge de Lima, 2021; B-D – Mayara Maria, 2023.
Devido a criação do Geoparque e do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, houve uma maior atenção ao potencial científico do registro fossilífero cretáceo da bacia do Araripe, tanto em relação à curadoria do acervo quanto a divulgação da importância desse registro (NUNES; PIOKER-HARA, 2018).
Localizado no Nordeste Brasileiro, na porção sul do Ceará entre os municípios de Barbalha, Crato, Juazeiro do Norte, Missão Velha, Nova Olinda e Santana do Cariri, o Geoparque possui o selo da UNESCO. Logo, possui uma área de aproximadamente 3.796 km 2 e está quase por inteiro na bacia sedimentar do Araripe (NUNES; PIOKER HARA, 2018).
4 Discussão
Segundo pesquisadores, as leis existentes atualmente não contemplam de forma satisfatória todas as situações que envolvem a proteção do patrimônio fossilífero, e portanto, necessita urgentemente de atualização, regularização e preservação, com leis e fiscalizações mais severas, inclusive determinando quais as penas para quem comete crime envolvendo extração e venda de fosseis de forma ilegal (DE OLIVEIRA, 2022).
O Laboratório de Paleontologia (LPU) da Universidade Regional do Cariri (URCA), é responsável pela maior quantidade de pesquisas paleontológicas do Ceará. O LPU tem realizado coletas e escavações (Figura 3), que logo, proporcionaram o avanço nas pesquisas paleontológicas do Brasil e do mundo, através de parceria com diversos laboratórios, museus e universidades, nacionais e internacionais. Atuando na concientização sobre a importância de preservar o patrimônio fossilífero da região (SARAIVA, A. A. F. et al.,2021).
Figura 3 – Coletas de fósseis realizada na Formação Crato pela equipe do LPU
Fotos: Acervo LPU
Atualmente no Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens (MPPCN) da Universidade Regional do Cariri (URCA), possui oficinas de réplicas de fósseis, com o intuito de preservar e valorizar os depósitos fossilíferos. É uma forma de evitar o contrabando e compras ilegais dos fósseis. Deste modo, proporcionar a valorização científica, cultural e do desenvolvimento económico da região local (DOS SANTOS et al.,2020).
Levantar questões sobre a investigação criminal envolvendo fósseis tem grande importância para os achados e descobertas científicas tanto a nível nacional, quanto internacional. Principalmente quando se trata de algo que causa um grande impacto nos estudos científicos, taxonômicos e evolutivos.
O motivo de abordar esse assunto, para a obtenção de dados, foi o fato de não haver tantas pesquisas sobre esse tema, como também, por ser algo que impacta de forma muito direta nos achados e comparações evolutivas de muitas outras espécies. Pode-se dizer ainda, que, já aconteceram há muito tempo, e hoje não se encontra sob os cuidados pelo fato de terem sido exportados e/ou traficados de forma ilegal para outros países.
Há várias décadas estudantes e pesquisadores atuam no combate ao tráfico de fósseis no brasil, e especificamente na região do Cariri, por meio de denúncias e de elaboração de laudos técnicos para o Ministério Público Federal – MPF. Diante disso, logo, faz-se necessário o aumento da fiscalização, de campanhas de conscientização e até mesmo leis mais definidas com punições e multas, para que seja possível reduzir esses tráficos e consequentemente os impactos nas pesquisas dos paleontólogos e pesquisadores cientista brasileiro.
Conclusão
A Constituição Federal classifica os fósseis como patrimônio cultural, mas a ausência de legislação específica dificulta sua proteção. Os fósseis como bens culturais merecem ser protegidos e conservados em coleções científicas nacionais de instituições públicas de pesquisa, como universidades e museus.
Para que haja Lei mais rígida e a extinção do tráfico de fósseis na Região do Cariri cearense, é importante que os órgãos de proteção, instituições de ensino e pesquisa estejam de mãos dadas para que esse mercado perca a sua força e junto a população valorize o que tem de melhor em seu território. Como também criar ações que incentivem a preservação e a valorização de cada fóssil presente no local de origem.
Vale ressaltar a importância da informação e ações de conscientização junto a sociedade para que as futuras gerações sejam conscientes da importância do seu patrimônio científico-cultural e criem uma relação de pertencimento com o local e, assim, preservar o que ainda existe e valorizar a riqueza que a chapada tem até hoje.
Entretanto, merecem lugar de destaque e devem estar acessíveis à sociedade, logo, faz-se necessária efetividade a proteção dentro da lei e pelos moradores dessas regiões.
REFERÊNCIAS
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1Graduanda em Ciências Biológicas pela URCA, graduanda em investigação forense e perícia criminal UNIASSELVI
2Graduanda em Ciências Biológicas pela URCA
3Graduando em Ciências Biológicas pela URCA
4Graduando em Ciências Biológicas pela URCA
5Graduando em Ciências Biológicas pela URCA
6Professora da URCA, Mestre em Desenvolvimento Regional Sustentável pela UFCA, especialista em Educação inclusiva e Coordenação Pedagógica, graduada em Administração
7Biólogo, doutor em Geociências pela UFPE e pesquisador visitante na URCA na área de Paleontologia