A LUA, O NASCIMENTO E O SEXO DOS BEBÊS:CRENÇAS VERSUS EVIDÊNCIAS

THE MOON, BIRTH, AND BABY SEX: BELIEFS VERSUS EVIDENCE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11391056


Julia Pereira Gentil1
Maria Eduarda Bianchi Reis Guimarães1
Juliana Pereira Gall2
Ana Cristina Tesch Loureiro2
Adriana Duringer Jacques2 3


Resumo

A observação das fases lunares remonta aos primórdios da humanidade, representando a aparência visual da parte iluminada da lua conforme vista da Terra. Profissionais da saúde materno infantil têm observado uma possível ligação entre as fases lunares e a frequência de partos, embora os resultados dos estudos sejam variados. Este estudo buscou investigar a hipótese de uma maior ocorrência de partos vaginais espontâneos durante o ciclo da lua cheia e examinar possíveis variações na distribuição entre os sexos ao longo dos ciclos lunares, utilizando dados de uma maternidade. Como critério de inclusão, foram utilizados os números de partos a termo, espontâneos, de nascidos vivos, no período entre 3 de fevereiro de 2022 até 6 de fevereiro de 2024, totalizando 24 ciclos lunares. Foram excluídas as cirurgias cesarianas e uso de indução do parto vaginal. Foram analisados os números de indivíduos nascidos por sexo e ciclo lunar. Não foram observadas associações estatisticamente significativas entre as fases da lua e os partos. Houve predomínio do nascimento de meninos nas fases de lua cheia, nova e crescente. O número de meninos que nasceram no período da lua nova foi significativo. Porém, outros fatores podem influenciar o trabalho de parto, sendo necessários estudos para que se possa entender melhor os determinantes do trabalho de parto e sua possível relação com as fases lunares e sazonalidades.

Palavras-chave: ciclo lunar; lua cheia; partos vaginais; parto espontâneo; nascimentos.

INTRODUÇÃO

A observação das fases lunares é uma prática ancestral que remonta aos primórdios da humanidade. Essas fases representam a aparência visual da parte iluminada da lua conforme vista da Terra, e sua mudança é resultado da interação complexa entre nosso planeta, o satélite natural e o sol (NASA, 2015). O mês sinódico, por sua vez, é o período médio entre duas fases lunares consecutivas, aproximadamente 29,53 dias. Durante esse ciclo, a lua transita por todas as suas fases, desde a lua nova até a lua cheia. Essa regularidade é incorporada em muitos calendários lunissolares e desempenha um papel crucial na compreensão dos ciclos naturais que influenciam diversos aspectos da vida na Terra (NASA, 2015). 

Ao longo da história, profissionais e indivíduos envolvidos no acompanhamento de gestantes têm feito observações minuciosas sobre o suposto impacto das fases da lua no trabalho de parto (LAGANÁ e cols, 2014).  Relatos informais sugerem que os nascimentos podem coincidir com certas fases lunares, o que intensifica a crença popular. No entanto, a transição da esfera da observação empírica para a validação científica requer uma abordagem detalhada e rigorosa (GOKHALE e KUMAR, 2023). Investigações foram realizadas para avaliar o efeito do ciclo lunar nos partos (BUENO, 2010). Enquanto alguns estudos não encontraram nenhuma ligação entre o ciclo lunar e a frequência dos partos, outros confirmaram essa associação (GOKHALE e KUMAR, 2023). 

Um estudo na Itália analisou retrospectivamente 1.248 partos e encontrou uma conexão entre a distribuição de partos espontâneos a termo e o mês lunar, especialmente em multíparas e pluríparas. No entanto, os autores reconhecem que a evidência é fraca para permitir previsões sobre a frequência de partos (GHIANDONI et al., 1998). Por outro lado, uma análise de 120 anos em uma coorte retrospectiva não encontrou influência previsível das fases lunares na frequência de nascimentos. Todos os partos ocorreram naturalmente, em ambiente domiciliar e com assistência médica limitada. O estudo abrangeu o período de 1810 a 1929 em uma região rural da Europa. O autor argumenta que, do ponto de vista histórico, o mito da influência lunar na frequência dos partos carece de respaldo científico (MARCO-GRACIA, 2019). Outra coorte retrospectiva analisou 564.039 nascimentos em 62 ciclos lunares, identificados a partir de dados de certidões de nascimento da Carolina do Norte de 1997 a 2001. Não foram encontradas diferenças significativas na frequência de nascimentos, via de parto, nascimentos de mulheres multigestas ou complicações no parto entre as fases da lua ou entre intervalos documentados de alto e baixo volume do ciclo lunar (ARLISS et al., 2005). Em um estudo retrospectivo sobre a influência dos fatores meteorológicos no nascimento, não foi identificada associação estatística entre o número de partos e as fases lunares. No entanto, os pesquisadores observaram uma maior incidência de nascimentos nos meses de maio e junho, de acordo com o calendário gregoriano (MORALES-LUENGO et al., 2020). Por fim, Matsumoto e Shirohoshi (2020) encontraram resultados que apoiaram a hipótese de que o parto natural durante a noite é afetado pela fase lunar, especialmente durante a lua cheia. Esse achado sustenta a crença na influência da lua sobre o momento do nascimento humano, possivelmente explicada pelo aumento dos nascimentos noturnos durante a lua cheia, quando a luz natural da lua ilumina o céu noturno.

Durante o trabalho numa maternidade de alto risco da região serrana do Rio de Janeiro, foram observados comentários dos profissionais sobre o número de partos e os ciclos lunares, em especial sobre o ciclo da lua cheia. Além disso, notou-se que em algumas épocas do ano, nascem mais meninos e em outras mais meninas. No entanto, não foram encontrados estudos na literatura pesquisada que abordassem a diferença entre o nascimento de bebês dos sexos feminino e masculino em relação aos ciclos lunares.

Este estudo foi concebido para investigar a hipótese de que existe uma maior incidência de partos vaginais espontâneos durante o ciclo da lua cheia, bem como para examinar se há alguma variação na distribuição entre os sexos ao longo dos ciclos lunares. O objetivo principal é observar a possível relação entre a prevalência de partos vaginais e a influência das fases da lua sobre os partos espontâneos ocorridos no Hospital Escola Alcides Carneiro (HEAC) em Petrópolis, RJ, e também investigar possíveis diferenças de sexo entre os bebês nascidos durante esses períodos.

METODOLOGIA

Para a revisão bibliográfica, foram empregados os mecanismos de busca Scielo, Pubmed e Google Scholar, abrangendo os idiomas inglês, português e espanhol. A filtragem do período de publicação foi limitada aos últimos 40 anos. Como critério de inclusão, foram utilizados os números de partos a termo (idade gestacional maior ou igual a 37 semanas), espontâneos, de nascidos vivos, no período entre 3 de fevereiro de 2022 até 6 de fevereiro de 2024, totalizando 24 ciclos lunares. Foram excluídas as cirurgias cesarianas e uso de indução do parto vaginal com misoprostol. A partir das datas de nascimento foi utilizado o calendário de mudança das fases da lua, retirado do site oficial do Instituto Nacional de Meteorologia do Ministério da Agricultura e Pecuária, para determinar em que dia do ciclo lunar cada parto foi realizado (disponível em: https://portal.inmet.gov.br/ ). Os dados sobre tipo de parto, dia, uso ou não de indução e idade gestacional, foram retirados dos livros de registro de partos cedidos pelo Hospital de Ensino Alcides Carneiro (HEAC), categorizados em quatro fases da lua, sendo elas, crescente, minguante, nova e crescente. 

Neste estudo foram analisados os dados referentes ao número de nascimentos por sexo e fases do ciclo lunar. Foram utilizadas técnicas de estatística descritiva e exploratória. Para isso, foram mensuradas as frequências das contagens de nascimentos. As tabelas descritivas contabilizam o número de indivíduos por sexo e ciclo lunar, bem como a sua respectiva proporção e teste de proporção.  Foi utilizado o nível de significância estatística de 5%. As análises estatísticas foram feitas no software R 4.4.0.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A maternidade do HEAC, é reconhecida como uma unidade de referência para gestações de alto risco na região. Durante os 24 meses compreendidos pelos anos de 2022 e 2023, um total de 4.641 partos (incluindo as cesarianas, partos prematuros e induzidos) foram registrados no HEAC. A distribuição entre partos vaginais, cesarianas e sexo dos bebês foi a seguinte: 

Tabela 1: Número total de partos normais e cesarianas em 2022 e 2023 no HEAC:

Ano e Tipo de parto20222023Total (2022 e 2023)
Partos vaginais1096 (48%)1157 (49%)2253
Partos cesáreos1193 (52%)1195 (51%)2388 4641

Neste estudo, o objetivo é analisar os partos vaginais espontâneos, os quais foram representados na Figura 1 pelo percentual de nascimentos por ciclo lunar. De acordo com o teste de proporção, não há evidências estatísticas suficientes para dizer que existe diferença entre os percentuais observados (valor-p = 0,4011). 

Figura 1: Percentuais de nascimentos por ciclo lunar.

A Figura 2 expressa o percentual de nascimentos por sexo. De acordo com o teste de proporção, não há evidencias estatísticas suficientes para dizer que existe diferença entre as proporções de nascimento entre crianças do sexo masculino e feminino (valor-p = 0,0925), quando observado os partos vaginais, a termo, sem indução, não relacionado com os ciclos lunares. 

Figura 2: Percentuais de nascimentos por sexo (F=Feminino e M=Masculino).

Na Figura 3, pode-se observar o percentual de nascimentos por ciclo lunar e sexo. Nela, o nascimento de crianças do sexo feminino foi predominante apenas na lua minguante.

Figura 3: Percentuais de nascimentos por ciclo lunar e sexo.

A Tabela 2 mostra a distribuição dos partos vaginais espontâneos durante os diferentes ciclos lunares, juntamente com a proporção desses partos e o valor-p. Nota-se que: O nascimento de crianças do sexo masculino foi predominante na lua nova, crescente e cheia; na lua minguante, houve maior predominância de nascimento de meninas. Em números absolutos, os maiores valores observados de nascimentos foram na lua crescente (sexo masculino) e na lua minguante (sexo feminino), ambos com 245 nascimentos.  Ao se levar em conta a ocorrência de nascimentos e o sexo dos bebês entre as fases da lua, no teste de proporção, não foram observadas diferenças estatisticamente significativas  (valor-p = 0,2055);  a proporção de nascimento de crianças do sexo masculino não se diferencia da proporção de crianças do sexo feminino nos ciclos lunares: cheia, crescente e minguante; porém, ao se fixar os ciclos lunares e se analisar a distribuição dos sexos dos bebês, observou-se que a maior diferença na proporção de nascimentos entre o sexo masculino e feminino ocorreu na lua nova, sendo essa diferença de 9,6 pontos percentuais. Ao nível de 5% de significância, existem evidências para dizer que esta diferença é estatisticamente relevante (valor-p = 0,0047). 

Tabela 2:Frequências absolutas e relativas, teste de proporção entre nascimentos por ciclo lunar.

Lua  CheiaValor-pQuarto CrescenteValor-pLua      NovaValor-pQuarto  MinguanteValor-pValor p*
M232  (52,1)0,2275245 (51,0)0,5613243  (54,8)0,0047*225  (47,9)0,21520,2055
F213  (47,9)235 (49,0)200  (45,2)245  (52,1) 

A hipótese de que mais partos ocorrem durante a lua cheia não foi confirmada neste estudo. Para a população examinada, não houve aumento nos partos vaginais espontâneos durante a lua cheia. O número de partos foi observado em ordem decrescente durante as fases da lua: crescente, minguante, cheia e nova. Apesar de ser um evento natural, o trabalho de parto pode ser influenciado por diversos fatores (OMS, 2015). Entre eles, destacam-se a idade materna, condições médicas pré-existentes como diabetes e hipertensão arterial, histórico obstétrico com cesarianas prévias, partos prematuros ou complicações em gestações anteriores, e a condições fetais. Além disso, as intervenções médicas e as preferências da mãe pela via de parto podem desempenhar um papel determinante, juntamente com fatores psicossociais e acesso aos cuidados de saúde (OMS, 2015; BRASIL, 2022).

Na população estudada, houve maior predominância de nascimento de meninos, tanto no número total de nascimentos nos anos 2022 e 2023, como entre os partos vaginais espontâneos. Para os seres humanos, espera-se uma proporção de nascimentos masculinos para femininos de cerca de 0,515. A razão para essa discrepância não é totalmente compreendida, mas vários fatores foram sugeridos como possíveis influências (GRECH, SAVONA-VENTURA e VASSALLO-AGIUS, 2002). Com relação aos ciclos lunares, houve associação estatisticamente significativa dos partos ocorridos na fase da lua nova e o sexo masculino, porém não foram encontrados dados na literatura que possam justificar tal associação. 

Dado que o trabalho de parto é influenciado por uma variedade de fatores, como idade gestacional, condições de saúde, acesso aos cuidados de saúde e o perfil da equipe assistencial da maternidade, sugere-se a realização de estudos que investiguem essas variáveis em relação ao momento e à data do nascimento. No entanto, deve-se considerar que as crenças populares muitas vezes se baseiam em uma série histórica de observações, que podem ter alguma explicação científica subjacente. Além disso, essas crenças devem ser respeitadas, uma vez que podem simbolizar outras dimensões da experiência humana que são difíceis de mensurar ou compreender totalmente pelo atual método científico.

CONCLUSÃO

Este estudo não encontrou evidências que sustentam a hipótese de uma maior ocorrência de partos vaginais espontâneos durante o ciclo da lua cheia. Tampouco foram observadas diferenças entre os nascimentos em outras fases da lua. A ausência de associação entre as fases lunares e os partos sugere que outros fatores podem influenciar o momento do parto. Houve predomínio do nascimento bebês do sexo masculino nas fases de lua cheia, nova e crescente, sendo esse evento estatisticamente significativo na lua nova. 

Portanto, outros estudos são necessários para compreender melhor os determinantes do trabalho de parto e sua possível relação com as fases lunares, levando-se em conta outras variáveis influenciadores neste processo.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Manual de Gestação de Alto Risco/ High-risk pregnancy manual. 1ª edição – 2022 – versão preliminar. Brasília: Ministério da Saúde, 2022. Acesso em 26/03/24

BUENO, A., Iessi, I. L., & Damasceno, D. C.. (2010). Influência do ciclo lunar no parto: mito ou constatação científica?. Revista Brasileira De Enfermagem, 63(3), 477–479. https://doi.org/10.1590/S0034-71672010000300021. Acesso em 26/03/24

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1 Estudante Faculdade de Medicina Petrópolis, UNIFASE

2 Docente pediatria Faculdade de Medicina de Petrópolis, UNIFASE

3 Mestre em Educação