REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7272273
Gustavo Henrique Gomes de Lima Santos1
RESUMO
O estudo tem como objetivo analisar como a liberação do acesso às armas colabora para o aumento dos casos de violência no Brasil. E especificamente, identificar as prerrogativas do Estatuto do desarmamento e os Decretos Presidenciais de 2019 diante da flexibilização do acesso as armas; descrever o panorama de violência no Brasil através dos índices de violência antes da Lei nº 10.826/2003, após o Estatuto e a atual situação criada com a edição dos Decretos Presidenciais de 2019; e discorrer como o acesso às armas pode promover o aumento da violência de maneiras indiferentes a sua real função As discussões em torno da legalização do porte de armas existem na sociedade brasileira há muitos anos, e só em 2003 uma lei que regulamenta o porte de armas foi adicionada à Constituição Federal brasileira, em que dificulta o processo dessa conquista, reduzindo assim o número de pessoas que possuem armas. Apesar disso, o Decreto nº 9.685/19, visou flexibilizar a posse de arma de fogo no Brasil, propondo a autorização para que o cidadão possa manter uma arma de fogo em casa ou no local de trabalho, cabendo à Polícia Federal decidir se autoriza o porte. Contudo, os perigos da liberação do acesso às armas não estão ligados somente aos indivíduos que usam como modo de defesa, mas quem irá ter acessibilidade a esse instrumento letal, pois, os homicídios continuam ocorrendo principalmente com o emprego de armas de fogo, além de outros crimes, tais como roubo, latrocínio, estrupo e outros.
Palavras-chave: Violência. Porte de Armas. Armas de fogo. Posse de Armas.
ABSTRACT
The study aims to analyze how the release of access to weapons contributes to the increase in cases of violence in Brazil. And specifically, to identify the prerogatives of the Disarmament Statute and the Presidential Decrees of 2019 in the face of flexibilization of access to weapons; describe the panorama of violence in Brazil through the violence rates before Law nº 10.826/2003, after the Statute and the current situation created with the edition of the Presidential Decrees of 2019; and discuss how access to weapons can promote the increase in violence in ways that are indifferent to its real function Discussions around the legalization of the carrying of weapons have existed in Brazilian society for many years, and it was only in 2003 that a law that regulates the carrying of weapons was added to the Brazilian Federal Constitution, which makes the process of this conquest difficult, thus reducing the number of people who own weapons. Despite this, Decree nº 9.685/19, aimed to make the possession of firearms more flexible in Brazil, proposing the authorization for the citizen to keep a firearm at home or in the workplace, leaving it to the Federal Police to decide whether to authorize the port. However, the dangers of releasing access to weapons are not only linked to individuals who use it as a means of defense, but who will have access to this lethal instrument, since homicides continue to occur mainly with the use of firearms, in addition to other crimes such as robbery, robbery, rape and others.
Keywords: Violence. Weapons Possession. Firearms. Weapon Possession.
INTRODUÇÃO
A questão da violência ganhou um considerável espaço na sociedade como um todo. Nas últimas décadas, só o que se vê é o índice de violência crescendo e grande parte da população brasileira considerando o acesso às armas como solução para isso.
Na atualidade, Lotta (2019) afirma que, a violência não somente chama a atenção, como está presente no discurso e nas práticas de diferentes setores sociais, resolutos com a persistência dos conflitos, da desigualdade e da violência do Estado. Logo, a liberação do acesso às armas passou a ser um referencial para a compreensão dos dilemas que atravessam a sociedade moderna, entre percepções de autodefesa versus aumento da violência.
Segundo dados obtidos pela BBC News Brasil (2021), os novos registros de CAC- Colecionador, Atirador e Caçador, concedidos pelo Exército bateram recorde em 2019 e 2020, somando 178.721 de registros liberados para a posse e porte de armas, quantidade que supera todos os registros compilados entre 2009 e 2018, que juntos resultam em 150.974 registros.
Hoje, a crise de violência urbana é global, com a criminalidade se espalhando pelos centros urbanos aliada a exacerbação de políticas de segurança deficientes e ineficazes. Para Lima (2015) as causas da violência e a percepção do risco ao cidadão que usa o espaço público, reflete na forma de vida e na organização social atual, pois há uma relação direta entre a violência, a estrutura social e a organização social da vida cotidiana, em que prevalecem a individualização, a privatização dos interesses e o egoísmo.
Nesse sentido, a partir do ano de 2019, o Brasil passou a adotar a política de flexibilização do uso de armas de fogo para civis, fato que influenciou no aumento do número de armas legais nas mãos dos cidadãos que buscam “proteção” para si e para seus familiares. Todavia, deve-se ponderar que, nem todos os indivíduos possuem a capacidade psicologia de portar uma arma, o que elucida que, em muitas vezes, o que seria sinônimo de defesa, tornou-se motivação para perpetuação de mais violência (SIQUEIRA, 2022)
Diante dessa premissa, têm-se a seguinte indagação: “Como a liberação do acesso às armas colabora para o aumento dos casos de violência?”
Um sentimento de impunidade às vezes infunde desconfiança em agências de segurança especializadas, levando o cidadão comum a pensar que a forma mais eficaz de combater a violência é a autopreservação, que na maioria dos casos é alcançada pela posse ou porte de uma arma de fogo (CAPEZ, 2020). No entanto, o senso de proteção de um indivíduo não influencia o comportamento de infratores reincidentes ou crimes organizados. Em alguns casos, o efeito é o contrário, levando ao aumento de determinados crimes, como homicídios.
Logo, o presente estudo tem como objetivo analisar como a liberação do acesso às armas colabora para o aumento dos casos de violência no Brasil. E especificamente, identificar as prerrogativas do Estatuto do desarmamento e os Decretos Presidenciais de 2019 diante da flexibilização do acesso as armas; descrever o panorama de violência no Brasil através dos índices de violência antes do da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento), após o Estatuto e a atual situação criada com a edição dos Decretos Presidenciais de 2019; e discorrer como o acesso às armas pode promover o aumento da violência de maneiras indiferentes a sua real função.
A pesquisa científica procura demonstrar que o acesso às armas num país de dimensões continentais, faz-se necessário, tendo em vista que o Poder Público, que por mais que esteja previsto na Constituição que este deve prover a segurança, não pode estar presente em todos os lugares, fazendo com que o cidadão de bem fique à mercê da própria sorte.
Dentro do tema serão levantados dados estatísticos sobre a real situação ocasionada pela liberação da posse de armas fazendo ligação entre os números de crimes cometidos com o uso arma de fogo, ao longo dos anos que antecederam o Estatuto do desarmamento até os dias atuais, no qual contamos com uma maior facilidade de acesso às armas.
Quanto a abordagem, será utilizada a metodologia qualiquantitativa, fazendo uma análise que possam comprovar que o acesso as armas possuem uma ligação com a violência nas cidades. Sendo descrita de forma a mostrar que o fenômeno, violência versus posse de armas tem uma relação direta.
HISTÓRIA DA ARMA DE FOGO NO BRASIL
A arma de fogo trata-se de um instrumento natural com o qual são disparados projéteis pela combustão ou da pólvora ou de outro explosivo (SILVA, 2004). Conforme Depósito Público do Tribunal de Justiça do Amazonas (2012, p.05) trata-se de um “dispositivo que impele um ou vários projéteis através de um cano pela pressão de gases em expansão produzidos por uma carga propelente em combustão”.
Segundo Ferreira (2010, p. 164) arma “é um instrumento ou engenho de ataque ou de defesa ou qualquer coisa que sirva para um desses fins, especialmente no caso de certos animais”. Nesse sentido, são os tipos de armas: automática, de repetição, de fogo, de retrocarga e arma não automática (FERREIRA, 2010).
Conforme Neves (2019), o uso de armas de fogo como tem sido efetivado desde o século IX, quando os chineses inventaram a pólvora, desde então, foram desenvolvidos e aprimoradas diversos tipos de armas de todos os tamanhos e seu manuseio para ter um poder de fogo cada vez mais eficaz.
Nesse sentido, as armas se fazem presentes na vida do homem desde muito tempo. Contudo, no Brasil, a fabricação de armas evidenciou-se nos tempos de colônia, em que a fabricação passou a ser feita após a chegada de Dom João IV (SILVA, 1997).
Ainda de acordo com Silva (1997, p. 20):
Em 1810 entrou em funcionamento a Real Fábrica de Pólvora, instalada às margens da lagoa Rodrigo de Freitas; no mesmo ano, a antiga Casa das Armas, criada em 1765, na fortaleza da Conceição, foi transformada em fábrica de armas, com a assistência de armeiros mandados virem da Alemanha. Após a independência do Brasil, instalaram-se arsenais de guerra na Bahia, Recife, Pará e Mato Grosso, tendo em vista as razões estratégicas militares.
Na situação atual, nosso país passou a contar com três principais fábricas de armas e munições, destacamos: Amadeo Rossi, também localizada no Rio Grande do Sul, produzindo revólveres, espingardas e carabinas; Forjas Taurus, instalada no Rio Grande do Sul Grande, fabricante de pistolas e revólveres; em especial a Companhia Brasileira de Cartuchos, tem uma fábrica em Ribeirão Preto que produz munições (NEVES, 2019).
LEI Nº 10.826, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2003 (ESTATUTO DO DESARMAMENTO),
A Lei n. 10.826/2003 de 22 de dezembro de 2003, dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – SINARM, define crimes e dá outras providências (BRASIL, 2003).
As discussões em torno da legalização do porte de armas existem na sociedade brasileira há muitos anos, e só em 2003 uma lei que regulamenta o porte de armas foi adicionada à Constituição Federal brasileira, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em que não visa proibir os brasileiros de possuir armas, mas sim dificultar o processo dessa conquista, reduzindo assim o número de pessoas que possuem armas (BRASIL, 2003).
Segundo Alessi (2017), antes de 2003, ano da promulgação da Lei do Desarmamento, o Brasil era um país onde qualquer pessoa com 21 anos ou mais podia possuir e portar uma arma em casa. Não havia muita burocracia para fazer isso, quando eles tinham uma regra de que deveriam ter armários em determinados locais adequados para as armas de qualquer pessoa naquele local.
Nesse viés, Almeida e Mendonça (2015) afirmam que o Estatuto do Desarmamento foi originalmente desenvolvido para tentar reduzir os crescentes homicídios no país. A proibição da venda de armas de fogo e munições estabelecida no decreto foi mantida, embora a maioria dos eleitores tenha se oposto ao projeto em um referendo de 2005. Assim, percebe-se que o estatuto traz regulamentações mais rígidas para o comércio de armas de fogo e o registro e posse de armas de fogo.
É importante ressaltar que com o advento do ED, “tanto a posse quanto o porte são proibidos pelo ordenamento jurídico brasileiro”, ou seja, todos os cidadãos e entidades no país, passaram automaticamente a terem que se enquadrar nas regras determinadas pela referida lei. Conforme Souto (2015), o Estatuto teve o objetivo de regulamentar o registro, a posse, o porte e a comercialização de armas de fogo e munição no Brasil, dificultando o acesso do cidadão as armas, cujo o intuito era reduzir da violência no país.
Portanto, o Estatuto do Desarmamento é uma política de controle de armas que está em vigor no país desde 22 de dezembro de 2003. Ele foi sancionado com o objetivo de reduzir a circulação de armas e estabelecer penas rigorosas para crimes como o porte ilegal e o contrabando. A regulamentação do estatuto ocorreu por meio de um decreto em 1º de junho de 2004.
DECRETOS PRESIDENCIAIS DE 2019 E A FLEXIBILIZAÇÃO DO ACESSO AS ARMAS
Em janeiro de 2019, no início de governo, o Presidente da República Jair Bolsonaro buscou, por meio da assinatura do Decreto nº 9.685/19, visou flexibilizar a posse de arma de fogo no Brasil, isto é, propôs a autorização para que o cidadão possa manter uma arma de fogo em casa ou no local de trabalho (BRASIL, 2019). O texto do decreto estabelece que os cidadãos devem demonstrar uma necessidade válida de portar uma arma, para isso basta atender a determinados requisitos e critérios, cabendo à Polícia Federal decidir se autoriza o porte.
Então, em maio de 2019, o presidente Jair Bolsonaro assinou mais dois decretos. O Decreto nº 9.785/19, de 7 de maio de 2019, revoga o Decreto nº 9.685/19 e introduz novas alterações nas regras de uso de armas e munições. O referido decreto enfatiza principalmente a questão de facilitar a compra de armas, munições e o porte flexível de armas pelos cidadãos, ou seja, autorizar o porte de armas fora de sua residência ou local de trabalho (BRASIL, 2019).
Dentre os pontos mais relevantes trazidos pelo Decreto nº 9.785/2019, destacam-se: a autorização geral para aquisição e posse de arma de fogo por qualquer cidadão maior de 25 anos, sem antecedentes criminais, residência permanente e ocupação legal, do Presidente da República ao Deputado, facilita o porte de armas para diversas profissões, incluindo advogados, caminhoneiros e políticos eleitos; permite expressamente a venda de armas, munições e acessórios em estabelecimentos reconhecidos pelo Comando do Exército (BRASIL, 2019).
Ainda nesse contexto, a regulamentação da importação e exportação de armas e munições; os proprietários de armas podem adquirir até mil munições por arma de fogo restrita e cinco mil munições por ano para armas de fogo permitidas; os proprietários rurais usam armas em todo o perímetro de sua propriedade ; permitir que colecionadores, atiradores esportivos e caçadores carreguem armas carregadas de casa para os locais de tiro; Soldados das Forças Armadas com dez anos ou mais de experiência para portar armas; e finalmente, desde que certos requisitos permitam que qualquer cidadão adquira armas com maior poder destrutivo, como fuzis semiautomáticos e espingardas semiautomáticas calibre 12 (BRASIL, 2019).
No entanto, o decreto não foi bem recebido, sendo contestado por especialistas no Supremo Tribunal Federal e também na Assembleia Nacional (G1, 2019). Logo, o presidente Jair Bolsonaro recuou e assinou o Decreto nº 9.797/19, em 21 de maio de 2019, alterando alguns elementos do decreto anterior, como permitir que qualquer cidadão adquira arma de maior poder destrutivo se cumpridos determinados requisitos, e estabelece a regra de que menores de idade só podem praticar tiro esportivo a partir dos 14 anos, e autorizado por dois responsáveis. O decreto anterior não especificava uma idade mínima e apenas exigia a autorização de um dos responsáveis.
O novo decreto não fez nada para mudar as críticas. De acordo com nota técnica enviada ao Congresso pelo Ministério Público Federal dos Direitos Civis (órgão integrado ao Ministério Público Federal), embora o decreto pretenda corrigir os problemas do diploma anterior, não só manteve a inconstitucionalidade e a ilegalidade do Decreto nº 9.785/2019, como, em diversos aspectos, agravou as ilegalidades que marcam as medidas (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2019).
Para o MPF (2019), em razão do potencial de graves danos à segurança e à paz social, o Decreto nº 9.785/19 – involuntariamente às modificações suscitadas pelo Decreto nº 9.797/19 – e, na sequência, o Decreto nº 9.685/19, deveriam ser suspensos a sua eficácia e retirados do ordenamento jurídico por decisão da Assembleia Nacional ou mesmo do judiciário.
Em 12 de junho de 2019, a Comissão do Senado Constitucional e Judiciário (CCJ) rejeitou o parecer do Senador Marcos do Val a favor do Decreto que facilitava a posse e o porte de armas, assinado pelo Presidente da República Jair Bolsonaro. Para os legisladores, o Presidente da República presume o poder regulatório, pois o decreto não respeita o princípio da racionalidade, altera profundamente o sentido do Estatuto do Desarmamento e facilita muito a compra de armas de fogo pela população. O objetivo da lei é desarmar a população, e o decreto infere o direito de fiscalizar ao estipular a aquisição de armas pelos cidadãos (SENADO FEDERAL, 2019).
Logo, ao facilitar o acesso a armas, a nova regulamentação pode facilitar a ocorrência de crimes de caráter interpessoal e passional, além de seu acesso a crimes persistentes. Criminosos (traficantes, ladrões, milícias, etc.) – dada a comprovada ligação entre o mercado de armas legal e ilegal – impossibilitam o rastreamento de munições encontradas em cenas de crimes. Os efeitos dessa política perdurarão por décadas, período em que essas armas permanecerão em uso e continuarão a circular (CERQUEIRA et al., 2021).
PANORAMA DE VIOLÊNCIA NO BRASIL E A LIBERAÇÃO DO ACESSO ÀS ARMAS COMO FATOR PREPONDERANTE PARA O AUMENTO DOS CASOS DE VIOLÊNCIA
No Brasil, o tema da violência urbana torna-se, cada vez mais, objeto de preocupação nacional. A violência urbana se desponta de várias formas, segundo a natureza do espaço público ou privado, e do nível de carência de sua população no campo da sobrevivência e direitos sociais, na medida do grau de frustração das aspirações e bloqueios ocorridos tanto do desejo de qualidade de vida quanto dos estímulos da sociedade de consumo dirigido.
Considerando que hoje, os espaços urbanos são depósitos de problemas sociais, políticos e econômicos, oriundo do processo de globalização. O que de acordo com Martins (2010), que a perda dos espaços públicos reflete na perda da sociabilidade das pessoas que estão ainda mais recolhidas em seus hábitos profissionais e domésticos. Onde a condição humana, demonstra preocupação em recuperar o verdadeiro sentido do espaço público, onde há a existência de política, ação e liberdade (MARTINS, 2010).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) utiliza a seguinte definição de violência: “O uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação” (KRUG et al., 2002, p.05).
Existem várias formas de violência no âmbito urbano, sendo elas: violência resultante da impunidade e da ineficácia do sistema judicial, violência doméstica, violência social, violência nas escolas, violência sexual, violência derivada do vício em entorpecentes e álcool, violência no trânsito, violência instigada pelo tráfico de drogas, de armas e de pessoas, violência devido a corrupção do governo e das autoridades, violência gerada pela economia do crime, violência dos presídios e das facções criminosas, violência decorrente da segregação social, violência devido a orientação sexual, entre outras inúmeras distinção de abuso.
Segundo o Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS), em 2019 houve 45.503 homicídios no Brasil, o que corresponde a uma taxa de 21,7 mortes por 100 mil habitantes. Conforme Weyrauch (2011, p. 03) “a violência urbana tornou-se um fenômeno sistêmico alimentado pela economia, pela política que expressa a dinâmica global da estrutura capitalista”.
Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2022) 76% das mortes violentas intencionais ocorrem com armas de fogo, sendo as maiores taxas os estados do Amapá, Bahia, Amazonas, Ceará e Roraima. Ainda de acordo com o anuário, existem atualmente 4,4 milhões de armas em estoques particulares, considerando que a cada 3 armas registradas 1 está irregular (FBSP, 2022).
Nesse mesmo sentido, 2.887.228 armas possuem registro ativo no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (SIGMA) ou no Sistema Nacional de Armas (SINARM) contra 1.542.162 que estão com registros espirados. Em contexto geral. Os registros que comparam o panorama de 2018 (anterior ao decreto de 2019) e 2022 (que compreende o Decreto presidencial) registrou um crescimento em 473,6% no registro ativos de armas que denotam os CACs (FBSP, 2022).
Em suma, as armas de fogo permanecem como o principal instrumento utilizado para matar, com 98,4% das MDIP; 75% dos homicídios dolosos; 65,9% dos latrocínios (roubos seguidos de morte); e 11% das lesões corporais seguidas de morte. Além disso, 35,2% das MVI de 2021 foram cometidas nos finais de semana, aos sábados e domingos (FBSP, 2022).
Contudo, vale evidenciar que, dentre ar mortes por armas de fogo, dois grupos são mais atingidos: as crianças e os adolescentes. Considerando que, entre as crianças, o armamento é responsável por 50,0% das mortes, enquanto entre os adolescentes esse valor chega a 88,4% (FBSP, 2022).
Diante desse contexto, nota-se que, os perigos da liberação do acesso às armas não estão ligados somente aos indivíduos que usam como modo de defesa, mas quem irá ter acessibilidade a esse instrumento letal. Outra perspectiva refere-se à situação que, existem atualmente em estoques particulares mais armas de fogo do que em estoques institucionais de órgãos públicos.
Conforme as pesquisas dispostas no itens anteriores os homicídios continuam ocorrendo principalmente com o emprego de armas de fogo. Todavia, associam um maior número de armas em circulação ao crescimento da violência letal e de outros crimes, tais como roubo, latrocínio, estrupo e outros (FBSP, 20220).
A prerrogativa das armas de fogo estarem mais acessíveis a partir de processos dispostos nos decretos que autorizem o porte ou posse, não discrimina o individuo que vai utilizá-lo, uma vez que, mesmo que haja um controle evidenciado dos registros, a disposição das armas de fogo ficam a mercê de qualquer cidadão que tenha uma boa conduta ou que possua um empreendimento.
Conforme os argumentos de Oliveira (2022), os discretos que flexibilizam o acesso as armas de fogo colocam em risco a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos à vida, saúde, segurança e integridade corporal, pois o acesso descontrolado a armas letais provoca atos de homicídios ou de danos pessoais, incluindo aqueles decorrentes de casos como brigas de trânsito, brigas familiares, confrontos entre torcedores, brigas entre ativistas, políticos radicais, caos de bares e restaurantes etc.
Ainda na perspectiva de Oliveira (2022) considerando Viana (2018):
[…] esses Decretos revelam-se como normas que, embora não o declarem expressamente, possuem na sua teleologia o escopo de combater e punir indiretamente os inimigos do Estado, protegendo os demais habitantes através de uma hipertrofia legislativa típica do Direito Penal do Inimigo, que tem também como atributos: i) crise do princípio da legalidade e defeitos de técnica legislativa (ou seja, o aspecto formal das leis é desrespeitado); ii) inexistência de limites punitivos (esses decretos estimulam a população a se armar e contra-atacar os infratores sociais); iii) descrédito do Direito Penal (incitando a população a fazer Justiça com as próprias mãos); iv) abuso de leis promocionais e simbólicas (que geram contentamento dos jurisdicionados, mas sem real eficácia prática) (VIANA, 2018) (OLIVEIRA, 2022, p.05)
Assim posto, a face gerada pelos decretos advém da deficiência de políticas públicas efetivas de segurança, que traz a percepção de que o cidadão precisa se autodefender, mas, assim como há uma prerrogativa de autodefesa, o mesmo indivíduo pode proliferar a violência dentro do seu ambiente.
De acordo com o próprio Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2022), é controverso afirmar que se está diante de um cenário fortalecido a partir do uso de armas de fogo, considerando que, o aumento nos índices de registro de posse e porte de armas só conseguem evidenciar o aumento no consumo das armas disposta a população brasileira.
É relevante notar que, pessoas com acesso a arma de fogo tendem a dar respostas mais violentas para a solução de conflitos interpessoais. O maior número de armas em circulação também beneficia criminosos, dado que o aumento da facilidade e do acesso a armas tende a reduzir o seu custo, permitindo inclusive que a mesma seja adquirida legalmente, ainda que vá ser usada no mercado ilegal.
Além do mais, a dadas flexibilizações no acesso às armas não assegura que o Brasil tenha alcançado um novo e menor patamar de violência. Uma vez que, a violência é estudada de maneira geral, não evidenciando o número de registros de porte e posse de armas registrados pelos órgãos públicos responsáveis.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A segurança pública é o tema mais importante em países de todo o mundo, pois afeta diretamente a qualidade de vida dos cidadãos e, portanto, pode contribuir positiva ou negativamente para a comunidade. Enquanto muitos países conseguiram alcançar uma segurança pública eficaz e de alta qualidade que protege os cidadãos da violência e do crime, outros (igual o Brasil) estão trabalhando continuamente para encontrar soluções para mitigar os efeitos nocivos da violência urbana.
No Brasil, a realidade da segurança pública é relativamente negativa, com cidades de todos os portes do país vivenciando diariamente os mais diversos crimes, muitas vezes afetando não só as vítimas, mas as populações e até a sociedade como um todo.
Em face do que exposto na presente pesquisa, os quatro Decretos federais, que reduzem os requisitos para aquisição de armas de fogo, trazem reflexos negativos para os Direitos Humanos e contraria a ideia fundamental de resguardar a vida dado pelo Estatuto do Desarmamento, por conta do potencial aumento da violência decorrente da disposição das armas de fogo aos indivíduos.
Foi notado que, desde os decretos dispostos em 2019 os índices de registros de armas de fogo só aumentaram, todavia, é preciso entender que, essa facilitação de acesso aliada a percepção de autodefesa não é suficiente para erradicar a violência, visto que, diversas situações cotidianas resultam em violência nas grande e pequenas cidades.
Além do mais, a população brasileira como um todo, necessita mesmo, é de políticas públicas que aumentem a segurança nas zonas urbanas, fazendo com que não seja necessário o cidadão se defender por conta própria. Visto que, tal fator soa mais como uma vingança privada do que a legitimação da autodefesa. Afirma-se, portanto que, nada adianta armar o povo se o Estado não se impõe diante da criminalidade.
Ainda, considera-se somente “favorecido” dos direitos a armamento uma parte da sociedade, que são os indivíduos de classe alta que podem ter acesso a esse tipo de benefício do decreto. Outrora, uma maior disponibilidade de armas reduz o custo para criminosos terem acesso a elas, e criminosos que querem atingir pessoas (e não patrimônios) não se sentem dissuadidos diante do risco de a vítima estar armada. Nesse caso, a lei pode conseguir reduzir o índice de violência, mas não o acesso de não-criminosos a armas.
Portanto, são vários fatores que evidenciam o acesso a armas como fator preponderante da violência, pois não somente o bandido armas, mas o cidadão de bem, que em algumas situações cotidianas dispara efeitos de violência, pois não possui preparo diante dos cenários sociais.
REFERÊNCIAS
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Graduando do Curso de Direito pela Uninorte E-mail: gustavo2014.dir@gmail.com