A LEI HENRY BOREL NA PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA NO ÂMBITO FAMILIAR

THE HENRY BOREL LAW IN THE PROTECTION OF CHILDREN AND ADOLESCENTSIN A SITUATION OF FAMILY VIOLENCE

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10938882


Kayan Reis Soares de Santana1
Sávylla Fonseca Vales2
Alisson Dias Gomes3


RESUMO

O presente artigo tem como enfoque A Lei Henry Borel na proteção da criança e do adolescente em situação de violência no âmbito familiar, analisando a partir desse instrumento legal as principais contribuições para a proteção destes seres sociais em situação de violência, abuso ou agressão no âmbito familiar. O caso diz respeito ao menino Henry Borel, 4 anos de idade, brutalmente espancado por seu padrasto, com a participação da mãe, Monique Medeiros da Costa e Silva, no apartamento em que viviam, chegando a falecer. Em razão da repercussão midiática e social, a Lei nº 14.344 foi criada no intuito de trazer maior proteção à criança e o adolescente em situação de violência no âmbito familiar, por meios de mecanismos como, por exemplo, as medidas protetivas de urgência, além de incrementar o ECA, Código Penal, Lei de Execução Penal, Lei de Crimes Hediondos e Constituição Federal. Entende-se que a criação de uma lei específica não é suficiente para mudança da cultura de violência, tendo em vista que mesmo sendo um marco legal com possíveis impactos, não é capaz sozinha e de modo isolado resolver esse problema social que assola historicamente a sociedade, haja vista possuir resquícios culturais, regionais, familiares, comportamentais e, até mesmo, econômicos.

Palavras-Chave: Violência. Criança e Adolescente. Âmbito Familiar. Proteção.

ABSTRACT

This article focuses on “The Henry Borel Law on the protection of children and adolescents in situations of violence within the family”, analyzing from this legal instrument the main contributions to the protection of children and adolescents in situations of violence, abuse or aggression within the family. The case concerns the boy Henry Borel, 4 years old, who was brutally beaten by his stepfather, with the participation of his mother, Monique Medeiros da Costa e Silva, in the apartment where they lived, and died after medical and hospital care. Due to the great media and social repercussion, Law No. 14,344 was created with the aim of bringing greater protection to children and adolescents in situations of violence within the family, through mechanisms such as, for example, urgent protective measures, in addition to increase the ECA, Penal Code, Criminal Execution Law, Heinous Crimes Law and Federal Constitution. It is understood that the creation of a specific law is not enough to change the culture of violence, considering that even though it is a legal framework with possible impacts, it is not capable alone and in isolation of solving this social problem that historically plagues society, given that it has cultural, regional, family, behavioral and even economic remains.

Keywords: Violence. Child and teenager. Family scope. Protection.

INTRODUÇÃO

A Lei nº 14.344, de 2022, popularmente conhecida como Lei Henry Borel, foi aprovada tendo em vista a violência no âmbito familiar sofrida por crianças e adolescentes, que são colocados em cenários de agressão pelos próprios familiares, aqueles que, em tese, deveriam proteger e garantir o desenvolvimento físico, emocional e intelectual dessas vítimas.

A Lei Henry Borel é alusiva ao menino Henry Borel, de quatro anos, morto por espancamentos praticados pelo padrasto no apartamento que vivia com a mãe, no Rio de Janeiro. Neste contexto, a violência contra crianças e adolescentes e os mecanismos de proteção destinados a tais vítimas tem sido um tema recorrente e também pertinente para o Direito e as relações sociais contemporâneas.

Ademais, os casos espalhados pelo Brasil em números crescentes demonstram a dificuldade dessas vítimas em denunciar os abusos e agressões sofridas. Sendo, em algumas situações, inclusive desencorajadas ou desacreditadas, ao relatar qualquer tipo de abuso e/ou violência, o que torna um desafio ainda maior o acesso de forma eficaz a essas medidas de proteção infanto-juvenis.

Este estudo analisa, dentre outros fatores e interesses, a visibilidade social e as contribuições que a presente lei traz para o Ordenamento Jurídico Brasileiro como, por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Código Penal, etc. Além dos impactos necessários para coibir e enfrentar este problema social, em especial, as inovações que esse marco legal acrescenta para os mecanismos protetivos tanto para a criança quanto adolescente, como também para o denunciante, além de colecionar discussões acadêmicas e científicas de como essa lei é aplicada.

A CRIANÇA E O ADOLESCENTE COMO SUJEITOS DE DIREITO: AVANÇO LEGISLATIVO

O cenário no qual vivemos atualmente, em que crianças e adolescentes são considerados sujeitos de direito, passou por diversas circunstâncias e mudanças ao longo do tempo. Por ser um tema amplamente discutido há considerável tempo, tendo em vista que nem sempre as crianças foram vistas de tal forma.

Sobre a categorização desses infantes como merecedores de direitos especiais, afirmamos que:

As crianças são titulares de direitos humanos, como quaisquer pessoas, aliás, em razão de sua condição de pessoa em desenvolvimento, fazem jus a um tratamento diferenciado, sendo correto afirmar, então, que são possuidoras de mais direitos que os próprios adultos (Rossato, Lépore, Cunha, 2019, p. 39)

Em 1990, no Brasil, estava em vigor a Lei 6.697, de 1979, na qual as crianças e os adolescentes eram considerados menores em situação irregular e mero objeto de direito tanto para a sociedade como para os próprios familiares, sendo objetos de relação jurídica de seus pais, pois o poder estava voltado ao Pátrio Poder.

Nesse contexto histórico não havia preocupação com os menores, o legislador deixou bastante claro os desinteresses com os direitos infanto-juvenis, já que crianças e adolescentes eram igualados a qualquer outro, sendo vítimas de maus tratos, abandonos e graves ofensas.

Na década de 1980, os direitos sociais no âmbito da infância e adolescência tomaram proporção no Brasil, na qual um dos movimentos insurgentes que contribuiu para esta conquista foi o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), pois acolhiam essas crianças de uma forma especial, e demonstravam os cenários vividos por eles como sendo algo incomum e impróprio.

As crianças e os adolescentes começaram a ser reconhecidos como objeto de proteção, com o surgimento da Convenção sobre os Direitos da Criança, em 20 de novembro de 1989, que visa à proteção das crianças de todo o mundo, na qual, os líderes globais se uniram e assumiram um compromisso histórico com as crianças e os adolescentes do mundo.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, nos artigos 6º, 24º e 227º, o Brasil deu enfoque à proteção à criança e o adolescente, instituindo a Doutrina da Proteção Integral, pois até então vigorava o Código de Menores de 1979 no ordenamento jurídico brasileiro, havendo uma ruptura jurídica com a doutrina da situação irregular para a doutrina da proteção integral.

Apenas em 1990 entra em vigor o ECA, com mudanças e benefícios para uma maior proteção e tutela aos direitos dos infantes, no qual estes entes sociais passaram a ter direitos humanos, sendo possuidores inclusive de mais direitos que os próprios adultos.

Por conseguinte, visando tutelar os direitos da criança e do adolescente fora editado o ECA, que em seus artigos 1º e 3º dispõem:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.
(..)

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) (BRASIL, 1990).

É nítido que o ECA ao ser instituído deu caráter especial ao enfatizar a proteção integral e o caráter de fruição dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, conferidos à criança e o adolescente.

Dessa forma, o ECA é um marco legislativo relevante, que compreende uma mudança de postura estrutural de como se devem tutelar os direitos da criança e do adolescente, de mero objeto de direito imposto pela doutrina da situação irregular prevista no Código de Menores para a doutrina da proteção integral que elevou o status dos infantes a sujeitos de direitos, sendo dever da família, da sociedade e do Estado, com absoluta prioridade garantir a efetivação desses direitos, que consagra a criança e o adolescente como merecedoras de tutela especial.

DAS VIOLÊNCIAS E NEGLIGÊNCIAS COMETIDAS CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO ÂMBITO FAMILIAR: UMA TRISTE REALIDADE NO CENÁRIO NACIONAL

A violência contra crianças e adolescentes no âmbito familiar é um ato praticado há muito tempo, desde as gerações mais remotas até a contemporaneidade, pois é uma prática que está enraizada na cultura brasileira, de modo geral, na qual os pais tendem a usar a violência como desculpa e argumento para justificar “a forma de educar”, mas que acaba passando dos limites, tornando essa prática um problema cultural e social.

Sobre a violência contra crianças e adolescentes, o Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF) enfatiza:

As violências contra crianças e adolescentes são um fenômeno complexo e multifacetado, que está ligado a fatores culturais, sociais e econômicos. As violências são praticadas em qualquer contexto geográfico, em qualquer classe social, vitimam crianças e adolescentes de qualquer idade e, na maioria das vezes, partem de pessoas próximas e da confiança das crianças e adolescentes. No Brasil, as violências atingem milhares de meninos e meninas cotidianamente, comprometendo sua qualidade de vida e seu desenvolvimento físico, emocional e intelectual (UNICEF, 2023, on-line).

Desse modo, é necessário primeiramente entender e correlacionar o que seria a violência intrafamiliar infantil e a violência doméstica. Por se tratar de conceito básico para o entendimento deste estudo, expõe-se:

Na família, a violência contra crianças e adolescentes está muitas vezes associada à violência doméstica ou intrafamiliar e acaba por perpetuar, no núcleo familiar, ciclos de violência que ultrapassam gerações e afetam todos os membros da família. Já em nível comunitário, a violência contra crianças e adolescentes enfraquece o desenvolvimento social e econômico das comunidades, ao gerar custos econômicos associados à serviços médicos, psicossociais e educação estimados globalmente em 7 trilhões de dólares (Pereznieto, Montes, Routier, Langston, 2014, p. 1).

A violência intrafamiliar é aquela cometida por algum parente ou alguém que tenha o convívio no âmbito familiar com a criança e o adolescente, que irá causar um dano a esses vulneráveis, pessoas essas que deveriam assumir os cuidados e deveres. Vejamos o conceito de violência intrafamiliar para Williams (2004, p. 141-153);

(…) a Violência Intrafamiliar Infantil é definida como aquela que acontece dentro da família ou até mesmo no lar onde a criança convive; cometida por algum parente ou pessoas que tenham função parental, ainda que sem laço de consanguinidade, e pode ser caracterizada de formas diferentes como física, psicológica, sexual e negligência. Geralmente é mantida por meio das relações de subordinação e dominação e é um dos principais motivos para as crianças fugirem de casa e do convívio familiar (Williams, 2004).

A violência no ambiente intrafamiliar infantil acontece muitas vezes em razão da família ter comportamento autoritário, muitas vezes causados em uma realidade patriarcal perante os filhos e, dessa forma, terem uma tendência a achar que possuem o “direito” de praticar qualquer violência, como por exemplo: (a) físicas, (b) psicológicas, (c) financeira, etc. assim como também negligências ou repressões diante das vontades e interesses das crianças e dos adolescentes.

A violência física é uma das mais comuns, que leva a criança e o adolescente a sentir dor, iniciando-se como “ações corretivas” (beliscões, tapas, chutes, puxões de cabelo, espancamentos, lesões com objetos cortantes, sufocamentos, atirar objetos, entre outros.) e pode chegar a assassinato.

As violências psicológicas são as ameaças e pressões psicológicas que levam a criança a não conseguir conviver naquele ambiente familiar, prejudicando-a em vários aspectos e dimensões, tendo em vista que podem passar por atos de humilhação, desvalorização moral ou deboche público, assim como atitudes que abalam sua auto-estima e podem desencadear diversos tipos de doenças, tais como depressão, distúrbios de cunho nervoso, transtornos psicológicos, entre outras.

A violência no âmbito familiar distingue-se da violência doméstica, pois a violência doméstica inclui outros membros da família, não precisamente um parente, mas pessoas que convivem naquele ambiente e possui contato esporadicamente com a criança.

A violência doméstica distingue-se da violência intrafamiliar por incluir outros membros do grupo, sem função parental, que convivam no espaço doméstico. Incluem-se aí empregados (as), pessoas que convivem esporadicamente, agregados (Ministério da Saúde, 2002, p. 15).

Quanto à negligência, por muitas vezes, devido os pais não terem autocontrole de entender a criança e o adolescente, acabam perdendo o interesse em protegê-los e dar às devidos orientações.

BRASIL: UM PAÍS COM ELEVADOS ÍNDICES DE VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

É nítido que a violência praticada contra crianças e adolescentes no Brasil tem aumentado e contribuído para que as estatísticas sejam preocupantes. Levando em consideração a violência física: maus-tratos e lesão corporal, de acordo com dados do 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, (2023, p. 10):

Os crimes de maus-tratos (art. 136 do Código Penal e art. 232 do ECA) possuem números significativos de registros com vítimas de 0 a 17 anos. Em 2022 foram documentados 22.527 casos nessa faixa etária, o que significa um aumento de 13,8% em relação a 2021 e uma taxa de 45,1 registros por 100 mil habitantes dessa idade. Além disso, nota-se que o aumento ocorreu em todas as faixas etárias, porém proporcionalmente maior nas faixas de 10 a 13 e 14 a 17 anos. Em 2021 a faixa etária de 0 a 4 anos possuía um número maior de vítimas do que a faixa de 10 a 13 anos. O aumento de 19,7% dos casos nessa segunda faixa, fez com que o número de casos se aproximasse em ambos os grupos. A faixa de 5 a 9 anos permanece sendo a faixa etária com mais vítimas de maus-tratos, totalizando 7.697 registros em 2022, seguida pelas faixas de 0 a 4 anos e 10 a 13 anos.

É possível perceber pelos dados do Anuário, que em 2022 houve um aumento de 13,8% em relação ao ano de 2021 considerando os crimes de maus-tratos, o que impacta diante desta realidade, demonstrando que esses infantes estão inseridos em contextos sociais que os tornam mais vulneráveis, sendo uma evidência disso o aumento da violência em diversas faixas etárias, sendo proporcionalmente maior entre 10 e 13 anos e de 14 a 17 anos.

Como relatado, o contexto de violência que a criança e o adolescente estão inseridos não é exclusivo da atualidade. E, na maioria das vezes, parte de pessoas próximas e da confiança desses infantes, conforme dados do Disque 100, um dos canais da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (ONDH/MMFDH) de 2022:

A maioria das violações é praticada por pessoas próximas ao convívio familiar. A mãe aparece como a principal violadora, com 15.285 denúncias; seguido pelo pai, com 5.861; padrasto/madrasta, com 2.664; e outros familiares, com 1.636 registros. Os relatos feitos para a ONDH são, em grande parte, de denúncias anônimas, cerca de 25 mil do total (BRASIL, 2022, on-line).

Ademais os números divulgados pelo Ministério enfatizam que a maioria dos casos de violência ocorre dentro do convívio familiar e tem atingido o número de 50.098 denúncias no primeiro semestre de 2021, sendo que desse total, 40.822 (81%) ocorreram dentro da casa da vítima e revelam que a violência no âmbito familiar pode ser perpetrada de onde e por quem menos se espera. Em outras palavras, aqueles que têm o dever de proporcionar condições favoráveis para o desenvolvimento físico, emocional e intelectual, além de resguardar e proteger de qualquer tipo de violações tem praticado ou estado próximo a entes familiares que praticam.

HENRY BOREL: O PRENÚNCIO DE UM CRIME E O NASCIMENTO DE UM INSTRUMENTO LEGAL

O crime cometido com Henry Borel Medeiros, morto no dia 8 de janeiro de 2021, chocou o Brasil e entrou para triste estatística de violência no âmbito familiar.

A criança morava com a mãe, Monique Medeiros da Costa e Silva, e seu padrasto, Jairo Souza Santos Júnior, conhecido como Dr. Jairinho, ex-vereador da cidade do Rio de Janeiro, que teve o mandato cassado por unanimidade, pela Câmara de Vereadores, em 30 de junho de 2021. Além disso, ele ficou impedido de se candidatar por oito anos.

As primeiras informações prestadas pelos supostos cuidadores da criança (mãe e padrasto) foram de que o menino havia sofrido um acidente em casa e que estava “desacordado e com os olhos revirados, sem respirar, com as mãos e os pés frios quando foi encontrado no quarto”, segundo descrição fidedigna do padrasto e da mãe da criança, mas os laudos da necropsia e da reconstituição do crime afastaram essa hipótese de uma vez por todas.

Ademais em 8 de abril de 2021, tanto a mãe como o padrasto foram presos pela suspeita de homicídio duplamente qualificado, com emprego de tortura e sem chance de defesa para a vítima e por atrapalharem a investigação do caso e por ameaçar testemunhas para combinar versões.

Pontuamos que as alegações foram desmentidas no curso da investigação, segundo o responsável, delegado do 16º Distrito Policial Henrique Damasceno, em entrevista coletiva ainda neste dia:

O menino Henry já chegou morto no Hospital Barra D’Or, na Barra da Tijuca, e quem estava nesse intervalo de tempo em companhia da criança era a mãe e o padrasto, e que através de busca e apreensão realizada na investigação, foram constatadas em um dos celulares apreendidos, mensagens entre a mãe e a babá da criança, que mostravam uma rotina de violência sofrida pelo Menino Henry cometida pelo padrasto, se tornando uma prova bastante relevante, e que a toda a versão de uma família harmoniosa se tratava de uma farsa, e que a mãe ao saber de todo o ocorrido não afastou o agressor do convívio com a criança, ou comunicou a autoridade competente, (…) ressalta o delegado que: Monique prestou um depoimento mentiroso por mais de 4 horas protegendo o assassino de seu filho, e que não resta a menor dúvida sobre a autoria do crime, dos dois. Fizemos três perícias no imóvel e existem laudos pendentes, por isso é uma prisão temporária, mas já reunimos provas muito fortes, muito convincentes, a respeito dessa dinâmica e participação de cada um deles (informação verbal).

Além disso, informações da necropsia atestaram que a criança havia sofrido hemorragia interna e laceração hepática, provocada por ação contundente e que a principal causa da morte foram as agressões. Com isso, se descartou que as lesões poderiam ter ocorrido por erro médico por massagem cardíaca de ressuscitação, como volta a afirmar o perito legista Leonardo Huber Tauil do Instituto Médico Legal em audiência de instrução sobre o caso:

O traumatismo abdominal foi de alta energia. Nos livros de abuso infantil, quedas baixas são difíceis de causar essas lesões. Eu afirmo que o trauma abdominal foi de alta energia, incompatível com a queda da cama (informação verbal).

Contrapondo o laudo do Instituto o assistente técnico Sami El Jundi, contratado pelos advogados do ex-vereador, afirma:

Todas as lesões são compatíveis com os eventos narrados pela mãe e o padrasto. Não encontrei nada contrário a essa narrativa”, disse Sami, ressaltando que não constatou sinais de tortura ou maltrato crônico em Henry, (informação verbal).

Inclusive, nesse ato há um inequívoco técnico, pois não houve notificação, e caso essa situação ocorresse hoje, a profissional médica seria imputada devido às novas implementações do diploma legal. Dessa forma, a lei avança, pois reconhece que qualquer profissional que tenha conhecimento tem o dever de comunicar o fato imediatamente, conforme artigo 23 da Lei Henry Borel. Temos consciência de que a lei, por si só, não altera de forma imediata as práticas de violência, de ódio, para práticas de respeito, de amorosidade, mas ela sinaliza um não à barbárie. Não é compreensível que, em pleno século XXI, ainda existam ações abusivas, violências de toda ordem. Precisamos dar um basta à violência, precisamos evoluir e crescer em humanidade.

Quadro 1 – Aspectos antes e depois da implementação da lei supracitada.

Por conseguinte, em decisão da juíza Elizabeth Machado Louro, da 2ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, em 1º de novembro de 2022, foi decretado que os réus irão a júri popular pela morte da criança.

Porventura, através de um Recurso feito pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, os Desembargadores da 7º Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em 27 de junho de 2023, incluíram mais crimes a serem julgados em júri popular, sendo que Monique Medeiros responderá por homicídio qualificado por motivo torpe e recurso que impossibilitou a defesa da vítima; tortura por omissão relevante e coação de testemunhas no curso do processo; e Jairinho: por homicídio qualificado com emprego de tortura e recurso que impossibilite a defesa da vítima; coação de testemunhas no curso do processo. No entanto, ainda não foi marcada a data do júri popular.

Tendo em vista a expressividade deste caso e como ele se tornou emblemático, a sociedade ficou impactada mais uma vez com as violações dos direitos das crianças e dos adolescentes fazendo com que Poder Legislativo tomasse a iniciativa de aprovar uma lei que incrementasse ainda mais a prevenção e proteção dos infantes neste ambiente.

A par disso, fora aprovada a Lei nº 14.344, de 2022, que considera crime hediondo o assassinato de menores de 14 anos, além de criar mecanismos para a prevenção e o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra crianças e adolescentes.

A nova lei é oriunda de proposta das deputadas Alê Silva (Republicanos – MG), Carla Zambelli (PL – SP) e Jaqueline Cassol (PP – RO), as parlamentares ressaltaram o dever do legislador com a proteção das crianças e dos adolescentes em situação de vulnerabilidade. E segundo a Agência Câmara de Notícias, (2022, n.p), “são projetos como este que vão trazer mais segurança para as crianças”, declarou Carla Zambelli. Já para a relatora, Carmen Zanotto, “houve o reconhecimento do parlamento brasileiro da dor de todos os pais, mães e familiares que têm um filho retirado do seu convívio de forma brutal”.

Percebemos que o surgimento da referida lei resultou da morte de uma criança, da repercussão do caso e da comoção gerada. A partir daí, a sociedade passou a ter o desejo de dispor de mais mecanismos de regulação e defesa destes seres em tais espaços e ambientes.

Outros casos similares ocorreram no Brasil, mas não ganharam a mesma visibilidade, mas como ressaltado pelas parlamentares propositoras da lei, entende-se que o Poder Legislativo reconheceu a relevância desta temática e da importância de criar mecanismos de prevenção e proteção para os infantes, que muitas vezes tem os direitos violados pelos próprios entes familiares.

A lei é inovadora, mas a escalada de violência, como no caso Henry Borel e tantos outros, país afora não deixa de indicar a necessidade de tornar esse tema mais debatido no contexto nacional, para que sejam adotadas medidas eficazes na proteção dos vulneráveis, com respostas para os diversos tipos de violência.

CONTRIBUIÇÕES LEGISLATIVAS OPERADAS PELA LEI 14.344/22

Em primeiro plano, é importante destacar que uma lei criada recentemente não é capaz de modificar a realidade que muitos vivem, porém, é nítido que trouxe algumas inovações para outras leis, que contribui para a prevenção e enfrentamento da violência no âmbito familiar.

Com a criação da Lei Henry Borel, ocorreu à ampliação do rol de crimes hediondos, ganhando o homicídio qualificado, acrescentado do inciso IX ao art. 121 do CP. Vejamos;

Art. 121, IX – contra menor de 14 (quatorze) anos: (Incluído pela Lei nº 14.344, de 2022) Vigência Pena – reclusão, de doze a trinta anos.

Desse modo, com a nova lei, o homicídio praticado contra menores de 14 anos é considerado crime hediondo, fazendo com que o praticante fique sujeito a consequências mais severas, passando a considerar também as vítimas de violências domésticas até completarem 18 anos.

Outra modificação é na alteração na Lei de Execução Penal (Lei n° 7.210/92), com uma nova implementação da Lei Henry Borel, do apenado permanecer em casa de albergado nos finais de semana exigidos pelo juiz, pois é de suma importância educar o agressor, com cursos e palestras, ou atribuídas atividades educativas para uma melhor formação de consciência e realidade em que vive. Inclusive contribuir para o discernimento e evitar que as violências cometidas possam vir a ocorrer novamente.

Quanto à redação anterior, era englobada apenas a mulher vítima de violência doméstica e familiar como sujeito passivo do crime, mas com a modificação, passou a englobar a criança e o adolescente na violência doméstica.

Confira a redação anterior que foi revogada e a nova redação, acrescida pela Lei Henry Borel

Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação. (Incluído pela Lei nº 11.340, de 2006)
(Revogado)

Art. 152: Parágrafo único – Nos casos de violência doméstica e familiar contra a criança, o adolescente e a mulher e de tratamento cruel ou degradante, ou de uso de formas violentas de educação, correção ou disciplina contra a criança e o adolescente, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.

Com relação ao ECA, a lei trouxe novos mecanismos para a proteção da criança e do adolescente, como, por exemplo, o dever de comunicar a violência, caso a pessoa não comunique estará cometendo crime de omissão, sendo dever de todos denunciar o ocorrido.

Pode-se acrescentar que além da lei trazer a possibilidade do afastamento do agressor pela autoridade policial, lhe foram introduzidos no art.136 do ECA, atribuições ao conselho Tutelar em seus incisos XIII a XX, dentre outras, a capacidade de postular o afastamento do agressor perante a autoridade competente.

É imperioso deixar claro que tanto as medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor, quanto às medidas protetivas de urgência à vítima, não são rols taxativos, pois, não impedem a aplicação de outras medidas previstas na legislação em vigor, sempre que as circunstâncias o exigirem, tendo como finalidade a manutenção da integridade ou a segurança desses entes vulneráveis, de seus familiares, do denunciante ou noticiante.

Logo, o legislador fora categórico ao ampliar as medidas protetivas dando ênfase a essas medidas que são de caráter essencial, ampliando a proteção não só das vítimas, mas também dos entes familiares, denunciantes e noticiantes que são os responsáveis por informar as autoridades competentes a ocorrência da violência.
Pontua-se ainda que houvesse alterações no art. 111 do Código Penal, no que se refere à alteração no termo inicial da contagem do prazo prescricional. Antes somente mencionava que quando crime envolvesse a dignidade sexual da criança e o adolescente, que o prazo começaria a contar quando a vítima completasse 18 anos, atualmente com a inovação da lei, fora acrescentado para abarcar qualquer crime cometido contra a criança e adolescente.

Portanto, ao se debruçar pela lei percebe-se uma modificação de atitude considerável do legislador ao formular a presente norma legal diante dos anseios da sociedade, sendo o caso do menino Henry Borel mais um mártir que alerta para uma problema social até então negligenciado, como ocorria com as mulheres vítimas de violência doméstica até implementação da Lei Maria da Penha.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema central da presente pesquisa tem o enfoque de analisar a partir da Lei nº 14.344 as principais contribuições para a proteção da criança e do adolescente em situação de violência, abuso ou agressão no âmbito familiar, além de fazer uma comparação com as leis anteriores e com a legislação atual.
Faz-se mister salientar, que o estudo da Lei Henry Borel no cenário atual tem grande relevância tanto por ser uma inovação na legislação diante do anseio sociedade, sendo o caso do menino Henry Borel mais um mártir que alerta para uma problema social até então negligenciado, como ocorria com as mulheres vítimas de violência doméstica até implementação da Lei Maria da Penha.

Dessa forma, é nítido que a criação da referida lei não é capaz de modificar a realidade que muitos vivem, mas, que trouxe algumas inovações para outras leis, que contribui para a prevenção e enfrentamento da violência no âmbito familiar, como por exemplo, ampliação do rol de crimes hediondos, alteração na Lei de Execução Penal, educar o agressor com cursos e palestras para uma melhor formação de consciência da realidade em que vivem, e ajustamento da conduta do indivíduo.

Por conseguinte, trouxe a possibilidade de afastamento do agressor pela autoridade policial, além de tipificar o crime de omissão para aquele que não denunciar o ocorrido. Ademais ressalta-se que o legislador ampliou as medidas protetivas não só para a vítima, mas também dos entes familiares, denunciantes e noticiantes que são os responsáveis por informar às autoridades competentes a ocorrência da violência, sendo essa alteração muito aclamada pela sociedade.

Desse modo, com o presente trabalho, é evidente que as contribuições foram necessárias, uma vez que, a violência contra as crianças e adolescentes crescem em números alarmantes, tendo seus familiares como principais autores, sendo necessária a atuação com um maior rigor das autoridades competente, para que não se limite apenas à criação de leis, mas com enfoque prático.

REFERÊNCIAS:

AGÊNCIA Brasil.”Mãe e padrasto de Henry Borel vão a júri popular”, 25 nov. 2021. Disponível em:https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2022-11/mae-e-padrasto-de-henry-boral-vao-juri-popular . Acesso em: 12 set. 2023.

AKIYAMA, P. E. (2022). A Lei Henry Borel, proteção ao menor e adolescente. Estadão. Disponível em:https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/a-lei-henry-borel-protecao-ao-menor-e-adolescente/ .Acesso em 12 set. 2023.

AGÊNCIA SENADO. Lei Henry Borel: texto traz medidas protetivas para evitar novas agressões. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/03/22/lei-henry-borel-texto-traz-medidas-protetivas-para-evitar-novas-agressoes. Acesso em 10 out. 2023.

BRASIL. Lei Federal nº 14.344, de 24 de maio de 2022, Cria mecanismos para a prevenção e o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente, nos termos do § 8º do art. 226 e do § 4º do art. 227 da Constituição Federal e das disposições específicas previstas em tratados, convenções ou acordos internacionais de que o Brasil seja parte; altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e as Leis nºs 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei de Crimes Hediondos), e 13.431, de 4 de abril de 2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência; e dá outras providências. Brasilia DF, 24 de maio de 2022. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/l14344.htm. Acesso em: 20 de ago. 2023.

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1Graduando em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho. E-mail: kayanr.soaresdesantana@gmail.com
2Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho. E-mail: savyllavales@gmail.com
3Professor Doutor do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho. E-mail: alissondias@unifsa.com.br