A LEGÍTIMA DEFESA E AS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELO PACOTE ANTICRIME

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10252865


Maria Clara Silveira Alves1


RESUMO

O contexto social e político brasileiro, especialmente pós 2014, é marcado por intensa polarização e demandas sociais pelo recrudescimento, como tentativa de coibir práticas criminosas. Nesse cenário, foi proposto o Projeto de Lei nº 882/2019, posteriormente convertido na Lei Federal nº13.964/2019, apelidada de Pacote Anticrime, em virtude do projeto que a originou. O intuito do projeto de lei e da lei aprovada foi criar mecanismos para endurecer o direito penal e processual penal, no intuito de reduzir a criminalidade. Um sequestro de um ônibus no Rio de Janeiro, ainda em 2019, reascendeu a discussão do então projeto especialmente no tocante a legítima defesa, causa excludente da ilicitude. O presente artigo busca fazer uma análise acerca dos efetivos impactos que a Lei nº 13.964/2019 trouxe para o instituto da legítima defesa.

INTRODUÇÃO

Em fevereiro de 2019, o então Ministro da Justiça, Sérgio Moro, encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 882/2019, que ficou conhecido como “Pacote Anticrime”.

Dentro do projeto, várias propostas foram duramente criticadas por estudiosos e operadores do direito; outras, foram aplaudidas, especialmente por setores conservadores da sociedade.

Dentre as proposições, o presente trabalho busca fazer uma breve análise da alteração que a Lei 13.964/2019 trouxe para o instituto da legítima defesa, com o acréscimo do parágrafo único no art. 25, do Código Penal.

O método de abordagem empregado neste artigo é o método teórico-dedutivo, enquanto o método de procedimento adotado foi o monográfico, vez que se baseia em outros estudos. As técnicas de pesquisa utilizada foram as técnicas documental e bibliográfica, pois se embasa principalmente na legislação e nas doutrinas que abordam essa temática. Para tanto, primeiramente, abordar-se-á o caso concreto que ensejou a alteração legislativa; após, analisar-se-á o instituto da legítima defesa para, por fim, avaliar quais as reais mudanças provocadas pela inclusão do parágrafo único ao art. 25, do Código Penal.

1. CASO CONCRETO E A ALTERAÇÃO LEGISLATIVA

Desde a corrida presidencial, o então candidato Jair Bolsonaro prometia aos membros das forças de segurança a inclusão de excludente de ilicitude específica para eles.

Após a vitória na eleição, o então Ministro da Justiça encaminhou ao Congresso Nacional o projeto de lei que ficou conhecido como “Pacote Anticrime”, o qual trazia uma sugestão de excludente de ilicitude para as forças de segurança.

A discussão ganhou força em agosto de 2019, em razão de um sequestro de ônibus no Rio de Janeiro.

Na manhã do dia 20 de agosto de 2019, um homem anunciou um sequestro a um ônibus. Meia hora depois, quando o veículo atravessava a Ponte Rio-Niterói, o sequestrador ordenou que motorista atravessasse o veículo na pista.

O sequestrador se identificava como policial militar e ameaçava atear fogo no ônibus. Dos 39 (trinta e nove) reféns, seis foram liberados no início das negociações.

Após quase quatro horas desde o início da ação e já com cerco e negociações da Polícia Militar e do Batalhão de Operações Especiais, o homem desceu do coletivo.

Ao fazer menção de reembarcar no veículo, foi abatido por um sniper², seis tiros foram disparados, mas não foi informado quantos efetivamente atingiram o sequestrador.

O homem foi levado ao Hospital Souza Aguiar, tendo chegado em parada cardiorrespiratória, onde a equipe médica constatou seu óbito.

À época, o desfecho foi comemorado por políticos, além disso especialistas afirmaram que a atuação policial foi perfeita, do ponto de vista tático e operacional.

O caso chamou atenção da mídia e da sociedade, além de ter sido usado para gerar pressão sob o Congresso Nacional para a aprovação do projeto do “Pacote Anticrime”. Defendia-se que agentes de segurança que matassem em conflito armado ou iminente risco de conflito armado não fossem punidos, por exclusão da ilicitude.

Uma das pretensões era a busca pela alteração dos artigos 23 e 25, do Código Penal, um parágrafo no art. 23 (tornando o então parágrafo único em parágrafo primeiro e acrescentando mais um) e um parágrafo com dois incisos no art. 25:

Art.23 […]§
1º O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.§
2º O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção.

Art.25[…]
Parágrafo único. Observados os requisitos do caput, considera-se em legítima defesa:
I- o agente policial ou de segurança pública que, em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem; e
II- Atirador profissional que se oculta enquanto procura atingir os alvos com arma de precisão; atirador furtivo ou atirador de elite. 
III- o agente policial ou de segurança pública que previne agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.

O mundo jurídico criticou em peso as propostas, principalmente em razão do alto uso de conceitos abertos e indeterminados, de difícil comprovação dentro da instrução processual, “que contrariam o princípio da legalidade estrita/certa e que apenas contribuem para aumentar o arbítrio judicial e a insegurança jurídica” (BRASIL, 2019, p. 14).

Posteriormente o projeto foi aprovado, tornando-se a Lei 13. 964/2019, alterando a redação do art. 25, do Código Penal, in verbis:

Art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

A concretização dos efeitos pretendidos e reais dessa modificação será melhor analisada nos capítulos seguintes, buscando elucidar o que efetivamente mudou.

2. LEGÍTIMA DEFESA.

A legítima defesa está prevista no Código Penal como uma das excludentes da ilicitude.

Para melhor compreender o instituto faz-se necessário entender sobre a ilicitude e o seu papel na conceituação do crime.

Segundo Cleber Masson,

Ilicitude é a contrariedade entre o fato típico praticado por alguém e o ordenamento jurídico, capaz de lesionar ou expor a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados. O juízo de ilicitude é posterior e dependente do juízo de tipicidade, de forma que todo fato penalmente ilícito também é, necessariamente, típico. (MASSON, 2019, p. 560).

Conforme leciona o renomado professor, a ilicitude, assim como a tipicidade, faz parte do corpo do tipo penal, sendo um de seus elementos normativos, razão pela qual as excludentes da ilicitude são capazes de afastarem a tipicidade penal (MASSON, 2019, p. 564).

Nessa sistemática, um fato a priori típico, pode ser lícito, caso se adeque a uma das causas de exclusão da ilicitude, contexto em que a contravenção ou crime deixam de existir, pois não mais estariam em contradição com o ordenamento jurídico, mas sim, em perfeita consonância com ele.

As causas excludentes da ilicitude podem ser classificadas em genéricas ou especificas. São causas genéricas, também chamadas de gerais, aquelas previstas na Parte Geral do Código Penal, mais especificamente em seu art. 23, e aplicáveis a quaisquer infrações penais; são elas: o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento de dever legal e o exercício regular do direito (MASSON, 2019, p. 566).

Já as causas específicas, também conhecidas como causas especiais, são as previstas na Parte Especial do Código Penal e na legislação especial penal, sendo aplicáveis somente aos crimes a que se referem (MASSON, 2019, p. 566-567).

Cumpre salientar que existem ainda as causas supralegais de exclusão da ilicitude, especialmente porque o legislador não é capaz de prever exaustivamente todas as excludentes de ilicitude, visto que deve ser um instituto em constante atualização, na tentativa de acompanhar as modificações ético-sociais (MASSON, 2019, p. 572).

Especificamente quanto a legítima defesa, causa excludente da ilicitude objeto do presente trabalho, trata-se de instituto inerente a própria condição humana e justificada pela impossibilidade do Estado de atuar em todas as violações a bens jurídicos, permitindo-se que o titular repila a agressão ou ameaça de agressão iminente a bem jurídico tutelado pelo Direito Penal de sua titularidade.

Há quem entenda que a legítima defesa está ligada ao próprio direito natural, tendo surgido no início da história da civilização, o que explicaria o fato de ser aceita em quase todos os ordenamentos jurídicos do planeta, mesmo que não expressamente prevista em lei (MASSON, 2019, p. 599-600).

A legítima defesa está prevista no art. 23, inciso II, do Código Penal, como uma das causas expressas de exclusão da ilicitude; já o seu conceito vem descrito no caput do art. 25, do mesmo diploma normativo, in verbis:

Art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Da leitura da conceituação legal do instituto depreende-se que para sua configuração no caso concreto faz-se necessária a presença cumulativa dos seguintes requisitos: a) agressão injusta; b) que tal agressão seja atual ou iminente; c) que ataque direito próprio ou alheio; d) reação com os meios necessários; e e) uso moderado dos meios necessários (MASSON, 2019, p. 600).

Uma breve explanação acerca desses requisitos faz-se pertinente. Agressão “o é toda ação ou omissão humana, consciente e voluntária, que lesa ou expõe a perigo de lesão um bem ou interesse consagrado pelo ordenamento jurídico”. Tal agressão será injusta quando for contrária ao ordenamento jurídico, podendo ser dolosa ou culposa. O requisito da atualidade significa que a agressão deve ser presente, já ter se iniciado e não terminado; enquanto iminente é aquela prestes a ocorrer. Qualquer bem jurídico, próprio ou pertencente a outra pessoa pode ser protegido com a legítima defesa, inclusive aqueles de titularidade de pessoas jurídicas. No que concerne aos meios necessários, conceitua-se como aqueles à disposição do agente no momento em que a agressão é praticada. O uso moderado é o requisito mais difícil de ser aferido no caso concreto, mas entende-se ser o suficiente para repelir a agressão e que não se insira no excesso (MASSON, 2019, p. 601-606).

A doutrina especializada afirma que é exigível a proporcionalidade da reação para que ela seja abarcada pelo instituto da legítima defesa. “Não será, portanto, toda reação a uma injusta agressão que estará justificada, permitida”. Em casos de abuso ou utilização dos meios além do estritamente necessário, não existirá legítima defesa (BRASIL, 2019, p. 2).

Obviamente, há muito mais o que ser explanado acerca de tão importante instituo, contudo, diante do objetivo do presente trabalho, analisar as mudanças concretas trazidas pelo Pacote Anticrime, tem-se que os conceitos básicos e imprescindíveis para tal análise foram contemplados.

3. EFEITOS DA INCLUSÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO NO ART. 25, DO CÓDIGO PENAL

3.1 Breve contextualização histórica

A inclusão do parágrafo único no artigo 25, do Código Penal, parece, em um primeiro momento, apenas mais uma alteração promovida pelo “Pacote Anticrime”, criado pelo então Ministro da Justiça, Sérgio Moro, carregando em si um sentimento social (?) dos anos pós Operação Lava-Jato de que a sociedade brasileira estaria farta da impunidade.

Contudo, a aqui analisada alteração legislativa está intrinsecamente ligada com o crescimento e fortalecimento político de setores da sociedade ligados as forças de segurança e parcela da população tida como conservadora.

Desde a corrida presidencial de 2014, a polarização política se mostrou mais forte na sociedade brasileira, mas foi nas eleições presidenciais de 2018 que ela se mostrou mais exacerbada,

O então candidato Jair Bolsonaro se colocava como o candidato conservador, prometendo o combate firme a criminalidade, flexibilização da legislação bélica e baixa tolerância a políticas sociais, especialmente aquelas voltadas a distribuição de renda. O candidato foi acolhido por categorias ligadas as forças de segurança e passou a realizar promessas políticas especialmente voltadas para esse público.

Eleito e com as notícias sobre a apresentação de um projeto de lei para combater efetivamente a criminalidade, as promessas presidenciais de uma “licença para matar” para os agentes da segurança pública pareciam cada vez mais concretas.

Apresentado o Projeto de Lei nº 882/2019, verificou-se que havia a propositura de acréscimo do parágrafo único no art. 25, com a seguinte redação original:

Art.25[…]
Parágrafo único. Observados os requisitos do caput, considera-se em legítima defesa:
I – o agente policial ou de segurança pública que, em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem; e
II – o agente policial ou de segurança pública que previne agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.

Após o devido processo legislativo, a redação original não foi aceita. Houve a inclusão do parágrafo único no art. 25, mas ela foi distante dos moldes almejados por grande parte do eleitorado do Presidente Jair Bolsonaro.

3.2 O que efetivamente mudou

Cumpre salientar que a mudança, mesmo que bem diferente da inicialmente proposta, desagradou diversas instituições e a doutrina especializada.

O descontentamento veio diante da inexistência de inovação jurídica. A lição trazida pelo novo parágrafo único nada mais é do que uma hipótese já contemplada pela disposição do caput do art. 25, do Código Penal.

Parte da doutrina especializada tratou a mudança como supérflua, “pois as regras gerais da legítima defesa já são corriqueiramente aplicadas às ações policiais, sobretudo, na cultura processual – ainda não eliminada – dos ‘autos de resistência’.” (BRASIL, 2019, p. 4).

A legítima defesa, com a redação anterior já era aplicada inclusive para policiais e outros agentes de segurança. Nas palavras de Luís Greco:

Os acréscimos soam, assim, tão despropositados quanto acrescentar ao extenso rol do art. 5º da Constituição Federal um inciso de conteúdo “o agente policial ou de segurança pública, em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, tem direito à vida, à integridade física, à propriedade etc.. (GRECO, 2019).

Cabe aqui fazer nova transcrição do artigo 25, do Código Penal, com a redação dada pela Lei 13.964/2019:

Legítima defesa
Art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Observa-se que os requisitos para aplicação do parágrafo único são exatamente os mesmos daqueles previsto para o caput. Logo, a novidade legislativa, que visava criar uma nova espécie de legítima defesa, uma nova causa excludente da ilicitude, tornou-se uma mera exemplificação do instituto.

Não se olvida que a redação final está em maior consonância com os princípios constitucionais vigentes e se adequa a realidade fática e necessidades fáticas e jurídicas, em relação a proposta original, visto que

conter os arroubos autoritários e totalitários desse Estado Policial que convive no interior do Estado de Direito é, pois, função das normas fundamentais que disciplinam o uso estatal da violência, descritas especialmente na Constituição e na lei penal. (BRASIL, 2019, p.1).

Ademais, a proposta original estava em franco desacordo com o princípio da legalidade estrita, vez que se utilizava de linguagem ambígua, com expressões e conceitos indeterminados, ensejando receio de que fosse utilizada como subterfugio para aumentar o arbítrio judicial e a própria insegurança jurídica (BRASIL, 2019, p. 3).

Voltando a redação devidamente aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República, o novo parágrafo nada mais é que uma regulação da aplicação do instituto da legítima defesa, especificamente para policiais e agentes das forças de segurança em situações de crimes com reféns.

As criticas são incisivas, visto que seria supérflua, “pois as regras gerais da legítima defesa já são corriqueiramente aplicadas às ações policiais, sobretudo na cultura processual – ainda não eliminada – dos ‘autos de resistência’,” (BRASIL, 2019, p.4).

E nota técnica, a Defensoria Pública da União, ao tecer considerações sobre as propostas atinentes ao instituto da legitima defesa, que se adequam a as alterações efetivamente realizadas, aduziu:

Vê-se, pois, que as modificações propostas não devem prosperar, seja porque, na melhor das hipóteses são supérfluas, seja porque padecem de vícios técnicos que não proporcionam a previsibilidade exigida pelo princípio da legalidade certa, seja, ainda, porque, no contexto sócio-histórico-político brasileiro, são excessivamente nocivas.

Ademais, outro viés de análise é fundamental: os riscos de ampliação da letalidade policial são reforçados especialmente se considerados o aspectos políticos e históricos-sociais que contextualizam a formalização do projeto de lei anticrime. (BRASIL, 2019, p.5).

Verificado que a mudança legislativa foi totalmente supérflua e não atingiu sequer os objetivos políticos que a justificava, tem-se que não há alterações concretas para o instituto da legítima defesa.

A inexistência de mudança prática enseja nova crítica: a alteração é nada mais que um exemplo de como o direito penal brasileiro tem se tornado inflado, inchado, busca-se regularizar e exemplificar cada mínima situação possível no mundo dos fatos, o que é totalmente desnecessário e tem como único efeito concreto o inchaço desordenado e inócuo do ordenamento jurídico.

Sem efetividade prática, o novo parágrafo, incluído no art. 25, do Código Penal Brasileiro é mais um exemplo do direito penal de emergência, no qual o Congresso Nacional legisla sem dar aplicabilidade prática ou dando-a de maneira incompleta e/ou insuficiente para atingir os fins que a justificaram, visem eles o aperfeiçoamento da ordem jurídica, ou não.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A legítima defesa é uma das exceções em que o ordenamento jurídico brasileiro admite a autotutela, sendo imprescindível para a efetiva defesa dos bem jurídicos escolhidos para serem tutelados pelo direito penal. Entretanto, não significa um livre uso da força contra agressão, mesmo que essa seja injusta.

A imprescindibilidade do instituto se justifica pela impossibilidade de o Estado estar presente em todos lugares, sendo impossível exigir-se que as pessoas aceitem violações a seus bens jurídicos tão somente porque o Estado não consegue se fazer presente para repelir tais agressões injustas.

Contudo, para que reste configurada a legítima defesa e seja aplicada a exclusão da ilicitude, faz-se necessário o preenchimento dos requisitos cumulativos postos na lei, sob pena daquele que tenta repelir agressão a bem jurídico ser responsabilizado na esfera penal.

Apesar das propostas politicas e legislativas para mudanças profundas no instituto, a Lei Federal 13.964/19, conhecida como Pacote Anticrime, não trouxe qualquer alteração significativa para o instituto: o paragrafo único, incluído pela mencionada lei, tem mero caráter explicativo, tratando de situação em que já se aplicava a legítima defesa pacificamente, seja pelo entendimento doutrinário, seja pelo jurisprudencial.

Assim, ao menos no que tange a causa excludente da ilicitude prevista no art. 25, do Código Penal, o Pacote Anticrime representa tão somente um inchaço legislativo, desnecessário e supérfluo, que poderia ser evitado.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Dispo0nível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 15 de fevereiro de 2021.

BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em 15 de fevereiro de 2021.

BRASIL. Lei 13.964 de 24 de dezembro de 2019. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13964.htm>. Acesso em 15 de fevereiro de 2021.

BRASIL. Defensoria Pública da União. Nota Técnica da Defensoria Pública da União em face do pacote de sugestões legislativas apresentadas em 04 de fevereiro de 2019 pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. Disponível em <https://dpu.def.br/images/stories/pdf_noticias/2019/nota_tecnica_pacote_moro_dpu.pdf>. Acesso em 18 de fevereiro de 2021.

BRASIL. Defensoria Pública da União. Considerações técnico-jurídicas da Defensoria Pública da União sobre o Pacote de Medidas Anticrime do Poder Executivo Federal (PL 882/2019). Disponível em <https://www2.camara.leg.br/atividade legislativa/comissoes/grupos-de-trabalho/56a-legislatura/legislacao-penal-e processualpenal/documentos/audienciaspublicas/02NotaTcnicaDPUPacoteAnticrimeLegtima Defesa.pdf>. Acesso em 18 de fevereiro de 2021.

GLOBO. Sequestrador de ônibus é morto por atirador de elite na Ponte Rio-Niterói; os 39 reféns passam bem. Disponível em <https://g1.globo.com/rj/rio-de- janeiro/noticia/2019/08/20/tiros-sao-ouvidos-em-sequestro-a-onibus-na-ponte-rio- niteroi.ghtml> . Acesso em 12 de fevereiro de 2021.

GLOBO. Sequestrador de ônibus na Ponte Rio-Niterói é morto; foram três horas e meia de cerco. Disponível em <https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/08/20/homem- armado-ameaca-passageiros-em-onibus-na-ponte-rio-niteroi.ghtml> . Acesso em 12 de fevereiro de 2021.

GRECO, Luís. Análise sobre propostas relativas à legítima defesa no “Projeto de Lei Anticrime. Jota, 07 fev. 2019. Disponível em <https://www.jota.info/opiniao-e- analise/colunas/penal-em-foco/analise-sobre-propostas-relativas-a-legitima-defesa-no-projeto- de-lei-anticrime-07022019>. Acesso em 20 de fevereiro de 2021.

HUBINGER, Leonardo. Responsabilidade criminal do sniper que atirou no sequestrador do ônibus no Rio de Janeiro. JusBrasil, 2019. Disponível em <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5649/O-principio-da-dignidade-da-pessoa- humana>.

MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). Vol. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2019.


 1Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. Especialista em Direito Tributário, Direito Penal e Processual Penal e em Direito Civil e Processual Civil.