REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202410261623
Geneilde Oliveira De Souza Silva1;
Orientador Wellington Martins Da Silva2
RESUMO
Este estudo se concentra na análise da judicialização do direito à saúde, com foco nas implicações jurídicas e práticas decorrentes da concessão de liminares, no âmbito da saúde pública. O direito à saúde, consagrado na Constituição Federal de 1988, como direito social fundamental, garante a todos os cidadãos o acesso universal e equitativo aos serviços de saúde, resultado direto da Reforma Sanitária que culminou na criação do Sistema Único de Saúde (SUS). A análise se deu por meio da revisão de trabalhos e leis acerca do tema, jurisprudências e literatura acadêmica, destacando as consequências dessa intervenção, que incluem impactos financeiros significativos, aumento das desigualdades no acesso aos serviços de saúde e a sobrecarga do Judiciário. Na sequência, discute-se o fenômeno da judicialização do direito à saúde, que tem se intensificado nas últimas décadas, abordando as suas implicações e consequências. Esse direito, no entanto, tem sido objeto de crescente judicialização, levando à intervenção do Poder Judiciário, para garantir o acesso a tratamentos, medicamentos e procedimentos. As consequências da judicialização do direito à saúde são multifacetadas e incluem impactos financeiros significativos no orçamento público, embora a judicialização busque assegurar a efetividade do direito à saúde e garantir a proteção integral dos cidadãos, seus efeitos podem ser prejudiciais ao equilíbrio das políticas públicas de saúde, afetando a equidade e a sustentabilidade do sistema. Como resultado do trabalho aponta-se que, para minimizar os impactos negativos, é essencial que as decisões judiciais sejam proferidas com base em critérios técnicos rigorosos, pautadas em provas robustas, como laudos médicos. Ademais, a responsabilidade pela efetivação das decisões judiciais deve ser tripartite, envolvendo a União, os Estados e os Municípios, sendo necessária a celeridade processual para evitar que a saúde do cidadão seja prejudicada, resguardando a sustentabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS).
Palavras-chave: Direito, Judicialização, Saúde.
ABSTRACT
This study focuses on the analysis of the judicialization of the right to health, emphasizing the legal and practical implications arising from the granting of injunctions within the public health domain. The right to health, enshrined in the 1988 Federal Constitution as a fundamental social right, guarantees all citizens universal and equitable access to health services, a direct outcome of the Sanitary Reform that culminated in the establishment of the Unified Health System (SUS). The analysis was conducted through a review of literature, legislation, jurisprudence, and academic works about the theme, highlighting the consequences of this judicial intervention, which include significant financial impacts, an increase in inequalities regarding access to health services, and an overburdened judiciary. Subsequently, the phenomenon of judicialization of the right to health, intensified over the past few decades, is discussed considering its implications and consequences. This right has increasingly become the subject of judicial scrutiny, prompting interventions by the judiciary to ensure access to treatments, medications, and procedures. The consequences of judicialization to the right to health are multifaceted and include substantial financial impacts on the public budget. While judicialization seeks to ensure the effectiveness of the right to health and to fully protect citizens, its effects can be detrimental to the equilibrium of public health policies, affecting both equity and the sustainability of the system. As a result of this work, it is indicated that, to mitigate negative impacts, it is essential for judicial decisions to be made based on rigorous technical criteria and to be supported by robust evidence, such as medical reports. Furthermore, the responsibility for the implementation of judicial decisions should be tripartite, involving the Federal Government, States, and Municipalities, with procedural efficiency being necessary to prevent harm to citizens’ health, thereby safeguarding the sustainability of the Unified Health System (SUS).
Key-words: Law, Judicialization, Health Service.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como tema “A Judicialização do Direito à Saúde”, mais especificamente noque diz respeito aos requisitos para a concessão de liminares. Esse é um fenômeno complexo e cada vez mais presente no Brasil, no qual os cidadãos recorrem ao Poder Judiciário em busca de acesso a tratamentos, medicamentos e procedimentos médicos que não estão disponíveis ou são de difícil acesso pelo sistema público de saúde.
O principal problema reside na análise dos requisitos para a concessão dessas liminares, pois estas são decisões judiciais provisórias que visam assegurar um direito de forma imediata enquanto o processo principal ainda está em tramitação. No entanto, a concessão de liminares pode gerar impactos significativos no sistema de saúde como um todo, podendo sobrecarregar os recursos disponíveis e criar desigualdades no acesso aos serviços de saúde.
A judicialização pode ser analisada sob a perspectiva da atuação do poder jurídico, conhecida como cidadania complexa, e vai ao encontro da definição constitucional, uma vez que também visa uma integralidade de proteção diante as dificuldades enfrentadas pelos poderes constituídos a fim de garantir os direitos da população (Rocha, 2019).
Sendo assim, este estudo é concentrado na análise da judicialização da saúde, definida como um “estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade” (OMS, 1946). Entende-se que os cidadãos que necessitam de assistência recorrem aos meios disponíveis para garantir seus direitos, muitas vezes buscando apoio e auxílio do Poder Judiciário.
Foi analisada a judicialização do direito à saúde com foco específico na concessão de liminares. Através desses processos viabilizados pelo poder Judiciário, os cidadãos buscam demandas relacionadas à saúde que foram previamente negadas, tais como consultas com especialistas, cirurgias, exames, medicamentos, leitos de unidade de terapia intensiva e outros procedimentos.
Este fenômeno tem ganhado importância no âmbito jurídico, visto que o cidadão brasileiro percebe cada vez mais a necessidade de recorrer aos tribunais para assegurar seus direitos. No entanto, essa demanda de acesso à saúde pelo povo é superior à capacidade do Estado em garantir a efetivação de políticas públicas para a implementação efetiva dos direitos sociais (Carlos Neto, 2018, p. 54).
A judicialização da saúde é plenamente possível, mas torna-se imperioso pontuar, a propósito dos limites dessa intervenção judicial, acerca da natureza prestacional do direito à saúde e sua vinculação à escassez de recursos, e não apenas em atenção aos princípios da separação dos poderes.
Nesse contexto, a concessão de liminares desempenha um papel importante na garantia do acesso rápido a tratamentos e serviços médicos, sendo a judicialização a última alternativa para garantir a efetivação do direito à saúde. Essa é uma prerrogativa constitucional e é através desse processo que os operadores do direito atuam, de forma a assegurar que os cidadãos tenham acesso aos cuidados de saúde e melhores condições de vida (Aith, 2017, p. 126).
Foram também identificados os critérios legais para concessão de liminares em casos de saúde, estabelecendo os requisitos e identificando padrões, princípios e precedentes relevantes. Foram examinadas as implicações práticas da concessão de liminares na saúde pública e investigou-se como as liminares concedidas afetam a gestão dos recursos de saúde, o acesso equitativo aos serviços médicos, a distribuição de medicamentos e tratamentos, além da organização do sistema de saúde como um todo. Com base na análise realizada, foram propostas estratégias para uma abordagem mais coordenada e eficaz na redução da judicialização da saúde.
A judicialização do direito à saúde tem se tornado um tema de grande relevância social, visto que a busca por acesso a tratamentos e medicamentos, por meio do Poder Judiciário, tem se intensificado, refletindo desafios estruturais no sistema de saúde brasileiro. Diante desse cenário, este trabalho propõe uma análise dos requisitos para concessão de liminares visando compreender os impactos e desdobramentos dessa prática na garantia do direito à saúde.
A relevância social do problema a ser investigado reside na sua estreita ligação com a garantia do acesso universal e equitativo aos serviços de saúde, um direito fundamental previsto na Constituição Federal (Brasil, 1988, Art. 6°). Não obstante, a crescente demanda por intervenção judicial para assegurar o acesso a serviços de saúde e medicamentos evidencia deficiências no sistema de saúde pública, tais como a falta de acesso equitativo aos recursos e a demora na oferta de tratamentos essenciais que impactam diretamente a qualidade de vida e o bem-estar dos cidadãos (Monteiro, 2017, p. 489). Portanto, compreender os critérios para concessão de liminares é fundamental para avaliar a efetividade das medidas judiciais na promoção do direito à saúde.
Por fim, a realização dessa pesquisa é fundamental para contribuir para a produção do conhecimento sobre a judicialização da saúde. A abordagem dessa proposta concentra-se em um aspecto específico da judicialização da saúde, proporcionando uma análise mais detalhada e direcionada, visando fornecer conhecimentos que possam ser aplicados diretamente na prática jurídica e na formulação de políticas públicas.
1. DO DIREITO À SAÚDE
A judicialização do direito à saúde é um fenômeno relevante que envolve a análise de diversos aspectos legais, sociais e econômicos. Entre eles, destaca-se a atuação do Poder Judiciário na garantia do acesso a serviços e tratamentos de saúde, baseado na Constituição Federal de 1988, que assegura a saúde como um direito de todos e um dever do Estado (Brasil, 1988, Art. 6°), e demais Legislações competentes.
O conceito de saúde está contemplado no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (UNITED NATIONS, 1948), que estabelece que todos têm o direito a um padrão de vida adequado para garantir saúde e bem-estar para si e sua família, incluindo necessidades básicas, cuidados médicos e serviços sociais. Portanto, o direito à saúde está intrinsecamente ligado ao direito à vida, fundamentado no princípio de igualdade entre todas as pessoas.
No Brasil, o direito à saúde foi assegurado pelo movimento da Reforma Sanitária, culminando na criação do Sistema Único de Saúde (SUS) na Constituição Federal de 1988 (Paiva & Teixeira, 2014, pp. 25-6). Esse é reconhecido como um direito de suma importância na Constituição Federal, fundamentada no princípio da dignidade da pessoa humana, além de garantir a inviolabilidade do direito à vida (Brasil, 1988, Art. 1°). Seu Artigo 196 afirma que:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação (Brasil, 1988, Art. 196).
A Constituição Federal de 1988 instituiu em seu texto o modelo básico de organização da prestação do serviço público de saúde no Brasil, considerando como um sistema único, descentralizado, responsável por garantir o atendimento integral e a participação da população, conforme disposto a seguir:
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III – participação da comunidade (Brasil, 1988).
As atribuições do Sistema Único de Saúde (SUS) que versam sobre fiscalização, execução e participação de controle estão elencadas no art. 200 da CF/88, sendo previstos como:
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: I – controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; II – executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; III – ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; IV – participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; V – incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico; VI – fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; VII – participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; VIII colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho (Brasil, 1988).
A Constituição brasileira de 1988 estabelece a saúde como um direito de todos e um dever do Estado. Esses artigos são a base fundamental para princípios e direitos fundamentais, incluindo o direito à saúde, e para a competência do Judiciário a fim de garantir esses direitos, frequentemente invocados em ações judiciais que pleiteiam o fornecimento de medicamentos, tratamentos e outros serviços de saúde.
A Lei 8.080/1990 (Lei Orgânica da Saúde) regula as ações e serviços de saúde no Brasil e é um marco regulatório importante para entender o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS), visto que ela estabelece as bases para a política de saúde e define os princípios e diretrizes do SUS (Brasil, 1990).
Diante do exposto, é necessário promover, proteger e recuperar a saúde, bem como prover pela organização e pelo funcionamento dos seus serviços. Essas ações podem, ainda, ser realizadas de forma isolada ou conjunta, permanentemente ou de forma eventual, por indivíduos ou entidades públicas e privadas.
O Sistema Único de Saúde (SUS) é reconhecido como um dos mais amplos e complexos sistemas de saúde pública, devido à sua extensa relevância social, moral e econômica, bem como à importância histórica na democratização do acesso à saúde. Foi instituído pela Lei 8.080/90 e é administrado de forma compartilhada pela União, Estados, e Municípios, sendo que a cada ente são atribuídas responsabilidades específicas. Conforme Asensi (2015, p. 87),
O Pacto de Gestão do SUS apresenta as responsabilidades de cada ente da federação, com o propósito de evitar superposições e duplicidades de esforços e de promover uma atuação mais orgânica e coerente entre eles. Busca-se, então, fortalecer a gestão compartilhada e solidária do SUS.
Esse pacto tem como base a ideia de que uma gestão compartilhada e solidária entre os entes federativos é essencial para o bom funcionamento do SUS. Nesse cenário, a União, por meio do Ministério da Saúde, é a principal financiadora do sistema e responsável pela formulação, normatização, fiscalização, monitoramento e avaliação das políticas de saúde, em conjunto com o Conselho Nacional de Saúde. Já as Secretarias Estaduais de Saúde apoiam os municípios e participam na formulação e execução das políticas estaduais. As Secretarias Municipais de Saúde, por sua vez, são encarregadas de planejar, organizar e executar as ações e serviços de saúde, em articulação com os conselhos municipais e estaduais (Jorge, 2017, p. 471-73).
Ao definir de forma clara as responsabilidades e atribuições de cada nível de governo, o pacto busca promover uma atuação mais orgânica, coerente e eficiente, garantindo que as ações de saúde sejam realizadas de forma integrada e que os serviços oferecidos à população tenham a mesma qualidade.
2. A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE E SUAS CONSEQUÊNCIAS
A judicialização pode proporcionar um acesso mais rápido e eficiente a tratamentos que, de outra forma, seriam negados ou demorariam muito para serem disponibilizados pelo SUS. Em contrapartida, há, como causas desse direito e como deficiências no sistema público de saúde, a garantia constitucional, que incentiva os cidadãos a buscarem os seus direitos, e as desigualdades de acesso por fatores socioeconômicos, que fazem com que pessoas em situações de vulnerabilidade busquem a judicialização como uma forma de obter cuidados médicos.
Salienta-se a co-responsabilidade das três esferas de governo na resolução da problemática: municipal, estadual e federal; também é relevante a atuação dos operadores de direito na especialização em direito à saúde, que contribuirá e muito nessa judicialização, e a mais importante é a tripartição dos poderes. Sobre isso, Carlos Neto (1987, p. 62) define:
Como se viu, a judicialização da saúde é plenamente possível, mas torna-se imperioso pontuar, a propósito dos limites dessa intervenção judicial, não apenas em atenção aos princípios da separação dos poderes e da maioria, mas a natureza prestacional do direito à saúde e sua vinculação à escassez dos recursos.
Quanto às consequências da judicialização, estas envolvem o impacto financeiro no sistema, a desigualdade no acesso a tratamentos e a pressão sobre o judiciário, devido ao aumento no número de ações judiciais. Conforme levantamento publicado pela Metrópoles em 2024:
O número de ações judiciais no campo da saúde segue em curva ascendentes. Entre 2022 e 2023, houve um aumento de 21,3%, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A projeção é de 685 mil novas ações até dezembro de 2024, o que representa mais 20% em relação ao no anterior. […] No ano de 2020, ao menos 13 estados e quase a metade dos 5.569 municípios brasileiros empenharam até 10% do seu orçamento destinado à saúde na resolução de demandas judicializadas, como mostrou o levantamento que fiz com colegas do Instituto Cabem mais Vidas, na base de dados nacional do poder judiciário, o DATAJUD.
Ademais, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, a judicialização na saúde aumentou em 20% em um ano, o que representa o ajuizamento de 565 mil ações (Amado, 2024). Nesse aspecto, vale trazer à baila que o financiamento do Sistema Único de Saúde é tripartite, envolvendo recursos da União, Estados e Municípios, e essa articulação e coordenação entre as esferas são essenciais e desafiadoras devido às diferenças regionais e à capacidade administrativa de cada ente.
A Teoria do Mínimo Existencial sustenta que o Estado deve garantir um padrão mínimo de condições para que cada indivíduo tenha uma vida digna. Isso inclui alimentação, vestuário, moradia, cuidados médicos e serviços sociais necessários. Como define (Rocha, 2019, p. 55).
O mínimo existencial é frequentemente definido como o mínimo de condições materiais indispensáveis à sobrevivência de um indivíduo. Alguns autores prosseguem e afirmam que o referido conceito não abrange somente o indispensável à sobrevivência, mas também todas as condições que assegurem adequadamente a vida em sociedade.
Para o autor, determinar o que constitui o “mínimo existencial” é subjetivo e pode variar amplamente, pois o que é considerado essencial para uma pessoa, pode não ser para outra.
Em relação aos debates centrais na judicialização da saúde, um deles é a teoria da reserva do possível, que argumenta que os direitos sociais, como o direito à saúde, devem ser garantidos dentro dos limites das possibilidades orçamentárias do Estado. Por outro lado, o princípio da reserva do possível regula a viabilidade e a extensão da atuação do Estado na concretização de certos direitos sociais e fundamentais, como a saúde, condicionando a prestação desses serviços à disponibilidade de recursos públicos (Rocha, 2019, p. 56).
Autores como Rocha (2019) destacam “a finalidade de buscar, ao menos idealmente, uma solução adequada ao conflito demonstrado”, balanceando-se assim o direito à saúde, com a sustentabilidade financeira do sistema de saúde público. Segundo o autor (2019, p. 56),
A reserva do possível encontra fundamento na impossibilidade financeira do Estado em arcar com o custo de todas as demandas propostas ou com o custo de todas as demandas que possam vir a ser propostas. É o reconhecimento fático de que a estrutura estatal não tem condições de prover toda a gama de direitos que deveria, tanto em âmbito constitucional quanto legal.
Ante o exposto, a reserva do possível é um conceito que reconhece as limitações financeiras do Estado, afirmando que a garantia de direitos sociais deve levar em conta a disponibilidade de recursos. Nesse ensejo, os debates envolvendo a Teoria do Mínimo Existencial e a Reserva do Possível refletem diferentes visões sobre como equilibrar a garantia de direitos sociais com a realidade orçamentária do Estado. Essas divergências ilustram a dificuldade de políticas públicas que sejam ao mesmo tempo justas e sustentáveis.
Já o princípio da proporcionalidade é frequentemente utilizado pelo Judiciário para balancear os interesses em conflito, especialmente quando a concessão de uma liminar pode impactar a alocação de recursos públicos. Esses princípios, aliados à reserva do possível e à mutabilidade, formam um conjunto de diretrizes que orientam a prática judicial, assegurando que a justiça seja aplicada de maneira equilibrada e contextualizada às realidades sociais e econômicas. Como informa Novaes apud. Carlos Neto (2018, p. 82),
Embora a extrema diversidade semântica e classificatória com que o texto constitucional se refere à proibição de excesso/proporcionalidade, pelo menos em sentido lato se poderia admitir a utilização de uma expressão pela outra – sem prejuízo de que à proporcionalidade acabe por integrar a proibição de excesso como subprincípio, já então sob a denominação de proporcionalidade em sentido estrito.
Essas teorias ajudam a compreender as limitações e os desafios enfrentados pelo Judiciário ao decidir sobre questões de saúde pública.
Conforme anteriormente discutido, o Sistema Único de Saúde (SUS) é estruturado por uma divisão administrativa regionalizada e hierarquizada, fundamentada na complexidade das ações e serviços prestados, conforme dispõe o artigo 7º, inciso II, da Lei n. 8.080/90:
As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: inciso II: II – integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema.
Nessa organização, os Municípios são responsáveis pela execução de ações e serviços de menor complexidade, enquanto aos Estados cabe a gestão dos serviços de média e alta complexidade. À União, por fim, cabe a responsabilidade pelos serviços de alta complexidade. Essa estrutura é corroborada pelos artigos 8º e seguintes da referida lei, e é reforçada por uma interpretação sistemática desse diploma legal em conjunto com outros atos normativos que regulam a assistência à saúde.
Além da divisão de competências administrativas, existe um sistema de financiamento das atividades de saúde, baseado em critérios que não se limitam à complexidade das ações e serviços. Fatores como a densidade populacional e a arrecadação tributária também influenciam a alocação e o repasse de recursos destinados à saúde (Dallari, 2013, p. 274). Essa disparidade de critérios pode, em algumas situações, gerar inconsistências que comprometem a viabilidade e a eficácia das políticas públicas de saúde.
Um exemplo notório ocorre em municípios que atuam como polos regionais de prestação de serviços de saúde. Nesses casos, o Estado pode ser responsável pelo financiamento de serviços de alta complexidade, como hospitais secundários e terciários, sem deixar de atender às obrigações financeiras relacionadas aos serviços de menor complexidade, que são de competência municipal.
Vale ressaltar que durante o II Congresso do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde (FONAJUS) foi discutido o aumento da judicialização da saúde no Brasil, devido a fatores como o envelhecimento da população, novos custos tecnológicos, fraudes e a sustentabilidade financeira do sistema. Paulo Rebello, da ANS, destacou a necessidade de uma gestão focada no cuidado para evitar sobrecarga no SUS. Beto Preto, secretário de Saúde do Paraná, propôs um modelo preventivo e mais recursos para o SUS, defendendo a elevação do financiamento para 6% do PIB. O evento, além disso, reforçou a urgência de ajustes legislativos e financeiros para garantir a viabilidade dos serviços de saúde pública e privada (Conselho Nacional de Justiça, 2023).
2.1 Estatísticas Processuais de Direito à Saúde.
O Painel da Judicialização da Saúde apresenta dados sobre processos novos e julgados, desde 2020.
Os dados são extraídos do DataJud, instituído pela Resolução CNJ n. 331/2020.
Segue os gráficos com série histórica do exercício de 2020 a julho/2024.
Gráfico 01 – Série histórica de casos novos no Brasil até julho/2024.
O gráfico apresenta uma série histórica do número de casos novos no Brasil, abrangendo o período de 2020 até julho de 2024. A análise dos dados revela variações significativas ao longo dos anos, o que pode refletir mudanças em diversos fatores, como a capacidade de resposta do sistema de saúde, as condições sanitárias, e o impacto de eventos como a pandemia de COVID-19.
Em 2020, o número de novos casos foi de 348.354, possivelmente influenciado pela pandemia da COVID-19, essa crise sanitária global afetou não apenas a saúde pública, mas também o funcionamento dos sistemas judiciais, o que possivelmente represou parte das demandas. No ano seguinte, em 2021, houve um aumento expressivo, com 404.753 novos casos. Esse crescimento pode estar relacionado ao acúmulo de demandas represadas no ano anterior, além de uma possível melhoria no acesso aos serviços de saúde e à retomada das atividades econômicas e sociais.
O ano de 2022 seguiu essa tendência de crescimento, com o registro de 466.729 novos casos, sugerindo uma continuidade da expansão nas demandas, possivelmente alimentada por uma crescente busca por garantia de direitos na área da saúde.
No entanto, o ano de 2023 apresentou o maior salto da série histórica, com 566.759 novos casos, o que pode ser resultado de uma maior judicialização, de demandas acumuladas e de uma possível sobrecarga contínua no sistema de saúde, culminando em um maior volume de disputas judiciais.
O Conselho Nacional de Justiça, ao detalhar os números sobre a judicialização da saúde, destaca que há demandas acumuladas de 2020 até julho de 2024 totalizam 814.129 demandas pendentes. Desse total, 342.173 casos foram julgados, com um tempo médio de 286 dias até o primeiro julgamento.
Além disso, observa-se um índice de 86,9% de atendimento das demandas, o que reflete uma capacidade considerável de resposta.
Conclui-se que essa oscilação ao longo dos anos aponta para a importância de se observar fatores externos que impactam tanto o sistema de saúde, quanto o número de litígios judiciais, além de monitorar como esses números podem se relacionar com políticas públicas implementadas em cada período.
Gráfico 02 Série histórica de casos julgados no Brasil
O gráfico apresentado exibe a série histórica dos casos julgados no Brasil de 2020 até julho de 2024. Durante esse período, observa-se uma variação significativa no número de processos julgados.
Em 2020, foram julgados 365.416 casos, seguido por um aumento gradual em 2021, com 382.343 processos, e em 2022, com 404.834 julgamentos. Já em 2023 houve um pico, com 499.591 processos julgados, demonstrando um esforço considerável na resolução de demandas acumuladas. No mesmo sentido, até julho de 2024, o número de julgamentos foi de 342.173 casos, de julgamentos em ritmo acelerado.
Essa análise reforça a importância de avaliar a eficiência e os desafios do sistema judiciário na resolução das demandas, especialmente considerando o total de 814.129 demandas pendentes até 31 de julho de 2024. Sendo que destas, foram julgadas 342.173 demandas, com um tempo médio de 286 dias até o primeiro julgamento e o índice de 86,9% das demandas atendidas, bem como os 342.173 julgados que ingressaram até 31/07. Estas refletem uma dinâmica judicial relevante, mas também indicam a necessidade de melhorias contínuas para lidar com o volume crescente das demandas.
Gráfico 03 Série histórica de casos novos por ano no Estado de Rondônia (2024 até julho).
O gráfico apresentado exibe a série histórica dos casos julgados no Estado de Rondônia de 2020 até julho de 2024. Durante esse período, observa-se uma variação significativa no número de processos julgados. Em 2020, os casos novos foram 1.068, seguido por um aumento significativo em 2021, com 2.022 casos, e em 2022, com 2.596. Em 2023, houve um pico, com 4.858 casos novos, demonstrando um esforço considerável na resolução de demandas acumuladas. No mesmo sentido, até julho de 2024, o número de casos foi de 3.945 casos, em ritmo acelerado.
Gráfico 04 Série histórica de casos novos por ano em Jaru (até 31/07/2024).
A série histórica de casos novos no Município de Jaru, de 2020 até julho de 2024, revela um aumento gradual no volume de demandas. Em 2020, foram registrados 5 casos novos, seguidos de 8 em 2021, 19 em 2022 e 25 em 2023, até julho de 2024, houve o ingresso de 10 novos processos.
2.2 Na perspectiva do poder Executivo
Em relação a perspectiva do Poder Executivo, a judicialização pode gerar pressões financeiras significativas sobre os municípios, que muitas vezes têm orçamentos limitados. Quando o judiciário determina que um município forneça medicamentos ou tratamentos caros, isso pode desviar recursos de outras áreas prioritárias da saúde pública. Nesse sentido, Bucci (2017, p.35) afirma que:
As políticas públicas, consideradas como “programas de ação governamental juridicamente definidos”, se associam a um instrumental de análise que se amolda bem à perspectiva do governo. Para se conhecer uma política pública, sua existência, conformação e adequação, é preciso apreender as informações oriundas principalmente do Poder Executivo. Ao Judiciário, em cada caso concreto, são apresentados reflexos, parcelas, aplicações da política pública, mas a racionalidade desta deve ser buscada no âmbito do Poder Executivo.
A judicialização pode ser minimizada se o Executivo aprimorar a apresentação e inteligibilidade das políticas de saúde, garantindo que os cidadãos estejam bem informados sobre seus direitos e os serviços disponíveis. Portanto, a cooperação entre os poderes Executivo e Judiciário é de suma importância, para assegurar que as políticas de saúde sejam eficazes e acessíveis, sem a necessidade de intervenção judicial excessiva.
Por outro lado, a judicialização pode resultar em desigualdades no acesso aos serviços de saúde, uma vez que aqueles que têm maior conhecimento e acesso ao sistema judiciário podem obter tratamentos que outros cidadãos não conseguem.
A previsão orçamentária é frequentemente apontada como um limite à atuação do Estado na efetivação dos direitos sociais. No entanto, tal argumento se mostra equivocado, uma vez que a necessidade de previsão orçamentária para a realização de despesas públicas é uma regra primordialmente dirigida ao administrador público, e não ao juiz. Este, ao julgar, pode deixar de observar o preceito orçamentário para concretizar outra norma constitucional, especialmente quando ocorre uma colisão de valores (Silva, 2015, pp. 121-23).
A Constituição Federal de 1988 estabelece limites rigorosos à execução orçamentária pelo Estado. Em seu artigo 167, inciso I, veda o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual. No inciso II, proíbe a realização de despesas que excedam os créditos orçamentários, e no inciso VI, impede a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos entre diferentes categorias de programação ou órgãos sem prévia autorização legislativa (Brasil, 1988).
Tais disposições revelam a preocupação do constituinte em garantir o planejamento e a disciplina na gestão das finanças públicas. Contudo, essa estrutura normativa não obsta a atuação do Poder Judiciário na determinação de despesas necessárias à concretização de direitos fundamentais, como o direito à saúde, previsto no artigo 6º da Constituição. Quando há um conflito entre a regra orçamentária e a necessidade de efetivação de um direito fundamental, ambos situados no mesmo plano hierárquico, cabe ao juiz realizar uma ponderação de valores, atribuindo prevalência ao direito fundamental em razão de sua superioridade axiológica (Silva, 2015, p. 116).
Assim, ao exercer o controle jurisdicional, o magistrado deve assegurar a primazia dos direitos fundamentais sobre as normas de caráter administrativo-financeiro, garantindo, desse modo, que a função do orçamento não se sobreponha à efetivação dos direitos sociais. Essa perspectiva reafirma a importância do Poder Judiciário como garantidor dos direitos constitucionais, especialmente nos casos em que o Estado se mostra omisso ou insuficiente na sua implementação.
3. ANÁLISE DOS CRITÉRIOS PARA CONCESSÃO DE LIMINARES
A judicialização da saúde no Poder Judiciário lida com os reflexos e aplicações específicas dessas políticas em casos concretos. Embora o Judiciário intervenha para assegurar direitos individuais, a lógica e a estrutura subjacente das políticas de saúde devem ser buscadas na esfera do Executivo (Rocha, 2019, p. 79).
Portanto, para uma compreensão plena e uma redução efetiva da judicialização, é essencial que as políticas públicas de saúde sejam claras, transparentes e bem divulgadas pelo Poder Executivo, facilitando seu entendimento e acesso pela população.
Ademais, a atuação judicial na concretização do direito à saúde pode criar um ciclo vicioso, onde as autoridades públicas se eximem da responsabilidade de implementar as normas constitucionais, sob a justificativa de que aguardam decisões judiciais ou que não possuem recursos suficientes para custear determinadas políticas. Além disso, decisões judiciais que obrigam o custeio de tratamentos sofisticados e caros podem estabelecer precedentes que, se aplicados reiteradamente, impactam significativamente o orçamento público.
Diante desse cenário, é essencial examinar cuidadosamente os aspectos que envolvem as decisões judiciais e as diretrizes para a atuação do poder público no contexto do direito à saúde. Somente assim será possível identificar alternativas mais eficazes à judicialização desse direito fundamental.
Para a concessão de liminares, pelos magistrados, os quais deverão observar a presença de dois requisitos básicos: o fumus boni iuris (fumaça do bom direito) e o periculum in mora (perigo da demora) (Friede, 2014, p. 250-52). Contudo, em casos de saúde, esse perigo é frequentemente associado ao risco de agravamento da doença. Deve-se, ainda, observar se o pedido tem base na legislação vigente, especialmente na Constituição Federal de 1988, que garante o direito à saúde como um direito fundamental, além de outras normas infraconstitucionais e regulamentações do SUS.
Eis um julgado como exemplo prático dessa abordagem:
1. O direito à saúde é garantia constitucionalmente assegurada, nos termos dos artigos 6º e 196 da CF/1988, cabendo à Administração gerenciar os casos de urgência e emergência mediante agendamento de procedimentos preferenciais e, de outro lado, inclusão de usuários em lista de espera para realização de intervenções eletivas.
2. A concessão judicial de prestação de saúde que implique quebra da fila de espera pressupõe demonstração de urgência, que in casu restou evidenciado, portanto, sendo necessária a concessão da tutela antecipada.
3. Na hipótese, a documentação médica evidencia a urgência do caso, sendo que a morosidade na realização do procedimento poderá dificultar ou até mesmo inviabilizar a reconstrução cirúrgica, em razão da perda óssea progressiva.
4. Recurso provido. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RONDÔNIA, 2024)
Em relação ao fornecimento de medicamentos, aplica-se um raciocínio semelhante: a responsabilidade pelo fornecimento de medicamentos básicos é dos municípios, enquanto os Estados e a União são incumbidos de fornecer medicamentos de média e alta complexidade.
Em especial, a dispensação de medicamentos classificados como “excepcionais” é atribuída aos Estados (Jorge, 2017, pp. 473-78).
Contudo, o Poder Judiciário brasileiro tem reiterado que a responsabilidade pelo fornecimento de medicamentos é solidária entre a União, os Estados e os Municípios, independentemente das divisões administrativas estabelecidas pela legislação infraconstitucional. Tal decisão pode ser ratificada pelo informado no Recurso Especial relatado por Benedito Gonçalves em abril de 2018:
Na jurisprudência, é listado como requisitos essenciais para o pleito:
a) a comprovação por laudo médico fundamentado;
b) a incapacidade financeira do Requerente; e
c) a existência de registro na ANVISA do medicamento.
Em que pese o Julgado tratar sobre medicamentos, através de uma interpretação extensiva, pode ser aplicado aos demais procedimentos, no que couber.
Esclareço que o Natjus foi criado pela Resolução 238/2016 – destinados a subsidiar os magistrados com informações técnicas, o Conselho Nacional de Justiça e o Ministério da Saúde celebraram o Termo de Cooperação n. 21/2016, cujo objeto é proporcionar aos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Tribunais Regionais Federais subsídios técnicos para a tomada de decisão com base em evidência científica nas ações relacionadas com a saúde, pública e suplementar, visando, assim, aprimorar o conhecimento técnico dos magistrados para solução das demandas, bem como conferindo maior celeridade no julgamento das ações judiciais.
Bem como pelo explicitado no Art. 6° da Lei N. 8.080, de 1990:
Destaca-se o fornecimento de medicamentos aos usuários do SUS, na assistência terapêutica integral e inclusive farmacêutica, a formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção.
Esses entendimentos refletem a interpretação de que, na efetivação do direito fundamental à saúde, todos os entes federativos compartilham a obrigação de garantir o acesso aos medicamentos necessários, conforme preceituado na Constituição Federal de 1988.
Portanto, ao analisar os fatos específicos de cada caso, as estratégias para reduzir a Judicialização da Saúde, quanto ao problema das liminares, nos âmbitos dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, envolvem estabelecer protocolos de atendimento, aperfeiçoando assim a juridicidade das políticas e efetivando as responsabilidades de cada poder.
Nesse sentido, Bucci (2017, pp. 80-85) delimita que deve-se considerar, na convergência de esforços que deve haver entre as esferas de poder, cinco aspectos prédemarcados.
– Em primeiro lugar, no âmbito do poder judiciário, deve-se “reverter o automatismo da concessão de liminares, considerando os elementos de fato de cada caso a reiteração da concessão das liminares e cautelares satisfativas tem atuado como o verdadeiro chamariz de ações judiciais”.
– Em segundo lugar, no âmbito do Poder Executivo, é necessário “rever a apresentação das políticas públicas de assistência terapêutica, melhorando sua inteligibilidade”.
– Já no âmbito conjunto dos poderes Executivo e Legislativo, para a autora, é importante “aprimorar a juridicidade das políticas, explicitando as responsabilidades respectivas”, bem como “disciplinar protocolos de atendimento aos usuários do sistema de saúde”.
– Já ao âmbito conjunto dos poderes Executivo e Judiciário cabe “disseminar as listas e seu caráter vinculante aos juízes”.
– Logo, para reduzir a judicialização da saúde, é necessária uma convergência de esforços entre os diversos atores envolvidos, abordando os cinco aspectos supracitados. Essas estratégias são fundamentais para uma abordagem mais coordenada e eficaz na redução da judicialização da saúde.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da análise apresentada, é evidente que a Constituição Federal de 1988, ao consagrar o direito à saúde como um direito social, impôs ao Estado o dever de assegurar a efetiva implementação desse direito por meio de políticas públicas voltadas para a promoção, proteção e recuperação da saúde. O Sistema Único de Saúde (SUS), concebido como uma ferramenta para concretizar esse direito, ainda enfrenta desafios significativos, especialmente em relação ao fornecimento de medicamentos à população.
A crescente judicialização do direito à saúde, particularmente no que se refere ao fornecimento de medicamentos, revela a incapacidade do Estado em garantir, de forma tempestiva e adequada, o acesso aos tratamentos necessários. Essa realidade tem levado os cidadãos a recorrerem ao Poder Judiciário como meio de assegurar o cumprimento de um direito que lhes é conferido constitucionalmente.
Nesse contexto, é imperativo que os magistrados atuem com critérios bem definidos ao julgar ações dessa natureza, ponderando os interesses das partes envolvidas. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem desempenhado um papel crucial ao mapear e fornecer dados precisos sobre a judicialização da saúde no Brasil, o que auxilia na compreensão da dimensão e da complexidade do problema.
Além disso, é fundamental que as decisões judiciais sejam proferidas com celeridade, sobretudo em casos que envolvem a urgência e a necessidade do tratamento do paciente. A concessão de tutelas antecipadas deve ser criteriosa e pautada na análise cuidadosa do caso concreto, visando sempre a garantir o direito à vida e a qualidade de vida do indivíduo.
Portanto, a hipótese inicial de que as consequências da judicialização do direito à saúde são multifacetadas e incluem impactos financeiros significativos no orçamento público, embora a judicialização busque assegurar a efetividade do direito à saúde e garantir a proteção integral dos cidadãos, seus efeitos podem ser prejudiciais ao equilíbrio das políticas públicas de saúde, o que evidencia a continuidade do fluxo processual e reforça a necessidade de um sistema cada vez mais eficiente para acompanhar o volume de novas demandas.
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1Bacharel em Ciências Contábeis, Acadêmica do Curso de Direito da FIMCA-JARU/RO.
2Mestre em Direito e Sociologia, Bacharel em Direito e Ciências Contábeis, Bacharel em Teologia.