REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202504282308
Eduardo Visconti1
RESUMEN
El resumen de la próxima publicación tiene como objetivo proporcionar una visión concisa del estudio en cuestión. Considerando la justificación y el problema subyacente, el objetivo es definir claramente los objetivos de investigación. Para ello, se seguirá una metodología apropiada y bien fundamentada. Así, al analizar los resultados obtenidos, se observan contribuciones significativas al campo de estudio. Estos hallazgos nos permiten concluir que el trabajo ha alcanzado sus objetivos propuestos. Se recomienda que el resumen contenga entre 150 y 250 palabras para garantizar la precisión y concisión necesarias.
Palabras clave: Direito penal. Tribunal do Júri. Filosofia do Direito Penal. Processo Penal. Direito Comparado.
INTRODUÇÃO
A correta interpretação do artigo 593, III, alínea “d” do Código de Processo Penal é um tema que ganhou grande relevância com a alteração legislativa promovida pela Lei 11.689/2008, que introduziu o quesito genérico de absolvição no direito brasileiro.
Nesse sentido, torna-se necessário compreender se, a partir desse novo dispositivo legal, à acusação não mais é permitido interpor recurso de apelação, nos termos do art. 593, III, “d” do CPP, para reformar uma decisão dos jurados que, a despeito de reconhecer a autoria e materialidade do delito, absolve o acusado apesar de qualquer pleito defensivo. Para compreender o problema, se faz necessário promover uma análise do fim do direito penal, buscando-se entender a contribuição do Tribunal do Júri para sua consecução.
MARCO TEÓRICO
O presente estudo parte de um esforço de análise crítica e sistematizada da literatura especializada brasileira e estrangeira sobre a natureza e a finalidade do direito penal, bem como sobre a função histórica e normativa do Tribunal do Júri no ordenamento jurídico brasileiro.
A construção teórica proposta se ancora em autores consagrados como Zaffaroni, Pierangeli, Paulo César Busato, Cezar Roberto Bitencourt e Claus Roxin, que convergem ao identificar o direito penal como o instrumento mais invasivo de controle social à disposição do Estado, cuja legitimidade depende do respeito aos valores ético-sociais compartilhados pela coletividade.
A leitura desse campo jurídico exige, portanto, uma abordagem que vá além da legalidade estrita e considere a dimensão simbólica da sanção penal, conforme defendido por Henry Melvin Hart Jr., ao afirmar que o diferencial do direito penal reside no julgamento moral coletivo que acompanha a condenação formal, revelando sua profunda imbricação com a reprovação social.
I – O FIM DO DIREITO PENAL
O direito, em sua acepção ampla, é uma criação humana que viabiliza a coexistência social minimamente pacífica. Nesse sentido, Zaffaroni e Pierangeli (1997, p. 94), explicam que:
“O direito é um instrumento de viabilização da existência humana, entendendo por existência, em poucas palavras, a relação de cada homem com seu ser, isto é, a escolha que cada qual faz do que quer ser e chegar a ser, assim como a realização desta escolha. A existência humana não pode ser senão na forma da coexistência, de existir com outros que também existem”
A Constituição Federal de 1988, marco normativo que determina a interpretação e sistematiza todas as normas do sistema jurídico, estipula, logo em seu artigo segundo, exatamente os valores ético-sociais que o Estado deve almejar em sua atuação por meio do direito.
Dentro desse contexto, compreender o propósito específico do direito penal é essencial para se garantir a legitimidade de sua aplicação, permitindo-se que o jurista seja capaz de interpretar “o sentido e os limites das disposições legais, de maneira compatível com o objetivo geral” .
Nessa senda, tratando exatamente sobre esse tema, Paulo César Busato (2015, p. 03) expõe que “o direito penal atua como instrumento mais contundente de que dispõe o Estado para levar a cabo o controle social”. Em sentido semelhante, diz Bitencourt (2019, p. 39): “surge o Direito Penal com sua natureza peculiar de meio de controle social formalizado, procurando resolver conflitos e suturando eventuais rupturas produzidas pela desinteligência dos homens”.
Todavia, como bem abordado por Hassemer, esse controle social não pode ser a partir de crimes criados por mero capricho legislativo, ao contrário, deve se tratar de condutas que, antes de se tornarem típicas, já eram reprovadas socialmente. Dessa maneira:
“os valores sociais são protagonistas na fundamentação do Direito Penal, e devem ser observados como um reflexo histórico, naturalmente variáveis conforme a época na qual sejam analisados. (…) Sendo assim, quanto mais fortemente reflita os valores éticos de uma sociedade, mais legitimidade terá o direito penal para intervir” (Oliveira, 2013, p. 51).
Essa ideia é arrematada quando se expõe que “o Direito Penal material não teria somente a função de limitar a punibilidade, mas também de assegurar as normas fundamentais de uma sociedade” .
Portanto, a intervenção Estatal para solucionar conflitos usando-se do manto criminal somente é legítima se arrimada na proteção de valores caros à sociedade.
Contudo, essa conclusão, apesar de lançar uma luz sobre o tema, não é capaz de dizer exatamente qual é o aspecto que diferencia o direito penal dos demais ramos do direito. Afinal, a necessidade de se fundamentar em valores sociais para se legitimar não é faceta exclusiva das normas criminais.
A noção predominante é a de que o ponto de especialidade do direito penal está em suas sanções. É nesse sentido a lição de Claus Roxin (1997, p. 41):
“lo que significa que el Derecho penal en sentido formal es definido por sus sanciones. Si un precepto pertence al Derecho Penal no es porque regule normativamente la infracción de mandatos o prohibiciones – pues eso lo hacen también múltiples preceptos civiles o administrativos – ,sino porque esa infracción es sancionada mediante penas o medidas de seguridad”.
Complementando essa posição, Zaffaroni e Pierangeli sustentam que:
“o direito penal tem, como caráter diferenciador, o de procurar cumprir a função de prover à segurança jurídica mediante a coerção penal, e esta, por sua vez, se distingue das restantes coerções jurídicas porque aspira assumir caráter especificamente preventivo ou particularmente reparador” .
Porém, em histórico trabalho, Henry Melvin Hart Junior (1958, p. 404), traz à lume um elemento que parece ser de fato o traço de especialidade do direito penal. Explica o autor que “o que diferencia a sanção criminal da civil (…) é o julgamento condenatório social que acompanha e justifica a sua imposição” (tradução nossa).
Complementando sua explanação, diz Henry:
“A essência da punição pela delinquência moral repousa na própria condenação criminal. Uma pessoa pode perder mais dinheiro no mercado de ações do que numa corte de justiça. Um campo de prisioneiros de guerra pode fornecer um ambiente mais duro do que o de uma prisão estadual. A morte no campo de batalha pode ter as mesmas características físicas do que a morte decorrente de uma sentença judicial. É a expressão do ódio, medo e desprezo pelo condenado que, sozinhos, fazem com que o sofrimento corporal seja uma punição” (tradução nossa).
Com efeito, o que de fato nos mostra que estamos defronte a aplicação do controle social a partir do direito penal é a reação da sociedade em relação àquele submetido aos agulhes do processo criminal.
Trazendo os comentários de Henry para a sociedade brasileira contemporânea, é possível se exemplificar essa situação a partir dos casos midiáticos, nos quais os acusados já sofrem como se condenados criminalmente, a partir do seu julgamento social, antes mesmo de serem formalmente julgados.
Ou então quando se observa a marginalização daqueles condenados que perdem seus direitos políticos, são despojados do trabalho digno e não conseguem se reinserir na sociedade. Curioso contrastar essa situação com àquela dos devedores de alimentos, que apesar de também serem presos, não sofrem a mesma reprovação social de uma pessoa condenada criminalmente.
Esse entendimento também pode ser melhor compreendido a partir do ponto de vista que os grupos marginalizados da sociedade têm sobre a atuação Estatal.
Em uma grande favela comandada por uma organização criminosa, onde o Estado é incapaz de se fazer presente para garantir os padrões mínimos de subsistência necessários para garantir a autodeterminação e a coexistência pacífica das pessoas que lá vivem, ou, em termos mais diretos, onde o direito positivado não cumpre sua função, é possível que se entenda que se tornar traficante de drogas é um caminho natural para os jovens.
Assim, pode ser que para membros dessa comunidade a condenação e o encarceramento de algum jovem possa ser motivo de revolta, porquanto a aplicação da pena física não é acompanhada da condenação moral. A prisão do jovem traficante pode se tratar, para alguns, de uma aplicação ilegítima do direito penal.
Como último exemplo, pode-se citar a condenação judicial de uma pessoa que, buscando alimentar sua prole faminta, furta pão em uma padaria. Suponhamos, ademais, que ela já tenha sido condenada pela prática de fato semelhante nos últimos cinco anos. De acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, será inaplicável o princípio da insignificância e, com isso, a pessoa deverá ser condenada. No entanto, será difícil encontrar pessoas na sociedade que entendam a aplicação da pena criminal como devida. Haverá, de certa forma, uma revolta quanto a aplicação do preceito secundário da norma incriminadora, o que denota a ilegitimidade da condenação judicial se não acompanhada da condenação social.
Portanto, arrematando as ideias tratadas neste tópico, é apenas possível se dizer que há uma atuação estatal legítima, por meio do direito penal, quando a conduta criminalizada é respaldada por valores éticos-sociais e a punição é acompanhada da condenação ética da sociedade.
II – O FIM DO TRIBUNAL DO JÚRI
A partir das noções expostas no tópico anterior é possível se aferir que a sociedade, formada por indivíduos autodeterminados, desempenha um papel essencial na consecução dos fins do direito penal. Afinal, o controle social a partir do direito penal só é possível se sua atuação se der com o respaldo da condenação social. Do contrário, se terá a aplicação de uma pena corpórea entendida como ilegítima.
Dentro desse contexto, justamente para dar legitimidade à punição estatal, surge o julgamento feito por indivíduos que não são dedicados à atividade jurisdicional, mas, ao revés, geralmente pouco conhecem sobre as leis.
Em um trabalho que talvez seja o de maior importância na doutrina clássica do direito criminal anglo-saxão sobre o instituto do tribunal do júri, William Forsyth (1875, p.1-2) explica que:
“o julgamento pelo júri não deve sua existência a qualquer direito positivo – ele não é a criação de um ato do parlamento que estabeleceu as formas e as funções de um novo tribunal. Ele surgiu, como eu espero demonstrar, de forma silenciosa e gradual, a partir do costume de sociedades que já se extinguiram (…) (tradução nossa).
Nessa linha, o autor demonstra o uso de tribunais do júri até mesmo antes do século IX, mas sem se saber ao certo de onde deriva a sua origem. O sistema que chegou ao direito inglês nada mais era do que uma amálgama de várias práticas diferentes. Dentro desse contexto, o aspecto mais relevante é a diferença entre os sistemas quanto ao papel dos jurados. Em alguns modelos, cabia ao tribunal popular apenas analisar os fatos, devendo uma pessoa dedicada à atividade jurisdicional decidir a consequência jurídica e aplicar a pena. Em outros casos, cabia aos jurados decidir, além dos fatos, a consequência jurídica. E, em outros, os jurados decidiam todas as questões de fato e direito, inclusive a pena a ser imposta.
Ao presente trabalho, nos cabe ater àquele modelo em que os jurados decidem sobre os fatos e sua consequência jurídica, sem impor a pena, porquanto esse é o modelo brasileiro vigente. Tratando sobre o modelo romano clássico, que era semelhante ao brasileiro atual, Forysth, explica:
“Os jurados romanos poderiam, sem qualquer violação do dever legal, absolver contra o mais conclusivo acervo probatório de culpa; porque eles tinham o direito, como representantes da soberania popular, de exercer a prerrogativa da clemência, e os seus vereditos, nesse caso, implicavam e eram equivalentes ao perdão” (tradução nossa)
Percebe-se, assim, que os jurados dentro desse sistema são entendidos como representantes da sociedade da qual pertencem e o seu julgamento, exatamente por se tratar de pessoas sem o necessário conhecimento jurídico, deve se respaldar na sua percepção, como um membro da sociedade, do fato praticado.
Portanto, aqui, a condenação ético-social advinda da conduta típica é proveniente diretamente da sociedade – e não indiretamente por meio de um juiz – , que delega à alguns de seus membros o dever de julgar eticamente os fatos apresentados, concluindo, a partir disso, pela aplicação ou não de uma punição.
Portanto, dentro da sistemática desse júri, não há como se produzir uma condenação criminal ilegítima, porquanto a condenação jurídica e social se dá em um mesmo momento.
Aqui, relevante é a observação trazida por Henry Hart:
“Na sua aplicação convencional e tradicional, uma condenação criminal traz consigo uma indissociável conotação de condenação moral e culpa pessoal. A sociedade faz um uso, essencialmente parasita e, portanto, ilegítimo, desse instrumento quando o usa como um meio de dissuasão (ou coerção) de uma conduta que é moralmente neutra” (tradução nossa).
Com isso, os jurados devem, sem dúvida, gozar de liberdade para proferir suas decisões e construir seus entendimentos, encontrando seus limites apenas na própria sociedade. Como explica John D. Jackson (2002, p. 487), “jurados, claro, são convocados a partir de um grupo variado da sociedade e nesse sentido pode se dizer que há um controle social da comunidade da qual eles foram retirados sobre sua atividade” .
Destarte, a partir dessas considerações, é possível se concluir que o fim do Tribunal do Júri, especialmente no direito brasileiro, é permitir que a própria comunidade julgue a conduta supostamente criminosa, cabendo aos jurados decidir se a punição será ou não cabível. Essa noção está em absoluta sintonia com o próprio fim do direito penal, que, como já exposto, é de garantir a ordem social, a partir da defesa de valores éticos da sociedade.
Logo, se a sociedade, por meio de seus jurados, diz que uma conduta, apesar de típica, ilícita e culpável, não deve ser punida, porque não violou seus padrões éticos, a imposição de uma eventual pena física será ilegítima. A sociedade pode dizer que uma ação criminosa não embaraçou de fato a ordem social e, com isso, a imposição de uma pena jurídica, desacompanhada da condenação ética é um exercício arbitrário do poder de punir, porque não atende a nenhum fim senão ao da própria punição.
Relevante, nesse ponto, é o seguinte comentário de Zaffaroni e Pierangeli: “A coerção penal deve reforçar a segurança jurídica, mas, quando ultrapassa o limite da tolerância na ingerência aos bens jurídicos do infrator causa mais alarme social do que o próprio delito” .
Justamente por essa razão, o tribunal do júri está previsto no artigo quinto da Constituição Federal de 1988. Trata-se de um direito fundamental do acusado de praticar crimes dolosos contra a vida de vir a ser julgado por seus pares, que poderão o absolver, mesmo se reconhecerem que foi praticado um fato típico, ilícito e culpável.
Como bem explica Nancy Jean King (1999, p. 50), a ação do júri de negar vigência à lei criminal (chamado no direito anglo-saxão de jury nullification) é possível para se combater a aplicação de leis injustas ou, simplesmente, como uma forma de leniência, evitando-se que o Estado aplique uma punição corpórea que a sociedade não entenda como justa.
III – A INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 593, III, “D” DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
As ideias desenvolvidas nos tópicos anteriores são essenciais para se buscar a interpretação mais apropriada do art. 593, III, “d” do Código de Processo Penal (Brasil, 1941), que estipula:
Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:
(…)
III – das decisões do Tribunal do Júri, quando: Redação dada pela Lei nº 263, de 23.2.1948)
(…)
d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. (Incluído pela Lei nº 263, de 23.2.1948)
A discussão hermenêutica quanto a aplicação desse artigo se dá em razão da alteração legislativa trazida pela Lei 11.689/2008, que introduziu o seguinte quesito como obrigatório em todos os julgamentos do Tribunal do Júri:
Art. 483. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre: (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)
I – a materialidade do fato;(Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
II – a autoria ou participação;(Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
III – se o acusado deve ser absolvido;(Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa;(Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 1o A resposta negativa, de mais de 3 (três) jurados, a qualquer dos quesitos referidos nos incisos I e II do caput deste artigo encerra a votação e implica a absolvição do acusado. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 2o Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação: (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
O jurado absolve o acusado?
Portanto, cabe saber se pode a acusação, à luz dessa alteração legislativa, interpor recurso de apelação quando os jurados decidirem pela absolvição mesmo quando reconhecem que I) há materialidade do fato e que II) o acusado foi o autor. Haveria nessa situação contrariedade à prova dos autos capaz de induzir a aplicação do art. 593, III, “d” do CPP?
Evidente que não. A introdução do quesito genérico “o jurado absolve o acusado” apenas adequou o direito positivo aos fins do direito penal e do tribunal do júri, como exposto nos tópicos anteriores.
É perfeitamente possível que os jurados, no exercício de seu mister, decidam que uma conduta criminosa não afetou a ordem social, não atingindo, portanto, seus valores éticos, o que torna ilegítima a aplicação de uma pena criminal, porque desacompanhada da condenação ética da conduta.
Todavia, é relevante compreender como os tribunais abordam essa questão. No julgamento do Habeas Corpus 313.251/RJ, o Superior Tribunal de Justiça, em sua terceira sessão, por maioria dos votos, concluiu por adotar a posição do Ministro Joel Ilan Paciornik. Nesse writ, a despeito de não se conhecer da impetração por questões processuais, os Ministros que se filiaram ao voto vencedor encamparam as seguintes manifestações:
“Quanto ao ponto, entendo que a absolvição do réu pelos jurados, com base no art. 483, III, do CPP, ainda que por clemência, não constitui decisão absoluta e irrevogável, podendo o Tribunal cassá-la quando ficar demonstrada a total dissociação da conclusão dos jurados com as provas apresentadas em plenário. Assim, resta plenamente possível o controle excepcional da decisão absolutória do Júri, com o fim de evitar arbitrariedades e em observância ao duplo grau de jurisdição.
(…)
Nesse contexto, considero que a prevalência da posição contrária criaria um superpoder ao Tribunal do Júri, que poderia absolver o acusado fora das hipóteses previstas no art. 386 do Código de Processo Penal e em total descompasso com as provas dos autos, sem que tal decisão possa ser submetida à análise do Tribunal ad quem”.
Nesse julgamento, que buscava unificar a jurisprudência daquele tribunal superior sobre o tema, em pouco auxiliou à discussão. Melhor sorte teve o Superior Tribunal de Justiça um ano antes, quando analisou o habeas corpus 350.895/RJ, relatado pela Min. Maria Thereza de Assis Moura.
Curioso é observar a contradição no voto vencedor, de lavra do Min. Sebastião Reis, que reconheceu a possibilidade de cassação da decisão dos jurados que, apesar de responder afirmativamente aos quesitos de autoria e materialidade, absolvem o acusado, desde que o Tribunal indique os elementos concretos probatórios que demonstrem a contradição na decisão. Assim, para o Ministro, o que não se pode fazer é cassar a decisão por uma presunção de contrariedade à prova dos autos.
Portanto, para Sebastião Reis, a absolvição genérica, isto é, independente de encontrar respaldo em qualquer tese defensiva, pode existir, mas só se o Tribunal ad quem não analisar, no julgamento da apelação, os elementos probatórios concretos do caso.
Essa posição é uma tentativa de conciliar os seguintes entendimentos antagônicos: O primeiro, defendido pelos Ministros Schietti Cruz e Saldanha Palheiros, determinava que é possível a absolvição genérica e, portanto, não poderia o Ministério Público apelar para cassar a decisão do tribunal do júri simplesmente em razão dos jurados terem respondido afirmativamente aos quesitos de materialidade e autoria. Defendem, com efeito, que é cabível a absolvição por qualquer motivo, independentemente de qualquer tese defensiva.
O segundo entendimento, defendido anteriormente pelo Min. Néfi Cordeiro, era de que a introdução do quesito genérico de absolvição na legislação pátria não autorizava a absolvição do acusado apesar da existência de teses jurídicas defensivas que justificassem a sua aplicação.
Assim, a tese defendida pelo Ministro Saldanha Palheiro, posteriormente ratificada pela Min. Maria Thereza, é uma mistura de dois entendimentos incompatíveis que tem como resultado a criação de uma jurisprudência contraditória. Deve ser ressaltada a seguinte conclusão constante no voto vencedor:
“Nessa hipótese, deverá o Tribunal de Apelação, além de evidenciar concretamente que o veredicto absolutório não encontra nenhum respaldo nas provas dos autos, também demonstrar que a aplicação da clemência está desprovida de qualquer elemento fático que autorize a sua concessão”.
Como se pode comprovar que existem elementos concretos que autorizem a aplicação da clemência? A clemência é uma decisão da sociedade, representada por seus jurados, no sentido de que não se deve punir o acusado. Logo, se a sociedade optou por não aplicar a punição é porque entendeu que a ordem pública não foi violada e a conduta praticada não merece condenação ética.
O que deve ser entendido, e esse ponto tem relevância para ambos julgados trazidos, é que os jurados têm mais poderes de absolvição do que o juiz ou togado, porque eles refletem em sua decisão diretamente o fim do direito penal.
O Supremo Tribunal Federal também já teve oportunidade de se manifestar sobre o tema no RHC 117.076/PR. Nesse recurso, que foi provido monocraticamente pelo Min. Celso de Mello, foram abordados os pontos fulcrais da controvérsia, rechaçando-se o entendimento construído pelo Superior Tribunal de Justiça.
De acordo com o Ministro Celso de Mello:
“segundo penso, revela-se juridicamente possível a formulação, pelos jurados, com base em sua íntima convicção, de juízo de clemência ou de equidade, sem qualquer vinculação a critério de legalidade estrita, considerados, para tanto, como vetores de tal pronunciamento, o sigilo da votação, a soberania do veredicto do júri e o caráter abrangente do quesito genérico e obrigatório de absolvição (CPP, art. 483, III), circunstâncias essas que inviabilizam o controle recursal da manifestação absolutória dos integrantes do Conselho de Sentença, tornando insuscetível, como efeito consequencial, a utilização, pelo Ministério Público, da apelação fundada no art. 593, III, “d”, do CPP”.
Esse mesmo entendimento do Ministro Celso de Mello é reverberado em outras de decisões monocráticas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, podendo-se citar, o Habeas Corpus 143.595-MC/SP, RHC 168.796-MC/SP, HC 146.672-MC/DF, entre outros. Todavia, ainda não há decisão com efeito erga omnes sobre o tema, o que torna a discussão do presente artigo atual e relevante.
Cabe dizer, por fim, que a despeito de tratarem do tema sob a óptica constitucional dos princípios da soberania dos veredictos do tribunal do júri, bem como do princípio do sigilo das votações, as decisões judiciais não promovem uma análise semelhante a trazida pelo presente artigo sobre o fim do direito penal e o papel do tribunal do júri na sua consecução.
Portanto, se faz necessário ressaltar que é preciso indagar de onde surgem esses princípios invocados. Em outras palavras, cabe perguntar por qual razão deve existir a soberania dos julgados advindos do tribunal do júri. De igual forma, por que se garante os sigilos da votação?
METODOLOGIA
A metodologia adotada neste artigo é de natureza qualitativa, com abordagem eminentemente teórico-dogmática e hermenêutica. O objetivo do estudo é interpretar o artigo 593, inciso III, alínea “d” do Código de Processo Penal brasileiro à luz da finalidade do direito penal e do papel constitucional do Tribunal do Júri.
Para isso, foi realizada uma análise crítica de fontes doutrinárias nacionais e estrangeiras, buscando identificar as concepções predominantes sobre a legitimidade da atuação punitiva estatal e sobre a função ética e social das decisões proferidas pelo corpo de jurados. A pesquisa também se valeu da investigação jurisprudencial de julgados relevantes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), a fim de examinar como a controvérsia tem sido tratada na prática judicial.
RESULTADOS Y DISCUSIONES
Os resultados e discussões do presente estudo decorrem da análise teórico-jurídica da doutrina e jurisprudência aplicadas ao art. 593, III, “d” do Código de Processo Penal, especialmente após a introdução do quesito genérico de absolvição pela Lei 11.689/2008.
A principal constatação é que a introdução desse dispositivo normativo reforça a função democrática e legitimadora do Tribunal do Júri, permitindo que os jurados absolvam o acusado mesmo quando reconhecem a materialidade e a autoria do delito, desde que, à luz de seus valores ético-sociais, não considerem a imposição da pena adequada ou justa.
Tal possibilidade encontra amparo no próprio fim do direito penal, conforme sustentado por autores como Zaffaroni, Roxin e Hart Jr., os quais afirmam que a legitimidade da sanção criminal depende da reprovação ética da conduta pela coletividade. A análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal revelou divergências interpretativas relevantes, com parte dos julgadores admitindo a absolvição por clemência como expressão legítima da soberania popular, enquanto outros a condicionam à existência de fundamentos fáticos objetivos, o que fragiliza o alcance constitucional do veredito do júri.
A discussão desses resultados evidencia que a compreensão do júri como instituição destinada à manifestação direta do juízo moral da sociedade sobre condutas penalmente relevantes é fundamental para a coerência do sistema penal democrático.
O estudo mostra que decisões absolutórias dos jurados, ainda que contrárias às provas técnicas dos autos, não necessariamente violam a lógica do ordenamento, mas refletem sua função essencial de controle social ético.
Em termos práticos, reconhecer essa prerrogativa do júri é resguardar a legitimidade do processo penal como instrumento de defesa da ordem social, e não como um mecanismo punitivo autônomo e desvinculado da vontade coletiva.
A principal limitação do estudo é a ausência de dados empíricos que avaliem o impacto quantitativo dessas decisões absolutórias no sistema de justiça criminal, o que abre espaço para futuras pesquisas interdisciplinares que aliem análise jurídica e sociológica.
Ainda assim, os resultados obtidos contribuem significativamente para o aprofundamento da compreensão teórica sobre a função do júri e para a reflexão crítica sobre os limites da intervenção estatal no exercício do poder de pun
CONCLUSIÓN
A partir das ideias desenvolvidas neste trabalho é possível concluir que não é cabível o recurso da acusação com fundamento no art. 593, III, “d” do Código de Processo Penal para se reformar uma decisão prolatada pelo tribunal do júri que, apesar de contrária à prova dos autos, absolve genericamente o acusado.
Como exposto, o tribunal do júri é o órgão capaz de atingir diretamente os fins do direito penal, porquanto sua decisão é a própria manifestação da sociedade acerca de uma determinada conduta. Caso os jurados entendam que uma ação não tem desvalor social (e, consequentemente, não afetou a ordem social), a imposição de pena pessoal será ilegítima, porque desacompanhada da devida condenação social.
REFERÊNCIAS
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FORSYTH, William. History of Trial by Jury. 2ed. Jersey City, Inglaterra: Frederick D. Linn & Company Publishers, 1875.
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ROXIN, Claus. Derecho Penal: parte general, tomo I, fundamentos. La estrutura de la teoria del delicto. 2ed. Madri, Espanha: Civitas, 1997.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.
1Pós-graduado em Ciências Criminais, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail: edu.visconti@gmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0000-0000-0000