REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11476943
Juliana D’angelo Serra1
Tayná Figueredo Lima2
Prof. Orientador: Rita de Cassia Moura Carneiro3
RESUMO
O presente artigo visa analisar a internet como meio para cometimento de crimes sexuais, em especial, objetiva estudar quais crimes sexuais ocorrem no ambiente virtual, e como estes são cometidos. O tema é relevante na medida em que o aumento do uso globalizado, desenfreado e, sobretudo, sem regulação legislativa da internet, significa, também, o aumento de milhões de pessoas vulneráveis a prática de crimes virtuais, notadamente, os crimes sexuais os quais tende a ter como principais vítimas mulheres, crianças e adolescentes. O percurso metodológico é de natureza qualitativa do tipo bibliográfica. O método é dedutivo com nível de aprofundamento descritivo. Os resultados indicam que, embora existam algumas medidas legislativas e preventivas que atendam a certas necessidades, elas são insuficientes e não são aplicadas de forma eficaz para mitigar os riscos e proteger as vítimas.
Palavras-chave: internet; crimes sexuais; vulnerabilidade.
ABSTRACT
This article aims to analyze the internet as a means for committing sexual crimes, particularly focusing on identifying which sexual crimes occur in the virtual environment and how they are committed. The relevance of this topic lies in the fact that the globalized, rampant, and largely unregulated use of the internet has led to an increase in the number of vulnerable individuals susceptible to virtual crimes, particularly sexual crimes, which predominantly target women, children, and adolescents. The methodological approach is qualitative, of a bibliographic nature. The method used is deductive with a descriptive level of depth. The results indicate that, although there are some legislative and preventive measures that address certain needs, they are insufficient and are not effectively applied to mitigate risks and protect victims.
Keywords: internet; sexual crimes; vulnerability.
INTRODUÇÃO
Na atualidade, um dos resultados do acesso globalizado e desenfreado à internet é o surgimento de crimes virtuais, ou cibercrimes, o que representa um dos assuntos mais urgentes e relevantes no cenário global, emergindo como desafio político e normativo fundamental em questões de proteção à integridade e privacidade dos membros que utilizam desta ferramenta online.
A internet trouxe inúmeras possibilidades de interação social. Segundo Marodin (2021), o meio virtual deu “abertura para extensa disseminação de informações, as quais através das interações facilmente se disseminam“. Assim, as relações interpessoais passaram a ser facilitadas através do ambiente virtual. No entanto, essa facilidade também trouxe um lado negativo: a maior oportunidade para o cometimento de crimes virtuais, uma vez que estes independem da presença física do criminoso.
Com o advento da internet, as barreiras tradicionais que protegiam a propriedade privada e dificultavam o cometimento de crimes foram rompidas. O criminoso que antes estava à espreita dos muros agora pode invadir a privacidade das casas através da conexão em rede. Assim, a internet criou um novo espaço de interação social e econômica, mas também abriu caminho para novas formas de crimes.
Neste liame, o enfoque do presente estudo é analisar a internet como meio para prática de crimes sexuais, dando especial relevância para natureza e a dinâmica desses crimes no ambiente virtual.
Isto pois, a propagação de crimes sexuais no ambiente virtual é uma realidade alarmante que afeta principalmente mulheres, crianças e adolescentes. A sensação de anonimato e a falsa percepção de impunidade incentivam comportamentos criminosos (MARODIN, 2021), enquanto as vítimas muitas vezes se encontram desamparadas por políticas públicas insuficientes ou ineficazes.
Dessa maneira, ao escrever o presente artigo, a relevância do tema surge da necessidade de entender em que medida o ambiente virtual é facilitador da prática de crimes, em especial, de crimes contra a dignidade sexual, tais como a divulgação de pornografia infantil, estupro virtual e sextorsão. A princípio, faz-se necessário trazer um breve histórico sobre a internet e redes sociais, além da definição de crimes cibernéticos.
Em seguida, realizasse um estudo sobre a prática de crimes virtuais na internet, tendo como enfoque os aspectos juridicos e sociais dos crimes de divulgação pornografia infantil, sextorsão e estupro virtual. Analisando o comportamento do criminoso nestes crimes e as consequências para as vítimas.
O estudo proposto consiste em uma pesquisa qualitativa, conforme definido por Lozada e Nunes (2021), que busca compreender as características subjetivas do fenômeno estudado, neste caso, as normas jurídicas relacionadas ao direito migratório. Será realizada uma pesquisa bibliográfica, conforme conceituado por Marconi e Lakatos (2017), analisando diversas fontes como livros, artigos científicos, jurisprudências, entre outros, para explorar diferentes perspectivas sobre o tema.
O método de abordagem adotado será o dedutivo, conforme explicado por Mezzaroba e Monteiro (2019), que parte de argumentos gerais para argumentos particulares, visando aprofundar o entendimento sobre o acesso aos direitos humanos por mulheres migrantes em Joinville. Esta pesquisa será do tipo explicativa, de acordo com Lozada e Nunes (2019), com o objetivo de identificar os fatores que determinam ou contribuem para o acesso a esses direitos, oferecendo uma compreensão mais profunda da realidade em questão.
1 INTERNET E REDES SOCIAIS
A internet, por meio de um sistema global de rede de computadores, revolucionou a maneira de se comunicar, interagir e acessar informações na sociedade atual. Surgida nas décadas de 1960 e 1970, durante a Guerra Fria, através da Advanced Research Projects Agency Network (ARPANet), foi uma solução para a descentralização das informações sensíveis, especialmente dados militares, para que eles não se perdessem em caso de ataque nuclear pela extinta União Soviética aos Estados Unidos (Barreto; Kufa; Silva, 2021).
Tem-se então, que inicialmente, a comunicação via internet era restrita às bases militares, agências governamentais e centros de pesquisa, expandindo-se, posteriormente, quando passou a ser utilizada para troca de mensagens entre universidades (BARRETO, KUFA e SILVA, 2021).
No Brasil, a internet começou a se desenvolver a partir dos esforços acadêmicos, surgindo no final da década de 1980 com a criação da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP). Expandindo-se por todo o território a partir de 1997, quando foi instituída a Lei nº 9.472, de 16 de junho de 1997 (Lei Geral de Telecomunicações), que permitiu a privatização dos setores de telecomunicações e autorizou o funcionamento de provedores comerciais, fatores essenciais para a expansão do acesso à internet (RECUERO, 2009).
Outro momento legislativo importante da internet no Brasil, foi com a promulgação da Lei nº 12.965 de 2014 que instituiu o Marco Civil da Internet, a qual foi produzida visando preencher lacunas no sistema jurídico no âmbito dos crimes virtuais. Além de buscar garantir a neutralidade da rede, a privacidade e a proteção de dados pessoais, estabelecendo padrões para a responsabilidade dos provedores de serviços de internet na promoção da liberdade de expressão e do acesso seguro e democrático à informação. (TRAVASSOS, 2023; apud SANCHES e ANGELO, 2018)
De maneira global, a massificação da internet modificou a forma de comunicação e interação social, principalmente a partir do surgimento de blogs, fóruns e redes sociais, como Orkut, Facebook e Twitter (RECUERO, 2009). A primeira rede social foi criada em 1997, denominada SixDegrees.com, permitindo a troca de informações entre muitos usuários (TEIXEIRA e AZEVEDO, 2011), e não mais apenas entre bases militares.
Em conclusão, a internet e as redes sociais transformaram profundamente a comunicação e a interação social, proporcionando inúmeras facilidades e oportunidades de conexão global. No entanto, esses avanços também trouxeram desafios significativos, especialmente em termos de segurança e privacidade. À medida que a tecnologia evolui, novas formas de crimes virtuais surgem, explorando as vulnerabilidades do ciberespaço e dificultando a proteção das vítimas e a identificação dos criminosos.
Diante deste cenário, é crucial analisar o surgimento e a evolução da criminalidade virtual, compreendendo suas particularidades e os desafios que ela impõe à sociedade contemporânea.
2 CRIMES CIBERNÉTICOS
O aumento extensivo de usuários de redes sociais auxiliado pela revolução tecnológica não apenas proporcionou facilidades de comunicação, mas também introduziu novos desafios, uma vez que a internet, principalmente, por meios das redes sociais se tornou ambiente para prática de crimes, são os chamados crimes virtuais, crimes informáticos e crimes cibernéticos.
Neste contexto, de início, é necessário entender a história do surgimento da criminalidade virtual. Segundo Santos e Nunes (2023, apud OLIVEIRA JUNIOR, 2013), os primeiros casos de crimes informáticos surgiram na década de 1960 e envolviam atividades como manipulação, sabotagem, espionagem e abuso de computadores. Durante essa época, as infrações geralmente focavam em sistemas específicos e eram cometidas por indivíduos com conhecimentos técnicos avançados, já na década de 1980, testemunhou-se um aumento significativo em crimes que envolviam manipulações de caixas bancários, pirataria de software, pornografia infantil e abusos em telecomunicações, refletindo a crescente dependência da sociedade nas tecnologias digitais (OLIVEIRA JÚNIOR, 2013).
Com o avanço contínuo da tecnologia e a crescente popularização da internet nos anos 1990, a criminalidade virtual evoluiu em complexidade e frequência. Para Marodin (2021), o meio virtual é um grande facilitador da prática de crimes virtuais, ou cibercrimes, isso porque o ciberespaço alterou significativamente o comportamento social de milhares de pessoas, inclusive de criminosos. O ciberespaço permite anonimato e acesso remoto, tornando mais difícil a detecção e a prevenção de atividades ilícitas (MARODIN, 2021; apud WALL, 2007).
O termo “cibercrime” ganhou notoriedade apenas no final da década de 1990, especialmente após uma reunião do G-8, onde foram discutidas estratégias para combater práticas ilícitas na internet e formas de prevenção e punição. Esta reunião marcou um ponto de inflexão na conscientização global sobre a criminalidade digital, resultando na adoção do termo para designar infrações penais cometidas no ambiente digital (SANTOS e NUNES, 2023).
No que concerne à conceituação de crime cibernético, a doutrina não possui um consenso quanto à sua nomenclatura. Por isso, esses crimes podem ser denominados crimes informáticos, crimes virtuais ou cibercrimes. Segundo Silva (2015), todos são caracterizados pelo uso de meios informáticos e da rede mundial de computadores, e, assim como nas demais modalidades de delito, necessitam ser atos típicos, antijurídicos e culpáveis. Gonçalves (2022) corrobora essa visão, afirmando que todos esses delitos são consumados mediante a utilização de meios tecnológicos, como a internet.
A autora Marodin (2021, apud ROSSINI, 2004) traz o conceito de crime virtual como uma conduta típica e ilícita que configura um delito ou contravenção penal, seja por ação ou omissão, e que viola direta ou indiretamente a segurança informacional, utilizando meios informáticos conectados à rede ou não.
Em relação ao conceito de crimes cibernéticos, ou cibercrimes, conforme aduz Marodin (2021), é aquele praticado através do meio eletronico, entendendo-se como qualquer conduta delituosa que envolva o uso de equipamentos tecnológicos, seja por acesso ilegal, uso não autorizado, falsificações ou obstruções de dados.
Por sua vez, os crimes informáticos são definidos como “o fato típico e antijurídico cometido por meio da ou contra a tecnologia da informação” (MILAGRE, 2016). Segundo Milagre (2016), os crimes informáticos envolvem atos típicos e antijurídicos cometidos através da informática em geral, ou contra um sistema, dispositivo informático ou rede de computadores. Afirma que, nos crimes informáticos, a informática é tanto o bem ofendido quanto o meio para a ofensa a bens já protegidos pelo direito penal (MILAGRE, 2016).
Segundo Wendt e Jorge (2013), os crimes virtuais ou cibercrimes podem ser classificados como “abertos” e “exclusivamente cibernéticos”. Crimes abertos são aqueles que podem ser cometidos independentemente da utilização da internet ou de computadores, podendo ser realizados de forma tradicional. Em contraste, os crimes exclusivamente cibernéticos só podem ser praticados mediante o uso de recursos tecnológicos que permitem o acesso à internet.
O crime cibernético pode ser cometido de forma dolosa, quando há intenção de causar dano, ou de modo culposo, quando é ocasionado por imprudência, negligência ou imperícia do autor (GONÇALVES, 2022). O cerne da questão não é a internet em si, mas a utilização de meios informáticos para a prática dos delitos.
Ainda, os crimes virtuais podem ocorrer de duas maneiras: contra o computador ou através de um computador, observando-se, então, o bem jurídico afetado pela prática criminosa. Assim, denomina-se como crimes próprios aqueles em que as condutas são perpetradas contra um sistema informático, e nos casos de condutas perpetradas contra outros bens jurídicos configura-se crimes impróprios (MARODIN, 2021).
No Brasil, as punições àqueles que praticam crimes virtuais estão estabelecidas no Código Penal e também em leis esparsas, destaca-se: a) Lei nº 12.737/2012 (Lei Carolina Dieckmann) que estabeleceu penalidades específicas para invasão de dispositivos informáticos e obtenção não autorizada de dados; b) Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados) que regulamenta o tratamento de dados pessoais e prevê sanções administrativas em casos de vazamento de dados pessoais e; c) Lei nº 14.132/2021 que alterou o art. 147-A do Código Penal introduzindo a previsão legal dos crimes de stalking e cyberstalking.
Tais mecanismos normativos buscam inibir a prática de crimes virtuais. No entanto, consubstanciado a democratização do acesso a internet, o ambiente virtual tem se solidificado cada vez mais como meio para prática de delitos, sobretudo por meio das redes sociais que são utilizadas para o cometimento de crimes, uma vez que os autores desses delitos se aproveitam do anonimato gerado no ciberespaço.
Assim, nos dias atuais, a internet é meio atrativo para prática de crimes, uma vez que o sujeito ativo do delito se sente confortável diante do anonimato das redes. Ademais, no meio virtual, as pessoas tendem a subestimar os perigos oriundos da conectividade, ignorando sua vulnerabilidade frente a uma falsa sensação de segurança gerada pelo ambiente físico.
Barreto, Kufa e Silva (2021) afirmam que os indivíduos, quando online, tendem a tomar menos cuidado com os visitantes virtuais desconhecidos do que com estranhos que batem à porta de sua casa. Essa desatenção facilita a ação de criminosos que exploram essas vulnerabilidades para cometer delitos.
Entre esses delitos, os crimes sexuais cometidos pela internet se destacam pela gravidade e pela complexidade, exigindo atenção especial e medidas eficazes para proteger as vítimas, especialmente crianças e adolescentes, Silva (2016) afirma que a internet facilita que indivíduos, ocultando-se atrás de uma falsa identidade, conectem-se com crianças e adolescentes com o intuito de praticar atos de cunho sexual, tema que será abordado abaixo.
3 A PRÁTICA DE CRIMES SEXUAIS COMETIDOS PELA INTERNET
De início, é crucial trazer a baila que até o ano de 2009, o atual Código Penal brasileiro criado pelo Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o crime de estupro estava previsto no capítulo “Crimes Contra os Costumes” e, mantendo a regulamentação dos antigos códigos, somente poderia ser praticado por homens contra mulheres, além disso, o delito abrangia somente a conjunção carnal.
Assim era o dispositivo legal:
Art. 213. Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
No entanto, em 2009, com o advento da Lei nº 12.015, a redação do artigo 213 foi alterada. Essa mudança permitiu que o crime de estupro pudesse ter como vítima tanto homens quanto mulheres. Além disso, qualquer ato libidinoso passou a ser considerado como estupro, desde que o constrangimento seja realizado mediante violência ou grave ameaça. Ou seja, houve a união do crime de estupro com o delito de atentado violento ao pudor em um único artigo.
Essa ampliação na definição dos crimes contra a dignidade sexual adveio da necessidade de acompanhar as transformações sociais e tecnológicas. Deste modo, sem a necessidade da presença física do criminoso para a tipificação do crime de estupro, foi possível culpar as práticas criminosas cometidas no ambiente virtual, que também caracterizam o crime de estupro, e muitas vezes ocorrem como a coerção e o constrangimento sexual online.
Assim, devido à facilidade de acesso às plataformas digitais e com o avanço da tecnologia, os crimes sexuais cibernéticos se tornaram comuns. A prática de crimes sexuais pela internet, muitas vezes denominada “cibercrimes sexuais”, envolve uma ampla gama de atividades ilegais que ocorrem online e que têm como principais vítimas pessoas em situação de vulnerabilidade, em especial, mulheres, crianças e adolescentes.
Aqui, é importante destacar que no âmbito dos direitos humanos, o conceito de vulnerabilidade faz referência a indivíduos, grupos ou segmentos de população que carecem de especial proteção. A abordagem legal da vulnerabilidade envolve o reconhecimento de direitos e a concessão de assistência específica a determinados grupos de pessoas que, historicamente, estão à margem da sociedade (CANOTILHO, 2022).
O crime sexual praticado pela internet tem como principal alvo a imagem da vítima, seja por meio de fotos ou vídeos, com a distribuição não consensual dessas imagens. Existem várias formas de cometer esse tipo de crime, muitas das quais ainda não foram consensualmente conceituadas na doutrina jurídica.
Nesses tipos de crime, o agressor constrange a vítima a participar de atos sexuais contra sua vontade, utilizando diferentes métodos, tais como ameaças, violência ou fraude. A ameaça pode envolver a intimidação da vítima com divulgação de fotos ou vídeos íntimos, informações pessoais comprometedoras ou a promessa de infligir violência física.
Esse tipo de coerção pode criar um ambiente de medo e ansiedade na vítima, fazendo com que ela se sinta compelida a ceder às exigências do agressor. A violência, seja ela física ou psicológica, é outra estratégia utilizada para forçar a vítima a se envolver em atividades sexuais contra sua vontade, mesmo que seja de forma virtual (SILVA e NOGUEIRA, 2020).
A fraude também é uma tática comum onde o agressor engana a vítima fazendo-a acreditar que está em um relacionamento genuíno, quando na verdade está sendo manipulada para propósitos sexuais. Esse tipo de manipulação pode envolver a criação de perfis falsos em redes sociais ou sites de relacionamento, onde o agressor busca ganhar a confiança da vítima antes de iniciar o processo de coerção sexual. Por meio dessas artimanhas, o agressor pode explorar a vulnerabilidade emocional da vítima e induzi-la a participar de interações sexuais online que ela não deseja ou consentiu (OLIVEIRA e NOGUEIRA, 2021).
Além dos danos psicológicos, como ansiedade, depressão, estresse póstraumático e transtorno de pânico, as vítimas também sofrem violações graves de seus direitos fundamentais. Os crimes comprometem a liberdade sexual da vítima, invadindo sua privacidade e dignidade. A vítima pode sentir-se despojada de sua autonomia e controle sobre seu próprio corpo e intimidade, resultando em um profundo impacto emocional e psicológico que pode persistir por muito tempo após o evento, levando ao isolamento social e à perda de confiança nas relações interpessoais (OLIVEIRA e NOGUEIRA, 2021).
As vítimas desse tipo de crime sofrem com ameaças e questionamentos sobre elas mesmas. Porém, com os avanços da inteligência artificial (IA) por exemplo, os criminosos se passam por outras pessoas na internet, já que a perfeita execução de algumas ferramentas, como a deep fake, tecnologia que permite mudar o rosto em vídeo de maneira realista, tem aumentado os crimes cibernéticos (NAZAR, 2023)
Segundo o Ministério dos Direitos Humanos, levantamentos apontam que são denunciados todos os dias cerca de 366 crimes cibernéticos no Brasil e as maiores vítimas são crianças e adolescentes. Dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos apontam tendência de alta nos registros de denúncias de crimes sexuais contra crianças e adolescentes no Brasil em ambiente virtual. Apenas no primeiro semestre de 2022, mais de 78 mil denúncias foram registradas pela Ouvidoria. Deste total, 1,1 mil estão ligados a crimes de violência sexual que afetam a liberdade física ou psíquica da população infantojuvenil (NAZAR, 2023).
Em conclusão, no meio virtual, assim como na vida real, são as mulheres, crianças e adolescentes as principais vítimas de crimes sexuais. Um dos aspectos mais graves e perturbadores dessa questão é a pornografia infantil, tema que será abordado abaixo.
3.1 DIVULGAÇÃO DE PORNOGRAFIA INFANTIL: ASPECTOS LEGAIS E SOCIAIS
Dentre os crimes que são cometidos através do ambiente virtual, o crime de pornografia de menores assume extrema relevância seja pela frequência em que ocorrem e seja pela dificuldade de identificação dos autores do crime. No ordenamento jurídico brasileiro, a proteção da criança e do adolescente possui resguardo constitucional no artigo 224, § 4º, que aduz que “a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”.
Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de quatro a oito anos, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem agencia, facilita, recruta, coage, ou de qualquer modo intermedeia a participação de criança ou adolescente nas cenas referidas no caput deste artigo, ou ainda quem com esses contracena.
§ 2º Aumenta-se a pena de um terço se o agente comete o crime:
- – no exercício de cargo ou função pública ou a pretexto de exercê-la;
- – prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; ou
- – prevalecendo-se de relações de parentesco consanguíneo ou afim até o terceiro grau, ou por adoção, de tutor, curador, preceptor, empregador da vítima ou de quem, a qualquer outro título, tenha autoridade sobre ela, ou com seu consentimento.
Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de quatro a oito anos, e multa.
No que tange ao ambiente virtual, a prática de divulgação, disponibilização ou distribuição de pornografia infantil está tirpificada pelo art. 214-A do ECA, o qual dispõe que:
Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 1 o Nas mesmas penas incorre quem:
- – assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo;
- – assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de computadores às fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo.
§ 2 o As condutas tipificadas nos incisos I e II do § 1 o deste artigo são puníveis quando o responsável legal pela prestação do serviço, oficialmente notificado, deixa de desabilitar o acesso ao conteúdo ilícito de que trata o caput deste artigo.
Por outro lado, o art. 241- B, tipifica a prática de que adquire, possui ou armazena pornografia infatil:
Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1 o A pena é diminuída de 1 (um) a 2/3 (dois terços) se de pequena quantidade o material a que se refere o caput deste artigo.
Nessa linha de intelecção, a definição de material pornográfico acrescentada por esse dispositivo legal não restringe a abrangência do termo pornografia infantojuvenil e, por conseguinte, deve ser interpretada com vistas à proteção da criança e do adolescente em condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, com base no art. 6º do ECA.
Desse modo, o conceito de pornografia infanto-juvenil pode abarcar hipóteses em que não haja a exibição explícita do órgão sexual da criança e do adolescente (SILVA, 2016).
Portanto, configuram os crimes dos arts. 240 e 241-B do ECA quando subsiste incontroversa a finalidade sexual e libidinosa de fotografias produzidas e armazenadas pelo agente, com enfoque nos órgãos genitais de adolescente – ainda que cobertos por peças de roupas -, e de poses nitidamente sensuais, em que explorada sua sexualidade com conotação obscena e pornográfica
Ainda, conforme perfeitamente expresso no art. 241-E do ECA, a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais.
Atente-se que o referido artigo trata sobre cenas reais ou simuladas, isto pois, segundo Silva (2016, apud RODRIGUES, 2011), existem duas possíveis situações: a “pornografia infantil que visualmente representa uma criança envolvida em um comportamento sexualmente explícito, mas que na verdade é uma pessoa maior de idade que aparenta ser uma criança” (pedopornografia aparente); ou a “pornografia infantil que visualmente representa uma criança envolvida em um comportamento sexualmente explícito, mas que consiste em representações geradas, simuladas, criadas e manipuladas, por exemplo, por computador.”
Superado os aspectos de tipificação do crime de pornografia infantil em meio ambiente virtual, é importante aduzir sobre os aspectos sociais do referido crime. Dados produzidos em 2024 pela Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos evidenciam um aumento de 77,13% nos registros de novos casos de abuso e exploração sexual infantil online em relação a 2022 (ELLOVITCH, 2024). As vítimas desse tipo de crime, além dos danos físicos e psicológicos de praticarem atos sexuais em idade muito tenra, sofrem por serem filmadas e fotografadas em seus momentos de maior medo, confusão e sofrimento. Mais tarde, descobrem que o produto dessa violência é disseminado e acessado por pedófilos (ELLOVITCH, 2024).
No ambiente virtual, os pedófilos agem de maneira ainda mais ardilosa e insidiosa. Eles utilizam redes sociais, salas de bate-papo e jogos online para se aproximar das crianças, criando perfis falsos para se passarem por outros jovens ou pessoas de confiança. À medida que a confiança cresce, iniciam conversas de teor mais íntimo e sexual, usando mensagens, vídeos e áudios para estimular e manipular a criança. Com o tempo, começam a pedir fotos e vídeos íntimos, muitas vezes fazendo a vítima acreditar que isso é normal ou que é um segredo compartilhado entre eles. Este método de aliciamento pode levar a criança a não perceber o abuso, sentindo-se até mesmo valorizada pela atenção recebida, enquanto o criminoso coleta material para exploração sexual e chantagem (ANDRADE, 2015).
3.2 SEXTORSÃO
O termo “sextorsão” é uma combinação das palavras “sexo” e “extorsão”, e faz referência a uma forma de exploração sexual onde uma pessoa é constrangida à pratica sexual ou a produzir material pornografico, em troca de preservação de sigilo de imagens, vídeos ou material que conhe nudez da vítima ou relção sexual (SILVA, 2021).
Tem-se, então, que sextorsão é uma forma de chantagem que envolve a obtenção de vantagem sexual de uma pessoa através da ameaça de divulgar imagens ou vídeos íntimos (SYDOW e CASTRO, 2015).
Essa prática abusiva e criminosa geralmente ocorre no ambiente digital, onde o agressor utiliza meios de comunicação como redes sociais, aplicativos de mensagens ou e-mails para obter material comprometedor da vítima. Em seguida, o agressor ameaça divulgar essas imagens ou vídeos caso a vítima não cumpra suas exigências sexuais, que podem incluir desde solicitações de mais conteúdo íntimo até encontros físicos (SYDOW e CASTRO, 2015).
No Brasil, a sextorsão está longe de ser compreendida e ainda não possui tipificação penal específica. No entanto, pode ser enquadrada em diversos dispositivos legais, dependendo das circunstâncias específicas do caso. O Código Penal Brasileiro prevê punições para crimes como extorsão (artigo 158 CPB), ameaça (artigo 147 CPB) e constrangimento ilegal (artigo 146 CPB), que podem ser aplicados em casos de sextorsão, considerando-se a coação para obter vantagem sexual. Além disso, a Lei Carolina Dieckmann introduziu no ordenamento jurídico brasileiro o crime de invasão de dispositivo informático, que pode ser utilizado para punir indivíduos que obtenham imagens ou vídeos íntimos de forma ilegal para praticar a sextorsão.
A legislação brasileira também prevê sanções para a divulgação não consensual de material íntimo, conhecida como “pornografia de vingança” ou “revenge porn“. Para Silva (2021, apud BIANCHINI, 2016) a pornografia de vingança é uma reinterpretação do pensamento “se não for minha, não será de mais ninguém”:
É de todo mundo para não ser de mais ninguém, na verdade, é como se fosse mais uma forma de chegar à mesma ideia de não ser de ninguém, porque na medida em que ele difama essa mulher ela vai ter dificuldades de novos relacionamentos.
A pornografia por vingança, é uma espécie de exposição pornográfica não consetinda que consiste na “disseminação, por qualquer meio, de representação de nudez total ou parcial, ato sexual ou libidinoso, conversa ou qualquer material de cunho sexual, erótico ou pornográfico, sem autorização expressa da pessoa representada” (SYDOW e CASTRO, 2015).
Neste sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça[3]:
A exposição pornográfica não consentida, da qual a “pornografia de vingança” é uma espécie, constituiu uma grave lesão aos direitos de personalidade da pessoa exposta indevidamente, além de configurar uma grave forma de violência de gênero que deve ser combatida de forma contundente pelos meios jurídicos disponíveis.
No contexto, é essencial compreender a diferença entre sextorsão e exposição pornográfica não consentida, pois muito embora, ambas práticas explorem as vulnerabilidades das vítimas no ambiente virtual, a exposição pornográfica não consentida refere-se à disseminação de imagens ou vídeos íntimos sem a permissão da pessoa envolvida, ou contrário da sextorsão em que há a grave ameaça de divulgação de imagens ou vídeos íntimos, a menos que cumpra com as exigências do criminoso, que podem incluir a realização de atos sexuais ou a criação de mais conteúdo pornográfico.
Em outras palavras, a sextorsão é caracterizada pela coerção e manipulação da vítima, que muitas vezes se vê sem alternativas além de ceder às demandas para evitar a exposição pública.
Ambas as práticas são formas graves de violência digital, mas a sextorsão acrescenta uma camada de chantagem contínua e manipulação psicológica, enquanto a exposição pornográfica não consentida se foca na disseminação de conteúdo sem autorização, resultando em um dano imediato e duradouro à reputação e vida pessoal da vítima.
No julgamento do Habeas Corpus de nº 718887/SC, o Ministro Rogerio Schietti Cruz, manteve a prisão preventiva de acusada de participar de organização criminosa, cujo objetivo era obter vantagem econômica ao fazer com que a vítima realizasse depósitos de alto montante, mediante grave ameaça de divulgação/exposição de conteúdo de cunho sexual envolvendo a vítima.
É a ementa do referido julgado:
HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. EXTORSÃO QUALIFICADA. INDÍCIOS DE AUTORIA. VIA ELEITA INCOMPATÍVEL. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E DENEGADA.
- A análise da alegada falta de indícios de autoria demandaria ampla dilação probatória, incompatível com a via estreita do writ.
- Esta Corte de Justiça é firme em assinalar a idoneidade da decretação da custódia preventiva de membros de organização criminosa, como forma de desarticular e interromper as atividades do grupo. Precedentes.
- São bastantes os motivos invocados pelo Juízo singular para embasar a prisão da acusada, integrante de associação criminosa estável e estruturalmente ordenada, com divisão de tarefas, especializada na prática conhecida como “sextorsão”. Por meio de conversas enganosas, em redes sociais e aplicativos de mensagens, os investigados constrangiam, em ambiente virtual, vítimas, intimamente expostas, a lhes transferir grande importância em dinheiro, sob a grave ameaça de divulgação de conteúdo de cunho sexual que lhes envolvia.
- A gravidade concreta das condutas perpetradas evidencia a presença do periculum libertatis e demonstra a exigência cautelar para a preservação da medida extrema da acusada. Interceptação das comunicações telefônicas e o afastamento do sigilo de dados financeiros indicam que a ré – cujo companheiro está segregado na mesma cela do líder da facção – movimentou contas bancárias receptoras dos proveitos das extorsões, por meses.
- A despeito da alegada imprescindibilidade dos cuidados da paciente à criança com 12 anos de idade, nota-se que o líder da organização treinava o filho mais velho da ré, para o desempenho dos mesmos golpes, com o seu consentimento.
- Em virtude das particularidades do caso em comento, muito embora primária, não se revelam adequadas e suficientes à acusada as providências diversas do cárcere (art. 282 c/c art. 319 do CPP).
- Ordem conhecida em parte e, nessa extensão, denegada. (HC n. 718.887/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 22/3/2022, DJe de 28/3/2022.)
Em síntese, apesar de a sextorsão não possuir tipificação específica no Código Penal, o ordenamento jurídico brasileiro conhece sua prática e vem aplicando pena para os criminosos que cometem o referido delito.
3.3 ESTUPRO E ESTUPRO DE VULNERÁVEL COM O USO DA INTERNET
Conforme mencionado anteriormente, com a alteração legislativa da Lei nº 12.015 de 2009, o crime de estupro que antes somente podia ser cometido contra mulheres e com a presença de conjunção carnal, ou seja, até o ano de 2009, o estupro, enquanto norma penal, somente ocorria contra mulheres e com a necessidade de contato físico.
No entanto, com a mudança da tipificação legal, o crime de estupro passou a ser interpretado da seguinte maneira:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2o Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos
Assim, além de maximizar o rol de vítimas, o tipo penal também afastou a necessidade do contato físico para configuração do crime. Desta maneira, a conduta de estupro virtual se enqudrada na interpretação dos trechos “constranger algúem mediante grave ameaça” e “praticar ato libidinoso”. São considerados atos libidinosos, práticas e comportamentos que tenham finalidade de satisfazer desejo sexual.
Do conceito de ato libidinoso, surge também a lascívia contemplativa que é definida como o ato de satisfazer a libido através da observação da nudez alheia sem qualquer contato físico, mesmo à distância. No ano de 2016, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a contemplação lasciva, quando envolve menores de 14 anos, pode configurar o delito de estupro de vulnerável, conforme os artigos 213 e 217-A do Código Penal. O entendimento fundamentou que a simples observação com conotação sexual já constitui um “ato libidinoso”, independentemente do contato físico entre o ofensor e a vítima, enfatizando que, embora a contemplação lasciva não envolva conjunção carnal, ela pode ser tipificada como um ato libidinoso e, portanto, sujeita a sanções penais do crime de estupro contra vulnerável (PIMENTA, 2016).
Desse modo, crime de estupro virtual pode se manifestar de diversas formas, sendo perpetrado tanto por desconhecidos quanto por pessoas próximas da vítima.
O modus operandi comum no estupro virtual envolve a criação de um perfil falso em plataformas de relacionamento ou outros aplicativos. Fazendo-se passar por outra pessoa, o criminoso ganha a confiança da vítima, chegando a enviar imagens íntimas falsas para que a vítima se sinta à vontade para compartilhar suas próprias fotos ou vídeos íntimos. De posse dessas imagens, o agressor passa a ameaçar a vítima, prometendo divulgar o material caso ela pare de enviar mais conteúdo ou não siga as instruções sobre os atos e posições desejadas. Com medo de ter sua privacidade exposta e frequentemente envergonhada de buscar ajuda, a vítima se vê presa em um ciclo coercitivo, enviando mais conteúdo digital para evitar a publicação de sua intimidade na internet (NOBRE e BRAZ, 2023).
A primeira condenação por estupro virtual no Brasil foi do caso da criança de 10 anos, morador de São Paulo, que entrou em 2015, sozinho, no site Omegle, uma plataforma americana de conversas anônimas que tem como slogan “Talk to strangers” (“Fale com estranhos”, em tradução para o português), conheceu um usuário que se passava por “Pedro Dalsch”, de 27 anos, ele era de Porto Alegre e acabou sendo preso três anos depois, o estudante de medicina mantinha cerca de 12 mil imagens contendo pornografia infantil em seu computador (BBC, 2023).
Segundo matéria da BBC (2023), a condenação o réu pelos crimes de aquisição, posse e armazenamento de material pornográfico, de aliciamento/assédio para levar criança a se exibir de forma pornográfica, ambos previstos no ECA, e de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos, praticado por meio virtual.
O art. 5° do ECA, dessa forma, assegura que as crianças e adolescentes não podem ser objetos de negligência, o descaso, a desconsideração, enfim, a inobservância do dever de cuidado e de proteção que a Lei impôs ao mundo adulto para com aquelas pessoas em desenvolvimento.
Ainda, Superior Tribunal de Justiça negou o Habeas Corpus a um réu condenado por estupro de vulnerável, reafirmando a configuração do delito imprecinde de contato físico direto entre o autor e a vítima (NOBRE e BRAZ, 2023).
No caso em questão, o homem foi condenado porque, ao seu pedido, duas mulheres praticaram atos libidinosos em crianças e enviaram-lhe as imagens. A defesa argumentou que a falta de contato físico direto tornava a conduta atípica, mas o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, afirmou que o nexo causal entre a incitação do réu e o dano à dignidade sexual das vítimas é suficiente para caracterizar o crime conforme o artigo 217-A do Código Penal (NOBRE e BRAZ, 2023).
Neste caso, o Ministro Relator citou a contemplação lasciva e o transtorno psíquico causado às vítimas como elementos constitutivos do delito, enfatizando que a dignidade sexual das crianças foi violada independentemente de contato físico direto (NOBRE e BRAZ, 2023).
Evidencia-se, então, que a internet tem se tornado cada vez mais acessível, não só pelos adultos como também por crianças e adolescentes. E como consequência os cibercriminosos aproveitam da fragilidade e inocência das crianças e dos adolescentes, ganham a sua confiança e fazem eles acreditar que a internet é um ambiente totalmente seguro. Alguns chegam a fazer inúmeras promessas como: pagamento em dinheiro, presentes, e promessas ilusórias e diante a vulnerabilidade e falta de percepção eles acabam por atender a pedidos feitos por esses criminosos como envio de fotos íntimas, gravações de vídeos de cunho sexual, dentre outros.
As vítimas desse tipo de crime sofrem com ameaças e questionamentos sobre elas mesmas. Porém, com os avanços da inteligência artificial (IA) por exemplo, os criminosos se passam por outras pessoas na internet, já que a perfeita execução de algumas ferramentas, como a deep fake, tecnologia que permite mudar o rosto em vídeo de maneira realista, tem aumentado os crimes cibernéticos.
Segundo o Ministério dos Direitos Humanos, levantamentos apontam que são denunciados todos os dias cerca de 366 crimes cibernéticos no Brasil e as maiores vítimas são crianças e adolescentes. Dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos apontam tendência de alta nos registros de denúncias de crimes sexuais contra crianças e adolescentes no Brasil em ambiente virtual. Apenas no primeiro semestre de 2022, mais de 78 mil denúncias foram registradas pela Ouvidoria. Deste total, 1,1 mil estão ligados a crimes de violência sexual que afetam a liberdade física ou psíquica da população infantojuvenil (NAZAR, 2023).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do presente artigo foi possível concluir que na medida em que a evolução tecnológica e a democratização do acesso a internet acarretaram na transformação nos meios de comunicação e nas interações sociais, criaram, também, um ambiente propício para prática de delitos, sejam em novas modalidades ou seja modificando o modus operandi daqueles já existentes, diante da facilidade em acessar remotamente dados e de manter o anonimato no ciberespaço.
Ainda, foi possível constatar que as redes sociais na internet desempenham um papel crucial na forma como as pessoas interagem, mas também apresentam novos riscos, como a disseminação de informações falsas e a vulnerabilidade a ataques cibernéticos.
Ademais, os usuários das redes sociais, muitas vezes, estão encobertos pelo anonimato, visto que, distante do mundo físico, questões como identidade e percepção de intenções se tornam frágeis, criando desta maneira um ambiente propício para prática de delitos.
A análise dos crimes de pornografia infantil, sextorsão e estupro de vulneráveis no ambiente virtual mostrou que, apesar das legislações existentes, estas são frequentemente insuficientes ou ineficazes para proteger as vítimas e punir os criminosos de maneira adequada, vez que o ambiente virtual tem como principal caracteristica o anonimato do usuário.
Os resultados indicam que as medidas legislativas e preventivas atuais são insuficientes para lidar com a amplitude e a sofisticação dos crimes cibernéticos, concluindo-se que, a proteção contra crimes sexuais na internet requer não apenas uma atualização das leis, mas também uma abordagem preventiva que inclua educação digital e campanhas de conscientização.
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[3] REsp n. 1.735.712/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19/5/2020, DJe de 27/5/2020.
1Estudante na Graduação do Curso de Direito da Faculdade Independente do Nordeste – Fainor.
2Estudante na Graduação do Curso de Direito da Faculdade Independente do Nordeste – Fainor.
3 Advogada e professora. Mestra em Educação e Especialista em Ciências Criminais.