A INSERÇÃO DOS INDÍGENAS WARAO NO CONTEXTO EDUCACIONAL BRASILEIRO: UM ESTUDO SOBRE O PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO NA COMUNIDADE DO CURUÇAMBÁ NO MUNICÍPIO DE ANANINDEUA – PA

THE INSERTION OF THE WARAO INDIGENOUS PEOPLE IN THE BRAZILIAN EDUCATIONAL CONTEXT: A STUDY ON THE SCHOOLING PROCESS IN THE COMMUNITY OF CURUÇAMBÁ IN THE MUNICIPALITY OF ANANINDEUA – PA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10249151925


Silva, Dora Lúcia Terras Da1
Ribeiro, Mílvio Da Silva2


RESUMO

A Constituição da República Federativa do Brasil promulgada no ano de 1988 traz em seu bojo que a Educação é um direito humano fundamental e pronuncia como um direito de todos, inspirada no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e solidariedade humana, sendo dever do Estado, ministrada no lar e na escola. Neste princípio, o presente estudo teve como objetivo compreender a importância da Educação Escolar Indígena no processo de ensino-aprendizagem dos migrantes Warao no Estado do Pará que estão matriculados na Educação de Jovens, Adultos e Idosos – EJAI, na Comunidade do Curuçambá, em Ananindeua – PA; trazendo à reflexão a inserção escolar desses sujeitos no Estado do Pará com enfoque na realidade da educacional dos indígenas Warao na comunidade do Curuçambá, em Ananindeua – PA. A pesquisa foi é do tipo qualitativa, exploratória e descritiva, com estudo de caso. As fontes do estudo foram bibliográficas e pesquisa de campo in loco. Os procedimentos de coleta de dados foram a observação sistemática e uso de entrevistas com 03 (três) estudantes Warao da EJAI. Os resultados apontaram que a educação Indígena ofertada pela SEMED e SEDUC de Ananindeua – PA para os migrantes Warao ainda está em processo de implementação com uma metodologia diferenciada, entretanto, já se observa várias lacunas, por não dialogar com uma Educação Indígena Intercultural e pela falta de professores bilingues coadunando para entraves quanto ao processo do ensino aprendizagem na modalidade da EJAI, principalmente quanto à alfabetização desses sujeitos que não falam a língua portuguesa.

Palavras-Chave: Educação Escolar Indígena. Interculturalidade. Migrantes Warao. Estado do Pará. Educação de Jovens e Adultos – EJA.

ABSTRACT

The Constitution of the Federative Republic of Brazil promulgated in 1988 states that Education is a fundamental human right and pronounces it as a right of all, inspired by the principle of national unity and the ideals of freedom and human solidarity, being a duty of the State, taught at home and at school. In this principle, the present study aimed to understand the importance of Indigenous School Education in the teaching-learning process of Warao migrants in the State of Pará with a focus on the educational reality of the Warao indigenous people in the community of Curuçambá, in Ananindeua – PA. The research was qualitative, exploratory and descriptive, with a case study. The sources of the study were bibliography and on-site field research. The data collection procedures were systematic observation and the use of interviews with 03 (three) Warao students from EJAI. The results showed that the Indigenous education offered by SEMED and SEDUC of Ananindeua – PA, for Warao migrants is still in the process of implementation with a differentiated methodology, however, there are already several gaps, due to the lack of dialogue with an Intercultural Indigenous Education and the lack of bilingual teachers contributing to obstacles in the teaching-learning process in the EJAI modality, especially regarding the literacy of these subjects who do not speak the Portuguese language.

Keywords: Indigenous School Education. Interculturality. Warao Migrants. State of Pará. EJA – Youth and Adult Education

INTRODUÇÃO

O Direito à Educação como direito humano fundamental está na Carta Magna do Brasil na Constituição Federal de 1988, e demais legislações trazem em si a responsabilidade de preservar a pluridiversidade no contexto escolar. Para atendimento à diversidade da sociedade brasileira e para seu desenvolvimento, criou-se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – a Lei N° 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – conhecida como LDB; e, posteriormente, desenvolveu-se o Plano Nacional da Educação-PNE, a fim de estabelecer metas e estratégias com duração de 10 anos para expandir e qualificar o ensino obrigatório no Brasil.

Neste percurso histórico das legislações vigentes, faz-se necessário qualificar a Educação que é oferecida a todos os cidadãos que vivem no país, de forma que abranja a todos e todas, indistintamente, reconhecendo a impossibilidade de padronização do ensino diante da diversidade étnico-cultural do povo brasileiro. Assim, a CF (BRASIL, 1988) também conhecida como a “Constituição Cidadã” assegurou o reconhecimento dos direitos culturais das populações indígenas, o que significa que a lei sustenta o direito à diferença. Diferenças essas situadas após o processo de ocupação e povoamento do território nacional.

Nesse sentido, como direito de cidadania, a presença da educação escolar indígena foi um marco histórico presente no capítulo VII, artigos 231 e 232 da CF (BRASIL, 1988), que se voltam para a efetivação de um novo tipo de igualdade: a igualdade civil-moral de minorias, tendo em vista o protovalor da integração comunitária, como prevê o Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas-RCNEI (1998, p. 24), ao destacar que as escolas indígenas ou que atendam a esta população: “ela deve ser comunitária, intercultural, bilíngue/multilíngue, específica e diferenciada”. Podemos ressaltar que a demarcação de terras no Brasil marcou o começo das lutas dos povos indígenas e por uma educação escolar indígena de fato.

Assim é dever do Estado assegurar o atendimento às populações de todas as etnias dentro das prerrogativas dos direitos humanos, da CF (BRASIL, 1988) e de todo aparato jurídico educacional, além da valorização e do reconhecimento da pluriversalidade, o que vem ao encontro do atendimento educacional ao povo Warao que chega no Brasil como imigrante para residir no país.

Neste percurso, a inquietação em investigar o processo de escolarização da Educação Escolar Indígena, no campo da Educação de Jovens e Adultos (EJA) surge da necessidade de aprofundar nos conhecimentos teóricos e práticos, de como se dá essa relação/interligação no currículo escolar, enfatizando suas metodologias e contribuições para a inserção dos jovens e adultos migrantes Warao que se estabeleceram em várias regiões do Estado do Pará, com enfoque na comunidade do Curuçambá, no município de Ananindeua – PA, devido ao ingresso como professora  destes sujeitos que frequentam as turmas de EJA, que nas secretarias municipal e estadual do Pará é denominada de EJAI – Educação de Jovens, Adultos e Idosos, em sua maioria, falam apenas a sua língua materna e apenas alguns conseguem falar em espanhol.

Diante do exposto, o objetivo geral deste artigo é trazer à reflexão a importância da Educação Escolar Indígena no processo de ensino-aprendizagem dos migrantes Warao no Estado do Pará que estão matriculados na Educação de Jovens, Adultos e Idosos – EJAI, em Ananindeua – PA; trazendo à reflexão a inserção escolar desses sujeitos com enfoque na realidade vivida por três (03) estudantes Warao e as observações da professora titular da turma da EJAI destes indígenas Warao.

Ao se tratar da Educação Escolar Indígena no Estado do Pará e essa caracterização do contexto desta pesquisa é importante ressaltar que no Brasil, os  marcos legais da CF (Brasil, 1988), LDB (Brasil, 1996), DCNEEI (1998), PNE (Brasil, 2014-2024), entre outras vem dialogando para uma educação emancipatória que respeita a diversidade como a inserção dos sujeitos refugiados nas escolas brasileiras. O Brasil foi o primeiro país na América Latina a formular legislação nacional específica e um dos primeiros a aderir ao regime internacional para os refugiados, respeitando a interculturalidade (Soares, 2022).

Entretanto, apesar de o país possuir uma legislação educacional considerada inclusiva, nesse sentido, a efetivação desse direito ainda esbarra em alguns desafios tanto por parte das políticas públicas quanto por parte dos governantes. Pensar na formação de professores, no currículo escolar e nas metodologias que atendam às diversidades em sala de aula, de forma positiva, é uma realidade que desafia os sistemas de ensino brasileiro há anos (ARROYO, 2011).

O Estudo sobre esta questão da inserção dos indígenas Warao no contexto educacional brasileiro, a partir deste estudo sobre o processo de escolarização na comunidade do Curuçambá no município de Ananindeua – PA que possui mais de 60 indígenas jovens, adultos e idosos residindo em barracas à margem do rio Curuçambá possibilita a reflexão que os professores e o Estado, assim como as secretarias de Educação, possam ter a respeito do processo de escolarização dos povos tradicionais, que possam  ter um olhar para a Educação Intercultural nos currículos a serem desenvolvidos nas escolas brasileiras, que as mesmas possam adaptar os conteúdos conforme as necessidades de cada comunidade seja urbana, rural, do campo, indígena, quilombola, ribeirinha; respeitando as especificidades e as particulares de cada cultura de cada povo.

METODOLOGIA

O percurso metodológico enveredou para a pesquisa foi é do tipo qualitativa, exploratória e descritiva, conforme defendido por Gatti (2005), este tipo de pesquisa tem a função de colocar o pesquisador diante da problemática onde o mesmo busca trazer informações que permitam chegar ao resultado do estudo. Este modo de fazer pesquisa permite também definir de forma mais completa o problema de pesquisa como realizado neste percurso metodológico, onde a pesquisadora teve o contato direto com a problemática e os sujeitos da pesquisa; a partir do estudo de revisão bibliográfica para familiarização com a temática (Gatti, 2005).

Ainda, realizou-se o estudo de caso; que de acordo com Yin (1994), é uma pesquisa empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto de vida real como a inserção dos indígenas Warao no processo de escolarização na comunidade de Curuçambá, em Ananindeua – PA. É utilizado especialmente quando os limites entre o fenômeno e contexto são pouco evidentes; portanto, este procedimento investigativo foi profícuo para alcançar o objetivo do estudo; que foi o de descrever e compreender como se deu este processo de inclusão dos estudantes Warao na Educação de Jovens, Adultos e Idosos – EJAI para sua alfabetização e letramento como formas de obter conhecimentos para sua integração no território paraense.

Conforme Yin (1994), o objetivo do estudo de caso é explorar, descrever e explicar o evento ou fornecer uma compreensão profunda do fenômeno. O autor ainda diferencia quatro tipos de estudos de caso possíveis: o único com abordagem holística, o único com enfoque incorporado e os casos múltiplos com enfoques holísticos e incorporados. Neste estudo de caso, optou-se pela abordagem holística, buscando compreender a Educação Escolar Indígena de forma integral e global oferecida aos sujeitos Warao no seu cotidiano na sua comunidade.

Assim, os instrumentos de coleta de dados foram as fontes secundárias da pesquisa de revisão bibliográfica e na pesquisa de campo in loco; a partir da aplicação de entrevistas com 03 (três) estudantes Warao da EJAI na comunidade do Curuçambá, no município de Ananindeua – PA e da observação sistemática realizada pela pesquisadora em seu labor docente com as turmas da EJAI coordenadas Pela SEMED e pela SEDUC, de Ananindeua e do Estado do Pará, respectivamente.

Neste contexto, Gatti (2005) afirma ainda que os dados coletados de natureza qualitativa exploratória consistem na descrição clara e completa de eventos, situações, percepções, experiências, pensamentos, crenças e emoções. Analisá-los e compreendê-los implica rigor na intenção de se obter/produzir conhecimento. Assim apresentamos os três (03) indígenas Warao estudantes da EJAI selecionados para a entrevista.

É por meio da entrevista que o pesquisador tem o ponto de partida da análise de dados da pesquisa de campo; é nesta etapa da pesquisa que se inicia o estudo do conteúdo das falas, do significado, significantes, código e significação; a partir dos diálogos e práticas educativas que os emissores experimentaram com a prática educativa no processo da EJAI no Estado do Pará. As perguntas selecionadas foram:

  1. Existe a identificação do aluno Warao com o currículo oferecido pelo Projeto “Saberes da EJAI” – da Secretaria de Estado de Educação do Estado do Pará?
  2. Qual é a importância da escola aos indígenas Warao no contexto de moradia no Estado do Pará – Brasil?
  3. Quais as dificuldades enfrentadas nas dinâmicas escolares pelos estudantes indígenas Warao da EJAI, a partir do currículo implementado pelo Projeto “Saberes da EJAI” – da Secretaria de Estado de Educação do Estado do Pará?

Ainda em diálogo com Gil (2011) este tipo de entrevista por pautas apresenta certo grau de estruturação, já que se guia por uma relação de questões de interesse que o entrevistador vai explorando em seu percurso. Assim, pauta-se no quadro 1, a pergunta 1 e respostas dos entrevistados, o que sucederá com as perguntas 2 e 3.

Quadro 1 – Pergunta 01 – Resposta dos Emissores (Entrevistados)

Fonte: A Autora, 2024.

            Observa-se no conteúdo das respostas da pergunta 01, uma das primeiras barreiras para a inserção direta destes estudantes indígenas nas salas regulares que é a língua; uma vez que nós alunos indígenas imigrantes passam a integrar salas regulares, e não uma sala específica. E nestes espaços não existem professor tradutor.

          Nessa perspectiva, vale ressaltar ainda que a Declaração das Nações Unidas a respeito de direitos dos povos indígenas (2008, p. 10), em seu caput, no Art. 14, chamar à atenção para que os sistemas de ensino educativos no mundo todo  “[…] ofereçam educação em seus próprios idiomas, em consonância com seus métodos culturais de ensino e de aprendizagem”, evidenciando, assim, a importância desta decisão de que todos os sujeitos possam compreender o que é currículo para a Educação escolar indígena, e a sua influência na formação integral do educando, de forma inclusiva e digna, em todas as etapas da Educação Básica.

A importância da instituição escolar para os Warao é apresentada a partir dos relatos dos três (03) estudantes entrevistados (Quadro 2).

Quadro 2 – Pergunta 02 – Resposta dos Emissores (Entrevistados)

Fonte: A Autora, 2024.

            Quando precisam usar a nossa imagem como estudantes da EJAI, as secretarias providenciam  o transporte e eles nos levam a locais de encontros, seminários, ou escolas para fazermos fotos e mostrar uma realidade que não é a nossa. É uma realidade que fica aquém deste processo intercultural necessário para a Educação, relata um dos entrevistados.

Dada a importância do processo de escolarização para o ser humano; é notório afirmar que o ensinamento na escola já faz parte da vida do dia a dia dos migrantes indígenas Warao que estão na EJAI nesta comunidade do Curuçambá – em Ananindeua – PA. Entretanto, pelos relatos dos entrevistados, eles têm consciência de que a educação escolar indígena é muito importante na vida, porque só estudando, se terá um futuro melhor; mesmo querendo viver completamente dependente da natureza, da pesca e do artesanato, é muito difícil, por isso é preciso estudar para se tornar um profissional melhor, sem as dificuldades presentes (Quadro 3).

Quadro 3 – Pergunta 03 – Resposta dos Emissores (Entrevistados)

Fonte: A Autora, 2024.

          Entende-se que a escola e o currículo paraense não foram criados para os indígenas, por isso, para estes sujeitos, é um desafio ter que superar seus limites e mostrar que são capazes de alcançar seus objetivos; por isso, todo projeto escolar só será considerado escola indígena se for pensado, planejado, construído e mantido pela vontade livre e consciente da comunidade; a partir das práticas interculturais -que seria, além de um modo de poder sagrado, um importante instrumento nas relações de trabalho, comerciais com os não indígenas, pois a escola – e seu currículo intercultural  – como o local da cultura deve estar a serviço do movimento indígena para dirimir as dificuldades dos estudantes indígenas, como os migrantes Warao escolarizados no Estado do Pará.

[…] não tínhamos nem bancos para assistirmos às aulas, o chão úmido  ficava inviável para  nos sentarmos, ficávamos todos em pé, tudo efêmero, não conseguimos absorver nada com relação aos conteúdos oferecidos e quanto aos professores sentíamos seus desconforto em tentarem aplicar uma metodologia que coubesse naquela situação desfavorável a todos.(Janeida Arzolai, em entrevista, 23 mar. 2024).

            Assim, se faz necessário pensar que o percurso escolar não deve ser apenas o ingresso na rede de ensino, mas sim, sua permanência e a qualidade desta escolarização; pois, apesar destes estudantes serem indígenas e refugiados, eles acima de tudo, são seres humanos  e necessitam de condições para se manter, estudar e permanecer no país, precisam de meios para que possam acessar os conhecimentos que estão sendo mediados pelos professores, a partir da EJAI, o que depende necessariamente do entendimento do idioma, e da sua cultura. A abordagem  metodológica oferecida pelo Estado dentro do Projeto Saberes da EJAI, é muito insuficiente, o material oferecido pelos professores e a dinâmica ao expor as aulas eram inacessíveis, quando vinha algum professor intérprete para a sala de aula, a sua leitura não esclarecia o que questionavam sobre o assunto em pauta.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

CARACTERIZAÇÃO DO CONTEXTO DE PESQUISA E A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO ESTADO DO PARÁ

Como já relatava D’Angelis (2001), a “Educação Escolar” é uma expressão que muitas vezes, é substituída, na sociedade global, pela palavra “ensino”, ou ainda, por “ensino escolar”. Ao se tratar da “Educação Escolar Indígena”, é preciso ressaltar que temos um substantivo “educação” seguido de um adjetivo “escolar”, e isso significa que não é qualquer educação que se está falando, e muito menos, de toda a educação em uma sociedade indígena, lembrando que a palavra “indígena” está funcionando como outro adjetivo que qualifica este processo de “educação escolar”.

Entretanto, é bom destacar que, embora o enfoque deste estudo seja a “Educação Escolar Indígena” é preciso fazer referência da educação indígena como um todo; uma vez, que se entende que o que é ensinado na escola para uma comunidade indígena deveria ser àquilo que aquela sociedade deseja que se ensine, pois a escolarização como as diversas formas de ensino fazem parte de um sistema educacional de uma determinada sociedade, como destaca D’Angelis (2001):

[…] A educação das crianças, sua socialização na comunidade, se faz pela família, pelo ensinamento dos pais, pelas palavras e histórias dos mais velhos, e por muitos outros meios que a comunidade possua, inclusive pela escola (ou seja, também pela escola). (D’Angelis, 2001, p. 37, grifos da autora).

Neste contexto, é importante esta compreensão para afirmar que em uma escola de determinada sociedade indígena ou em uma escola que atende às comunidades indígenas, a educação precisa ser “diferenciada” ou pelo menos deveria ser porque os valores e as necessidades educacionais da sociedade indígena são diferentes da sociedade brasileira não-indígena. O que coaduna para que o sistema educacional de uma sociedade deva estar subordinado aos interesses gerais da sua comunidade.

Embora se tenha um conjunto de normas e regimentos legais que assegurem direitos a esses grupos específicos, na prática há limitações para efetivação do acesso, permanência e conclusão das etapas escolares e uma negação/exclusão a direitos sociais básicos, que todo ser humano precisa ter garantido, com a intensificação da imigração para o Brasil, esses sujeitos entram neste quadro deficitário de acesso e garantia desta educação de qualidade, ratifica Soares (2022).

Contudo, levando em conta o objetivo do estado que é o de garantir o direito à educação que vem sendo negligenciado, parece ser pertinente a partir daquilo que teoricamente é, e que deveria de fato ser realizado uma educação de qualidade e inclusiva, pois conforme a Declaração Universal dos Direitos dos Povos indígenas, assinada pela Assembleia geral da ONU, em 13 de setembro de 2007, que para os Warao pode-se dar destaque ao Artigo 36:

1. Os povos indígenas, em particular os que estão divididos por fronteiras internacionais, têm direito a manter e desenvolver os contatos, as relações e a cooperação, incluídas as atividades de caráter espiritual, cultural, política, econômica e social, com seus próprios membros, assim como outros povos através das fronteiras.

2. Os Estados, em consulta e cooperação com os povos indígenas, adotarão medidas eficazes, para facilitar o exercício e garantir a aplicação deste direito. (ONU, 2007, Art. 3°).

Assim, em diálogo com outros documentos oficiais, como o Estatuto da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) – previsto em Decreto nº 7.778, de 27 de julho de 2012, pela Nova Lei de Migração – Lei N° 13.445, de 24 de maio de 2017 e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT – Decreto Nº 5.051, de 19 de abril de 2004, além da própria CF (Brasil, 1998), que garantem a proteção dos povos indígenas, iniciou-se uma série de ações e recomendações do Ministério Público Federal – MPF voltadas para a construção de uma política pública para os indígenas migrantes e refugiados, de modo a garantir atendimento e dignidade de vida para o povo Warao que ainda buscam formas de sobrevivência no Estado do Pará.

Nesse interim, o MPF, na capital paraense amparou e reconheceu os direitos dos Warao, expedindo, em conjunto com a Defensoria Pública do Estado (DPE) e a Defensoria Pública da União (DPU) um conjunto de demandas voltadas ao atendimento dos Warao; recomendando às instituições governamentais do Estado e do Município, a acessão e providências, emergencialmente, para solucionar o problema da documentação pessoal, abrigo para todos, atendimento médico, empregabilidade, assistência social e financeira e a educação (Paredes, 2019).

Com essas pressões judiciais deu-se início aos primeiros passos para a inclusão educacional dos indígenas Warao no sistema de ensino paraense. Sendo por meio das coordenações da Secretaria Estadual de Educação (SEDUC), a Coordenação de Educação Escolar Indígena (CEEIND) e da Coordenação de Educação de Jovens e Adultos (CEJA), responsáveis para criar e adequar a sua proposta de ensino aos quesitos da Resolução 48/2012, que exigiu a criação do Projeto “Saberes da Eja-Warao” (SEDUC, 2018), com perspectivas operacionais próprias de educação escolar indígena dos e para os Warao como afirmam Paredes Et al (2019):

A proposta do Projeto “Saberes da Eja-Warao”, da CEJA/CEEIND, no entanto, foi inspirada no projeto guarda-chuva denominado Kuarika Naruki (Sempre em frente – na língua Warao), do qual foram mantidas as sugestões das lideranças Warao que haviam sido acolhidas e sistematizadas pelo Grupo de Trabalho Interinstitucional da área educacional, e coordenada pelo Núcleo de Formação Indígena (NUFI) da Universidade Estadual do Pará (UEPA), entidades governamentais de formação e ensino. A partir do projeto Kuarika Naruki, cada membro do Grupo de Trabalho desenvolveu os seus subprojetos pedagógicos com diferentes estruturas pedagógicas para atender seguimentos da educação infantil, ensino fundamental e médio com formação técnica e profissionalizante para jovens e adultos. A CEJA e a CEEIND, asseguraram os princípios sistematizados no Kuarica Naruki, tais como: 1. Política Linguística; 2. Sustentabilidade econômica e financeira; 3. Migração e direitos humanos e 4. Cultura e Meio. (Paredes Et al, 2019, p. 57, grifos da autora).

Este projeto iniciou em junho de 2018 e foi a primeira ação institucional de educação escolarizada indígenas para os Warao no Estado do Pará, a partir das ações da SEDUC. Assim, o Projeto Saberes da EJA-Warao foi desenvolvido para trabalhar novas metodologias de ensino e de aprendizagem, de forma inter e transdisciplinar, e por área de conhecimento e de forma trilíngue, pois o processo de alfabetização e letramento com a perspectiva de identificar e aperfeiçoar habilidades e competências dos jovens e adultos para atuar efetivamente como sujeito transformador de sua própria realidade se fez necessário, reunindo vários professores e educadores.

No município de Ananindeua – PA, a Secretaria Municipal de Educação (SEMED) iniciou a inclusão dos indígenas Warao na rede municipal de ensino no início do ano de 2022, pois a SEMED já contava com quatro (04) servidores da etnia Warao que realizam serviços de auxiliar de professores nas escolas EMEF Hildegarda Caldas de Miranda – Anexo Cônego Batista Campos, no bairro Curuçambá, EMEF São Geraldo, no bairro Distrito Industrial, e EMEF Manoel Lobato, bairro Levilândia, neste primeiro ano de atendimento aos estudantes Warao, a prefeitura Municipal de Ananindeua confirmou o total de 105 alunos Warao matriculados no município.

Portanto, ao se tratar desta caracterização da pesquisa em relação aos sujeitos participantes e envolvidos neste processo de escolarização, a partir das vivências da pesquisadora e dos estudantes, esse processo de exclusão, por serem pessoas que, por questões políticas, econômicas e ambientais, foram obrigadas a abandonar os seus territórios de origem a fim de buscar melhores condições de vida para a sua sobrevivência, são categorias que dialogam com as “lacunas” presentes na Educação escolar Indígena no país, por não ocorrer uma Educação Intercultural nas escolas.

Como dialoga Fleuri (2007, p. 17):

Tal perspectiva configura uma proposta de “educação para a alteridade”, aos direitos do outro, à igualdade de dignidade e de oportunidades, uma proposta democrática ampla que, no mundo anglo-saxão, se define como Multicultural Education (EUA, Canadá, Grã-Bretanha), e que, nos outros países da Europa, assume diferentes denominações: pedagogia do acolhimento, educação para diversidade, educação comunitária, educação para a igualdade de oportunidades ou, mais simplesmente, educação intercultural.

No entanto, o desejo de preservação da cultura, de abertura para o aprendizado de novas culturas e de uma verdadeira inclusão é uma busca complexa, seja para os professores que estão atuando nesses espaços formativos, seja para os estudantes Warao, seja para as escolas que vêm dando suporte na medida de suas possibilidades, para a constituição e efetivação de tais direitos.

Nessa perspectiva, já é possível compreender a Educação Intercultural com os ensinamentos deixados por Freire (1970) – que as pessoas se educam em relação de comunhão, mediatizadas pelo mundo, ao mesmo tempo em que seus respectivos mundos culturais e sociais se transformam, mediatizados pelas próprias pessoas que fazem parte de sua coletividade; pois é preciso deste entendimento do professor já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando.

Para entender esse processo das “lacunas” presentes na Educação Intercultural aplicadas aos Indígenas Warao na Comunidade do Curuçambá, no município de Ananindeua – Pará – Brasil e da própria exclusão/inclusão deste processo educativo na modalidade da Educação de Jovens, Adultos e Idosos – EJAI faz-se necessário trazer alguns aspectos da realidade dos sujeitos da pesquisa, mais especificamente dos Warao que vivem e estudam na Comunidade do Curuçambá, onde estes sujeitos estão matriculados na Rede Municipal de Ensino, é preciso trazer alguns conceitos das categorias de Educação Intercultural  e a realidade educacional destes sujeitos in loco no território da pesquisa de campo.

A EDUCAÇÃO INDÍGENA INTERCULTURAL E A REALIDADE EDUCACIONAL DOS INDÍGENAS WARAO NA COMUNIDADE DO CURUÇAMBÁ

O Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas – RCNEI (Brasil, 1998) ao tratar da Educação Intercultural observa a necessidade de manter nos currículos escolares a diversidade cultural e linguística presente na constituição do povo brasileiro para a promoção de uma comunicação entre as diversas experiências históricas, sociais e culturais, não considerando uma cultura superior a outra. No ano de 1998 na apresentação do documento em carta ao Professor de Educação Escolar Indígena:

Em atendimento às determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que estabelece enfaticamente a diferenciação da escola indígena das demais escolas do sistema pelo respeito à diversidade cultural e à língua materna, e pela interculturalidade, o MEC, objetiva, com este material, auxiliá-lo no seu trabalho educativo diário junto às comunidades indígenas.

[…] A construção deste Referencial primou por respeitar a participação de educadores índios e não-índios, legitimando ideais e práticas construídas pelos diversos atores sociais indígenas e seus assessores como parte de uma política pública para a educação escolar indígena. (Brasil, 1988, p. 5).

O RCNEI (Brasil, 1998) destaca ainda a necessidade de se realizar uma formação de professores para o respeito à pluridiversidade e às diferentes identidades étnicas, reconhecendo o desenvolvimento das culturas indígenas em diferentes contextos sociopolíticos, como bem anunciou o Ministro da Educação e do Desporto – Paulo Renato Souza – à época (Brasil, 1988).

            Desta forma, o documento apresenta uma proposta que vem ao encontro de uma Educação intercultural que deve começar por se compreender o que é este modelo educacional; segundo Ouellet (1991) é uma formação para comportamentos e competências de compreensão de outras culturas e maior interação comunicativa e social, criadora de identidades e de sentido de pertença comum à humanidade; ou seja, deve começar pela compreensão do outro, e vendo-o como ponto de partida, para qualquer relação, colocando-se sempre no lugar do outro. Sendo que, segundo o autor a finalidade da proposta de educação intercultural baseia-se em três pontos:

  •  Desenvolver os alunos de todas as origens para uma compreensão dos pressupostos subjacentes no contrato social;
  •  Desenvolver uma compreensão clara em cada indivíduo sobre as suas responsabilidades sociais perante o outro, criando o maior consenso possível entre a convivência social;
  •  Investir na formação dos indivíduos, para que se possam criar estratégias de uma possível interação positiva entre todos, desenvolvendo habilidades de comunicação interétnica (Ouellet, 1991, p.67).

          Ao dialogar com a etapa de Educação Infantil – primeira etapa da Educação Básica no Brasil – para as crianças indígenas no Estado do Pará, apesar de não ser obrigatória, mas é de suma importância que este público esteja nas creches e pré-escolar para suas famílias que estão nas ruas, em abrigos; não há esta proposta intercultural nas unidades de educação infantil, tendo em vista o direito à utilização da língua materna e de processos próprios de aprendizagem, assegurado pelo artigo 210 da Constituição Federal (Brasil, 1988), bem como o respeito à autonomia dos povos indígenas na escolha dos modos de educação de suas crianças (de 0 a 5 anos), como preconiza a Resolução CNE/CEB nº 5/200985, ratifica-se que o Estado não respeita as prerrogativas dos documentos oficiais, diante do interesse das famílias, contudo, cabe ao Estado promover a educação destas crianças.

          Para Geertz (1989, p. 7), “a cultura é a mediação entre o poder e o objetivo de sua ação”. A “cultura” passa a ser vista como um conjunto se significados transmitidos historicamente, ou seja, incorporados através de símbolos que se materializam em comportamentos, assim, por meio da Educação Intercultural, é que o ser humano tem o poder de transformar esta visão histórica de que temos de uma escola repressora, conteudista, de uma escola apenas para o acolhimento e o assistencialismo das crianças e jovens da classe menos favorecida, mas sim, uma escola pública de qualidade que forma cidadão de fato e de direitos na cidade ou na aldeia.

          Neste contexto, para que essa Educação Intercultural possa estar presente na escola pública ou na escola indígena, de forma efetiva e exitosa, se faz necessário o comprometimento com políticas públicas inclusivas e educacionais que dialoguem com os documentos normativos, se faz necessário e urgente a realização de tarefas que possam ser levadas ao encontro desta diversidade de conhecimentos dos povos formadores da cultura brasileira: o indígena, o europeu e o africano.

           É preciso que a escola seja um ambiente plural e imerso em discussão e reflexão sobre os significados aparentes como na expressão “uma escola indígena especifica, diferenciada e de qualidade” (Brasil, 1998), de modo que tal expressão seja utilizada, não como um mero jargão da área da Educação escolar Indígena, mas, sim, para descrever quais devem ser, de fato, seus reais atributos. É neste sentido que o RCNEI (Brasil, 1998) vem destacar o que se pretende servir como um instrumento auxiliar nesta discussão e reflexão sobre “Educação Intercultural”, “Realidade Educacional dos Indígenas Warao”, especificamente na Comunidade do Curuçambá, em Ananindeua, no estado do Pará. Já que o documento se propõe a:

a) explicitar os marcos comuns que distinguem escolas indígenas de escolas não-indígenas,

b) refletir as novas intenções educativas que devem orientar as políticas públicas educacionais para as escolas indígenas brasileiras,

c) apresentar os princípios mínimos necessários, em cada área de estudo do currículo, para que se possam traduzir os objetivos que se quer alcançar em procedimentos de sala de aula. (Brasil, 1998, p. 13).

É importante destacar, a necessidade de construção de um currículo pautado em práticas culturais que venha ao encontro da inter e transdisciplinaridade necessária para uma educação étnico-cultural e multicultural no país, o que pode melhorar/aprimorar/evoluir o processo de ensino-aprendizagem dos sujeitos, sejam os de língua materna, sejam os estrangeiros, sejam os indígenas ou sejam os imigrantes que aqui chegam.

Assim, neste campo de experiência em diálogo com a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (Brasil, 1997) é premissa:

Conhecer outros grupos sociais, outros modos de vida através de narrativas, de contatos com outras culturas, amplia o modo de perceber o outro e estereótipos e preconceitos. Ao mesmo tempo em que participam das relações sociais, dos cuidados pessoais e da construção de brinquedos e brincadeiras vão construindo a sua autonomia e o senso de autocuidado que permearão a sua rotina escolar. (Brasil, 1997, p. 143).

          É neste sentido que a educação intercultural é premissa importante na formação dos professores, educadores e comunidade escolar, pois ela não deve apenas promover “[…] situações de igualdade de oportunidades, de pluralismo e de compreensão intercultural na sala de aula, na escola, e na sociedade, mas também o empowerment dos atores educativos baseado no conhecimento das realidades socio étnicas envolvidas.” (Leonard & Davidman, 1994, Apud Morgado & Pires, 2010, p. 64).

Brandão (1981), já afirmava que a educação é uma fração do modo de vida dos grupos sociais que criam e recriam, entre tantos outros, invenções da sua cultura, em sociedade, formas de educação que produzem e praticam para que eles reproduzam, entre todos os que ensinam e aprendem. Assim, a educação escolar indígena tem este papel bastante significativo no meio social que não pode negar uma educação intercultural que leve em conta topo tipo de necessidade do educando e todas as etnias formadoras do povo brasileiro.

Neste preâmbulo também, o fortalecimento destas ações dentro e fora do espaço escolar, tornando necessário à instituição escolar promover a formação dos agentes educativos que trabalham na escola, e que o Estado possa também realizar esta capacitação nos serviços públicos e que estão em constante contato direto com as sociedades plurais existentes como os imigrantes, atualmente devendo ser incumbidos de uma formação específica de como lidar com a diversidade étnica presente no país e com àqueles que aqui chegam como o povo Warao, por meio de inserção de estratégias de integração, acolhimento, cooperação e diálogo intercultural.

          Portanto, a interculturalidade de ve permear todas as esferas e organizações governamentais e da sociedade civil organizada, apesar de a atuação da Educação Intercultural no Brasil dar os primeiros passos no início do século XX e a atuação do professor na instituição escolar indígena, da cidade ou do campo necessita  ser repensada, à medida em que se insere o sujeito – o educando – quem ele está formando, considerando a vivência, o repertório, a individualidade e as especificidades deste educando, ao se tratar de uma sujeito imigrante e indígena, como os Warao – sujeito desta pesquisa – pois  se não considerar toda esta diversidade e este repertório cultural, seus conhecimentos prévios, seus projetos de vida e da família na comunidade em que estão inseridos, dificilmente estar-se-á           contribuindo para a mudança necessária para a formação dos sujeitos, de forma crítica, autônoma e para a emancipação, como lembra Freire (1970).

          É a partir destas premissas que se traz à reflexão a realidade da Educação Intercultural e como ela deve ser profícua para os imigrantes indígenas Warao no Estado do Pará, desde que ela seja efetivada nas escolas que estão atendendo a esses sujeitos, seus filhos e suas famílias; para que o acolhimento e integração dos Warao seja efetivo, é necessário compreender as vulnerabilidades do grupo e, a partir disso, desenvolver políticas públicas adequadas.

Assim, em relação aos estudantes Warao que estão matriculados na Rede Municipal de Ensino de Ananindeua – PA, especificamente, na Comunidade do Curuçambá, se faz necessário pensar em formas mais específicas de acolhimento, de alfabetização e de letramento em diálogo com suas culturas e com os seus saberes, bem como elenca o RCNEI e outras legislações curriculares para o ensino na escola indígena. Os trabalhos desenvolvidos com as crianças indígenas, a partir da ludicidade contribuem para a formação do sujeito, enquanto ser humano ativo que se desenvolve por meio de etapas do desenvolvimento humano.

Neste contexto a Educação Intercultural tem um papel importante para a capacitação e o “empowerment” de todos os atores educativos, a partir das premissas de um conhecimento alargado pela parte dos educadores e da comunidade dos vários grupos étnico-culturais (Morgado & Pires, 2010). Nessa perspectiva, no Brasil, o RCNEI (Brasil, 1998) corrobora quando destaca que:

O professor é mediador entre as crianças e os objetos de conhecimento, organizando e propiciando espaços e situações de aprendizagens que articulem os recursos e capacidades afetivas, emocionais, sociais e cognitivas de cada criança aos seus conhecimentos prévios e aos conteúdos referentes aos diferentes campos de conhecimento humano. Na instituição de educação infantil o professor constitui-se, portanto, no parceiro mais experiente, por excelência, cuja função é propiciar e garantir um ambiente rico, prazeroso, saudável e não discriminatório de experiências educativas e sociais variadas.  (BRASIL, 1998, p.30).

É nesta compreensão que o professor deve atuar, a partir de diferentes concepções e ações educativas, conforme a necessidade e o contexto escolar dos seus aprendentes, porque o professor possui múltiplas racionalidades de acordo com as funções específicas que lhe são exigidas. Tardif (2007) apresenta uma visão do professor como prático reflexivo que pressupõe a valoração dos práticos experientes, que se diferem dos peritos, no sentido da definição de uma racionalidade que se aproxima do cotidiano e do contexto dos atores sociais da escola.

Nesta visão do professor mediador da construção do conhecimento ao se tratar da educação escolar indígena, entre os problemas apontados pelo autor para sua não materialização estão: a falta de formação dos professores, as lacunas da organização e conteúdo curricular, o ensino fragmentado em disciplinas e a teoria desvinculada da prática; problemas que refletem um ensino baseado no modelo tradicional, no qual a reflexão sobre a prática é deficitária (Tardif, 2007). Portanto, nessa lógica, a mudança na formação do professor que garanta sua atuação como sujeito do conhecimento e o enfoque do processo de ensino e aprendizagem reflexivo para a diversidade, de forma intercultural, implicam a valorização dos saberes profissionais docentes, do status do professor e do conhecimento dos saberes, da cultura e da língua dos povos tradicionais presentes no espaço escolar (Candau, 2009).

Desta forma, a Educação Intercultural perpassa pela formação deste sujeito professor-formador e cabe também ao professor inserir em sua prática pedagógica atividades que proporcione a interação aos alunos, tendo como papel de mediador das relações entre sujeitos e sua formação; neste sentido, Kishimoto (2010) destaca a utilização dos jogos, brinquedos e brincadeiras para proporcionar um ambiente de interação, ou seja, por meio da ludicidade favorecer este desenvolvimento das crianças. De acordo com Vygotsky (1991):

[…]. É na interação com as atividades que envolvem simbologia e brinquedos que o educando aprende a agir numa esfera cognitiva, pois a criança comporta-se de forma mais avançada do que nas atividades da vida real, tanto pela vivência de uma situação imaginária, quanto pela capacidade de subordinação às regras. (Vygotsky, 1901, p. 27).

O desenvolvimento humano ocorre desde o seu nascimento, é diante de situações de suas necessidades básicas de se locomover, de se alimentar e de atender às necessidades vitais que a criança vai se constituindo, descobrindo o mundo através do meio em que ela está inserida; já no espaço escolar, ela vai precisas se socializar, manipular conceitos e realidades que já conhece para chegar a saberes até então ignorados, o educando sugere respostas e chega a resultados que lhe permitem alcançar novos níveis de conhecimento, informação e raciocínio. Toda essa trajetória parte da interação entre os sujeitos que, para Vygotsky (1991), ocorre em primeiro lugar em casa, na família e depois na escola, é a partir da interação que se constrói o conhecimento que depois será intrapessoal, ou seja, será partilhado pelo grupo junto ao qual tal conhecimento foi conquistado ou construído.

A educação formal para migrantes e para indígenas imigrantes só virou debate após algum tempo com a chegada dos Warao nos diversos municípios do Brasil, em alguns lugares, levou meses; em outros, anos. Algumas cidades, como Belém, no Pará, só após ser alvo de ação do Ministério Público Federal, começaram atuar na promoção do acesso dos Warao ao sistema de ensino. A partir dessa ação instituiu-se uma Comissão Interinstitucional da qual, ao subdividir-se, formou-se o Grupo de Trabalho de Educação para propor as ações de escolarização dos indígenas Warao no Pará. O projeto elaborado foi intitulado “Kuarika Naruki” e teve ações de letramento direcionadas para crianças, jovens e adultos, incluindo a Educação de Jovens e Adultos (EJA), o Saberes do Eja-Warao, que contou com oficinas visando a sustentabilidade econômico-financeira dos Warao. Nenhum único eixo desses projetos efetivamente executado, como relata Soares[1] (2022).

[…] Na cidade de Marabá, também no Pará, de acordo com o que foi debatido no I Webinário de Educação Escolar Indígena de Marabá/PA, do qual participei como ouvinte, a 26presença Warao é registrada desde 2019, mas a construção de uma proposta de atendimento escolar só veio acontecer em 2021, com a criação do Núcleo de Educação Escolar Indígena, na Secretaria de Educação Municipal de Marabá, especialmente a partir da demanda gerada por esses grupos. As ações iniciaram pelo mapeamento das faixas etárias e a construção de turmas para aulas a partir da perspectiva do Português como Língua de Acolhimento (PLAc), ministradas por uma professora de Letras vinculada ao sistema de ensino do município.

Neste contexto das iniciativas de escolarização “formais” para os imigrantes indígenas, Soares (2022) destaca em seus estudos, algumas lacunas, principalmente, da atuação das secretarias municipais e estaduais na garantia do direito à educação aos indígenas venezuelanos da etnia Warao. No entanto, no meio tempo entre a chegada e as iniciativas dos governos, uma das grandes problemáticas é a comunicação com estes sujeitos, e ao mesmo tempo, concomitante a essa falta de comunicação, há outras iniciativas que buscam dar uma resposta às necessidades dos Warao de acesso à escolarização, principalmente no processo de aprendizagem da Língua Portuguesa, pois muitos professores que atuam nestes espaços formais para inserção do Warao na escola brasileira não têm formação para atuar no bilinguismo – necessário para a inclusão da língua materna do povo Warao. Assim, algumas iniciativas isoladas vieram de diferentes direções, desde Instituições de Ensino Superior – IES como da Educação Básica, projetos de Extensão de cursos universitários às iniciativas de ONGs e agências não-governamentais.

Contiguiba (2014) ratifica ainda que os adultos imigrantes ao chegarem ao Brasil alegam que a dificuldade maior para continuarem os estudos é a ausência de uma diretriz governamental que intermedeie este recomeço, isto é, uma preparação dos candidatos para se submeterem às provas do sistema de Educação de Jovens e Adultos – EJA – por exemplo; pois muitos ao concluírem o nível Fundamental II o estudante tem duas opções, opta por um lado, a continuar o processo de fazer as provas por disciplinas, até a conclusão do Ensino Médio, ou, por outro lado, por fazer apenas o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCEJA) para pedir a certificação do Ensino Médio, de acordo com os critérios estabelecidos pelo Ministério da Educação e Cultura – MEC – e, uma vez de posse do certificado possam ingressar no mercado de trabalho ou buscar sua inserção no Ensino Superior.

Um descaso com a educação oferecida aos imigrantes e, principalmente, aos povos indígenas que aqui estão e com os que chegam para residir no país. A  coordenação do saberes da EJA-Warao no Estado do Pará, a partir de uma postura negligente e irresponsável, colocou em ação um projeto fictício, descontextualizado com a realidade dos indígenas e com a sua situação social, econômica, política e cultural, onde os docentes eram destinados à bairros e comunidades afastadas do centro da capital e colocados em situações de insalubridades e periculosidade para atuarem no processo de escolarização destes sujeitos; e os educandos indígenas Warao em total descaso à sua condição humana e desrespeito à sua identidade cultural e de pertencimento de sua etnia.

Assim, o processo de escolarização desta etnia no Estado do Pará suscita várias questões e aqui vamos tentar compreender como a escola paraense é articulada para grupos que são pensados a partir de duas categorias: imigrantes e indígenas. A dinâmica educacional destinada aos Warao nas escolas é uma narrativa complexa que reflete tanto os desafios enfrentados quanto as oportunidades promissoras.

Ao adentrar o contexto das salas de aula, a educação oferecida aos Warao na escola busca equilibrar as demandas do sistema formal com a preservação das ricas tradições culturais desse povo indígena. Porém, as demandas vão além, as necessidades socioeconômicas não permitem o percurso da periferia às escolas. Tanto os educandos indígenas quanto seus professores são testemunhas deste entrave. A escassez do transporte escolar colabora com a evasão e o não cumprimento deste direito constitucional.

As lacunas na Educação Intercultural se manifestam em diversos aspectos como por exemplos, nos desafios linguísticos e culturais, com   a manutenção da língua e cultura Warao enfrentando obstáculos, impactando a eficácia da educação intercultural. Sendo que a adaptação curricular para incorporar elementos culturais específicos é fundamental para essa aprendizagem mais significativa. A ausência de professores capacitados e sensibilizados   para   lidar com as particularidades culturais dos Warao representa um impasse de grande relevância. A formação continuada desses docentes deve incluir uma compreensão mais aprofundada da cultura, história e esperanças desses indígenas.

Portanto, existem possibilidades de oportunidades de melhoria na criação de currículos que respeitem e integrem a cultura Warao a partir de uma Educação Intercultural, desde que possa ser uma oportunidade real e transformadora. Essa abordagem envolve professores, alunos e a comunidade no processo educacional, com investimento em programas de formação contínua para os educadores, com foco na sensibilidade cultural e na compreensão da língua Warao, pode melhorar significativamente a qualidade do ensino estabelecendo canais eficazes de comunicação e envolvendo ativamente a comunidade Warao nas decisões educacionais e promover uma aprendizagem mais integrada e contextualizada.

As ações de implementações do processo de escolarização nas comunidades onde vivem os educandos indígenas precisam estar conectadas com as legislações, ou seja, com seus processos próprios de aprendizagem. Com a oferta de subsídios instrumentais, educacionais, alimentares, transportes etc.

Ao reconhecer e abordar essas lacunas no processo de ensino e aprendizagem dos Indígenas Warao, pode-se traçar um caminho mais inclusivo e eficaz para o seu desenvolvimento educacional, honrando a riqueza de sua herança cultural e promovendo uma educação que verdadeiramente respeite e celebre a diversidade, desta feita, a interculturalidade precisa estar presente neste currículo, pois:

[…] na atualidade, os temas diversidade, diferença, multiculturalismo, cultura e identidade tem se constituído em objeto de estudos por parte de sociólogos, antropólogos, educadores e outros profissionais. No Brasil, no campo educacional, estes estudos aparecem com bastante intensidade principalmente a partir da Lei nº 10.639/2003, que tornou obrigatório, nas escolas brasileiras, os estudos sobre cultura africana, sobre os afrodescendentes e sobre a cultura indígena. Outro aspecto que marcou foi a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena (Pabis; Martins, 2014, p. 9).

          Haja visto que é preciso avançar neste processo, a partir da efetivação das políticas públicas básicas, pois desde a moradia ao alimento existem muitas controvérsias entre o que diz a política e a realidade da comunidade indígena Warao no Curuçambá, em Ananindeua, no Estado do Pará, como apresenta-se a imagem da moradia destes sujeitos.

          Um dos líderes dos indígenas Warao aguarda por um abrigo desde 2018, pois deixaram o centro comercial de Belém, por sofreram todo tipo de discriminação, preconceito e maus tratos, e foram para o bairro de Curucambá, onde existia a possibilidade de acamparem em um terreno baldio próximo ao rio Maguari, e lá levantaram casas de palafitas, com lonas e madeiras extraídas do próprio lugarejo – o que permanece até os dias de hoje, 30 de outubro de 2023. (Imagem 4)

Imagem 4: Moradia dos Indígenas Warao – Comunidade do Curuçambá – PA

Fonte: Acervo da Autora, 2023.

          Além de serem afastados do centro de Belém, os Warao foram obrigados a sair da casa de amparo, pois a insalubridade, a falta de saneamento básico e de estrutura para sua sobrevivência culminaram para a ida para as margens do rio Maguari, em Curuçambá, para terem um pouco mais de qualidade de vida. À vista disso, a ideia de imigração perpassa pela entrada de pessoas ou grupos de pessoas estrangeiras em determinado país para trabalhar e/ou para fixar residência, de maneira permanente ou não (ACNUR, 2019, n/p). Entretanto:

[…] para além das definições do processo migracional, é necessário entender como se posicionam as pessoas que passam por esse processo, tendo em conta que, antes de estar na condição de imigrantes, elas têm uma identidade, uma história de vida e requerem também seus direitos à cidade que escolheram para viver, assim como requerem moradia, educação, saúde e trabalho. (Ribeiro, 2021, p. 9).

As moradias dos migrantes Warao na Comunidade do Curuçambá, em Ananindeua – PA resumiam-se em barracas construídas com troncos de madeira e cobertura de lona, localizadas no residencial Jardim da Cidadania, conforme o  documento de AÇÃO CIVIL PÚBLICA nº 1002229-89.2017.4.01.3900, do Ministério Público Federal, organizado pelas Procuradoras e Procuradores da República que subscrevem, considerando os provimentos da Sentença de ID 160974885 e da Decisão de Homologação de Acordo de ID 55457600, requerem, com fundamento no Art. 522 c/c Art. 536 e seguintes do Código de Processo Civil, para CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DE SENTENÇA E DEFINITIVO DE ACORDO JUDICIAL (Anexo 1),  atestou recentemente, em 15 de março de 2024, variadas constatações relacionadas à violação dos direitos fundamentais de indígenas Warao migrantes e/ou em situação de refúgio em Belém e Ananindeua- PA, a exemplo de exposição a sistema de esgoto a céu aberto, moradias em condições desumanas, presença de fezes de ratos próximas a locais de preparo e consumo de alimentos.

          Conforme as observações in loco da pesquisadora deste constructo, o Relatório só veio ratificar as impressões e condições já percebidas no decorrer desta investigação, como o relato de crianças em idade escolar que estão fora da escola e, há também, uma carência e a inadequação de espaço para as aulas e falta de materiais educacionais que respeitem e promovam a cultura Warao, prejudicando assim a qualidade do ensino, a criação de recursos pedagógicos contextualizados é imperativo na superação dessa lacuna (Imagem 5).

Imagem 5: Professora ministrando aula a céu aberto na Comunidade Indígena Warao – Curuçambá, Ananindeua – Pará

                 Fonte: Acervo da Autora, 2023.

          A falta de comprometimento das secretarias de educação, a burocratização dos processos nos órgãos públicos, a privação ativa da comunidade Warao, a participação comunitária limitada nas decisões educacionais e a ausência do poder público compromete a eficácia de uma Educação Intercultural para a Comunidade Warao do Curuçambá-PA.

          Então estratégias para a promoção dessa participação familiar e comunitária são essenciais para a valorização de um currículo específico intercultural para os Warao, adaptado para as necessidades locais, abordando temas relevantes para sua realidade, é essencial para uma educação intercultural significativa.

A diversidade persiste também, pelas discussões sobre as políticas afirmativas das minorias étnicas, destacando os trabalhos sobre os africanos e indígenas, a valorização e o reconhecimento dos movimentos sobre gênero, com a inclusão de portadores de necessidades especiais em escolas regulares, a valorização da terceira idade e da cultura infantil, pois a maior precariedade observada é a falta de estrutura para os professores ministrarem as aulas na Comunidade do Curuçambá, em Ananindeua – PA, aos indígenas Warao (Imagem 6).

Imagem 6: Local da Regência das Aulas na Comunidade do Curuçambá – PA

                           Fonte: Acervo da Autora, 2023.

Desta forma fica evidenciado que os migrantes indígenas Warao não têm um lugar durável, vivem num lugar à margem da sociedade, na prática, na parte inferior da hierarquia social brasileira e talvez, por isso, esta lacuna presente e pertinente quando se trata da Educação Intercultural aos Warao. O que precisa ser contornado por meio de políticas públicas afirmativas e inclusivas que valorizem a causa destes sujeitos migrantes.

Estas iniciativas e ações, inegavelmente, são também resultado das observações a respeito das situações que se configuram em sala de aula: numa mesma sala de aula encontramos estudantes oriundos dos mais diversos segmentos sociais, com diferentes condições econômicas, descendentes de diferentes etnias, e até aqueles que chegam ao país buscando educação e trabalho como os refugiados (Imagem 5).’

Imagem 5: Estudante Warao da EJAI da Comunidade do Curuçambá – PA

                  Fonte: Acervo da Autora, 2023.

Assim, o envolvimento dos pais e líderes comunitários no processo educacional pode fortalecer a conexão entre a escola e a comunidade, promovendo uma educação mais contextualizada e dialogada com a diversidade presente no espaço educacional. A educação oferecida aos Warao na escola, quando aborda de maneira sensível suas necessidades e respeita suas tradições, torna-se uma ferramenta poderosa para o crescimento e preservação da rica herança cultural dos Warao. O desafio está em criar um ambiente educacional que celebre a diversidade e promova uma aprendizagem que transcenda as fronteiras culturais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo propiciou uma gama de conhecimentos, desde o diálogo com a Educação Escolar Indígena no Brasil, que ainda é um tema esquecido entre os pesquisadores da História da Educação, pois na análise de alguns teóricos, estas experiências escolares dos grupos indígenas ainda estão em fase inicial. Já, em outros estudos da educação indígena, em sua maioria, eram realizados pelos antropólogos, de forma a descrever apenas este modelo educacional, dando preferências ao período colonial.

Estas constatações apontam para a necessidade de afirmar a história da educação escolar indígena como um campo de pesquisa, que pesquisadores, sejam da História, da Antropologia ou da Educação, precisam explorar, ao dialogarmos com o migrante indígena Warao que chega no Brasil, com o agravamento da crise econômica e social na Venezuela, onde este fluxo migratório foi se acirrando maciçamente, a partir de 2015, atingindo seu ápice no ano de 2019, momento em que o Brasil registrou mais de 178 mil solicitações de refúgio e de residência temporária, concentrando-se, principalmente no norte do país, no Estado de Roraima, Amazonas e no Estado do Pará.

A educação escolar indígena vem sendo produzida, construída, transmitida e reelaborada historicamente, desde antes da institucionalização da escola. No entanto, esta educação indígena, enquanto específica e diferenciada que precisa de uma prática intercultural – que está assegurada pelo Art. 210, da Constituição Federal (1988), ratificada pela LDB (Brasil, 1996), que conhecemos atualmente, é uma política recente, mas não efetivada no chão da escola público brasileiro. Muitas propostas educativas vêm sendo elaboradas e discutidas com intuito de proporcionar à comunidade indígena autonomia, alteridade e interculturalidade, a partir do acesso a conhecimentos considerados comuns, indispensáveis e desejáveis para a sua coexistência na sociedade em diálogo com o conhecimento científico e com sua cultura e ancestralidade. Contudo, os caminhos percorridos têm sido árduos e os avanços acontecem conforme as dificuldades enfrentadas pelos sujeitos de direitos que precisam de uma Educação diferenciada, como observado nas “falas” dos emissores (entrevistados) – representantes Warao – nesta investigação

As exposições relatadas, a partir da observação da pesquisa de campo, apontaram que assim como os Warao, a humanidade em estado de vulnerabilidade e àqueles que são da classe trabalhadora tem uma Educação moldada pelo serviço do poder econômico ainda presente;  e países como o Brasil entregam-se diante deste colonialismo visceral imposto pelos países – que se dizem do 1° mundo -, deixando de olhar para si e sua potência interna, para atender aos interesses globais e homogeneizadores do pensamento capitalista, centrado no consumo e desenvolvimento tecnicista, a partir de um currículo fragmentado e aquém da realidade e da cultura de seu povo.

Conclui-se que ficou evidente neste artigo que a educação que está a serviço dos migrantes indígenas Warao na Comunidade do Curuçambá, em Ananindeua – PA, é um tipo de educação que não forma, ou, não educa para a vida, mas os torna cada vez mais invisibilizados na sociedade.

REFERÊNCIAS

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[1] SOARES: Valcicléciia em sua dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal da Paraíba, intitulada “Os Warao e a Interculturalidade: Propostas para uma educação escolar indígena migrante a partir da ACP/Roraima” no ano de 2022.


1 Pedagoga Licenciada; Graduada em Letras Português/Inglês – Especialista em Educação Especial e Inclusiva; Pós – Graduação em Gestão Escolar; Mestranda em Ciência da Educação pela FICS (2024). E-mail: dora_terras@hotmail.com

2 Professor com Doutoramento em curso de Geografia (PPGEO/UFPA, 2018). Mestre em Geografia (PPGEO/UFPA, 2015). Licenciatura em Geografia (UFPA, 2013) e Licenciatura em Pedagogia pela Faculdade de Educação de Vitória (2009). E-mail: milvioribeiro@ufpa.br