POSTMORTEM ARTIFICIAL INSEMINATION AND ITS REFLEXES ON FAMILY LAW
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202409261112
João Pedro Roque Gonçalves1;
Emanuella Frazão Penasco2;
Cesar Augusto Freitas Jacques3
RESUMO
Sucessão é um direito transferido a alguém. Após a morte de alguns dos titulares, a relação jurídica é transferida para outros, nesse sentido O Direito Civil, especificamente o ramo que trata do Direito de Família e Sucessão, é um ramo relevante do Direito que protege e disciplina a relação interpessoal na família, seus direitos e deveres relacionados a essas relações, que com os adventos tecnológicos, se tornaram acentuadamente um campo fértil para a cientificidade. Nesse contexto, o estudo teve por objetivo investigar os impactos da evolução tecnológica no ordenamento jurídico, consoante as inseminações de embriões, espermas ou óvulos após a morte dos genitores, ou de um deles, devido às alterações na sucessão hereditária. Realizou-se um estudo qualitativo, de abordagem exploratória, por uma revisão bibliográfica. A coleta dos dados pelos sites de busca utilizando como estratégia de busca os buscadores booleanos AND OR com a seguintes combinações: 1- post mortem AND human reproduction OR right to membership AND legal precept AND herdeiros OR Inseminação artificial AND Direito AND Herdeiro. Concluiu-se que a medida mais justa a ser adotada pelo poder jurídico seria dar prioridade ao princípio da dignidade humana em detrimento do princípio da segurança jurídica, uma vez que, neste caso específico, é necessário considerar a excepcionalidade e delicadeza da questão.
Palavras chaves: Inseminação artificial. post mortem. Direito sucessório. Sucessão hereditária.
ABSTRACT
Succession is when someone passes a right to another person, natural or legal. After the death of some of the holders, the legal relationship is transferred to others, in this sense Civil Law, specifically the branch that deals with Family and Succession Law, is a relevant branch of Law that protects and disciplines the interpersonal relationship in the family, Their rights and duties related to these relationships, with technological advances, have become a fertile field for scientificity. In this context, the study aimed to investigate the impacts of technological evolution on the legal system, depending on the insemination of embryos, sperm or eggs after the death of the parents, or one of them, due to changes in hereditary succession. A qualitative study was carried out, with an exploratory approach, using a bibliographic review. Data collection by search sites using the Boolean search engines AND OR as a search strategy with the following combinations: 1- post mortem AND human reproduction OR right to membership AND legal precept AND heirs OR Artificial insemination AND Law AND Heir. It was concluded that the fairest measure to be adopted by the legal power would be to give priority to the principle of human dignity to the detriment of the principle of legal certainty, since, in this specific case, it is necessary to consider the exceptionality and delicacy of the issue in question.
Keywords: Artificial insemination. postmortem. Inheritance law. Succession hereditary.
1 INTRODUÇÃO
As normas e o direito devem acompanhar o progresso do ser humano, a quem ele protege de acordo com suas necessidades. O progresso constante da inteligência e suas transformações devem ser acompanhados pelo ordenamento jurídico, mas isso não ocorre e, por conseguinte, não se consegue a paridade com os cenários humanos atuais.
Pretendeu-se responder à pergunta: qual os impactos da evolução tecnológica no ordenamento jurídico, consoante as inseminações de embriões, espermas ou óvulos após a morte dos genitores, ou de um deles, devido às alterações na sucessão hereditária?
O estudo teve por objetivo investigar os impactos da evolução tecnológica no ordenamento jurídico, consoante as inseminações de embriões, espermas ou óvulos após a morte dos genitores, ou de um deles, devido às alterações na sucessão hereditária, que geram conflitos que serão levados ao Poder Judiciário para serem analisados. Apesar de existir jurisprudência sobre o tema, não há uma lei específica sobre o tema.
O estudo é de cunho qualitativo por uma revisão bibliográfica, o qual realizou a coleta dos dados pelos sites de busca utilizando como estratégia de busca os buscadores booleanos AND OR com a seguintes combinações: 1- post mortem AND human reproduction OR right to membership AND legal precept AND herdeiros OR Inseminação artificial AND Direito AND Herdeiro.
2 MATERIAL E MÉTODOS
A pesquisa tem uma abordagem qualitativa, pois a proposta do estudo se baseia no aprofundamento da compreensão social do contexto que envolve as inseminações de embriões, espermas ou óvulos após a morte dos genitores, ou de um deles, tendo em vista as modificações na sucessão hereditária e em consequência conflitos levados ao Poder Judiciário para serem analisados. Mediante ao fato, esses aspectos não podem ser quantificados e sim analisados qualitativamente (Raupp; Beuren, 2006).
Assim sendo, trata-se de um estudo de natureza básica, para que através dos novos conhecimentos gerados mediante aos resultados, futuros estudos possam ser de natureza aplicada. Logo, a pesquisa é exploratória, pois através da coleta de dados pelo levantamento teórico, brindou-se de uma maior familiaridade com o tema, deixando-o exposto para que através dessa exposição, as hipóteses sejam evidenciadas, sendo elas corroboradas ou refutadas (Raupp; Beuren, 2006).
A extração dos estudos realizou-se pelo gerenciador de referências Mendeley, para a realização da análise crítica dos estudos incluídos, organizando-os conforme os tipos resultados encontrados. Como método de inclusão foram aceitos artigos dos últimos 20 anos, publicados em periódicos científicos, com a abordagem do arcabouço jurídico frente aos filhos gerados por inseminações de embriões, espermas ou óvulos após a morte dos genitores, estudos originais, estudos de caso, pesquisa de campo, artigos de revisão, realizados no âmbito nacional ou internacional.
Como método de exclusão, foram considerados os estudos com mais de 20 anos de publicação, abordagem de outras áreas do Direito sem ser o de sucessão e familiar, estudos que não mencionam o direito de sucessão de filhos gerados por inseminações de embriões, espermas ou óvulos, e estudos inacabados como projetos, ou textos publicados em blogs.
3 RESULTADOS
Ao se referir ao direito das sucessões, está se fazendo menção a uma área específica do direito civil: a transmissão de bens, direitos e obrigações em decorrência da morte. É o direito hereditário, que difere do sentido literal da palavra sucessão, que também se aplica à sucessão entre vivos. O direito das sucessões no nosso ordenamento jurídico atual é regulado no Código Civil sob o título de Livro V, a partir do art. 1784 e seguintes.
3.1 O DIREITO SUCESSÓRIO DO HERDEIRO CONCEBIDO POST MORTEM
A inseminação artificial é utilizada geralmente de infertilidade, considerada o método inicial mais indicado pelos médicos para aumentar as chances de gravidez, além de permitir que estes sêmens sejam usados após a morte do doador, uma vez que o sêmen pode ser mantido por anos (DIAS, 2010).
No entanto, após uma disputa legal entre um casal francês em 1984, surgiram debates sobre o direito de uso dos embriões do doador falecido e o direito sucessório (herança de bens) da criança nascida neste contexto. Apesar da pacificação da jurisprudência pelo STJ, o assunto continua a ser controverso e continua a gerar debates tanto na esfera social (do direito ao planejamento familiar ao desejo do próprio doador, já que, ao congelar esse material, presume-se que o desejo de gerar filhos) (SALES, 2022).
O direito sucessório surge com a morte ou presunção de morte de uma pessoa, quando se torna necessário que outra pessoa assuma os direitos e obrigações anteriormente atribuídos a essa pessoa enquanto estava viva. Note que não se trata de herança, mas sim de sucessão nas relações jurídicas anteriores. É com base nessa premissa que surgem as discussões sobre o direito sucessório pós-morte, uma vez que se enquadra no conceito de direitos sucessórios no nosso Código Civil (SALES, 2022).
3.1.1 O Direito Sucessório do filho concebido após a morte no Código Civil
O artigo 1.798 do Código Civil afirma que o direito de sucessão é válido apenas para aqueles que nasceram ou foram concebidos antes da sucessão. Isso significa que o código não esclarece se os nascidos após a morte possuem ou têm direito a esse direito, uma vez que a parte não indicou explicitamente que seu material genético poderia ser utilizado.
No que diz respeito ao artigo 1.799, menciona em seu inciso I, que na sucessão testamentária, os filhos ainda não nascidos de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas no momento da abertura da sucessão, poderão ser chamados a suceder, que deixa evidente que o indivíduo concebido após a morte poderá, via testamento, receber herança.
Ainda no próprio Código Civil em seu artigo 1.800, § 4º diz que:
“Art. 1.800, § 4º – Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos” (BRASIL, 2013, p. 317).
Acerca desta matéria, Diniz entende que:
Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, o herdeiro esperado não for concebido, a disposição testamentária tornar-se-á ineficaz, logo os bens que lhe foram destinados passarão aos herdeiros legítimos do autor da herança (CC, art. 1.829), salvo se o contrário estiver estipulado no testamento. Se o herdeiro não for concebido dentro do biênio previsto em lei, a verba testamentária caducará e a parte que lhe era cabível será devolvida aos herdeiros legítimos ou ao substituto testamentário, retroagindo, obviamente, aquela devolução à data da abertura da sucessão (Diniz, 2010, p. 1278-1279).
Venosa ensina que:
O Código Civil de 2002 não autoriza e nem regulamenta a reprodução assistida, mas apenas consta a existência da problemática e procura dar solução exclusivamente ao aspecto da paternidade. Toda essa matéria, que é cada vez mais ampla e complexa, deve ser regulada por lei especifica, por opção do legislador. (VENOSA, 2003, p. 98)
No Brasil, este tema já é consensual nas doutrinas, além de ser necessário considerar os princípios constitucionais. Baseando-se nos princípios de dignidade humana, planejamento familiar e, sobretudo, igualdade entre os filhos, alguns estudiosos sustentam categoricamente que os nascidos após o falecimento têm direito aos direitos sucessórios, como a professora Hironaka (2003) ao comentar que:
(…) a inseminação post mortem, operar-se-á o vínculo parental de filiação, com todas as consequências daí resultantes, conforme a regra basilar da Constituição Federal, pelo seu art. 226, § 6º, incluindo os direitos sucessórios relativamente à herança do pai falecido. (HIRONAKA, 2003, p. 5)
Nesta mesma linha de pensamento, Cavalcanti (2006) ensina que não se pode excluir os herdeiros nascidos de intervenções médicas realizadas após a morte do autor da sucessão da participação nas consequências jurídicas decorrentes do seu falecimento, mesmo que se alegue a insegurança jurídica que tal participação poderia trazer para aqueles que já existiam ou estariam em gestação no momento da abertura da sucessão. Portanto, temos essa corrente de pensamento que enxerga a possibilidade de concepção pós-morte, além dos direitos sucessórios resultantes do nascimento da criança concebida.
3.1.2 O Direito Sucessório dos embriões congelados
No que diz respeito ao Direito Sucessório dos embriões congelados, a questão central é se estes devem ser considerados nascituros ou a prole eventual: filhos não concebidos reconhecidos como nascituros, e se nessas circunstâncias teriam direito ao quinhão hereditário e aos seus rendimentos desde o início da sucessão. Considerando as filiações eventuais, só poderiam ser reconhecidos como herdeiros testamentários, ficando de fora da sucessão do pai ou da mãe que não conheceram, mas a quem devem a paternidade biológica. Deve-se aplicar a analogia para garantir o direito sucessório àquele filho gerado mediante técnicas de reprodução assistida, da mesma maneira que ocorre nos casos de designação de filho eventual (HIRONAKA, 2003).
Esse tipo de entendimento não deve ser considerado a regra para fecundação artificial homóloga (quando o material genético é do genitor) ou heteróloga (quando há a autorização prévia de material genético de terceiros) (CC 1.597 III, IV e V), em qualquer uma dessas hipóteses, o testador não tem conhecimento da existência de herdeiros necessários (CC 1.974) na reprodução homóloga, foi submetido a um processo laboratorial para coletar material genético, enquanto na heteróloga foi assinado um documento que autoriza a fecundação.
A abordagem mais adequada para este assunto seria aquela que respeitasse a vontade do testador, sem excluir os herdeiros. Isso permitiria a concretização do direito do herdeiro necessário, nascido após a morte do progenitor, mas com seu consentimento, mesmo que implícito. No Brasil, não é comum o uso de testamentos e, geralmente, opta-se pela sucessão legítima.
3.1.3 O direito sucessório do filho concebido por Inseminação artificial homóloga
O Código Civil estabelece uma relação paterno-filial entre os nascidos de manipulação laboratorial de material genético, como já foi demonstrado anteriormente, quando a fecundação é realizada a partir do sêmen do genitor. O código civil em seu art. 1.597 diz que:
Artigo 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento:
I – (…);
II – (…);
III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embrionário excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; (…) (BRASIL, 2013, p. 299).
A inseminação artificial homóloga assegura a filiação, pois o casal disponibiliza o material genético para a inseminação artificial. Casal que realizará a fertilização in vitro. De acordo com Tepedino (2006), a inseminação homóloga, que consiste na introdução do sêmen diretamente no útero materno ou através do método in vitro, preenche os requisitos necessários para estabelecer a paternidade biológica. Para alguns indivíduos, o filho não tem direito à herança se o pai não consentir. É o que defende Diniz (2010, p. 1276):
[…] a capacidade para adquirir herança, inclusive por via testamentária, pressupõe existência de herdeiro, ou legatário, à época da morte do testador. […] Ao tempo do falecimento do autor da herança o herdeiro deve estar vivo, ou pelo menos concebido, para ocupar o lugar que lhe compete. Pessoa ainda não concebida (nondum conceptus) ao tempo da abertura da sucessão não pode herdar, salvo a hipótese do artigo 1.799, I, do Código Civil.
No entanto, excluir o filho nascido após a morte da capacidade sucessória seria, de acordo com Chinelato (2007), negar a este o direito constitucional de igualdade entre os filhos, o que deve ser estendido aos filhos nascidos após a morte do pai. Dado que o nosso Código Civil tem aproximadamente 22 anos, é correto afirmar que ele contém entendimentos limitados que dificultam decisões, omitem soluções em relação aos temas atuais e criam barreiras sociais que “alimentam” discussões e polêmicas em níveis sociais. Nesse sentido, Dias (2010, p.1), diz:
O processo legislativo é mesmo muito demorado. Tanto que, muitas vezes, quando a lei chega, já está superada. Foi o que aconteceu com o Código Civil. O projeto inicial é da década de sessenta, ou seja, de meados do século passado! Desde lá muita coisa se alterou, principalmente a sociedade que a lei se dispõe a regular.
Assim, dada a ausência de legislação sobre a inseminação artificial pós-morte, e considerando o hábito do brasileiro de não debater os impactos de uma morte iminente, é imprescindível que o legislador considere essa prática, examinando cada situação específica de acordo com suas especificidades (DINIZ, 2010).
Portanto, considerando que a pessoa que guardou o sêmen no centro de reprodução assistida não fez nenhuma restrição explícita, não há justificativa para negar qualquer direito à criança nascida após a morte, por inseminação artificial. Além disso, não se pode favorecer os filhos gerados durante a vida do progenitor em detrimento dos nascidos após a sua morte, violando o princípio da igualdade entre os filhos (DIAS, 2010).
3.1.4 Das normas jurídicas e jurisprudências sobre o tema
Atualmente, a inseminação artificial após o falecimento já é uma realidade no Brasil. Em uma sentença, o magistrado da 13ª Vara Cível de Curitiba (PR) concedeu uma liminar à esposa que, após a morte do marido devido a um tratamento de saúde, desejava ter filhos. Considerando que o casal tinha o plano de ter filhos e a doação do material genético ocorreu antes do falecimento, o magistrado argumentou que a doação do material genético ocorreu antes do falecimento:
A autora, portanto, além da provável legitimação como sucessora, para realizar a vontade do marido, parece ter também o direito de concretizar planos feitos com ele, utilizando-se dos meios que deixou, notadamente porque, segundo prescrevem os §§5º e 7º da Constituição Federal, o planejamento familiar é de livre decisão do casal, sendo os direitos referentes à sociedade conjugal “exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. (Anexo I, p.41).
Como se tratava de uma liminar, os termos para a concessão da herança não foram debatidos. A principal alteração introduzida pelo Código Civil, que permitiu a legitimação indireta dos filhos gerados por inseminação artificial, foi a alteração do título do Capítulo II. Anteriormente, o capítulo se referia à filiação legítima, agora, de forma mais abrangente, é denominado simplesmente “Da Filiação”. Dessa forma, cumprindo uma exigência constitucional, a igualdade entre os filhos.
Devido à falta de legislação específica, essas questões têm sido tratadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que na Resolução 1.957/2010 estabelece no Item VII de seu anexo único: “A reprodução assistida pós-morte não é considerada ilegal ética, desde que exista permissão prévia do falecido para o uso do material biológico criopreservado, conforme a legislação em vigor”. Essa resolução foi abolida pela Resolução no 2.013/2013, no entanto, a inseminação artificial pós-morte ainda requer a autorização mencionada, não representando nenhuma inovação neste assunto.
4 DISCUSSÃO
Conforme comentam Ferreira e Verdan Rangel (2022) ao realizarem um ensaio bibliográfico, fizeram um estudo sobre a inseminação artificial humana e a capacidade sucessória da prole havida por esse procedimento após a morte de seu pai biológico. Os autores mencionaram ser inadmissível que um filho concebido após a morte de seu genitor não tenha direito à sucessão hereditária, uma vez que ele tem o direito ao sobrenome e outros requisitos que não sejam o patrimônio, uma vez que o legislador não previu que filhos poderiam ser concebidos mesmo após a morte de seu genitor, e, consequentemente, não incluiu no código esse direito legal de filho concebido após a morte de seu genitor. Com isso surge um tratamento diferenciado a este filho que está sendo desfavorecido e com discriminação em relação a seus irmãos. Para que isso não seja permissível a Carta Magna estabelece a proibição de tratamentos diferenciados entre os filhos.
Nesse ordenamento jurídico brasileiro, no que tange ao filho concebido após a morte do pai, não se mostra suficiente para disciplinar as técnicas de inseminação artificial e suas consequências jurídicas (REZZIERI et al., 2015). O que é possível observar, são as várias questões suscitadas em juízo quanto ao post mortem, como o reconhecimento de paternidade, de relação estável, partilha de bens com o reconhecimento da paternidade póstuma, entre outros.
Conforme apresentado pelo estudo de Rezzieri (2015) com abordagem dedutivo e do método procedimental bibliográfico, verificou que o denominado “Novo” Código Civil de 2002 não conseguiu acompanhar o progresso da ciência, quiçá porque à época em que foi elaborado não se cogitava a hipótese de um falecido ter filhos, corroborando a urgente necessidade de adequar a legislação pátria à realidade dos tempos atuais.
Com esse entendimento, temos alguns paralelos que serviriam de base jurídica, para afirmar que a sucessão post mortem é válida. Quanto ao prazo prescricional da ação de petição da herança: a ação de petição de herança é a aquela proposta pelo herdeiro que não participou de um inventário e de uma partilha em busca de receber o seu quinhão hereditário das mãos dos demais herdeiros (artigo 1.824 e ss, Código Civil).
Consoante a regra geral do artigo 205 do Código Civil, seu prazo prescricional é de 10 anos. Segundo a 3a Turma do STJ, se o filho ainda não foi formalmente reconhecido, o prazo prescricional de 10 anos para a ação de reivindicação de herança só começa a contar após o julgamento definitivo da ação de investigação de paternidade. Esta é a interpretação mais recente do conselho, que contrariou a orientação anterior que estabelecia o início do prazo prescricional para a ação de petição de herança na data de abertura da sucessão (STJ, REsp 1.368.677/MG, 3ª Turma, rel. ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 15/2/2018; REsp 1.475.759/DF, 3ª Turma, rel. min. João Otávio de Noronha, DJe de 20/5/2016; REsp 1.392.314/SC, 3ª Turma, rel. ministro Marco Aurélio Belizze, DJe 20/10/2016).
Desta forma, fica a lacuna, quanto ao filho havido após a morte do genitor, pois caso assim fique compreendido, se nascido e dentro do prazo prescricional a ação de petição de herança pode ser impetrada pela genitora. Porém, há vários doutrinadores que tratam sobre o assunto dando diversas soluções para a falta de lei específica, como por exemplo, Diniz (2003) é adepta à corrente que não reconhece a capacidade sucessória do concebido post mortem, seguindo este entendimento, também, Venosa (2003). Por outro lado, há doutrinadores que reconhecem a capacidade sucessória do embrião desde que a fertilização tenha ocorrido in vitro antes da morte do genitor, mesmo que a implantação no útero ocorra após a sua morte. Este entendimento é defendido por Leite (2010) e Chinelato (2007).
Os argumentos apresentados acima fundamentam-se principalmente na insegurança jurídica resultante da vulnerabilidade prolongada dos outros herdeiros a um possível filho nascido após a morte do falecido. Isso ocorre porque, se os herdeiros decidirem, de boa-fé, o quinhão que lhes foi concedido, um novo herdeiro poderá reivindicá-lo.
Ademais, tem-se que observar, ainda, os princípios da dignidade humana (da mãe e do filho), bem como o princípio do livre planejamento familiar, que, segundo o artigo 226, §7º da Constituição da República, é de total e livre decisão do casal o planejamento familiar, vedada a interferência do Estado nesta decisão, estando, embora implícito, garantido também o direito à procriação.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo tratou do assunto do Direito Sucessório dos filhos nascidos após a morte. O tema é controverso em sua abordagem por abranger não apenas o sistema jurídico e sua limitação em relação a questões contemporâneas, mas também questões de natureza cívico-social e a família como um bem a ser protegido segundo a nossa Constituição. O empenho aplicado na resolução dos questionamentos relacionados a este tema procura o bem-estar dos entes queridos que em vida desejam gerar uma descendência, bem como a preservação da memória daqueles que, em vida, escolheram preservar seu material genético.
É importante lembrar que o ponto mais controverso reside na falta de um documento onde o doador expresse claramente seu consentimento para o uso do material genético, seja espermatozoide ou óvulos. Alguns especialistas defendem a inseminação após a morte do indivíduo que depositou seu material genético em laboratório, mesmo sem permissão explícita, já que sua vontade é subentendida. Outros discordam, já que não houve consentimento explícito e a vontade não pode ser subentendida, sob o risco de violar o princípio da autonomia da vontade, que seria perdido com a morte.
Quanto mais complexa a técnica de inseminação, mais complexa é a sua resolução. Por exemplo, nas inseminações homólogas, apenas os pais do feto são envolvidos geneticamente, o que já complica a resolução. Fato é, que a ausência de uma legislação específica para mediar estas situações, dificulta a solução dos conflitos; acompanhar as novas biotecnologias e seus efeitos inviabiliza a atuação do nosso ordenamento jurídico que precisa visar não somente os efeitos que cercam as vertentes sociais mas também os impactos no sistema judiciário, certo é que, enquanto houver a existência de lacunas e não existir claramente lei que proíba a reprodução post mortem, é lícito dizer que é legítimo o direito de sucessão do nascido nesta condições.
É importante destacar que, para que o pedido do (a) viúvo (a) permaneça em andamento, é necessário examinar cada caso em particular com as particularidades próprias, considerando o tipo de relação existente entre os envolvidos e as consequências desta inseminação artificial post mortem. É importante ressaltar que, embora seja presumida a boa-fé, é necessário examinar minuciosamente cada caso para evitar fraudes ao conceber uma criança apenas visando obter vantagens financeiras e patrimoniais.
Além disso, o Poder Judiciário deve suprir a ausência da lei em relação ao assunto em questão por meio da analogia, costumes e princípios gerais do direito. É importante ressaltar que, em caso de conflito de princípios constitucionais, é necessário considerar o princípio mais relevante, que neste caso específico é o princípio da segurança jurídica e o princípio da dignidade da pessoa humana. Dessa forma, pode-se concluir que a medida mais justa a ser adotada seria dar prioridade ao princípio da dignidade humana em detrimento do princípio da segurança jurídica, uma vez que, neste caso específico, é necessário considerar a excepcionalidade e delicadeza da questão em questão.
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1Estudante de Direito do Centro Universitário Aparício Carvalho – FIMCA Porto Velho, joaopedrojprg59@hotmail.com;
2Estudante de Direito do Centro Universitário Aparício Carvalho – FIMCA Porto Velho, manuhpenasco@gmail.com;
3Docente de Direito do Centro Universitário Aparício Carvalho – FIMCA Porto Velho, Mestre em Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Santa Maria; Cesar.jacques@fimca.com.br