A INFLUÊNCIA DAS REDES SOCIAIS NO TRIBUNAL DO JÚRI: GARANTIA DE IMPARCIALIDADE OU RISCO À JUSTIÇA?

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202507181140


Livia Gabrielly Silva Arantes


RESUMO 

A mídia desempenha um papel crucial na formação da “cultura do medo”, principalmente ao tratar da violência e criminalidade. Ao enfatizar de forma sensacionalista eventos violentos, ela amplifica a sensação de insegurança na sociedade, alimentando estereótipos e distorções da realidade. Esse fenômeno afeta diretamente o sistema de justiça, especialmente no Tribunal do Júri, onde a opinião pública, muitas vezes influenciada pela mídia, pode impactar a imparcialidade dos jurados. Ao priorizar a audiência e a exposição de imagens violentas, a mídia falha em cumprir suas funções educativas e preventivas, contribuindo para a desinformação sobre a criminalidade e suas causas. A exposição prematura de um réu à opinião pública, antes mesmo de sua condenação ou absolvição, prejudica o princípio da presunção de inocência, transformando o processo judicial em um espetáculo. Além disso, esse tratamento sensacionalista das notícias pode resultar na exclusão social dos indivíduos, mesmo aqueles que são inocentados, perpetuando o estigma do “inimigo da sociedade”. O estudo revela como a mídia, ao priorizar o sensacionalismo em detrimento da informação precisa e contextualizada, pode afetar tanto o funcionamento do sistema judicial quanto a reintegração social dos réus.

Palavras-chave: Redes sociais. Júri. Mídia. 

1. INTRODUÇÃO 

A evolução das redes sociais nas últimas décadas alterou de maneira significativa a maneira como as informações são divulgadas e recebidas, afetando diversos setores da sociedade, incluindo o sistema judicial. No cenário do Tribunal do Júri, onde os jurados têm a responsabilidade de decidir se um réu é culpado ou inocente, a imparcialidade do julgamento é um princípio essencial para assegurar a justiça. No entanto, a crescente influência das redes sociais no dia a dia tem levantado preocupações sobre como essas plataformas podem afetar a formação do entendimento dos jurados, tornando-se um tema central nas discussões sobre a preservação da imparcialidade durante o processo (Castilhos; Marchiori, 2025).

A imparcialidade no Tribunal do Júri é um princípio que deve ser mantido ao longo de todo o processo legal, assegurando que os jurados tomem suas decisões unicamente com base nas evidências apresentadas durante o julgamento, livres de influências externas. Contudo, a exposição a informações veiculadas nas redes sociais, muitas vezes com caráter sensacionalista ou tendencioso, pode afetar essa objetividade. Exemplos de como a mídia pode influenciar, especialmente nas plataformas sociais, têm gerado debates sobre as consequências dessas informações nas deliberações dos jurados (Nepomuceno, 2022).

Diante desse contexto, torna-se fundamental investigar até que grau a utilização das redes sociais pelos jurados pode afetar a decisão de um caso e quais estratégias podem ser implementadas para minimizar esses perigos. Algumas alternativas que têm sido consideradas incluem a limitação do acesso às redes sociais, orientações sobre o comportamento esperado dos jurados e a criação de regulamentações legais específicas. Ademais, um estudo comparativo com outros sistemas judiciais internacionais podem oferecer insights valiosos para a revisão das normas atuais e a melhoria da atuação do Tribunal do Júri no Brasil.

Este texto tem como objetivo abordar a seguinte questão principal: A utilização de redes sociais pelos jurados afeta a objetividade do Tribunal do Júri? Para isso, será realizada uma análise do conceito de imparcialidade no contexto do julgamento pelo Tribunal do Júri, considerando casos de impacto da mídia e suas consequências, as táticas para reduzir esse problema e uma comparação com outros sistemas judiciais internacionais, com o intuito de enriquecer a discussão sobre a relação entre liberdade de expressão, redes sociais e justiça.

A crescente influência das redes sociais nas últimas décadas tem gerado mudanças substanciais nas formas de interação e na maneira como as informações circulam, impactando diretamente a esfera pública, política e, mais recentemente, o sistema de justiça. No contexto específico do Tribunal do Júri, a imparcialidade do julgamento é essencial para a garantia de um processo justo e legítimo. Contudo, as redes sociais, ao fornecerem informações muitas vezes sensacionalistas ou distorcidas, podem interferir no processo de formação de opinião dos jurados, comprometendo sua capacidade de decidir com base exclusivamente nas provas e no que é discutido no tribunal. A emergência desse fenômeno exige uma análise mais aprofundada sobre os possíveis riscos e benefícios do uso dessas plataformas no âmbito judicial.

Este estudo é motivado pela necessidade de compreender como a utilização das redes sociais pelos jurados pode impactar a imparcialidade dos julgamentos no Tribunal do Júri. A pesquisa busca não apenas identificar esses impactos, mas também sugerir soluções e medidas para proteger a integridade do processo judicial, equilibrando a liberdade de expressão e o direito à informação com a necessidade de um julgamento imparcial. A relevância deste estudo reside na possibilidade de influenciar o aprimoramento das práticas jurídicas no Brasil e, eventualmente, orientar reformas legislativas que garantam uma justiça mais equânime e protegida de influências externas.

O objetivo principal deste estudo é analisar o impacto da utilização das redes sociais pelos jurados no Tribunal do Júri, investigando se essa prática compromete a imparcialidade do julgamento. Para tanto, o estudo buscará compreender os efeitos da exposição a informações externas no processo decisório dos jurados, avaliar as possíveis consequências dessa influência na justiça e discutir medidas para mitigar os riscos associados ao uso das redes sociais durante o julgamento. Os objetivos específicos deste estudo visam, primeiramente, analisar o fenômeno do crime como objeto de fascínio, explorando como a representação midiática da criminalidade contribui para a formação de uma percepção distorcida da realidade social e judicial. Em seguida, busca-se investigar o papel das redes sociais na amplificação das questões relacionadas ao crime, avaliando como essas plataformas contribuem para a construção de narrativas sensacionalistas e sua repercussão no processo de julgamento no Tribunal do Júri. Por fim, o estudo pretende examinar a interferência da criminologia midiática nos princípios constitucionais da imparcialidade e da presunção de inocência, verificando de que maneira a cobertura midiática pode comprometer a integridade desses princípios durante o processo judicial.

Para tanto, foi realizada uma revisão detalhada da literatura existente sobre o princípio da imparcialidade no Tribunal do Júri, o impacto da mídia nas decisões judiciais, e o uso das redes sociais no contexto judicial. A revisão incluirá obras acadêmicas, artigos especializados, decisões jurisprudenciais e publicações que abordem tanto o direito processual quanto os efeitos da comunicação social na esfera jurídica.

2. O CRIME COMO OBJETO DE FASCÍNIO: A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NA PERCEPÇÃO SOCIAL DA CRIMINALIDADE

O fascínio pelo crime pode ser entendido como uma atração humana por aquilo que transgride normas sociais e legais. Psicologicamente, o crime desperta um interesse profundo devido à conexão com impulsos reprimidos e desejos de poder ou liberdade. Freud, por exemplo, sugeriu que a atração pelo proibido tem raízes nos instintos primitivos do ser humano. Já Michel Foucault (1975), em Vigiar e Punir, observou como a sociedade moderna, ao tornar o crime visível e exposto, acaba transformando-o em uma espécie de espetáculo, um meio de controle social e até entretenimento.

Na sociologia, o crime é visto como uma violação que, ao mesmo tempo, reforça a moralidade social, já que seu “desvio” torna mais evidente a importância das normas. O interesse pelo crime é, muitas vezes, um reflexo dessa dinâmica entre o normal e o transgressor, onde o comportamento desviado provoca tanto medo quanto curiosidade (Cunha, 2015).

Na cultura popular e na mídia, o crime é constantemente explorado em filmes, novelas e programas, tornando-se um objeto de consumo. Esse tipo de representação distorce muitas vezes a percepção pública da gravidade do crime, tornando-o mais acessível ou até excitante. Esse fenômeno também é visível na forma como crimes reais, como assassinatos ou crimes de serial killers, são explorados em documentários e séries, aprofundando o interesse nas motivações e psicologia dos criminosos. Em suma, o crime como objeto de fascínio envolve uma mistura de curiosidade sobre o mal, uma atração pelo proibido e uma reflexão sobre os limites da sociedade e da moralidade (Llosa, 2013).

Ao longo dos últimos decênios, a mídia tem conquistado uma presença cada vez mais dominante em nossas rotinas, especialmente após a Terceira Revolução Industrial, que ampliou o acesso da população à internet e aos canais de televisão. Não há dúvida de que as informações divulgadas pelos meios de comunicação exercem um poder significativo sobre a formação da opinião pública e os comportamentos sociais, sendo capazes de influenciar e moldar a sociedade de maneira profunda. Com a expansão desses canais, a mídia tem se tornado uma ferramenta de manipulação eficaz, consolidando normas e percepções amplamente disseminadas na sociedade (Gomes, 2012).

É possível observar que a mídia de massa, ao longo dos anos, tem se dedicado a veicular notícias que frequentemente consolidam regras e valores, afetando diretamente a visão da sociedade sobre diversos temas. De acordo com Fabricio da Mata Corrêa (2013), a mídia é composta por um conjunto de veículos de comunicação destinados a informar o público sobre os mais variados assuntos, como jornais, revistas, sites de internet, rádio e televisão.

Ao analisarmos o cenário midiático no Brasil, percebemos que há uma forte tendência ao sensacionalismo, especialmente nas notícias diárias. Este fenômeno, em grande parte, visa aumentar a audiência, já que muitos meios de comunicação dependem da visibilidade para sua sobrevivência econômica. Frequentemente, essas notícias são acompanhadas de comentários e interpretações de jornalistas que, em algumas situações, podem ser precipitados e até irresponsáveis, particularmente quando se trata de crimes em que a autoria ainda não está definida e o julgamento não foi concluído. Como bem coloca Llosa (2013, p. 47), as notícias muitas vezes se tornam relevantes ou secundárias, não pela sua importância econômica, política ou cultural, mas por seu caráter de novidade, escândalo ou espetáculo.

Essa realidade desperta uma reflexão crítica sobre os danos que essa crescente prática midiática pode causar à sociedade. Com o foco cada vez maior em matérias apelativas e sensacionalistas, muitos veículos de comunicação parecem priorizar a rentabilidade econômica em detrimento da função de informar de forma precisa e imparcial, o que é ainda mais problemático quando se trata de crimes de grande repercussão nacional. Lippmann (2008, p. 47) argumenta que a mídia constrói e apresenta ao público um “pseudoambiente”, que condiciona a percepção das pessoas e influencia sua visão de mundo, muitas vezes distorcendo a realidade.

Dessa maneira, a busca incessante pela audiência e pela rentabilidade no mercado de mídia contribui para um cenário de distorção da verdade, em especial quando notícias sobre crimes são tratadas de maneira exagerada e com títulos sensacionalistas. Tais práticas induzem o público a formar juízos precipitados, muitas vezes antecipando uma culpa sem que haja uma decisão judicial definitiva sobre o caso, o que compromete a imparcialidade do processo judicial e a presunção de inocência.

Dentro desse contexto, é fundamental examinarmos a Constituição Federal de 1988, a qual incluiu um capítulo dedicado à comunicação social. Nele, o artigo 220 estabelece o seguinte: 

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º – Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV

Já naquela época, existia uma clara preocupação com a preservação da liberdade de imprensa e de expressão, especialmente no que diz respeito ao jornalismo. Essa preocupação pode ser vista como uma reação ao período da ditadura militar no Brasil, quando as liberdades individuais, incluindo a liberdade de imprensa, estavam gravemente ameaçadas.

O artigo 220 da Constituição Federal, ao garantir essa proteção de forma ampla e irrestrita, reflete essa preocupação, mas também abre caminho para questões importantes na contemporaneidade. A evolução dos meios de comunicação nas últimas décadas têm evidenciado um crescente poder de manipulação da opinião pública. Ao garantir liberdade jornalística, a lei permite que matérias sejam publicadas de acordo com a conveniência de seus veículos, frequentemente sem filtros e com pouca ou nenhuma previsão de responsabilização quando tais publicações causam danos.

No contexto deste estudo, é fundamental destacar o impacto das notícias que envolvem crimes, uma vez que essas têm o poder de atrair imensa atenção pública. Especialistas apontam que esses casos se transformam em grandes discussões, que se espalham das plataformas digitais para as conversas cotidianas, fazendo com que todos se sintam, de alguma forma, especialistas ou analistas sobre o caso (Alves, 2018). Essa influência, portanto, não está mais restrita aos meios de comunicação tradicionais ou regulados, mas se expande para um espaço público vasto e descentralizado.

Dessa forma, observa-se que há um deslocamento significativo do papel das mídias de massa. Elas, que antes eram vistas como agentes fiscais do poder público, passaram a exercer uma função de domínio e manipulação, utilizando a informação como sua principal ferramenta (Gomes, 2015). A informação, segundo Boldt (2009), tornou-se um instrumento de controle e dominação social. No caso dos crimes de grande repercussão, frequentemente esses eventos são dramatizados e transformados em produtos de entretenimento, com o objetivo claro de atrair a audiência e gerar lucros (Casara, 2015).

Esse cenário tem gerado sérios prejuízos aos julgamentos no Tribunal do Júri, comprometendo a preservação dos direitos fundamentais dos réus, especialmente os direitos à presunção de inocência, ao devido processo legal e ao julgamento por um juiz imparcial, conforme assegurado pela Constituição Federal (art. 5º, incisos LVII, LIII e LIV). Em muitos casos, a mídia e as redes sociais alimentam uma presunção de culpabilidade, antecipando decisões sem o devido processo legal.

O fenômeno é ainda mais grave quando consideramos o processo de seleção e composição do corpo de jurados, que, como discutido anteriormente, carece de critérios rigorosos e claros. As implicações desses fatores serão aprofundadas no capítulo seguinte, onde serão analisadas as consequências dessa manipulação midiática no julgamento e na imparcialidade do Tribunal do Júri.

3. AS REDES SOCIAIS E A AMPLIFICAÇÃO DA QUESTÃO CRIMINAL: IMPACTOS NA FORMAÇÃO DE NARRATIVAS SENSACIONALISTAS

O sensacionalismo é uma estratégia comum na mídia, especialmente nos programas de jornalismo policial, cujo objetivo é capturar a atenção do público e aumentar a audiência. Angrimani (1994) descreve o sensacionalismo como uma técnica de produção de conteúdo que se caracteriza pela intensificação e exagero, tanto nos aspectos visuais quanto linguísticos. Isso frequentemente resulta na criação de uma realidade distorcida, com ênfase em detalhes dramáticos e muitas vezes desproporcionais.

Fidelis (1977) destaca que a combinação de crime, sexo e violência é particularmente atrativa para a mídia sensacionalista, pois esses elementos geram um grande apelo popular. A cobertura de casos de crime se torna, assim, uma mercadoria comercial, com os meios de comunicação explorando ao máximo a brutalidade dos acontecimentos, muitas vezes ignorando direitos fundamentais como a presunção de inocência.

Como enfatiza Beccaria (1999), os seres humanos, por natureza, têm uma tendência a se envolver emocionalmente com as tragédias alheias, muitas vezes se deleitando com o sofrimento dos outros. A mídia, consciente disso, utiliza a linguagem sensacionalista para manter o público engajado, sabendo que isso aumenta sua audiência e mantém as pessoas hipnotizadas pelo drama.

A mídia exerce um poder de influência sobre a sociedade tão significativo que se torna um dos principais motores da criação da chamada “cultura do medo”. Diante da crescente violência, questões como segurança pública e o funcionamento do sistema judiciário tornaram-se temas amplamente discutidos e explorados pela mídia, especialmente pela imprensa, que se aprofunda nesses tópicos. Contudo, a exposição repetida de imagens violentas e de crimes, que geram grande impacto emocional, acaba por intensificar sentimentos de insegurança e medo entre a população (Verissimo, 2024).

A cultura do medo promovida pela mídia está diretamente ligada à criminologia midiática, como abordado por Zaffaroni, sendo mais evidente em períodos de grande insegurança social, como o atual. Segundo Lopes (2022), a contínua exposição da criminalidade e da violência contribui para esse problema, amplificando o terror vivido pela população. Essa abordagem também afeta negativamente o trabalho policial, que muitas vezes é questionado devido à percepção de que não consegue controlar a “violência sem limites”. A preferência da mídia por explorar temas sensacionalistas faz com que ela se distancie de algumas de suas funções essenciais, como a educação para a prevenção da violência e a promoção de abordagens construtivas para a sociedade.

Ao focar em situações violentas, em vez de abordar iniciativas positivas ou educativas, a mídia acaba por distorcer a realidade, misturando o real com o imaginário. Isso influencia diretamente a percepção pública, ampliando ou reduzindo as ameaças percebidas, e pode até mesmo interferir nas políticas públicas voltadas para a segurança. A mídia tem, sim, o poder de contribuir para a promoção de uma sociedade mais informada, por meio de reportagens, documentários, filmes, novelas e até programação infantil que educa sobre os direitos humanos e constitucionais (Verissimo, 2024).

De acordo com Andrade (1964, p. 107), o ser humano moderno é complexo, pois alterna entre comportamentos racionais e impulsivos, sendo mais suscetível à manipulação midiática quando toma decisões emocionais. Essa manipulação, conforme aponta Guareschi (2007), pode criar um “sentimento coletivo”, no qual a mídia não apenas influencia a opinião pública, mas também constrói as ideias que divulga. Quando a mídia falha em noticiar de forma precisa e fiel à realidade processual ou aos fatos investigados, ela prejudica o princípio da presunção da inocência. Isso coloca o jurado em uma posição difícil, já que a exposição a uma opinião pública condenatória antes mesmo do julgamento compromete sua imparcialidade.

A questão não está em divulgar informações, pois a publicidade dos atos processuais é um princípio fundamental do Tribunal do Júri. O problema reside na maneira como essa divulgação é feita. Quando um jurado é previamente exposto à opinião pública, que já condena o réu antes do fim da investigação, como ele poderá se livrar da pressão do “sentimento coletivo”? Essa situação levanta questões sobre as consequências que tal exposição pode ter na vida do acusado, mesmo que ele seja absolvido. A simples investigação já gera o estigma de “inimigo da sociedade”, tornando difícil a reintegração do indivíduo à vida social e ao mercado de trabalho. Mesmo após a absolvição, as relações sociais do ex-acusado podem ser profundamente afetadas pela marca da “culpa”.

O sistema penal brasileiro enfrenta sérias dificuldades quanto à reabilitação e reintegração dos apenados. Embora os absolvidos não carreguem o estigma tão fortemente, as suas relações sociais e a percepção pública de sua inocência são prejudicadas. A mídia, ao desempenhar sua função essencial de traduzir e esclarecer acontecimentos complexos, tem o poder de contribuir positivamente para a sociedade. No entanto, quando falha em fornecer uma visão justa e imparcial, prejudica o processo judicial e a confiança pública no sistema de justiça (Seeger; Silva, 2016).

Para muitos, a mídia se torna a principal janela para o setor judiciário, muitas vezes apresentando uma versão distorcida da realidade, o que impacta diretamente a forma como a sociedade percebe o certo e o errado (Barbosa, 1950). O sensacionalismo alimenta a ideia de impunidade e fortalece uma postura de “justiceiros”, que buscam condenar os acusados sem as devidas diligências processuais. Como já mencionado, os jurados são cidadãos leigos, que podem chegar ao tribunal com uma opinião pré-formada sobre o caso, influenciada pela cobertura midiática. Isso levanta uma série de debates sobre o processo do júri, em especial sobre o impacto do espetáculo midiático na imparcialidade do julgamento.

Mendonça (2013) afirma que o Tribunal do Júri se tornou um espetáculo popular, um verdadeiro “show”, no qual os advogados se enfrentam em disputas oratórias, em um cenário que atrai a atenção do público. Para alguns especialistas, como Machado (2014, p. 283), essa “atração” do júri popular se justifica pela importância dos debates jurídicos que ele desperta na sociedade. 

No entanto, a exploração midiática de casos de grande repercussão dificulta a imparcialidade dos jurados, que, muitas vezes, já possuem uma visão formada do caso antes de se sentarem no banco do júri. Apesar de ser uma opinião pessoal, essa visão é influenciada pela mídia, que nem sempre reflete a verdade dos fatos apresentados no julgamento.

4. A CRIMINOLOGIA MIDIÁTICA – CASOS 

Nas deliberações do Tribunal do Júri, a crença dos jurados desempenha um papel crucial, e não é preciso apresentar justificativas para suas escolhas, mesmo que essas possam ser afetadas pela opinião pública, frequentemente estimulada pela mídia. Por serem parte da sociedade, os jurados estão expostos a essas pressões externas, o que pode resultar em decisões fundamentadas em visões distorcidas, que nem sempre estão de acordo com a realidade dos fatos processuais (Costa, 2016).

Com os avanços tecnológicos e o aumento da influência da web, a mídia, especialmente a televisão, desempenha um papel ainda mais significativo nas percepções da sociedade, tornando-se uma espécie de “júri” popular em casos de grande notoriedade. O Código de Processo Penal estabelece mecanismos como o desaforamento, que consiste na transferência de um julgamento para uma nova comarca, com o intuito de assegurar a imparcialidade. No entanto, tanto a jurisprudência quanto a doutrina não enxergam a mera exposição mediática de um caso como um indicativo claro de parcialidade entre os jurados, considerando-a insuficiente para justificar a relocação do julgamento (Cunha, 2015).

No âmbito do Tribunal do Júri, a influência emocional da sociedade, amplificada pela mídia, pode impactar o veredicto, levando a escolhas precipitadas fundamentadas em emoções como temor, raiva ou desejo de vingança, ao invés de se basear em evidências sólidas. Essa situação pode ocasionar uma “justiça” que, na verdade, se aproxima mais da injustiça, pois é orientada por reações emocionais e pela pressão coletiva, sem a devida avaliação das provas e do devido processo legal (Cunha, 2015).

Suzuki; Bezerra (2016) apontam que incidentes de crimes intencionais, frequentemente amplamente divulgados na imprensa, suscitam reações emocionais fortes na sociedade, levando as pessoas a formarem opiniões, geralmente sem ter acesso a informações detalhadas ou precisas. A mídia, ao relatar esses eventos, muitas vezes faz avaliações precipitadas, criando narrativas que, em diversas situações, distorcem a verdade sobre o que realmente aconteceu. É esperado que os jurados, ao deliberarem sobre um caso, se baseiem exclusivamente nas evidências concretas apresentadas durante o julgamento, e não em suposições derivadas da cobertura midiática.

4.1 O Caso Nardoni

O assassinato de Isabella Nardoni, em 2008, é um exemplo claro da influência da mídia no processo judicial. Isabella, de apenas 5 anos, foi lançada do sexto andar de um prédio por seu pai e madrasta, um ato que gerou enorme repercussão. O caso foi amplamente coberto pela mídia, que, ao expor detalhes do crime e da investigação, criou um clima de “jurados populares” na sociedade. A cobertura midiática foi tão intensa que, ao pesquisar no Google em dezembro de 2008, Sbeghen (2017) encontrou 622.000 resultados sobre o caso, com informações de diversos tipos circulando livremente.

Embora o Código de Processo Penal preveja o desaforamento para garantir imparcialidade, a simples cobertura midiática, por si só, não é considerada uma razão suficiente para mover o julgamento para outra comarca (Cunha, 2015). A divulgação do caso, no entanto, impactou diretamente a percepção pública, gerando uma atmosfera carregada de emoções como raiva e indignação.

4.2 O Caso Richthofen

O caso de Suzane von Richthofen, que em 2002 foi responsável pelo assassinato de seus pais, também exemplifica a relação entre a mídia e o processo judicial. A cobertura midiática focou em aspectos íntimos da vida de Suzane e seu relacionamento com Daniel Cravinhos, como seu comportamento, suas motivações e a desconfiança que seus pais tinham em relação ao namorado. A mídia explorou essas questões de forma sensacionalista, criando uma narrativa em torno da jovem de classe alta que, ao envolver-se com alguém de classe social inferior, quebrava expectativas sociais.

A percepção pública do caso foi profundamente influenciada pela forma como a mídia retratou Suzane, muitas vezes a apresentando como manipuladora e calculista, enquanto Daniel era visto como facilmente influenciável. Isso ajudou a moldar as opiniões do público e gerou um debate sobre até que ponto a mídia deveria ter influência na responsabilidade individual e na formação do julgamento.

4.3 O Caso Daniella Perez

Em 1992, o assassinato brutal da atriz Daniella Perez, filha da autora Glória Perez, também foi amplamente coberto pela mídia. O caso gerou comoção nacional, em grande parte devido à brutalidade do crime e à relação entre os envolvidos, incluindo Guilherme de Pádua, colega de elenco de Daniella. A cobertura da mídia tornou-se um espetáculo em si, focando nos aspectos mais sensacionalistas da tragédia. Guilherme e sua esposa, Paula Thomaz, acabaram condenados, mas a cobertura do caso e a pressão pública ajudaram a moldar a narrativa, influenciando o julgamento de forma significativa.

Glória Perez, desesperada com a possibilidade de seus filhos assassinos saírem em liberdade, lançou uma campanha para transformar o homicídio qualificado em crime hediondo. Com isso, ela obteve mais de 1 milhão de assinaturas, promovendo uma iniciativa legislativa que visava garantir punições mais severas para crimes como o que vitimou sua filha (Lavaqui, 2021).

Esses casos ilustram como a mídia não apenas informa, mas muitas vezes molda e distorce a percepção pública sobre os eventos, influenciando o próprio processo judicial e a forma como a justiça é percebida e administrada pela sociedade.

5. CONCLUSÃO 

A investigação sobre a influência da mídia na consolidação da “cultura do medo” e seu efeito no Tribunal do Júri demonstra que a maneira como a mídia aborda questões de violência e criminalidade têm um impacto considerável na percepção das pessoas e no sistema judicial. O sensacionalismo midiático, ao exagerar na apresentação de cenas violentas e tratar casos de maneira tendenciosa, intensifica o medo na sociedade, distorcendo a realidade e prejudicando a imparcialidade do julgamento. Essa influência sobre os jurados, que muitas vezes se deixam levar por opiniões públicas formadas previamente, compromete a funcionalidade do Tribunal do Júri, que deveria ser um ambiente para julgamentos justos, fundamentados em evidências concretas.

Adicionalmente, a veiculação precoce de informações sobre os réus na mídia prejudica a garantia da presunção de inocência, criando um estigma social que pode persistir mesmo após a absolvição. A sociedade, influenciada pelo sensacionalismo, costuma vincular o ato de ser investigado à prática de um crime, o que leva à marginalização dos indivíduos, independentemente do desfecho do processo legal.

A conclusão enfatiza que, embora a mídia exerça uma função educativa e de conscientização social, sua abordagem atual, ao focar em audiência e espetáculo, não atende a essas responsabilidades de maneira adequada. Há uma necessidade urgente de uma postura mais equilibrada e ética na cobertura de crimes, não apenas para assegurar a imparcialidade nos julgamentos, mas também para fomentar uma sociedade mais justa que valorize a reintegração de pessoas inocentes e respeite princípios constitucionais, como a presunção de inocência. A mídia deveria ser considerada não só como um meio de divulgação de informações, mas também como um agente responsável na formação da opinião pública e na defesa da justiça social.

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