REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102501061535
Célio José Gonçalves
Fábio Júnior de Souza
RESUMO
Este artigo aborda a importância das relações interpessoais no ambiente escolar e o impacto das políticas públicas na convivência e no clima institucional. A pesquisa bibliográfica analisa como a implementação de práticas educacionais e normativas, como a Lei nº 13.663/2018 e o Plano Nacional de Educação (PNE), contribui para a promoção de um clima escolar positivo, focando nas competências socioemocionais, como empatia, autorregulação e resolução de conflitos. A Teoria Sociointeracionista de Vygotsky fundamenta a pesquisa, ressaltando o papel das interações sociais na aprendizagem e no desenvolvimento integral dos alunos. A partir da análise de diferentes estudos e abordagens teóricas, o artigo busca identificar as potencialidades e limitações das políticas públicas voltadas à convivência escolar, propondo caminhos para aprimorar as práticas pedagógicas e fortalecer um ambiente inclusivo e colaborativo nas escolas.
Palavras-chave: relações interpessoais, políticas públicas, competências socioemocionais, clima escolar.
ABSTRACT
This article discusses the importance of interpersonal relationships in the school environment and the impact of public policies on coexistence and institutional climate. The bibliographic research analyzes how the implementation of educational practices and regulations, such as Law No. 13,663/2018 and the National Education Plan (PNE), contributes to promoting a positive school climate, focusing on socio-emotional competencies such as empathy, self-regulation, and conflict resolution. Vygotsky’s socio-interactionist theory underpins the research, emphasizing the role of social interactions in learning and the holistic development of students. By analyzing various studies and theoretical approaches, the article seeks to identify the potential and limitations of public policies aimed at school coexistence, proposing ways to improve pedagogical practices and strengthen an inclusive and collaborative school environment.
Keywords: interpersonal relationships, public policies, socio-emotional competencies, school climate.
INTRODUÇÃO
O ambiente escolar é um espaço singular, onde as interações humanas se desenvolvem em contextos marcados pela diversidade cultural, social e emocional. Nesse microcosmo, reflete-se a sociedade em sua pluralidade, com suas potencialidades e desafios. No cenário educacional contemporâneo, questões como equidade, inclusão e bem-estar são temas centrais, pois moldam as condições para o aprendizado e a formação cidadã (Goleman, 2017). Essas questões exigem uma abordagem integrada que contemple tanto os aspectos cognitivos quanto socioemocionais do processo educativo, reconhecendo a escola como um espaço de convivência e aprendizado, não apenas de transmissão de conteúdos (FERREIRA et al., 2018; MARQUES & FERREIRA, 2020).
De acordo com Cohen et al. (2019), um clima escolar positivo é aquele que promove a segurança, a inclusão e o respeito mútuo. Esses elementos são fundamentais para criar as condições necessárias ao pleno desenvolvimento acadêmico e socioemocional dos estudantes. Este clima vai além da simples ausência de violência ou conflitos, abrangendo uma atmosfera de apoio e encorajamento mútuo, essencial para o florescimento humano. No entanto, ambientes escolares caracterizados por tensões interpessoais, exclusão ou práticas punitivas comprometem não apenas a aprendizagem, mas também o bem-estar físico e emocional dos envolvidos. A escola, enquanto instituição formativa, deve lidar com essas questões de maneira proativa, implementando intervenções pedagógicas e institucionais que favoreçam a convivência saudável e a harmonia (Zaccara, 2020).
As relações interpessoais desempenham um papel determinante na construção desse clima. Elas influenciam diretamente a motivação dos alunos e a eficácia do ensino. Hattie (2017) destaca que a interação de qualidade entre alunos e professores é um dos principais fatores associados ao sucesso acadêmico, superando até mesmo variáveis estruturais, como a quantidade de recursos disponíveis. No entanto, manter um clima escolar positivo e promover interações interpessoais saudáveis se revela um desafio complexo, especialmente em cenários marcados por desigualdades sociais, conflitos culturais e limitações institucionais. Nesse contexto, as políticas públicas atuam como mediadoras e promotoras de soluções. Iniciativas como a Lei nº 13.663/2018, que prioriza ações voltadas à mediação de conflitos, e o Plano Nacional de Educação (PNE, 2014-2024), que destaca a formação integral dos estudantes, são exemplos de esforços do poder público para enfrentar tais desafios (Brasil, 2018; Brasil, 2014).
Este estudo visa, portanto, contribuir para a compreensão de como as políticas públicas voltadas à convivência escolar impactam as relações interpessoais e o clima institucional. Fundamentada na Teoria Sociointeracionista de Vygotsky (2008), a investigação bibliográfica explora o papel das interações no ambiente escolar, alinhando-se às diretrizes educacionais que promovem a equidade e a inclusão. O objetivo principal é analisar de que maneira essas políticas influenciam as práticas cotidianas nas escolas, identificando suas potencialidades e limitações. Questões como “Quais são os impactos concretos das políticas públicas na convivência escolar?” e “Como essas iniciativas podem ser aprimoradas para atender às demandas de contextos específicos?” orientam as discussões subsequentes.
Além disso, ao situar o tema no contexto mais amplo das transformações sociais, este estudo propõe-se a oferecer subsídios para gestores, educadores e formuladores de políticas, contribuindo para a construção de escolas mais democráticas, inclusivas e preparadas para os desafios contemporâneos.
1. O IMPACTO DAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS E DAS COMPETÊNCIAS SOCIOEMOCIONAIS NO AMBIENTE ESCOLAR: DESAFIOS E POLÍTICAS PARA UMA EDUCAÇÃO INTEGRAL
As relações interpessoais no ambiente escolar constituem um aspecto crucial para o desenvolvimento acadêmico, emocional e social dos indivíduos. Conforme Goleman (2017), o espaço escolar reflete e molda as interações humanas que caracterizam a sociedade, tornando-se um local estratégico para a construção de vínculos, o fortalecimento de valores e a superação de desafios. A escola, enquanto um ambiente mediador do desenvolvimento humano, não apenas transmite conhecimentos, mas também promove interações sociais fundamentais para a formação integral dos alunos (FERREIRA et al., 2018; MARQUES & FERREIRA, 2020).
A relevância das competências socioemocionais, no contexto educacional, está amplamente documentada na literatura. Goleman (2017) define essas competências como a capacidade de reconhecer, compreender e regular as emoções, além de gerir os relacionamentos interpessoais de forma eficaz. Essas habilidades incluem empatia, autorregulação, resolução de conflitos e trabalho em equipe, fatores essenciais para o desenvolvimento de um clima escolar positivo. Ferreira et al. (2018) demonstram que alunos expostos a um ambiente que valoriza essas competências apresentam maior capacidade de enfrentar desafios emocionais, melhor desempenho acadêmico e maior engajamento nas atividades escolares.
A teoria sociointeracionista de Vygotsky (1978) fundamenta a compreensão das dinâmicas interpessoais no ambiente escolar. De acordo com o autor, o aprendizado ocorre por meio de interações sociais mediadas pela cultura e pelos valores do ambiente em que o indivíduo está inserido. Essa perspectiva destaca a importância de relações respeitosas e colaborativas no contexto educacional, enfatizando que a aprendizagem não se limita à aquisição de conteúdos acadêmicos, mas envolve o desenvolvimento de habilidades sociais e culturais que possibilitam uma convivência harmônica.
A implementação de políticas públicas reforça a necessidade de um ambiente escolar que promova relações saudáveis. A Lei nº 13.663/2018, por exemplo, enfatiza a importância de ações que fomentem a cultura de paz, a convivência respeitosa e o fortalecimento das competências socioemocionais. O Plano Nacional de Educação (PNE), por sua vez, estabelece metas que incluem a valorização de práticas pedagógicas voltadas ao desenvolvimento integral dos estudantes, destacando o papel das escolas como espaços de interação social e aprendizado colaborativo (BRASIL, 2014).
No entanto, as relações interpessoais negativas, como exclusão social, bullying e intolerância, podem gerar impactos significativos no clima escolar e no bem-estar dos estudantes. Henry et al. (2018) apontam que alunos expostos a essas experiências apresentam maior vulnerabilidade a problemas emocionais, como ansiedade e depressão, além de baixo rendimento acadêmico. Essas dinâmicas, quando não gerenciadas, podem levar ao aumento da evasão escolar e ao desenvolvimento de comportamentos de risco.
Nesse contexto, a Teoria do Gerenciamento de Conflitos, de Tschannen-Moran (2018), surge como uma abordagem eficaz para lidar com disputas no ambiente escolar. A autora propõe a mediação como uma estratégia que favorece a comunicação, a empatia e a resolução pacífica de conflitos. Programas de mediação escolar têm demonstrado resultados positivos em diversas instituições, contribuindo para a redução de incidentes de violência, a promoção da confiança mútua e o fortalecimento das relações interpessoais. Estudos como os de Deutsch e Coleman (2014) reforçam que a mediação, quando conduzida de maneira sistemática, promove um ambiente de segurança emocional e cooperação.
Os educadores desempenham papel central no fortalecimento das relações interpessoais dentro das escolas. Hargreaves (2003) argumenta que os professores são não apenas transmissores de conteúdo, mas também modelos de comportamento para os alunos. A forma como gerenciam conflitos, demonstram empatia e incentivam a colaboração entre os estudantes impacta diretamente a qualidade do ambiente escolar. Marques e Ferreira (2020) destacam que escolas que investem na formação continuada de professores em inteligência emocional e em técnicas de gestão de sala de aula apresentam menores índices de violência e maior engajamento dos alunos.
Além disso, o fortalecimento das competências socioemocionais no ambiente escolar está alinhado às diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que incorpora essas habilidades como parte integrante do currículo escolar (BRASIL, 2018). A BNCC reconhece que o desenvolvimento socioemocional é essencial para preparar os estudantes para os desafios do século XXI, promovendo habilidades de convivência, cidadania ativa e responsabilidade social.
Portanto, compreender o ambiente escolar como um espaço de desenvolvimento integral, onde as relações interpessoais desempenham um papel estratégico, é fundamental para a promoção de uma educação de qualidade. Políticas públicas, formação continuada de educadores e práticas pedagógicas inovadoras são elementos indispensáveis para transformar a escola em um espaço de convivência saudável e aprendizado efetivo. Dessa forma, é possível garantir não apenas o sucesso acadêmico dos estudantes, mas também seu bem-estar emocional e social, contribuindo para a formação de cidadãos críticos, responsáveis e equilibrados.
2. O CLIMA ESCOLAR: DIMENSÕES, IMPACTOS E PRÁTICAS PARA A PROMOÇÃO DE AMBIENTES EDUCACIONAIS POSITIVOS
O conceito de clima escolar abrange aspectos físicos, pedagógicos e relacionais que caracterizam o ambiente educacional. Ele influencia tanto o desempenho dos estudantes quanto a satisfação dos professores com o trabalho, impactando diretamente a eficácia da escola como instituição de ensino e formação (Loukas, 2017). Formado por um conjunto de condições que inclui desde a infraestrutura da escola até a qualidade das relações interpessoais no cotidiano escolar, o clima escolar reflete uma construção coletiva. Esse ambiente, quando alinhado, gera condições favoráveis ao aprendizado e ao desenvolvimento social e emocional dos alunos (Loukas, 2017).
A relevância de um clima escolar positivo é amplamente reconhecida por sua capacidade de engajar os estudantes no processo de aprendizagem e promover o desenvolvimento de competências cognitivas e socioemocionais. Estudos como o relatório PISA (2021) demonstram que escolas com clima escolar favorável obtêm melhores índices de desempenho acadêmico e menores taxas de evasão escolar. Além disso, Cohen et al. (2018) destacam que a qualidade do ambiente escolar está associada à saúde mental dos estudantes, reduzindo problemas como ansiedade e depressão. Assim, o clima escolar transcende a sala de aula, moldando as interações sociais e emocionais dentro da comunidade escolar.
Para construir e sustentar um clima escolar positivo, é necessário equilibrar três dimensões interconectadas: infraestrutura, práticas pedagógicas e relações interpessoais. Por exemplo, práticas pedagógicas inclusivas que valorizem a diversidade dos estudantes podem fortalecer as relações interpessoais e melhorar a percepção geral do clima escolar (Cohen et al., 2018). Por outro lado, a ausência dessas condições pode desencadear um ciclo vicioso de baixo desempenho, desmotivação e conflitos. A exclusão de alunos com necessidades especiais, práticas disciplinares punitivas e a falta de diálogo são fatores que comprometem o bem-estar emocional e social dos estudantes (Mayer, 2021).
Práticas como a Justiça Restaurativa e os programas de mediação de conflitos têm se mostrado eficazes para transformar o ambiente escolar. Esses métodos promovem a resolução pacífica de disputas, restauram relações interpessoais e incentivam a cooperação e o respeito mútuo. Mayer (2021) e Fisher et al. (2011) enfatizam que essas práticas não apenas reduzem os índices de violência escolar, mas também fortalecem os laços sociais, criando um ambiente mais harmonioso e produtivo.
As dimensões do clima escolar oferecem uma abordagem estruturada para compreender sua influência no ambiente educacional. A dimensão física, por exemplo, inclui aspectos como infraestrutura adequada, ambientes limpos e organizados e o acesso a tecnologias educacionais, elementos que impactam diretamente o bem-estar e o desempenho acadêmico (Hattie, 2015; Marzano, 2011). Já a dimensão social envolve interações positivas entre estudantes, professores, gestores e famílias, favorecendo a motivação e a inclusão (Cohen et al., 2018). A dimensão emocional, por sua vez, está relacionada à sensação de segurança, respeito e acolhimento, fatores essenciais para o aprendizado (Marzano, 2011).
Essas dimensões não operam isoladamente, mas se influenciam mutuamente. Por exemplo, uma infraestrutura deficiente pode limitar práticas pedagógicas inovadoras, enquanto relações interpessoais conflituosas podem comprometer o aspecto emocional do ambiente escolar. Nesse sentido, a promoção de programas como “Mindfulness” e práticas de meditação têm mostrado resultados positivos na redução do estresse e na melhora do foco dos alunos (Cohen et al., 2018).
O impacto do clima escolar vai além do bem-estar imediato dos estudantes, influenciando diretamente os processos de aprendizagem. Pesquisas de Hattie (2015) e Marzano (2011) destacam que um clima escolar positivo promove maior engajamento nas atividades educacionais, melhores resultados acadêmicos e maior motivação. Essas condições também contribuem para a redução da evasão escolar e para o fortalecimento da resiliência emocional dos estudantes, preparando-os para desafios futuros.
Casos de sucesso em transformação do clima escolar reforçam a possibilidade de mudança por meio de práticas estruturadas. Fisher et al. (2011) relatam o exemplo da Escola Municipal Dona Esmeralda, no Brasil, que reduziu os casos de bullying em 40% ao adotar programas de resolução de conflitos. Da mesma forma, as escolas em Cingapura destacam-se por integrar a aprendizagem emocional ao currículo e capacitar os educadores para lidar de forma eficaz com questões socioemocionais (Marzano, 2011).
Por fim, políticas públicas desempenham um papel essencial nesse processo, oferecendo diretrizes e recursos que fortalecem o clima escolar. A Lei nº 13.663/2018 e o Plano Nacional de Educação (PNE) enfatizam a importância de estratégias que promovam a convivência respeitosa, a inclusão e o desenvolvimento integral dos estudantes (BRASIL, 2014). Tais iniciativas reafirmam o papel da escola como um espaço de aprendizado, convivência e formação para a cidadania ativa e responsável.
O clima escolar, portanto, é um componente central na promoção do sucesso educacional e na formação integral dos estudantes. Sua construção e manutenção exigem um esforço conjunto de todos os agentes da comunidade escolar, articulando práticas pedagógicas, infraestrutura e relações interpessoais em prol de um ambiente saudável, inclusivo e transformador.
3. POLÍTICAS PÚBLICAS E CULTURA DE PAZ NAS ESCOLAS: CAMINHOS PARA A CONVIVÊNCIA E A INCLUSÃO
As políticas públicas educacionais desempenham um papel fundamental no enfrentamento de desafios históricos relacionados à convivência escolar, com o objetivo de mitigar conflitos, prevenir a violência e promover uma cultura de paz no ambiente educacional (Brasil, 2018). O contexto escolar é um espaço onde se cruzam diferentes culturas, realidades sociais e experiências pessoais, o que pode gerar tanto potencialidades quanto desafios para a convivência (Ferreira et al., 2020). A construção de uma convivência escolar harmoniosa exige, portanto, uma interação eficaz entre diretrizes legais, práticas pedagógicas e a mobilização de diversos atores, como professores, gestores, estudantes e suas famílias (Brasil, 2018). As políticas públicas educacionais visam promover uma educação inclusiva, que respeite as diferenças e contribua para a construção de uma sociedade mais justa (Brasil, 2014; Goleman, 2017). Nesse contexto, as políticas públicas se tornam essenciais para a formação de indivíduos com competências socioemocionais, que sejam capazes de lidar com a diversidade e a resolução de conflitos de forma pacífica.
No Brasil, o arcabouço legal orienta as ações voltadas à melhoria do clima escolar e à promoção da convivência, como a Lei nº 13.663/2018, que tornou obrigatória a implementação de ações de mediação de conflitos e a valorização da convivência respeitosa, estabelecendo parâmetros para uma gestão escolar mais participativa e ética (Brasil, 2018). A legislação brasileira reconhece a necessidade de políticas públicas que vão além do ensino tradicional, incluindo a formação moral e ética dos estudantes e a construção de um ambiente escolar seguro e acolhedor (Brasil, 2018). Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura a proteção contra qualquer forma de violência no ambiente escolar, promovendo uma educação de qualidade que seja inclusiva e adaptada às necessidades dos alunos (Brasil, 1990). O ECA compromete o Estado brasileiro com a defesa dos direitos das crianças e adolescentes, garantindo que a convivência escolar seja pautada pela inclusão e pelo respeito mútuo (Brasil, 1990).
O Plano Nacional de Educação (PNE, 2014-2024) incorpora metas voltadas ao desenvolvimento integral dos estudantes, com destaque para as competências socioemocionais, abordadas nas metas 7 e 19, que tratam da qualidade do ensino e da gestão democrática, incentivando práticas que promovam a cultura de paz e a mediação de conflitos (Brasil, 2014). Essas metas visam não apenas a melhoria do desempenho acadêmico, mas também a formação de cidadãos comprometidos com a convivência pacífica e com a construção de uma sociedade mais solidária (Goleman, 2017). A implementação dessas políticas, no entanto, exige articulação entre os diferentes níveis de governo e adaptação às especificidades locais, demandando uma gestão eficaz e recursos adequados (Minayo, 2020). A adequação das políticas ao contexto local é um fator decisivo para o sucesso das ações, uma vez que as realidades de cada comunidade escolar podem apresentar necessidades e desafios específicos (Minayo, 2020).
A promoção da cultura de paz no ambiente escolar, respaldada por iniciativas como a Educação para a Cidadania Global (ECG), promovida pela UNESCO, busca formar cidadãos conscientes, preparados para atuar em contextos diversos, considerando aspectos como diversidade cultural, direitos humanos e justiça social (UNESCO, 2016). No Brasil, programas como o “Programa Nacional de Mediação Escolar e Comunitária” têm demonstrado eficácia na prevenção da violência escolar, substituindo abordagens punitivas por processos que promovem reflexão e restauração das relações (Fisher et al., 2011; Zaccara, 2018). A mediação de conflitos, ao priorizar o diálogo, tem se mostrado uma estratégia eficaz para resolver disputas de maneira pacífica, restaurando o respeito mútuo entre os envolvidos (Fisher et al., 2011).
Contudo, a implementação dessas políticas enfrenta desafios substanciais, tanto de ordem estrutural quanto cultural. Um dos principais obstáculos é a formação continuada de educadores, que deve ser capaz de fornecer as competências necessárias para lidar com as questões complexas relacionadas à convivência escolar e à resolução de conflitos (Minayo, 2020). A formação de professores não pode se limitar apenas aos aspectos técnico-pedagógicos, mas também deve incluir o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, como empatia, escuta ativa e a capacidade de mediar conflitos de maneira construtiva (Goleman, 2017). A resistência dos educadores a esses novos paradigmas pode ser um reflexo das dificuldades enfrentadas em um sistema educacional tradicional, muitas vezes sobrecarregado e com escassez de tempo e recursos para formação contínua (Minayo, 2020). A capacitação deve ser sustentada ao longo do tempo, com acompanhamento contínuo, pois as situações de conflito e a promoção da convivência pacífica são processos contínuos que demandam habilidades em constante aperfeiçoamento (Minayo, 2020).
Outro desafio significativo diz respeito aos recursos financeiros limitados, que afetam diretamente a capacidade de implementar eficazmente as políticas públicas. As escolas, especialmente aquelas localizadas em áreas de maior vulnerabilidade social, frequentemente enfrentam dificuldades em termos de infraestrutura, materiais didáticos adequados e a disponibilidade de profissionais qualificados para implementar programas de mediação e cultura de paz (Ferreira et al., 2020). Esses problemas estruturais podem limitar a abrangência e a efetividade das políticas públicas, prejudicando a criação de um ambiente escolar propício à convivência harmoniosa (Ferreira et al., 2020). A falta de recursos também pode impedir que as escolas desenvolvam projetos inovadores e inclusivos, necessários para atender às necessidades específicas de seus alunos (Ferreira et al., 2020).
As dificuldades são ainda mais complexas quando se considera a resistência de algumas comunidades escolares a mudanças culturais. Muitas escolas enfrentam desafios ao tentar transformar práticas arraigadas e tradicionais, que nem sempre favorecem a inclusão e a convivência pacífica. Por exemplo, em algumas regiões, a violência escolar é tratada de forma punitiva, sem considerar alternativas que promovam a reflexão sobre o comportamento e a restauração das relações (Minayo, 2020). Essa resistência pode estar relacionada a uma visão autoritária da gestão escolar, que prioriza o controle rígido e a disciplina em detrimento de uma abordagem mais humanizada, que valorize o diálogo e a colaboração (Minayo, 2020). A mudança de mentalidade exige um esforço conjunto entre gestores, professores, estudantes e a comunidade escolar para superar práticas prejudiciais e substituir modelos de punição por alternativas educativas que incentivem o aprendizado e a construção de relações respeitosas (Ferreira et al., 2020).
Além disso, as desigualdades regionais, como a escassez de recursos financeiros e a infraestrutura precária em áreas vulneráveis, impactam diretamente a implementação dessas políticas, ampliando os desafios para uma convivência escolar equilibrada e justa. O acesso a programas de formação de educadores e à implementação de práticas pedagógicas inovadoras não é igual em todas as regiões, com as áreas mais afastadas e com maior índice de vulnerabilidade social sendo, muitas vezes, as mais afetadas por essas disparidades (Ferreira et al., 2020). Essas desigualdades podem gerar um ciclo de exclusão, no qual os alunos de regiões mais carentes acabam tendo menos acesso a uma educação de qualidade, incluindo a formação socioemocional e o apoio necessário para o desenvolvimento de habilidades que favoreçam a convivência pacífica (Ferreira et al., 2020). As disparidades na infraestrutura escolar também prejudicam o acesso a espaços adequados para a prática de atividades de mediação e resolução de conflitos, que exigem ambientes seguros e equipados (Ferreira et al., 2020).
Por fim, os desafios relacionados à implementação das políticas públicas educacionais são amplificados pela falta de uma articulação eficaz entre os diferentes níveis de governo. A cooperação entre governo federal, estadual e municipal é crucial para a implementação de políticas que atendam de maneira eficaz às necessidades locais, mas, em muitos casos, a falta de uma coordenação eficiente dificulta a execução das ações previstas (Minayo, 2020). A ausência de uma integração entre as políticas educacionais e as políticas de segurança pública, saúde e assistência social, por exemplo, pode resultar em uma abordagem fragmentada, que não consegue lidar de forma holística com as múltiplas dimensões dos problemas enfrentados pelas escolas (Minayo, 2020). Para superar esses obstáculos, é necessário um esforço contínuo para a melhoria da gestão pública e a criação de mecanismos que garantam a efetiva implementação das políticas de convivência escolar e mediação de conflitos em todas as esferas da administração pública (Minayo, 2020).
Iniciativas como o programa “Escola da Paz”, no Ceará, e o modelo “Restorative Practices in Schools” nos Estados Unidos, demonstram resultados positivos ao priorizar práticas inclusivas e restaurativas. Esses programas promovem um ambiente de compreensão, empatia e redução de conflitos, fortalecendo o papel das escolas como espaços de convivência pacífica e respeito mútuo (Fisher et al., 2011; Zaccara, 2018). O sucesso desses programas mostra que, quando implementadas de forma eficaz, as práticas restaurativas podem ter um impacto positivo no ambiente escolar, contribuindo significativamente para a construção de uma cultura de paz e inclusão (Fisher et al., 2011; Zaccara, 2018).
CONCLUSÃO
Em conclusão, este estudo destaca a importância das políticas públicas voltadas à convivência escolar como um fator crucial para o desenvolvimento de um ambiente educativo saudável e inclusivo. A análise das relações interpessoais e do clima institucional nas escolas revela que, além de influenciar diretamente o desempenho acadêmico dos alunos, essas políticas desempenham um papel essencial na formação de um espaço de respeito, empatia e colaboração. Alinhado à Teoria Sociointeracionista de Vygotsky, o estudo evidencia que as interações no ambiente escolar são fundamentais não apenas para a construção do conhecimento, mas também para a promoção de competências socioemocionais que são indispensáveis para a convivência harmônica e para a formação de cidadãos críticos e responsáveis.
Ao abordar as potencialidades e limitações das políticas públicas existentes, como a Lei nº 13.663/2018 e as diretrizes do Plano Nacional de Educação, este trabalho aponta a necessidade de ajustes contínuos para atender às especificidades dos contextos locais. As questões levantadas ao longo da pesquisa — sobre os impactos concretos dessas políticas e as possíveis formas de aprimorá-las — reforçam a urgência de um compromisso constante com a equidade, a inclusão e a promoção de uma educação que vá além da mera transmissão de conteúdo, mas que favoreça o desenvolvimento integral dos estudantes.
Assim, os resultados desta pesquisa oferecem subsídios para gestores, educadores e formuladores de políticas públicas, contribuindo para a criação de escolas mais democráticas, inclusivas e preparadas para enfrentar os desafios contemporâneos. A construção de um ambiente escolar que priorize a convivência respeitosa e o fortalecimento das relações interpessoais é, portanto, um passo fundamental para garantir o sucesso acadêmico e o bem-estar de todos os envolvidos no processo educativo.
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