A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NAS DECISÕES PENAIS DO TRIBUNAL DO JÚRI

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11215281


Eduarda Gallo dos Santos[1]
Gabrielle Nogueira Silva Pereira[2]
Adriano Michael Videira dos Santos[3]


RESUMO

A influência da mídia nas decisões penais do Tribunal do Júri é um tema de grande relevância e discussão no âmbito do sistema judiciário. Os veículos de comunicação, como televisão, rádio, jornais e internet, têm um papel significativo na formação da opinião pública e, por consequência, podem influenciar diretamente os jurados que compõem o conselho de sentença. Uma das questões dessa influência é a maneira como os casos criminais são cobertos pela mídia. Quando um crime doloso contra a vida ganha destaque nos noticiários, especialmente os homicídios, a imprensa tende a cobrir todos os detalhes do caso. Desse modo, o presente artigo tem por objetivo geral analisar a influência da mídia nas decisões penais, compreendendo os mecanismos pelos quais a cobertura midiática afeta o sistema judicial e seus desdobramentos na aplicação da justiça do tribunal do Júri. Nesse contexto, a problemática a ser enfrentada consiste em entender como a cobertura midiática influenciou as decisões judiciais em alguns casos emblemáticos ocorridos no Brasil. Assim, a metodologia aplicada neste estudo é de caráter qualitativo e descritiva, em que se realizou uma pesquisa bibliográfica em artigos, teses, dissertações e demais documentos disponíveis para consulta.

PalavrasChaves: influência da mídia; tribunal do júri. decisões penais.

ABSTRACT

The influence of the media on the criminal decisions of the Jury Trial is a topic of great relevance and discussion within the judicial system. Media outlets, such as television, radio, newspapers, and the internet, play a significant role in shaping public opinion and, consequently, can directly influence the jurors who make up the jury panel. One of the issues of this influence is the way criminal cases are covered by the media. When a deliberate crime against life receives attention in the news, especially homicides, the press tends to cover all the details of the case. Thus, this article aims to analyze the general influence of the media on criminal decisions, understanding the mechanisms through which media coverage affects the judicial system and its implications for the application of justice in the jury trial. In this context, the problem to be addressed consists of understanding how media coverage influenced judicial decisions in some emblematic cases that have occurred in Brazil. Therefore, the methodology applied in this study is qualitative and descriptive, conducting a bibliographic research in articles, theses, dissertations, and other available documents for consultatio.

Keywords: media influence; jury Trial; criminal decisions.

1 INTRODUÇÃO

O Estado é investido da autoridade para promulgar e formular leis, abrangendo as leis penais. Portanto, o conjunto de normas penais promulgadas pelo

Estado é conhecido como o Direito Penal Objetivo. Conforme os estudos Greco (2012), esse Direito Penal Objetivo consiste na aglomeração de normas estabelecidas pelo Estado, as quais delimitam crimes e contravenções, prescrevendo ou proibindo certos comportamentos sob a ameaça de penalidades ou medidas de segurança.

No entanto, contexto jurídico contemporâneo, a mídia exerce um papel de relevância inquestionável, influenciando não apenas a opinião pública, mas também as decisões tomadas nos tribunais. Esse impacto torna-se particularmente evidente no âmbito do Tribunal do Júri, onde a intersecção entre o poder midiático e o processo penal pode moldar significativamente o desfecho de casos criminais.

Dessa forma, o processo de criminalização de condutas, são evidentes as influências externas provenientes de outros mecanismos de controle, que diferem dos métodos empregados pelas instituições oficiais. Isso se enquadra na categoria do que é conhecido como controle social informal, que se manifesta de maneira difusa e não institucionalizada. Nesse sentido, a sociedade em si, bem como a mídia e a religião, por exemplo, exerce um papel significativo ao moldar e condicionar o indivíduo para aceitar as regras e valores que eles promovem (Ribeiro, 2018).

Mediante isso, o presente estudo tem como questão problemática: Como a cobertura midiática influencia as decisões judiciais em casos criminais?

Para responder a presente questão definiu-se como objetivo geral: Analisar a influência da mídia nas decisões penais, compreendendo os mecanismos pelos quais a cobertura midiática afeta o sistema judicial  e seus desdobramentos na aplicação da justiça do tribunal do Júri e como objetivos específicos: avaliar o impacto da cobertura midiática na formação de opiniões e predisposições dos jurados; Analisar as estratégias de comunicação utilizadas pelos advogados de defesa e promotores para gerenciar a influência da mídia nas decisões penais; investigar como ocorre a exposição a notícias e informações sobre casos criminais influencia suas atitudes e crenças antes e durante o julgamento.

A partir disso, o presente estudo justifica-se pela relevância e importância à sua importância acadêmica e social, podendo contribuir para o conhecimento nas áreas do Direito e da comunicação. A mídia exerce influência significativa na percepção pública da criminalidade, afetando o sistema judicial e a garantia de julgamentos justos.

Compreender essa influência é crucial para proteger os direitos individuais dos acusados e aprimorar a prática jurídica. Além disso, a pesquisa pode promover a responsabilidade midiática e fornecer base para estudos futuros sobre o papel da mídia na sociedade e no sistema legal (Souza, 2007).

Assim, conforme Gomes (2015), há tempos que ocorre uma conexão intrínseca entre a mídia e a sociedade de consumo. Através da lente dessa escola de pensamento, podemos compreender como a mídia aborda a questão da criminalidade dentro da cultura de massa e no contexto da sociedade de consumo 

A partir disso, entende-se que a influência da mídia nas decisões penais tem um impacto profundo na sociedade. A mídia desempenha um papel fundamental na formação da opinião pública e na construção da narrativa em torno de casos criminais. A maneira como os crimes são retratados nos meios de comunicação pode moldar profundamente a percepção do público sobre os acusados, o sistema judicial e as questões sociais relacionadas à criminalidade. Portanto, compreender esse impacto é vital para avaliar o quanto a mídia pode influenciar erroneamente a opinião pública e, por extensão, o próprio sistema de justiça.

2 A CONSTRUÇÃO MIDIÁTICA DA REALIDADE: O PAPEL DA “FALA DO CRIME” COMO INFLUÊNCIA.

O conceito de sociedade da informação, que envolve a ideia de um sistema técnico-econômico, tende a enfatizar excessivamente os aspectos relacionados à disseminação da informação e sua velocidade, sem, no entanto, garantir sua validade, qualidade e relevância (Werthein, 2000).

Assim, o que é transmitido através dos meios de comunicação não necessariamente passa pelo escrutínio do cidadão comum, destacando, assim, as características centrais das mídias de massa: sua capacidade de alienação e seu potencial para exercer influência através da sugestão (Souza, 2010).

Não há questionamentos sobre a função primordial dos meios de comunicação, que consiste em prover informações à população. Além de sua missão fundamental de relatar acontecimentos, a comunicação busca também promover a educação, o entretenimento e fomentar a discussão pública sobre tópicos de relevância na sociedade (Sbeghen,2017).

Assim, a nociva influência exercida pelos meios de comunicação também se manifesta pelo que eles omitem, além do que realmente reportam, conduzindo o espectador a uma visão parcial do problema noticiado. Isso pode resultar em um sentimento de raiva punitiva e privar o indivíduo investigado do direito à sua própria voz (Barbosa, 2019).

Além disso, ao pré-julgar alguém como criminoso antes de qualquer condenação definitiva, essa pré-concepção pode ser suficiente para afetar a perspectiva do juiz no processo penal e, portanto, influenciar o desfecho de suas decisões.

2.1 A difusão da informação através das diversas formas de mídia

Ao longo da história, as sociedades têm utilizado a mídia impressa como meio de comunicação com as massas. A ascensão dos jornais ocorreu nos séculos XIX e XX, quando se tornaram fontes essenciais e exclusivas de informação (Vaz, 2018).

No século XX, os veículos jornalísticos passaram por uma reflexão profunda sobre sua função primordial como fornecedores de informações à sociedade. Com o advento do rádio, uma forma de mídia mais acessível, os jornais enfrentaram o receio de perder espaço e até mesmo o declínio de sua indústria(Vaz, 2018). 

Para contornar esse desafio, os jornais adotaram uma estratégia inovadora, reformulando o formato de seus conteúdos e ampliando o volume de textos, visando oferecer aos leitores uma cobertura mais abrangente da informação (Simon, 1997).

Em 1991, os Estados Unidos testemunharam o surgimento da Internet, uma mídia que integrou texto, sons e imagens em um único veículo. Isso resultou em uma quantidade sem precedentes de informações disponíveis para um vasto público. Os cidadãos se viram diante de telas de computador repletas de dados ágeis, instantâneos e interativos, contrastando com a tradicionalidade, brevidade e lentidão dos dados presentes em folhas manuseáveis (Vaz, 2018).

Conforme observado por Simon (1997) a reação imediata, explosiva e surpreendente do cidadão a essa convergência ressalta a magnitude da transformação. Assim, desde o século XIX até os dias atuais, os jornais continuam a enfrentar desafios em sua sobrevivência devido ao seu modelo tradicional.

3 CONTEXTO HISTÓRICO DO TRIBUNAL DO JÚRI

Na Palestina, existia o tribunal dos vinte e três, nas aldeias onde a população ultrapassasse 120 famílias. Estes tribunais conheciam e julgavam casos criminais relacionados a crimes passíveis de pena de morte. Os membros eram escolhidos entre sacerdotes, levitas e principais líderes de Israel (Nucci, 2008).

Conforme ensinam Silva e Avelar (2022), exatamente há 200 anos, o júri foi estabelecido pelo decreto de Sua Alteza Real Regente Dom Pedro I. A história do júri original brasileiro capaz de julgar novos crimes não pode ser considerada linear. Apresenta um dilema que reflete a era política e social de cada período. Em homenagem a este dia, apresentamos a Editora Revista dos Tribunais – Thomson Reuters Brasil Estudos em Homenagem aos 200 anos do Brasil, e tivemos o prazer de compilar alguns dos mais famosos juristas e pesquisadores.

No Brasil, a princípio, o júri foi criado para julgar apenas os crimes de imprensa. Pinto (2020) relata, ainda, que o único recurso cabível à decisão do conselho seria destinado à Clemência Real, onde os juízes seriam escolhidos pelo Corregedor e os Ouvidores do Crime.

Como ensina Pinto (2020), somente a partir da promulgação da Constituição do Império, em 25 de março de 1824, é que as Constituições Federais Brasileiras passaram a elencar a previsão do Tribunal do Júri, onde seriam destinadas ao julgamento de ações cíveis e criminais, para garantir uma forma de equilíbrio social pertinente aos ilícitos praticados por qualquer pessoa.

3.1 Da competência do tribunal do júri

É amplamente conhecido que as cláusulas pétreas no sistema jurídico brasileiro são imutáveis pelo Poder Reformador, devido ao modelo rígido adotado pela Constituição Federal de 1988. Essas cláusulas só podem ser modificadas para serem ampliadas, não sendo possível revogar medidas para excluir a instituição do Júri Popular. No entanto, nada impede que sua competência seja expandida.

Segundo Nucci (2015), a inclusão de crimes dolosos contra a vida no âmbito do Tribunal do Júri não possui uma justificativa sistemática clara. Foi necessário escolher algum delito para dar base a essa instituição, garantindo assim sua existência. Entre muitos outros delitos descritos na legislação, a escolha desses crimes foi essencialmente política e legislativa.

Em um contexto histórico, conforme relata Nucci (2015), houve um respaldo na Constituição de 1946, que havia estabelecido a competência para crimes dolosos contra a vida no Tribunal do Júri.

Além disso, Nucci (2015) destaca que, naquela época, prevalecia a vontade dos chamados coronéis do sertão. Estes, ao ordenarem a execução de seus inimigos, preferiam o julgamento no tribunal popular, pois assim podiam influenciar os jurados a concederem a absolvição dos acusados, atendendo aos interesses políticos da região. Dentro da competência para crimes dolosos contra a vida estão incluídos o homicídio simples (art. 121, caput); privilegiado (art. 121, § 1.º), qualificado (art. 121, § 2.º), induzimento, instigação e auxílio ao suicídio (art. 122), infanticídio (art. 123) e as várias formas de aborto (arts. 124, 125, 126 e 127).

3.2 Do sigilo das votações

O sigilo das votações é um dos princípios constitucionais do Tribunal do Júri. Conforme o caput do art. 485 do Código de Processo Penal (1941), Não havendo dúvida a ser esclarecida, o juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça dirigirse-ão à sala especial a fim de ser procedida a votação.

O julgamento pelos jurados que compõem o conselho de sentença ocorre em uma sala secreta, longe do público. Se essa sala não estiver disponível, o plenário será esvaziado para que a votação aconteça. Nucci (2015) destaca que há discussões sobre a constitucionalidade do voto dos jurados em uma sala secreta, pois esse instituto poderia ser interpretado como uma violação do princípio constitucional da publicidade. No entanto, ele menciona que o mesmo dispositivo legal limita a publicidade quando isso poderia violar a defesa da intimidade ou o interesse público.

O sigilo da votação refere-se ao ato de votar, não ao sigilo do voto em si, que é a cédula individual colocada pelo jurado na urna, contendo sim ou não. Portanto, o objetivo é proteger o momento em que o jurado vota, razão pela qual a sala especial é o local apropriado para isso (Nucci, 2015).

Durante os debates, é comum as pessoas presentes se manifestarem ao menor sinal de descontentamento com uma tese apresentada pela defesa ou acusação. Nucci também destaca que qualquer interferência dessas pessoas durante a votação pode levar à anulação do júri, pois isso colocaria em risco a imparcialidade dos jurados. Por fim, a Constituição assegura o sigilo das votações. O autor ressalta que não se trata do sigilo do voto em si, mas sim do sigilo do ato de votar, e é por isso que a sala secreta é considerada o local ideal para garantir o sigilo das votações.

4 A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO PROCEDIMENTO DO JÚRI

Nos casos julgados pelo Tribunal do Júri, prevalece a regra de que a convicção dos jurados é essencial, não sendo necessário que eles justifiquem suas decisões, mesmo quando estas são moldadas pela influência da opinião pública, muitas vezes influenciada pela mídia. Isso ocorre porque os jurados, antes de tudo, são cidadãos inseridos na sociedade e, portanto, suscetíveis às influências da mídia. O pré-julgamento realizado pela mídia pode levar os jurados a basearem suas decisões em elementos que não refletem necessariamente a verdade processual (Sbeghen, 2017).

É importante notar que, com o avanço da tecnologia, a internet se tornou uma influência direta, juntamente com a televisão, na vida da população. Em casos de grande repercussão, a população em geral, de certa forma, se torna como jurada.

Para proteger a imparcialidade, o Código de Processo Penal prevê a possibilidade de desaforamento, ou seja, a transferência do julgamento para outra comarca, a fim de garantir um julgamento justo pelos jurados. No entanto, a doutrina e a jurisprudência não consideram que a divulgação do caso pela mídia seja, por si só, um indício de parcialidade dos jurados e, portanto, insuficiente para justificar o desaforamento (Cunha, 1998).

Desse modo, toda a influência exercida pela mídia na sociedade tem um impacto direto no Tribunal do Júri, especialmente porque este representa um momento em que a justiça é administrada pelo próprio povo. Nesse contexto, as emoções e sentimentos da sociedade podem afetar significativamente o processo de julgamento, levando a um veredicto baseado no medo, na insegurança, na raiva e no desejo de buscar vingança, mesmo quando não há evidências suficientes que indiquem a autoria do crime. Isso pode resultar em uma forma de justiça que, na realidade, assemelhase mais a um ato de injustiça, uma vez que não se baseia em provas sólidas e em um devido processo legal, mas sim em impulsos emocionais e pressões midiáticas (Silva, 2023).

Para Valverde (2012) o Tribunal do Júri lida predominantemente com casos de crimes dolosos que frequentemente ganham grande visibilidade e evocam fortes emoções na sociedade. O público costuma reagir com indignação e expressa opiniões sobre eventos relacionados ao mundo do crime. Em muitas ocasiões, a mídia emite condenações sem garantias absolutas de veracidade, baseando-se apenas em especulações em relação à veracidade dos fatos divulgados. No entanto, a mídia raramente compreende plenamente a influência que exerce sobre as mentes das pessoas. No âmbito do Tribunal do Júri, espera-se que os jurados formem seus julgamentos exclusivamente com base em fatos reais apresentados durante o processo, em vez de se deixarem influenciar por especulações preconcebidas antes mesmo do início do julgamento.

4.1 A linguagem sensacionalista da Mídia

O sensacionalismo é uma prática comum na mídia, especialmente em programas de jornalismo policial, onde o objetivo é chocar e aumentar os índices de audiência.

Angrimani (1994), descreve o sensacionalismo como um modo de produção discursivo da informação da atualidade, baseado em critérios de intensificação e exagero gráfico, temático, linguístico e semântico. Essa abordagem tende a conter valores e elementos desproporcionais.

Fidelis (1977,) explica que o crime, o sexo e a violência são os ingredientes ideais para o sensacionalismo. Ele aponta que a grande massa popular tem um interesse especial por reportagens sensacionais de eventos surpreendentes. As delegacias de polícia fornecem um vasto material com conteúdo excitante, que encontra um público ávido pela leitura, garantindo a venda do jornal.

Como explicado por Fidelis, é evidente que a sociedade é atraída por notícias de cunho criminal, como visto em programas como Cidade Alerta, que expõe o crime sem respeito à presunção de inocência dos suspeitos. Eles expõem imagens e nomes, enfatizando a brutalidade dos fatos e muitas vezes detalhando minuciosamente como o crime ocorreu. Isso vai além da mera informação, tratando o crime como um produto comercializável. A informação deixa de ser o foco principal, e o crime se torna um verdadeiro espetáculo, pois os profissionais de jornalismo sabem que a população se sente mais atraída por notícias com apelo negativo.

Neste sentido, Beccaria (1999) destaca que os seres humanos, dotados dos mesmos sentidos e sujeitos às mesmas paixões, se deleitam em julgar os criminosos, se alegram com seus tormentos, aplicam-lhes torturas e os expõem ao espetáculo de uma multidão fanática que desfruta lentamente de seus sofrimentos. É evidente, conforme essa citação, que a tragédia alheia fascina o ser humano, justificando assim o uso ilimitado da linguagem sensacionalista pelos veículos de comunicação, que sabem que isso aumenta consideravelmente a audiência e mantém as pessoas hipnotizadas ao consumirem essas informações.

4.2 O caso Nardoni

O trágico incidente ocorreu em 29 de março de 2008, quando Isabella Nardoni, uma criança de apenas 5 anos na época, perdeu a vida enquanto estava sob os cuidados de seu pai e madrasta, após ser lançada do sexto andar do edifício onde residiam.

No mesmo dia, as autoridades policiais descartaram a possibilidade de se tratar de um acidente, uma vez que a tela de proteção da janela estava cortada. Em 2 de abril do mesmo ano, foi decretada a prisão temporária tanto do pai quanto da madrasta, tornando-os suspeitos de envolvimento na trágica morte de Isabella (Sbeghen,2017).

Em 18 de abril, a polícia declarou que havia evidências de sangue de Isabella no veículo de Alexandre, seu pai, e, como resultado, o casal foi formalmente indiciado pela morte da criança. No mês seguinte, em maio, a Justiça aceitou a denúncia do Ministério Público contra o casal, que foi novamente detido (Sbeghen,2017).

O autor Sbeghen (2017), realizou uma pesquisa rápida no mecanismo de busca do Google em 6 de dezembro de 2008. Ao digitar o nome Nardoni, obteve impressionantes 622.000 resultados, incluindo vídeos familiares, registros policiais, postagens em blogs, opiniões de especialistas e leigos, e, sobretudo, notícias. Essa quantidade significativa de resultados demonstra o amplo alcance e a disseminação do caso, o que é notável, considerando que o crime ocorreu em março de 2008.

Essa análise ressalta que não houve restrições significativas ao acesso a informações sobre o caso, como a imposição de segredo de justiça. Os dados relacionados ao caso foram amplamente disponibilizados quase que instantaneamente, com redes de televisão dedicando grande parte de sua programação à cobertura do incidente.

Diante desse contexto, em maio de 2008, o Juiz de Direito Maurício Fossen recebeu a denúncia e determinou a prisão preventiva nos termos a seguir:

Portanto, considerando todas essas considerações, este Juízo entende que os requisitos estabelecidos nos artigos 311 e 312, ambos do Código de Processo Penal, estão satisfeitos. Portanto, DEFIRO o pedido formulado pelas autoridades policiais, com o apoio do Ministério Público, para decretar a PRISÃO PREVENTIVA dos réus ALEXANDRE ALVES NARDONI e ANNA CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ. Isso se deve ao fato de que não apenas existem evidências claras da materialidade do crime e indícios concretos de autoria em relação a ambos, mas também porque essa medida é justificável não apenas para garantir a conveniência da instrução criminal, mas também para preservar a ordem pública. Isso visa mitigar o impacto causado à estabilidade social devido à gravidade e brutalidade do crime descrito na denúncia. Além disso, essa ação visa proteger os pilares de credibilidade e respeito nos quais se baseia o sistema de justiça, que, de outra forma, poderiam ser substancialmente abalados. (Terra, 2022).

4.3 Casos Richthofen

O Observatório do Cinema (2021) descreve a história do casal Manfred e Marísia, membros da classe média alta. Manfred, de origem alemã, chegou ao Brasil com apenas um ano de idade e cresceu em Santa Catarina. Ele estudou engenharia em São Paulo, onde conheceu Marísia, uma estudante de medicina que mais tarde se especializou em psiquiatria. O casal teve dois filhos, Suzane e Andreas.

Segundo o relato inicial dos filmes A Menina que Matou os Pais e  O Menino que Matou Meus Pais, baseados nos depoimentos de Daniel Cravinhos e Suzane Richthofen, em 1999, Marísia e os filhos estavam no parque Ibirapuera quando Andreas se interessou por uma competição de aeromodelismo. Foi assim que a família conheceu Daniel Cravinhos, um dos competidores e aeromodelista. Ele começou a ensinar Andreas e, consequentemente, tornaram-se amigos, levando ao relacionamento entre Suzane e Daniel.

De acordo com o relato do Brasil Paralelo, inicialmente Manfred e Marísia não se incomodaram com o relacionamento de sua filha com alguém de uma classe social diferente, acreditando que seria algo passageiro. No entanto, conforme o relacionamento de Suzane e Daniel se tornava mais sério, os pais começaram a se preocupar. Daniel, que ganhava a vida construindo e vendendo dois aviões por mês, recebia em média 1400 reais por aeromodelo. Por causa disso, Suzane pedia dinheiro extra ao pai, além da mesada que já recebia, e emprestava esse dinheiro ao namorado, que se aproveitava das boas condições financeiras da família von Richthofen.

Conforme relatado pelo Brasil Paralelo (2023), Suzane estava se preparando para o vestibular de Direito na USP, mas não conseguiu ser aprovada, causando grande decepção ao pai, que atribuía seu  fracasso ao relacionamento turbulento com Daniel. Como resultado, Suzane começou a estudar na PUC, mas frequentemente negligenciava seus estudos, levando seus pais a proibirem definitivamente o namoro.

A partir disso, a mídia explorou detalhes íntimos da vida de Suzane e Daniel, desde o relacionamento deles até os aspectos financeiros e psicológicos. O fato de Suzane ser uma jovem de classe alta, filha de uma família aparentemente bemsucedida, envolvida em um relacionamento com um rapaz de classe social diferente, contribuiu para o interesse público e a sensação de quebra de expectativas sociais.

A cobertura midiática também focou na personalidade de Suzane, retratandoa muitas vezes como manipuladora e calculista, enquanto Daniel era frequentemente apresentado como ingênuo e influenciável. Essas narrativas moldaram a percepção pública do caso e alimentaram debates sobre os limites entre influência da mídia e responsabilidade individual.

4.4 Caso Daniella Perez

O brutal assassinato da atriz e bailarina Daniella Perez Gazzola em 1992, aos 22 anos, causou profundo choque em todo o país. Filha da renomada escritora Glória Perez, Daniella estava no auge de sua carreira, atuando na telenovela De Corpo e Alma, um grande sucesso de audiência. O crime foi perpetrado por Guilherme de Pádua, seu colega de elenco na novela, e sua então esposa, Paula Thomaz.

Segundo Lavaqui (2021), Guilherme de Pádua acreditava que seu papel na novela estava sendo reduzido devido à influência de Daniella, filha da roteirista. 

No entanto, a verdadeira motivação por trás do crime permanece obscura, pois os acusados mudaram suas versões dos eventos várias vezes. Na fatídica noite do crime, Daniella foi seguida por Guilherme e Paula até um posto de gasolina, onde seu carro foi bloqueado pelo casal. 

Ao sair do veículo, ela foi brutalmente agredida e arrastada inconsciente para um matagal. Lá, Guilherme e Paula desferiram 18 facadas na vítima, a maioria atingindo seu coração. O corpo de Daniella foi abandonado no matagal e descoberto horas depois pela polícia, gerando comoção nacional diante da brutalidade do ato.

Apesar da intensa cobertura midiática e da comoção popular, o julgamento dos acusados só ocorreu cerca de quatro anos depois. Embora tenham sido condenados, na época o crime de homicídio qualificado não era considerado tão grave perante a legislação, não sendo enquadrado como Crime Hediondo pela Lei nº 8.071/90, o que resultava em benefícios para a execução da pena.

Diante da perspectiva de que os assassinos de sua filha poderiam em breve estar em liberdade, Glória Perez, profundamente abalada, liderou uma ampla campanha. Ela conseguiu reunir 1,3 milhão de assinaturas em um abaixo-assinado nacional, buscando criar uma Lei de Iniciativa Popular. Essa proposta legislativa, impulsionada pela mãe de Daniella, visava incluir o Homicídio Qualificado no rol dos Crimes Hediondos, tornando-se uma batalha pessoal para assegurar que a justiça fosse feita e que crimes tão atrozes recebessem punições mais condizentes (Lavaqui, 2021).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A temática da influência da mídia nas decisões penais do Tribunal do Júri destaca a complexidade desse fenômeno e suas implicações no sistema de justiça. A mídia, por meio de seus diversos veículos de comunicação, exerce uma influência significativa sobre a opinião pública e, por consequência, sobre os jurados que compõem o conselho de sentença.

Ao longo deste estudo, foi possível observar que a cobertura midiática de casos criminais, especialmente os homicídios e crimes contra a vida, muitas vezes é sensacionalista e pode levar a uma pré-disposição da opinião pública em relação aos réus. Essa predisposição pode se refletir nas decisões dos jurados, que podem ser influenciados por emoções e pré-julgamentos formados com base nas informações veiculadas pela mídia.

O princípio do sigilo das votações no Tribunal do Júri busca proteger a imparcialidade dos jurados, mas ainda assim a influência da mídia é uma questão que precisa ser cuidadosamente considerada. A seleção criteriosa dos jurados, a instrução adequada pelo juiz sobre a importância de decidir com base nas provas apresentadas em plenário e a conscientização sobre a presunção de inocência são medidas que podem ajudar a mitigar essa influência.

Contudo, é importante reconhecer que a mídia desempenha um papel fundamental na divulgação de informações sobre o sistema de justiça e seus desdobramentos. A cobertura jornalística pode ser uma ferramenta poderosa para a transparência e o escrutínio público, desde que seja feita de forma ética e responsável.

Em suma, a influência da mídia nas decisões penais do Tribunal do Júri é um desafio que precisa ser abordado de maneira cuidadosa e equilibrada. É essencial encontrar um ponto de equilíbrio entre o direito à informação e a garantia de um julgamento justo e imparcial.

A conscientização sobre essa influência e a busca por mecanismos que garantam a imparcialidade dos jurados são passos importantes para assegurar a integridade do sistema de justiça e a efetiva aplicação da lei.

Por fim, é necessário um debate contínuo e uma reflexão constante sobre o papel da mídia na justiça criminal, visando sempre aprimorar as práticas e garantir a proteção dos direitos fundamentais de todos os envolvidos no processo judicial do Tribunal do Júri.

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[1] Acadêmica de Direito da Faculdade Fimca. Email: gabriellesilvanogueira@gmail.com

[2] Acadêmica de Direito da Faculdade Fimca. Email: eduardagallopds@gmail.com

[3] Professor Orientador. E-mail: adriano.videira@fimca.com.br