A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NAS DECISÕES DO TRIBUNAL DO JÚRI

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7879295


JOSÉ EDVALDO GIRÃO JUNIOR


RESUMO

Este estudo consiste em uma revisão bibliográfica cuja temática diz respeito à influência da cobertura midiática nos casos de crimes de competência do Tribunal do Júri. Em linhas gerais, o Júri é constituído pelo Conselho de Sentença, o qual é formado por indivíduos compreendidos como comuns, ou seja, na maioria das vezes desprovidos de conhecimentos técnicos e jurídicos quantos aos procedimentos processuais penais, o que reforça posicionamentos no sentido de que a imparcialidade quanto a formação de convicção para o veredicto encontra-se sempre prejudicada quando da excessiva atividade midiática. Assim sendo, o principal objetivo deste estudo é o de analisar de que forma a mídia pode afetar as decisões em sede de Júri. Para tanto, realizou-se uma pesquisa bibliográfica com base na análise de livros e materiais publicados em bases de dados eletrônicos. Como principal resultado e a título de conclusão, compreende-se que é necessária a limitação dos abusos realizados pelas atividades de imprensa, visando salvaguardar a presunção de inocência do acusado e a imparcialidade na formação da convicção dos jurados perante o caso.

Palavras-chave: Júri. Imparcialidade. Mídia. Liberdade de Imprensa.

ABSTRACT

This study consists of a bibliographic review whose theme concerns the influence of media coverage in cases of crimes within the competence of the Jury Court. In general terms, the Jury is made up of the Judgment Council, which is made up of individuals understood as ordinary, that is, most of the time devoid of technical and legal knowledge regarding criminal procedural procedures, which reinforces positions in the sense that impartiality regarding the formation of conviction for the verdict is always impaired by excessive media activity. Therefore, the main objective of this study is to analyze how the media can affect Jury decisions. For that, bibliographic research was carried out based on the analysis of books and materials published in electronic databases. As a main result and by way of conclusion, it is understood that it is necessary to limit the abuses carried out by press activities, in order to safeguard the presumption of innocence of the accused and the impartiality in the formation of the conviction of the jurors in the case.

Keywords: Jury. Impartiality. Media. Freedom of the Press.

1 INTRODUÇÃO 

O Tribunal do Júri se caracteriza como um importante instituto jurídico no Brasil e no mundo todo. O mesmo representa o exercício da cidadania e a democracia, haja vista que as decisões são tomadas por magistrados e leigos (em Direito), que transmitem a imagem de um julgamento mais igualitário, pois o acusado é julgado por seus semelhantes.

Mesmo em se tratando de jurados que não carecem de serem dotados de instrução técnica e saber jurídico, é imprescindível a imparcialidade do júri, principalmente por se tratar de um instituto com tamanha visibilidade, haja vista que os jurados são compreendidos como juízes não-togados. 

No entanto, o advento da evolução tecnológica permitiu que a mídia expandisse sua atuação, fortalecendo seu potencial de influência na sociedade. A mídia está presente em todos os níveis da sociedade, utilizando-se de todos os meios de comunicação, o que justifica sua facilidade em criar tendências e propagar notícias que podem contribuir para diversas manifestações de pensamento. As notícias de crimes propagadas pela mídia sempre estão sujeitas a transmissão de sensacionalismo, o qual, tem um grande poder de formar opiniões, o que pode ser prejudicial em termos de apuração e processamento de crimes, principalmente em se tratando de Tribunal do Júri, haja vista que as decisões são tomadas por pessoas leigas em termos de Direito. 

Com base nisso, este artigo parte da seguinte problemática: de que forma a mídia pode interferir nas decisões que são tomadas pelo Tribunal do Júri? Para tanto, o objetivo geral estabelecido para a realização da pesquisa foi demonstrar o poder de influência da mídia no processo penal. No mesmo sentido, os objetivos específicos são: apresentar os conceitos e os princípios do Tribunal do Júri; compreender o princípio da presunção de inocência e da imparcialidade do juiz; analisar casos concretos submetidos ao Júri de grande repercussão em termos midiáticos. 

Trata-se de um tema cuja relevância é notada pelo fato de que aborda peculiaridades de fenômenos que ocorrem com frequência nas decisões que são tomadas pelo Tribunal do Júri, de modo que, para a comunidade acadêmica, a pesquisa contribui para ampliar os conhecimentos a respeito de um importante instituto do Direito Penal com status constitucional. Quanto as contribuições a sociedade, a pesquisa se justifica ao passo que permite que o cidadão tenha acesso a importantes informações sobre a necessidade de se atuar com imparcialidade quando na função de jurados.

Para atingir os objetivos propostos e alcançar os resultados esperados, o presente artigo utiliza a pesquisa bibliográfica como metodologia, pautada na abordagem qualitativa e no método dedutivo, por meio da consulta a livros e artigos publicados que versam sobre o tema, de modo a fornecer conclusões.

2 NOÇÕES GERAIS SOBRE O TRIBUNAL DO JÚRI 

Ao contrário do que muitos estudiosos acreditam, o júri popular não se originou exclusivamente na Inglaterra, já que outras jurisdições do mundo também possuíam tribunais com características semelhantes. Alguns defendem que sua origem pode ser encontrada nos heliastas gregos, nas ‘quaestiones perpetuae’ romanas ou no tribunal de ‘assises’ de Luís, o Gordo, que surgiu na França por volta de 1137. No entanto, não há uma linhagem histórica clara que relacione o júri com essas organizações. (RANGEL, 2018)

Embora não haja consenso sobre a origem do Júri, Macedo (2014) argumenta que a ideia de julgar por pares, ou seja, pessoas que estão em pé de igualdade com o acusado, remonta a tempos antigos. Há evidências de que desde a época de Moisés, havia elementos dessa instituição presentes nos textos do Pentateuco (Torá), que descrevem três institutos: o Tribunal dos Três Poderes (ordinário), o Conselho dos Anciões (Tribunal dos Vinte e Três) e o Sinédrio (Grande Sinédrio – Tribunal Superior). Este último era composto por autoridades religiosas e chefes de família de Israel e tinha como competência julgar os crimes que poderiam resultar em pena de morte.

Na Grécia Antiga, há registros de que o sistema judiciário era dividido em dois órgãos importantes: a Heliéia e o Areópago. A Heliéia, localizada em Atenas, era composta por cidadãos que representavam o povo e se reuniam em praças públicas para realizar julgamentos comuns. Já o Areópago era responsável por julgar crimes considerados sacrilégios e homicídios premeditados. (NUCCI, 2011)

Na Roma, os jurados eram selecionados a partir de uma lista oficial e presididos por um pretor. Cabia a este a decisão sobre questões como competência, que incluía analisar as provas e fazer as partes prestarem juramento, além de presidir a sessão de julgamento, ordenar os debates e executar a sentença. No entanto, não era responsabilidade do pretor impor a pena, já que ela já estava definida por lei. Esse sistema se assemelha bastante ao nosso sistema atual. (RANGEL, 2018)

Conforme mencionado pelo autor, a acusação, que antes era feita por um funcionário público que atuava como uma espécie de acusador, passou a ser realizada pela própria comunidade local. Em casos de crimes graves, como homicídios e roubos, a responsabilidade de incriminação cabia ao “Grand Júri”, composto por 23 membros.

De acordo com Campos (2018), a instituição do júri remonta aos sistemas jurídicos dos anglo-saxões que existiam na região da Grã-Bretanha entre os séculos VI e XI. No entanto, somente durante o reinado de Henrique II (1154-1189), o júri ganhou efetividade. Posteriormente, com a ruptura com a igreja e a libertação das dálias e dos Juízos de Deus, a instituição se consolidou na Inglaterra em virtude do Concílio de Latrão em 1215. Desde sua criação, a função do júri tem sido afirmar ou negar a existência de um fato criminoso imputado a uma pessoa.

Desde sua criação, o Júri tem sido objeto de controvérsias em relação à sua representatividade, principalmente no que diz respeito à capacidade dos jurados para discutir e decidir questões consideradas pelos juristas como de alta complexidade técnica, para as quais os juízes leigos não teriam habilidade suficiente.

Segundo Goulart (2008), o Tribunal do Júri foi implementado pela primeira vez no sistema jurídico brasileiro em 18 de junho de 1822, com a finalidade de julgar crimes de imprensa, tendo sido inspirado pelo Direito francês. Apenas cidadãos podiam ser selecionados como jurados. Com a promulgação da Constituição Imperial de 1824, o Júri passou a integrar o Poder Judiciário como um de seus órgãos, sendo responsável por solucionar questões tanto no âmbito cível quanto no criminal.

O Tribunal do Júri encontra-se previsto na Constituição Federal vigente, no artigo 5º, inciso XXXVIII, inserido no capítulo dos Direitos e Garantias Individuais. Essa garantia constitucional está fundamentada na soberania popular e tem como objetivo ampliar o direito de defesa dos réus, permitindo que crimes dolosos contra a vida sejam julgados por um conselho de sentença composto por cidadãos leigos, ao invés de um juiz togado.

Por se tratar de uma garantia individual, o Tribunal do Júri não pode ser suprimido nem mesmo por meio de emenda constitucional, já que se configura como uma cláusula pétrea. A responsabilidade dos jurados é representar a sociedade na qual estão inseridos, decidindo em nome dela e caracterizando-se como uma expressão democrática, independente e justa. Essa característica se deve à limitação material prevista no artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV, da Constituição, que impede qualquer alteração que viole os direitos e garantias individuais.

De acordo com Campos (2018, p. 02), é fundamental salientar o conceito do assunto em questão, que pode ser descrito da seguinte forma:

O Júri é um órgão especial do Poder Judiciário de primeira instância, pertencente à Justiça comum, colegiado e heterogêneo – formado por um juiz togado, que é seu presidente, e por 25 cidadãos –, que tem competência mínima para julgar os crimes dolosos praticados contra a vida, temporário (porque constituído para sessões periódicas, sendo depois dissolvido), dotado de soberania quanto às suas decisões, tomadas de maneira sigilosa e inspiradas pela íntima convicção, sem fundamentação, de seus integrantes leigos.

É possível observar, na definição apresentada pelo autor citado, uma análise detalhada da composição do Tribunal do Júri, bem como dos princípios que norteiam a sua atuação, os quais serão abordados com mais detalhes no próximo tópico.

Com relação aos vinte e cinco cidadãos que compõem o júri, sete são escolhidos para compor o Conselho de Sentença, seguindo um procedimento complexo regido por sorteios, conforme previsto no art. 425 do Código de Processo Penal. Além disso, para atuarem como jurados, devem preencher os requisitos estabelecidos no art. 436 do mesmo diploma legal, como ser maior de dezoito anos e possuir notória idoneidade.

Importante ressaltar que o Júri é um instituto constitucional que busca garantir a isonomia no julgamento. Por esse motivo, o parágrafo segundo do artigo 436 do Código de Processo Penal determina que não será permitida a exclusão de trabalhos do júri ou negativa de alistamento com base em critérios como etnia, religião, gênero, profissão, classe social ou econômica, origem ou nível de instrução.

De acordo com Gomes (2015), dentre todas as garantias constitucionais acerca do Tribunal do Júri, sua competência está assegurada para julgamentos de crimes dolosos contra a vida. Entende-se, portanto, que o constituinte ao impor tal previsão, está expressando que todo aquele que porventura cometer crime doloso contra a vida deve ser julgado pelos seus pares (jurados e juízes leigos). 

Sendo assim, na análise dos fatos e das condições nas quais eles ocorreram, o magistrado de primeira fase, assim como o presidente, não deve fazer qualquer apreciação. Gomes (2015) afirma ainda que, no momento de pronunciar o réu, o magistrado apenas faz o juízo de admissibilidade de provas acerca da materialidade e indícios de autoria, ficando o juízo de valor aprofundado e reprovação a cargo dos jurados.

Dessa forma, o juiz togado deve portar-se de modo com que suas decisões e comportamentos no Plenário não venham influenciar os juízes naturais, os quais são leigos, sob pena de incorrer em excesso de linguagem ou eloquência acusatória.

Portanto, o júri apresenta-se como uma forma democrática de julgamento, onde o cidadão, na condição de réu, tem o direito de ser julgado por seus similares, o que confere à sociedade a oportunidade de participar de forma ativa das decisões a respeito de conflitos de interesse existentes.

3 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO TRIBUNAL DO JÚRI

Os princípios são considerados como pilares do ordenamento jurídico, pois fundamentam as normas jurídicas. Dessa forma, além dos princípios que orientam o processo penal, a Constituição Federal estabeleceu princípios específicos para o Tribunal do Júri, que possuem status constitucional, tais como: plenitude de defesa, sigilo das votações e a soberania dos veredictos.

Conforme ressalta Campos (2018), a plenitude de defesa no âmbito do Tribunal do Júri não se limita apenas à ampla defesa, com a utilização de todos os métodos e recursos disponíveis, mas deve ser efetiva, eficiente e de qualidade superior àquela esperada em outros julgamentos.

De acordo com Lima (2014), embora haja estudiosos que não percebam diferenças substanciais entre os princípios da ampla defesa, previsto no art. 5°, inciso LV, e da plenitude de defesa, previsto no inciso XXXVIII, ambos da Constituição Federal, a plenitude de defesa possui um grau mais elevado. Isso ocorre porque a plenitude de defesa é prevista exclusivamente para o acusado submetido ao Júri e aos crimes conexos a ele. Assim, a plenitude de defesa permite que o defensor do acusado, em sede de Tribunal do Júri, utilize de elementos de ordem social, emocional, política criminal, ou seja, argumentações extrajurídicas.

A plenitude da defesa pode ser entendida como uma garantia de que os processos judiciais sejam conduzidos com a defesa completa de um cidadão acusado de um crime, evitando que ele seja considerado culpado sem que haja o devido contraditório ou a apresentação de informações contrárias àquelas que embasam o processo judicial contra ele.

Segundo Campos (2018), o princípio do sigilo das votações é específico do Tribunal do Júri e não se aplica ao disposto no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, que trata da publicidade das decisões do Poder Judiciário. O sigilo das votações estabelece o dever de silêncio e incomunicabilidade entre os jurados, a fim de evitar que qualquer um deles influencie os demais na formação do convencimento sobre as questões de fato e de direito em julgamento.

Para proteger a livre manifestação do pensamento dos jurados, o sigilo das votações é uma condição necessária. Isso se dá porque os jurados devem estar conscientes da responsabilidade social de seus papéis e precisam estar imunes às interferências externas para que possam proferir o seu veredicto de forma livre e independente.

O princípio da soberania dos vereditos consiste na inalterabilidade da decisão proferida pelo conselho de sentença, o que pode gerar polêmicas no âmbito do Tribunal do Júri. De acordo com Walfredo Cunha Campos (2018, p. 08), esse princípio é um dos mais controversos do Júri:

A decisão coletiva dos jurados, chamada de veredicto, não pode ser mudada em seu mérito por um tribunal formado por juízes técnicos (nem pelo órgão de cúpula do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal), mas apenas por outro Conselho de Sentença, quando o primeiro julgamento for manifestamente contrário às provas dos autos. E assim deve ser. Júri de verdade é aquele soberano, com poder de decidir sobre o destino do réu, sem censuras técnicas dos doutos do tribunal.

O veredito proferido pelo conselho de sentença é considerado soberano e, em regra, não pode ser reformado. No entanto, caso seja evidente a contrariedade aos autos, é possível questioná-lo por meio de recurso. Caso seja mantida a mesma decisão em um novo julgamento, não há mais possibilidade de recurso.

O Tribunal do Júri é um órgão julgador colegiado, composto por um juiz de carreira e jurados leigos. Os jurados têm a responsabilidade de avaliar os fatos do caso, enquanto o juiz aplica o Direito. Essa composição torna o júri uma espécie de pedra angular para a democratização da justiça.

4 A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NAS DECISÕES EM SEDE DE TRIBUNAL DO JÚRI

O Tribunal do Júri é composto por membros da sociedade que atuam como julgadores para decidir sobre a condenação ou absolvição de um acusado. Essa função é particularmente significativa, uma vez que o Júri é responsável pelo julgamento de crimes dolosos contra a vida, em que o sensacionalismo pode ser ainda mais acentuado.

É importante ressaltar que mesmo que os indivíduos convocados para compor o Júri sejam responsáveis por julgar um acusado, eles são passíveis de erros e muitos deles não possuem conhecimento jurídico. Portanto, apesar de se esperar que o julgamento seja justo e ético, é possível que preconceitos, opiniões e convicções pessoais sejam utilizados durante o processo. Além disso, a atuação da mídia é um fator preocupante, pois ela pode exercer grande influência na formação da opinião dos jurados, disseminando ideias e ideologias que podem prejudicar a imparcialidade do julgamento.

A respeito da nociva influência da cobertura midiática dos julgamentos, Mirault (2020, p. 74) discorre:

[…] um julgamento com cobertura midiática pode estar viciado desde o início, haja vista que hoje a mídia nefastamente penetra em qualquer lugar, atingindo as pessoas de forma muito forte. Desta forma, desde a ocorrência da ação criminosa e a consequente repercussão pela mídia, o processo investigativo fica viciado, pois a mídia, já no início, influencia policiais e peritos de forma a realizarem seu trabalho com um conceito pré-formado. Não obstante isto, a cobertura do crime pela mídia coloca frente a frente o delegado de polícia e a opinião pública, de forma a contribuir para que toda a investigação seja prejudicada por pressão da imprensa e da sociedade, apressando o inquérito, trazendo danos irreparáveis à persecução criminal e posteriormente ao julgamento.

Dessa forma, fica evidente que a mídia pode exercer influência sobre todos os envolvidos no processo, comprometendo gravemente o resultado, que pode resultar em uma condenação ou absolvição injusta baseada em convicções errôneas e desprovidas de conhecimentos jurídicos e técnicos. A movimentação midiática em casos de crimes de competência do Tribunal do Júri é motivada pela busca por audiência, o que aumenta a pressão sobre os órgãos responsáveis pela investigação, processamento e julgamento desses casos.

Com o objetivo de minimizar essa questão e garantir um julgamento mais justo, o Código de Processo Penal estabelece no art. 458, parágrafo 1º, a incomunicabilidade dos membros do Conselho de Sentença, o que significa que eles não podem se comunicar ou expressar opiniões sobre o processo, sob pena de exclusão do conselho e multa.

É notável que há uma grande preocupação com a possibilidade de troca de informações entre os jurados, a fim de evitar influências externas no momento da formação de suas convicções. Essa preocupação também é justificada pelo fato de que, geralmente, os indivíduos sorteados para compor o Conselho de Sentença já foram expostos à ampla cobertura midiática dos casos em questão.

Diante da influência midiática sobre o júri e a dificuldade em manter a neutralidade, Ruy Barbosa (2018, p. 12) expressa o seguinte pensamento:

Tal a condição do país, onde a publicidade se avariou, e, em vez de ser os olhos, por onde se lhe exerce a visão, ou o cristal, que lhe clareia, é a obscuridade, que se perde, a ruim lente, que lhe turva, ou a droga maligna, que lhe perverte, obstando-lhe a notícia da realidade, ou não lhe deixando senão adulterada, invertida, enganosa.

O pensamento expresso pelo autor citado acima vai de encontro com o cenário atual da sociedade, que está imersa em uma onda de avanço tecnológico onde notícias falsas e sensacionalistas são facilmente propagadas. Portanto, qualquer decisão judicial pode ser tendenciosa, mas quando se trata de indivíduos sem conhecimento técnico e sem a obrigação de justificar seus votos, a influência da mídia sensacionalista se torna ainda mais perigosa. Como resultado, torna-se difícil esperar pela imparcialidade desses indivíduos.

Mirault (2020, p. 86) destaca que casos famosos no Brasil, como o assassinato de Daniela Perez, o crime cometido por Suzane Richthofen, que até hoje sofre com a repercussão midiática, e o caso do goleiro Bruno, foram influenciados pela mídia. O autor argumenta que a opinião pública teve grande influência na condenação dos acusados, mesmo que os crimes tenham sido cometidos de forma brutal.

O cerne da questão está na disparidade de tratamento entre crimes que ganham repercussão midiática e os que não atraem a mesma atenção, resultando em dificuldades e violações de diversos direitos garantidos aos réus, incluindo o direito à ressocialização.

O julgamento do incêndio na Boate Kiss é um exemplo atual de grande repercussão midiática no Brasil. Em 2013, ocorreu uma tragédia em Santa Maria, quando o vocalista da banda que se apresentava na Boate utilizou artefatos pirotécnicos, dando início ao incêndio que causou a morte de 242 pessoas e deixou 636 feridos. O julgamento dos quatro réus, que iniciou em 1 de dezembro e finalizou em 10 de dezembro de 2021, resultou na condenação de Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, proprietários da Boate, Marcelo de Jesus, vocalista da banda, e Luciano Bonilha, produtor. (SILVA JÚNIOR, 2021)

A cobertura midiática intensa do caso da Boate Kiss gerou uma pressão pela condenação de qualquer indivíduo ligado à boate, especialmente aqueles envolvidos na banda que utilizou artefatos pirotécnicos durante o show, o que deu origem à tragédia que resultou na morte de 242 pessoas e ferimentos em outras 636.

Os autores Nardelli et al. (2021), em seu artigo sobre o julgamento, abordam a nocividade da influência midiática em decisões que envolvem fatos graves e ofensas de maior magnitude.

Vale lembrar que quanto maior a gravidade dos fatos e da ofensa imputada, tanto maior deve ser a preocupação com o respeito às garantias processuais dos acusados, a fim de assegurar a justiça da decisão e a legitimidade da sanção eventualmente imposta. No entanto, esta equação se apresenta de maneira inversa na medida em que entra em cena o fator mídia. Tensões graves se instauram entre os delitos-notícia e o devido processo legal, na medida em que aqueles reclamam, imperativamente, as penas-notícia — para cujo alcance o respeito à presunção de inocência se coloca como verdadeiro entrave. (NARDELLI et al., 2021, online)

De acordo com os autores mencionados anteriormente, os réus do caso da Boate Kiss foram condenados unicamente pela opinião pública, sem terem tido oportunidade de se defenderem. Johner (2021, online) analisando a influência da mídia no assunto, alega que houve uma necessidade de manipular o sistema processual para encontrar maneiras de punir alguém pelo ocorrido, a qualquer custo:

[…] o que me parece razoável afirmar é que eles foram acusados por um crime tipificado incorretamente e, portanto, sujeito a penas muito mais elevadas. Estudos parecem demonstrar que se tratava de caso de culpa consciente, e, logo, de homicídio culposo. Como a pena para o homicídio culposo é relativamente baixa, fez-se um malabarismo para enquadrar o fato como homicídio doloso, na modalidade de dolo eventual, e assim dar uma resposta às expectativas da sociedade. Precisamos achar culpados para as tragédias e acusá-los desarrazoadamente, custe o que custar.

Ao analisar os posicionamentos de autores e juristas, percebe-se que a cobertura midiática de crimes pode levar a decisões precipitadas e equivocadas, sem considerar as regras processuais penais que garantem um julgamento justo e ético.

Os meios de comunicação têm grande influência na percepção da sociedade em relação aos casos criminais e muitas vezes, as informações veiculadas são aceitas sem um senso crítico, o que pode dificultar a busca pela verdade real e prejudicar a justiça e a ética nos julgamentos realizados pelo júri. Esta postura da sociedade em relação à mídia pode persistir como um obstáculo para o tratamento adequado dos casos.

Ademais, ressalta-se que a influência da mídia no Tribunal do Júri viola diretamente o princípio da presunção de inocência, ao passo que o acusado é considerado como verdadeiro culpado antes mesmo de passar pelo devido processo legal, bem como, o princípio da imparcialidade do juiz, que também é aplicado ao Júri, embora os votos não carecem de justificativa, mas devem estar devidamente fundamentados com base nas provas apresentadas. (NUCCI, 2021)

Enquanto as notícias são tratadas como mercadorias pela imprensa, ensejando o aumento da audiência, a pessoa submetida a julgamento que deveria ter assegurada a presunção de inocência e contar com um julgamento imparcial, submete-se na verdade a figura de culpado antes mesmo da sentença condenatória, e com a tratativa parcial de sujeitos que vão condená-lo sem ao menos visualizar as provas e defesas apresentadas.

Entende-se, portanto, que há uma necessidade e urgência na elaboração de mecanismos que possam erradicar com os abusos da mídia, não se tratando de censura ou qualquer atividade do tipo, mas sim de limitação, evitando-se acontecimentos como os apresentados por este estudo. Ademais, é essencial educar a sociedade na busca pela veracidade dos fatos que são levados a seu conhecimento, no entanto, sabe-se que a primeira opção é mais fácil de ser implementada por um Estado Democrático de Direito.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em um Estado Democrático de Direito, a imprensa exerce um importante papel no que tange a veiculação de informações, ocorre que, para que não se perca a gênese de seu objetivo, é essencial que suas atividades sejam concretizadas com base em responsabilidade, seriedade e justiça. De modo que, veicular notícias dotadas de caráter duvidoso não é contribuir para a efetividade das liberdades salvaguardadas pela norma constitucional.

A imprensa e os veículos que constituem a mídia possuem potencial influência na formação de comportamentos, pensamentos e convicções da população, o que se mostra com alerta nos casos onde há a formação de Conselhos de Sentença em sede de julgamento em Tribunal de Júri, haja vista que são constituídos por indivíduos pertencentes a comunidade, os quais, na maioria dos casos, não possuem conhecimento técnico e jurídico.

Com isso, é inevitável a influência da mídia perante o Tribunal do Júri, pois mesmo com a vedação a comunicabilidade perante os demais integrantes e a vedação dos comentários em relação ao processo, o sujeito adentra ao Conselho de Sentença já influenciado pelas campanhas e notícias que a imprensa rapidamente consegue espalhar, abalando o princípio da imparcialidade do juiz, bem como, afetando a presunção de inocência do acusado.

Para sanar tal problemática, é essencial haver controle e limitação das atividades que compõem a liberdade de imprensa, sem afetar, no entanto, o exercício deste direito. A liberdade de imprensa deve ser exercida no sentido de informar e transmitir dados essenciais sobre os casos, sem a necessidade de causar revolta ou afetar emocionalmente a sociedade. A imprensa não deve interferir no Direito Processual Penal e tampouco violar os princípios que garantem ao acusado um julgamento justo, no entanto, sabe-se que a problemática também leva em consideração a propensão da sociedade na busca pela verdade dos fatos. 

Assim, embora evidente que a problemática pode ser sanada mediante ação estatal nesse sentido, sabe-se que tal posicionamento é de difícil provocação. Assim sendo, espera-se que com esta pesquisa novos caminhos sejam abertos no sentido de buscar maiores dados acerca dos prejuízos que a influência da mídia causa nas decisões que são tomadas pelo Tribunal do Júri.

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