THE INFLUENCE OF EMOTION AND MORALITY IN LAW: A BRIEF ANALYSIS OF THE ROLE PLAYED BY EXTERNAL FACTORS IN JUDICIAL DECISION-MAKING
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202501181849
Maria Clara Cordeiro Escossia1
RESUMO
O presente artigo busca estudar relação entre emoções e direito, visando entender a influência das emoções em diversos segmentos jurídicos e suas consequências, seja através das instituições sociais, das normas, dos costumes e da cultura de determinado país. Para tanto, passa pela obra de alguns professores que abordam diretamente a influência das emoções no direito, além de tratar do realismo jurídico norte-americano e teoria descritiva da decisão judicial. Por fim, se debruça sobre alguns casos julgados por Tribunais brasileiros a fim compreender o papel desempenhado por diversos vieses na tomada da decisão judicial. A conclusão do trabalho é no sentido de que as emoções, a moral e outros vieses são extremamente relevantes na atividade decisória, especialmente, quanto às decisões judiciais prolatadas pelos órgãos jurisdicionais.
Palavras-chave: Emoção. Moral. Direito. Fatores externos.
I. INTRODUÇÃO
O surgimento do direito é concebível para muitos pesquisadores a partir do momento em que o homem começa a viver em sociedade, o que significa, que em uma linha do tempo, haveria de se admitir a existência desde a Pré-História.
Sob essa perspectiva, o direito como conhecido hoje, dentro de uma ótica definida majoritariamente por leis, e, também, em especial por princípios, nem sempre foram as principais fontes reveladoras do direito, pois nas sociedades primitivas o direito se confundia com a religião e com a política, não possuindo órgãos específicos para legislar.
Certo é que grandes foram os percalços e momentos existenciais da figura conhecida hoje como direito puro e simples, aplicado mediante regras bem definidas e, de certa forma, com a garantia de que as normas são colocadas como leis, sendo o principal mecanismo de regulação de condutas, de controle social e de pacificação dos conflitos.
Todavia, há países em que a aplicação jurídica ainda se encontra inteiramente fundida com a crença religiosa, tais como alguns países do Oriente Médio, visto que buscam fundamentos legais para a ordem social de seus países inteiramente no Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos, o que resulta em um olhar jurídico inteiramente voltado a apenas uma percepção de mundo, a religiosa, concentrando todas as criações legislativas e julgamentos pelos tribunais com base em um modelo jurídico-religioso.
Em contraposição a essa perspectiva, tem-se o ideal do Estado Democrático de Direito, que é, em síntese, uma situação jurídica na qual todos são submetidos ao império do direito, estando intrinsecamente ligado ao respeito às normas e aos direitos fundamentais, que durante a elaboração das leis pelo legislador e a aplicação pelos tribunais, que esse estaria livre de toda e qualquer construção de seu criador ou aplicador respectivamente, haja vista que há ainda, mesmo que indiretamente, vinculação com seus ideais, com suas construções pessoais, ou seja, com suas emoções.
Assim, mesmo em se tratando de um país como o Brasil, que possui sua essência nas linhas da Constituição Federal como sendo um Estado Democrático de Direito, não se pode partir da premissa de que estaria livre de toda e qualquer construção de seu criador ou aplicador respectivamente, haja vista que há ainda, mesmo que indiretamente, vinculação com seus ideais, com suas construções pessoais, ou seja, com suas emoções.
II. EMOÇÃO E DIREITO
É evidente a correlação entre direito e emoções, independentemente do âmbito jurídico em si analisado; seja na ordem do direito público, seja no direito privado, a constatação é única e indissociável, as emoções afetam as escolhas das pessoas, e como consequência afetam também a elaboração de leis e julgamentos de casos concretos.
Conforme preceituam os professores Noel Struchiner e Rodrigo de Souza Tavares (STRUCHINER; TAVARES, 2014, p. 123), “As emoções são fontes de motivação para agir, elas também são fatores determinantes nos processos de tomada de decisão”, o que evidencia a existência de juízos valorativos, com destaque para o juízo moral.
Além das emoções possuírem a esfera da experiência individual, elas também possuem um aspecto intersubjetivo fundamental, tendo em vista que se desenvolvem pela interação entre pessoas.
É evidente que as emoções estão interligadas com o cenário histórico e cultural em que são proferidas, e com isso, consoante lição dos professores Noel Struchiner e Rodrigo de Souza Tavares (STRUCHINER; TAVARES, 2014, p. 128):
“…o conceito de justiça que faz parte da experiência da indignação moral, depende de um contexto cultural. Além disso, normas culturais sobre a adequação das formas de expressão emocional podem influenciar na própria experiência individual.”.
Aduzem ainda os renomados professores sobre as dimensões individual e intersubjetivo:
A pesquisa sobre emoções e direito move-se entre estas duas dimensões, muitas vezes sem explicitá-lo. Por vezes, seu foco de iluminação estará direcionado para os aspectos individuais. Este é o caso das pesquisas que sublinham a influência de determinadas emoções nos processos de tomada de decisão ou na responsabilidade individual. Noutras vezes, seu foco são processos de deliberação grupal. (STRUCHINER; TAVARES, 2014, p. 128)
Desse modo, o estudo da relação entre emoções e direito visa entender a influência das emoções em diversos segmentos jurídicos e suas consequências, seja através das instituições sociais, das normas, dos costumes e da cultura de determinado país.
Assim, consoante observação de Sajó (2011), trazida pelos professores Noel Struchiner e Rodrigo de Souza Tavares:
A análise de Sajó (2011), que trata das relações entre a formação do constitucionalismo liberal e o medo originado pelo abuso de poder perpetrado no passado. Da mesma maneira, mereceria investigação mais aprofundada a hipótese de que a formulação da Constituição brasileira de 1988 foi marcada pelo medo da ocorrência de novas violações da dignidade do ser humano, nos moldes daquelas perpetradas durante o regime militar. Conforme exposto, o recorte dado à pesquisa em direito e emoções pode privilegiar desde o microcosmo da psicologia individual, até o universo mais difuso das normas sociais e dos valores peculiares de uma cultura jurídica. (STRUCHINER; TAVARES, 2014, p. 129)
Portanto, é de grande magnitude o estudo sobre a relação entre direito e emoções, visto o papel fundamental desempenhado por esse campo, que abrange da neurociência à filosofia moral, influenciando demasiadamente as instituições jurídicas, o que necessita observação constante para haver certo ajustamento em sua utilização, evitando, então, consequências indesejáveis.
III. REALISMO JURÍDICO NORTE-AMERICANO E TEORIA DESCRITIVA DA DECISÃO JUDICIAL
O realismo jurídico norte-americano, ao longo do século XX, buscou entender, a partir da análise concreta da atividade nos tribunais, quais fatores e elementos seriam determinantes nas tomadas decisões pelos juízes. Os professores Noel Struchiner e Marcelo Santini Brando indicam quais proposições eram trabalhadas pelos realistas:
(1) o direito é indeterminado; (2) as regras jurídicas não guiam a tomada de decisão judicial; (3) se o direito é indeterminado e as regras jurídicas não guiam a tomada de decisão, então o juiz decide com base em algo diverso do direito; (4) logo, a atividade judicial é criativa/constitutiva do direito; e (5) a justificação consiste em uma racionalização post hoc. (STRUCHINER, 2014, p. 174)
A partir dessas proposições, os realistas elaboraram a teoria descritiva da decisão judicial, que possuía duas premissas básicas: a primeira era de que, na maior parte das vezes, os juízes já tinham uma pré-disposição para decidir de uma determinada forma antes mesmo de analisar o arcabouço jurídico e a segunda tratava da facilidade de encontrar fundamento jurídico para embasar a decisão que já estava tomada. Nesse sentido:
As decisões, sentenças e acórdãos formalmente produzidos pelos juízes não passariam de racionalizações post hoc de uma decisão tomada muitas vezes de maneira automática, intuitiva (Frank, 2009 [1930]. pp. 31-34, 111/112 e 140-141).
A referida teoria descritiva da decisão judicial é aplicada principalmente nas decisões que são tomadas nos chamados casos difíceis, que são aqueles em que não há nenhuma regra jurídica clara que se subsuma diretamente ao caso concreto analisado.
Ainda dentro dos casos difíceis, os professores Noel Struchiner e Marcelo Santini Brando inserem os chamados casos difíceis moralmente carregados, tais como a admissibilidade da eutanásia no direito brasileiro, a possibilidade da criminalização do aborto, publicação de livro com mensagem discriminatória, dentre outros. São casos em que, invariavelmente, a decisão terá base em fundamentos extrajurídicos, como a moral.
Dentro desse contexto de tomada de decisão judicial em casos difíceis moralmente carregados, o modelo sócio-intuicionista entende que pensamento e julgamento são operados por dois sistemas diferentes. O primeiro, intuitivo, é automático e inconsciente, já o sistema deliberativo é lento e consciente.
De acordo com Noel Struchiner e Marcelo Santini Brando, “O modelo sócio-intuicionista inaugurado por Jonathan Haidt sugere que os julgamentos morais são causados por rápidas intuições morais (sistema 1), e seguidas, quando necessário, de detida argumentação moral racional (sistema 2).” (NOEL, 2014. P. 189)
Ou seja, após o sistema intuitivo tomar uma decisão de forma rápida, automática e inconsciente, o sistema deliberativo funcionaria como um mecanismo racional que busca argumentos e fundamentos legais a fim de conferir embasamento à decisão já tomada, funcionando como um “porta-voz”. Esse “fenômeno” é chamado de racionalização post hoc.
Dessa forma, o modelo sócio-intuicionista confirma as ideias trazidas pelos realistas norte-americanos no sentido de que há uma pré-disposição dos julgadores em decidir os casos de uma determinada forma, conforme sua concepção moral, antes mesmo de se debruçarem sobre normas jurídicas relacionadas ao tema.
Nas palavras dos professores Noel Struchiner e Marcelo Santini Brando, “os materiais jurídicos aparecem nas sentenças como parte de racionalizações post hoc de decisões tomadas com base em outros elementos.” (NOEL, 2014. P. 200)
IV. BREVE ANÁLISE DO PAPEL DESEMPENHADO POR DIVERSOS VIÉSES NA TOMADA DA DECISÃO JUDICIAL:
Feitas essas considerações, é relevante trazer, mesmo que brevemente, ao bojo do presente trabalho, a análise de julgamento realizado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, cuja decisão proferida reflete o papel desempenhado por concepções diversas daquelas previstas no ordenamento jurídico, para que o julgador realize/pratique o ato decisório.
Vale transcrever a conclusão a que chegou Patrícia Churchland (2010), citada por Atahualpa Fernandez e Manuella Maria Fernandez, sobre a influência que as emoções, as intuições morais, as sensações, dentre outros fatores, possuem na interpretação conferida por quem exerce o papel de decidir determinada questão judicial, seja ela mais corriqueira, seja ela tida como caso difícil moralmente carregado, in verbis:
As emoções, as intuições morais, as memórias, as percepções, as sensações e as experiências pessoais de cada indivíduo não são vistas como “cegas oleadas de afeto” senão como peças que outorgam “razões para interpretar”, e que servem como elementos condicionantes da aplicação do direito.
O julgamento acima mencionado consistiu na apreciação, discussão e votação, de forma conjunta, pelo Plenário do STF da ADO n° 26, relatada pelo então ministro Celso de Mello, e do MI n° 4733, de relatoria do ministro Edson Fachin, que tratavam da ausência de legislação específica para possibilitar a punição dos indivíduos os quais pratiquem/tenham praticado condutas discriminatórias e preconceituosas violadoras dos direitos fundamentais dos integrantes da comunidade LGBTQIA+.
Em razão do reconhecimento da mora legislativa para elaboração da referida lei, decidiram os ministros da Suprema Corte em conferir interpretação conforme o conceito de racismo estabelecido na lei n° 7.716/89, para que fosse permitida a imediata criminalização de todas as condutas praticadas em decorrência do gênero, do sexo ou da orientação sexual de cada pessoa.
Na mesma oportunidade, entenderam que a repressão à homofobia não significou a proibição de que fiéis e líderes religiosos, utilizando os conceitos e crenças advindas de seus livros sagrados, continuem a pregar contrariamente às uniões homoafetivas e outras questões que não se coadunam com a sua fé, desde que não profiram discursos de ódio, i.e., que incentivem o cometimento de crimes em desfavor dos membros dessa comunidade.
Verifica-se que essa decisão teve motivações preponderantemente morais tanto no tocante à ampliação do conceito de racismo para criminalizar a homofobia e transfobia, como tentativa de frear os altos índices de crimes cujas vítimas são gays, lésbicas, travestis, transexuais; quanto no que se refere à afirmação dos ministros do Supremo no sentido de manter a liberdade religiosa de quem possui crenças desfavoráveis ao reconhecimento de alguns direitos desse grupo como, por exemplo, o casamento homoafetivo.
V. CONCLUSÃO
Pode-se concluir, deste modo, que a neutralidade do legislador defendida pelos positivistas para justificar a necessidade de aplicação estrita da lei já foi superada. Na realidade, diversos estudiosos têm se debruçado na análise cautelosa do papel que as emoções, a moral e outros vieses ocupam na atividade decisória, especialmente, quanto às decisões judiciais prolatadas pelos órgãos jurisdicionais.
Assim, as divergências sociais, políticas, culturais e morais observadas, nos últimos anos, no Brasil, também se mostram capazes de fortalecer o argumento de que os julgadores não limitam a tomada de decisões ao constante no ordenamento jurídico, ao sofrerem influências das emoções, de questões moralmente aceitas pela sociedade como um todo ou por certa parcela, e de outros fatores que lhe são individuais, tais como critérios religiosos e filosóficos.
VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FERNANDEZ, Atahualpa; FERNANDEZ, Manuella Maria. Racionalidade Jurídica, Emoção e Atividade Jurisdicional. Disponível em: http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/7280/Racionalidade_Juridica_Emocao_e__Atividade__Jurisdicional. Acesso em 03/11/2021.
FRANK, J. 2009 [1930]. Law and the modern.New Brunswick: Transaction Publishers apud Noel, 2014.
SAJÓ, András. Constitutional Sentiments. Yale University Press. 2011.
SCHERMAN REIS, Luís Fernando. O direito surgiu antes da escrita law came before of writing. Disponível em: <publicadireito.com.br/artigos/?cod=7e44f6169f0ae75b#:~:text=As origens do Direito situam,tinham o domínio da escrita.&text=Em algum momento de suas,o seu convívio em sociedade.> Acesso em: 03/11/2021.
STF, Tribunal Pleno, ADO 26/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Julgamento em 13/06/2019 e Publicação em 06/10/2020. Disponível em: <https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur433180/false> Acesso em 03/11/2021;
__________, MI 4733-DF, Rel. Min. Edson Fachin, Julgamento: 13/06/2019 e Publicação: 29/09/2020. Disponível em: <https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur432699/false> Acesso em 03/11/2021;
STRUCHINER, Noel; TAVARES, Rodrigo de Souza. Novas fronteiras da teoria do direito: da filosofia moral à psicologia experimental. 1. ed. – Rio de Janeiro : PoD: PUC-Rio, 2014.
1Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), pós-graduada pela Escola Superior de Advocacia Pública (ESAP-PGE/RJ). e-mail: mariaclaraescossia@gmail.com