A INEFICÁCIA DAS MEDIDAS PROTETIVAS DA LEI MARIA DA PENHA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202410311608


Antonio Ildemar Coutinho Neto1


RESUMO

Este artigo busca analisar a ineficácia das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha e seus efeitos práticos na vida de mulheres vítimas de violência doméstica. A pesquisa parte da hipótese de que, apesar dos avanços trazidos pela Lei nº 11.340/2006, as falhas na implementação e monitoramento das medidas de afastamento dos agressores comprometem a eficácia dessas proteções. A violência doméstica persiste, revelando que, embora a legislação seja uma conquista importante, sua aplicação ainda enfrenta obstáculos que impactam diretamente os direitos das mulheres. A justificativa para o estudo está enraizada na relevância social de discutir a histórica inferiorização das mulheres e as atuais manifestações do patriarcado, das quais a violência doméstica é uma das mais preocupantes. A pesquisa visa ampliar o entendimento das falhas nas políticas públicas de combate à violência, oferecendo novas perspectivas teóricas para a compreensão das causas estruturais desse problema. O estudo também explora a necessidade de instrumentos mais eficazes de fiscalização, destacando a importância de ações concretas para garantir o cumprimento das medidas protetivas e preservar a dignidade das vítimas

Palavras-chave: Lei Maria da Penha. Mulher. Direito de Igualdade.

ABSTRACT

This article seeks to analyze the ineffectiveness of the emergency protective measures provided for in the Maria da Penha Law and their practical effects on the lives of women who are victims of domestic violence. The research is based on the hypothesis that, despite the advances brought about by Law No. 11.340/2006, failures in the implementation and monitoring of measures to remove aggressors compromise the effectiveness of these protections. Domestic violence persists, revealing that although the legislation is an important achievement, its application still faces obstacles that directly impact women’s rights. The justification for the study is rooted in the social relevance of discussing the historical inferiorization of women and the current manifestations of patriarchy, of which domestic violence is one of the most worrying. The research aims to broaden the understanding of the flaws in public policies to combat violence, offering new theoretical perspectives for understanding the structural causes of this problem. The study also explores the need for more effective enforcement instruments, highlighting the importance of concrete actions to ensure compliance with protective measures and preserve the dignity of victims.

Keywords: Maria da Penha Law. Women. Right to Equality.

1 INTRODUÇÃO 

Parte A Este artigo propõe uma análise da nova configuração da legislação sobre violência doméstica a partir da promulgação da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha. A lei reformulou e ampliou o entendimento desse tipo de violência, promovendo mudanças nos costumes, valores e concepções, em oposição às definições tradicionais de família. Ao longo da história, especialmente na sociedade ocidental, as estruturas e funções da família variaram amplamente. Contudo, a função universal de todas as famílias, em diferentes sociedades, é a de gerar descendência e garantir a satisfação das necessidades básicas dos filhos, sempre fundamentada no respeito mútuo.

A Constituição Federal de 1988 atribui ao Estado o dever de promover o bem-estar de todos, sem distinção de origem, raça, sexo, cor, idade ou qualquer forma de discriminação. Ela também estabelece que homens e mulheres possuem os mesmos direitos e deveres, e reconhece a família como a base da sociedade, garantindo sua proteção especial. Além disso, a Constituição definiu uma série de direitos que foram regulamentados por legislações complementares, como o dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar, com prioridade absoluta, o direito à vida, saúde, educação, lazer, dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária. Tais direitos visam proteger os indivíduos contra negligência, discriminação, violência e outras formas de opressão, reforçando o papel da família na promoção do bem-estar de seus membros, tanto coletivamente quanto individualmente.

Neste contexto, o presente estudo reflete sobre os fundamentos da Lei Maria da Penha como um ponto de tensão entre o direito à igualdade e a violência contra a mulher nas relações familiares, abordando os diversos aspectos sociais relacionados à atuação do Estado e suas políticas públicas. O trabalho examina as implicações jurídicas que podem influenciar a atuação de profissionais de segurança pública em diferentes áreas. O objetivo geral é analisar o processo de fundamentação da Lei Maria da Penha, que foi criada para criminalizar atos de violência cometidos por homens contra mulheres no ambiente doméstico e familiar.

A escolha deste tema se justifica pela necessidade de explorar o processo de garantia dos direitos humanos, especialmente no que se refere às políticas públicas instituídas pela Constituição Federal de 1988, tanto de forma subjetiva quanto objetiva. O estudo convida a uma reflexão mais aprofundada sobre a relação entre o justo e o legal.

Dessa forma, o presente estudo tem relevância acadêmica por buscar analisar as limitações e as expansões proporcionadas pela Lei Maria da Penha, destacando-se como um tema atual e de grande interesse. A metodologia adotada baseou-se no método hipotético-dedutivo, com apoio do método comparativo e revisão bibliográfica de trabalhos especializados sobre o tema.

Por fim, este trabalho não pretende ser uma referência definitiva, mas sim apresentar as perspectivas de suas autoras sobre um tema amplamente debatido na sociedade contemporânea.

2 IGUALDADE DE DIREITOS

O filme “Igualdade de Sexos”, dirigido por Nigel Cole e com atuações marcantes de Andrea Riseborough, Bob Hoskins, Miranda Richardson e Sally Hawkins, com roteiro de William Ivory, retrata de maneira clara e contundente a luta das mulheres pela igualdade de direitos. A trama se desenrola na cidade de Dagenham, na Inglaterra, onde um grupo de trabalhadoras enfrenta condições extremamente precárias em uma fábrica, trabalhando longas jornadas e enfrentando o desafio de conciliar o emprego com as responsabilidades domésticas. Além disso, essas mulheres sofrem a humilhação de serem classificadas como mão de obra não qualificada (Badier, 2000, p. 133).

O filme mostra a batalha dessas mulheres pela igualdade de direitos, direitos que, embora assegurados no ordenamento jurídico inglês desde o século XIII com a Declaração dos Direitos Humanos, não se concretizam em suas realidades diárias. Com muita coragem e perseverança, elas enfrentam seus superiores, a comunidade local e, por fim, o governo, que perpetua essa desigualdade. A luta dessas trabalhadoras utiliza a racionalidade e a emoção de gênero como ferramentas inspiradoras. Embora a igualdade de direitos esteja prevista em muitos sistemas jurídicos, especialmente no inglês desde o século XIII, a sua implementação efetiva ainda é distante (Campos, 2009, p. 121).

O igualitarismo, como uma ideologia que destaca a igualdade como um dos principais valores nas sociedades industriais ocidentais, atribui a esse conceito um papel predominante, considerando-o parte de um processo de longa duração que parece ser providencial. No entanto, essa igualdade não se concretiza nas sociedades industriais (Badier, 2000, p. 134).

Pinto Silva (2006, p. 101) destaca de forma bastante clara:

Com a queda do feudalismo, pelo menos no campo teórico as pessoas passaram a gozar de direitos iguais com a incorporação do princípio da igualdade aos ordenamento jurídicos, nascentes que foram a partir da Revolução Francesa e na Declaração de Direitos Humanos que ocorreu no século XII, passando os indivíduos a gozarem do que se convencionou chamar de cidadania. 

Mesmo que o princípio da igualdade prevaleça nos ordenamentos jurídicos, as desigualdades sociais continuam a existir devido ao pouco ou nenhum acesso das camadas mais pobres à educação, saúde e lazer (Giddens, 2011, p. 137). 

Na prática, as mulheres sofrem uma violência social enraizada, que se apresenta como um estado natural, deixando evidente que o poder do homem em uma sociedade machista se impõe sobre a mulher. Isso demonstra que a questão de gênero é moldada pela dominação masculina em uma sociedade estruturada em torno da figura central do homem, tanto social, cultural quanto economicamente (Pinto Silva, 2006, p. 102).

Levanta-se então a questão: por que a mulher foi condicionada ao papel de mãe e esposa, responsável pela administração da casa, dos filhos e do marido, enquanto o homem é visto como o pai e provedor, sendo reconhecido como o chefe da família? Veloso (2007, p. 76) oferece a resposta:

Esse tipo de ideia apresenta uma relação, entre homem e mulher, que determina o comando e a subordinação, distanciando-se, primeiro, através dos costumes, em seguida, formalizando-se e institucionalizando-se em práticas que podem ou não podem ser realizadas por um ou por outro. Também às questões de divisão de classes sociais, que sempre tratou a mulher como uma figura de segundo plano na sociedade, ou seja, a mulher é um sujeito menor, trabalha mais, recebe menos e não tem opinião. Esse estado de coisa, ainda é forte, em algumas sociedades, inclusive a ocidental, apesar dos avanços dos últimos anos.  

A responsabilidade do homem como provedor da renda familiar e da mulher como cuidadora do lar e dos filhos se consolidou como um traço cultural da sociedade. Embora as mulheres tenham conquistado avanços significativos ao final do século XX, especialmente após anos de luta, essas conquistas se limitam a certos países e classes sociais. Mesmo em nações desenvolvidas, onde a discriminação é menos acentuada, o preconceito contra as mulheres ainda é evidente, particularmente no âmbito doméstico, onde a força física e psicológica masculina continua sendo um fator dominante (Veloso, 2007, p. 156).

Essa violência contra as mulheres se intensifica em países subdesenvolvidos, onde os homens geralmente são os provedores da família, e as mulheres, subordinadas às vontades masculinas, acabam sofrendo diferentes formas de violência. A mulher, nesse contexto, é vista como uma extensão da vontade do homem e, quando essa vontade não é atendida, ela enfrenta as mais diversas agressões. Esse padrão é histórico, apesar de haver registros de resistência a essa sociedade patriarcal, embora em casos isolados (Cardoso, 1992, p. 162).

A subordinação feminina ao homem é uma realidade que se manifesta em três dimensões: econômica, política e simbólica. No campo econômico, as mulheres permanecem dependentes dos homens, principalmente nas classes sociais mais baixas, que representam a maior parte da população (Denich et. al., 2011, p. 114).

Em praticamente todos os países, as mulheres têm menos tempo de escolaridade, participam menos do mercado de trabalho e, em geral, recebem salários inferiores aos dos homens com a mesma qualificação. Essa realidade é ainda mais grave nos países mais pobres e nas classes sociais de menor renda, apesar dos avanços conquistados ao longo de anos de luta pela igualdade, como previsto em ordenamentos jurídicos desde a Declaração dos Direitos Humanos na Inglaterra, no século XIII (Denich et. al., 2011, p. 114).

As contradições entre os gêneros são, sem dúvida, mais antigas que as contradições entre as classes sociais e não foram causadas por elas. No entanto, as desigualdades entre os sexos e as entre as classes se desenvolveram em paralelo, sem se confundirem, mas se reforçando mutuamente (Carvalho, 2012, p. 163).

Na sociedade feudal, por exemplo, um plebeu, mesmo sendo livre, geralmente não tinha permissão para se casar ou sequer tocar uma aristocrata. Esta possuía um status social muito superior ao do plebeu e, obviamente, ao de uma mulher do povo. Por outro lado, um nobre tinha certos direitos sobre as mulheres de seus subordinados, além dos direitos sobre as mulheres de sua própria linhagem. Nesse contexto, o casamento era um elemento central em sua estratégia para preservar o poder e aumentar suas riquezas (Carvalho, 2012, p. 164).

Nesse cenário, onde a mulher era tratada como um objeto da vontade masculina, a sociedade foi se estruturando com as mulheres desempenhando um papel meramente decorativo. Caso desafiassem essa condição, sofriam as mais variadas formas de violência, especialmente no que se refere ao direito fundamental de ir e vir, garantido por todas as sociedades democráticas. As mulheres enfrentavam diversas violações de seus direitos. No âmbito econômico, eram subjugadas pela figura masculina, que as controlava em todos os aspectos, inclusive na incapacidade de se sustentar financeiramente, o que gerava uma profunda violência psicológica. No campo das relações de poder, o homem impunha sempre sua vontade, tanto nas questões sexuais quanto nas afetivas, dentro do ambiente doméstico (Denich et. al., 2011, p. 115).

2.1 OS DIREITOS DA MULHER NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

Os direitos das mulheres são um tema que exige atenção especial. Mesmo com a proclamação dos direitos fundamentais após a Revolução Francesa, que disseminou os princípios de Igualdade, Liberdade e Fraternidade, esses valores, embora incorporados nos ordenamentos jurídicos do mundo ocidental, ainda traziam uma clara discriminação contra as mulheres, ao referir-se aos “DIREITOS FUNDAMENTAIS DO HOMEM” (Gomes, 1998, p. 66).

A referida declaração utilizava o termo “Homem” e não “ser humano”, apesar de englobar, em teoria, todas as pessoas. Essa distinção revelava que os direitos eram direcionados especificamente aos homens, e não a todos os seres humanos (Gomes, 1998, p. 69).

No Brasil, o ordenamento jurídico historicamente sempre se referiu aos direitos do “homem” brasileiro e estrangeiro residente no país. De acordo com Silva (2009, p. 151), “antes mesmo da primeira constituição que subjetivou e positivou os direitos do homem de forma concreta e efetiva, já havia a Constituição do Império do Brasil de 1824, anterior à da Bélgica de 1831, que geralmente recebe essa primazia”.

Este estudo não se propõe a examinar detalhadamente todas as constituições brasileiras no que tange aos direitos enunciados, mas é relevante mencionar alguns aspectos gerais sobre essas declarações. É importante ressaltar que, ao se referir aos direitos individuais (incluindo os das mulheres), muitos direitos eram exclusivos dos homens (Silva, 2009, p. 152).

A Constituição do Império do Brasil já contemplava quase integralmente esses direitos, com poucas inovações significativas, exceto na Constituição de 1988, que trouxe importantes mudanças. No entanto, é fundamental destacar que, embora o ordenamento jurídico nacional tenha adotado Declarações de Direitos para todos, esses direitos eram, na prática, direcionados aos homens. Muitos direitos, como os políticos, só foram estendidos às mulheres a partir de 1932, durante o governo de Getúlio Vargas. Bernardes (2004, p. 16) afirma: “As Declarações de Direito no Brasil sempre foram utópicas. Desde a Constituição do Império, em 1824, os direitos fundamentais eram para o homem, de fato. Só eles podiam estudar em instituições superiores, exercer a maioria das profissões e participar do processo eleitoral, enquanto as mulheres ocupavam uma posição subalterna na sociedade”.

Bernardes é categórica ao destacar que as mulheres foram relegadas a uma posição de subordinação até 1932, quando um novo Código Eleitoral foi promulgado. Esse código introduziu o voto secreto, reduziu a idade mínima para votar de 21 para 18 anos e, pela primeira vez, permitiu o voto feminino (Bernardes, p. 16).

Além disso, em 1932, houve a regulamentação do trabalho feminino, junto com outras conquistas trabalhistas. Foi a primeira vez que os direitos fundamentais, historicamente restritos aos homens, começaram a ser estendidos de forma concreta às mulheres no Brasil. Até então, a responsabilidade do homem pela renda familiar e da mulher pelos cuidados domésticos e dos filhos era um traço cultural profundamente enraizado na sociedade (Bernardes, 2004, p. 17).

Mas é na Constituição Federal de 1988 que os direitos da mulher se contextualizam. Em primeiro lugar pelo direitos à integridade física já que agredir um corpo humano é um modo de agredir a vida, pois, esta se realiza nela. Silva (2009, p. 178) observa: 

A integridade físico corporal constitui, por isso, um bem vital e revela um direito fundamental do ser humano. Daí por que as lesões corporais são punidas pelo legislação penal. Qualquer pessoa que as provoque fica sujeita às penas das Lei, incorporando seus mais profundos mecanismos punitivos.  

Como destacado por Silva (2009, p. 178), a Constituição Federal de 1988 foi clara ao garantir a integridade física de todos os seres humanos. Contudo, não bastou apenas eliminar a violência; foi necessário proibir expressamente atos de violência doméstica, especialmente contra crianças, adolescentes, idosos e mulheres (Gonçalves, 2006, p. 201).

Outra importante manifestação dos direitos fundamentais é a proteção contra agressões morais, conforme assegurado pelo direito à integridade moral, já que a vida humana não se resume a elementos materiais. Ela é composta também por valores imateriais, como os morais (López, 2010, p. 33).

O ordenamento jurídico brasileiro atual confere grande importância à moral, vista como um valor ético-social, tanto da pessoa (homens e mulheres) quanto da família, o que impõe o respeito à dignidade humana (Minayo, 2008, p. 34).

A moral individual representa a honra de uma pessoa, o bom nome, a boa reputação e a dignidade, que fazem parte da vida humana em sua dimensão imaterial. Sem esses atributos, a pessoa é desvalorizada, reduzida a uma condição menor. Por isso, o respeito à integridade moral assume a forma de um direito fundamental (López, 2010, p. 37).

No entanto, o mais relevante entre os direitos fundamentais é, sem dúvida, o direito à igualdade. A Constituição de 1988 estabeleceu esse princípio como um alicerce no ordenamento jurídico brasileiro, consagrando que “todos são iguais perante a lei” (Art. 5º, caput). Isso significa que a Constituição determina a igualdade mesmo entre pessoas em situações diferentes (Minayo, 2008, p. 56).

Ainda no mesmo artigo, o inciso I afirma explicitamente que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”. Posteriormente, no Art. 7º, incisos XXX e XXXI, são estabelecidas regras de igualdade material, proibindo distinções baseadas em fatores como sexo, idade, cor ou estado civil, além de vedar diferenças salariais e critérios de admissão para trabalhadores com deficiência (Moraes, 2005, p. 62).

Dessa forma, os princípios constitucionais asseguram a igualdade entre homens e mulheres, pelo menos no campo teórico. O mais importante é entender que essa igualdade resulta de décadas de luta contra a discriminação. Além disso, não se trata apenas de uma igualdade formal perante a lei, mas de igualdade de direitos e obrigações. Isso significa que, em qualquer situação que envolva homens e mulheres, qualquer tratamento desigual entre eles será uma violação constitucional. Silva (2009, p. 193) reforça essa ideia:

Aqui a igualdade não é apenas no confronto de marido e mulher. Não se trata apenas da igualdade no lar e família. Abrange também essa situação que, no entanto, recebeu formulação específica no Art. 226, § 5º. Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. Vale dizer que nenhum pode ser considerado cabeça de casal, ficando revogados todos os dispositivos da legislação ordinária que outorgava primazia ao homem.  

Por fim, a proteção dos direitos da mulher está amplamente garantida pela própria Constituição Federal de 1988. As poucas discriminações permitidas pela Carta Magna são sempre em benefício da mulher, como no caso da aposentadoria, que exige menor tempo de contribuição e idade em comparação ao homem. Isso se justifica pelo fato de que, mesmo nos dias atuais, muitas mulheres ainda são responsáveis pelas tarefas domésticas, muitas vezes com pouca ou nenhuma ajuda do cônjuge. Essa sobrecarga de responsabilidades justifica a compensação oferecida pela aposentadoria com tempo e idade reduzidos (Minayo, 2008, p. 63). Por fim, a proteção dos direitos da mulher está amplamente garantida pela própria Constituição Federal de 1988. As poucas discriminações permitidas pela Carta  Magna são sempre em benefício da mulher, como no caso da aposentadoria, que exige menor tempo de contribuição e idade em comparação ao homem. Isso se justifica pelo fato de que, mesmo nos dias atuais, muitas mulheres ainda são responsáveis pelas tarefas domésticas, muitas vezes com pouca ou nenhuma ajuda do cônjuge. Essa sobrecarga de responsabilidades justifica a compensação oferecida pela aposentadoria com tempo e idade reduzidos (Minayo, 2008, p. 63).

3. A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

A legislação em estudo é um tema amplamente debatido na sociedade contemporânea, especialmente por ser relativamente nova e ter gerado impactos jurídicos significativos. De acordo com Dias (2015), a lei visa criar mecanismos para prevenir e combater a violência, oferecendo amparo a quem dela necessita. No entanto, na prática, o que frequentemente observamos, tanto em bairros quanto em ruas, são episódios constantes de violência em diversas formas e em todas as classes sociais.

Apesar disso, essa lei apresenta dispositivos inovadores, sendo de grande relevância para este estudo as medidas protetivas, que estão associadas às políticas públicas do Estado. Contudo, mesmo com o reconhecimento da sua importância, a eficácia dessas medidas é frequentemente questionada, como apontado por dados do Senado (2018). O principal objetivo da legislação é a proteção das mulheres, tanto de forma preventiva quanto repressiva. Desde 2012, essa lei foi incluída entre as três melhores legislações mundiais em termos de proteção de direitos e combate à violência contra a mulher, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU). No entanto, conforme o Atlas da Violência (2017), em 2015, 4.621 mulheres foram assassinadas, representando um aumento de 22% na taxa de mortalidade feminina ao longo de uma década (2010-2015). (Tenorio, 2019)

Diante dessa realidade cruel e inaceitável, é essencial refletir sobre as dinâmicas que envolvem relações baseadas no sentimento de posse por parte dos companheiros. É necessário discutir os questionamentos recorrentes sobre a aplicação e eficácia das medidas protetivas, bem como seus desdobramentos e como ocorrem.

Partindo desse entendimento, é fundamental definir o conceito de violência à luz da lei e da doutrina. Em termos gerais, trata-se de comportamentos intimidatórios que visam silenciar, anular ou impor algo a alguém através da força. Maria Amélia Teles e Mônica de Melo definem a violência como:

Violência em seu significado mais frequente, quer dizer uso da força física, psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com vontade; é constranger, é tolher a liberdade, é incomodar, é impedir a outra pessoa de manifestar seu desejo e sua vontade, sob pena de viver gravemente ameaçada ou até mesmo ser espancada, lesionada ou morta. É um meio de coagir, de submeter outrem ao seu domínio, é uma violação dos direitos essenciais do ser humano. (Teles e Melo 2003, p. 15)

Nessa mesma linha de pensamento, Stela Cavalcanti, delineia que: 

(…) a violência é um exercício humano de poder, expresso por meio da força, com a finalidade de manter, destruir ou construir uma dada ordem de direitos e apropriações, colocando limites ou negado a integridade e direitos de outros, sendo acentuada pelas desigualdades sociais. Portanto, a violência deve também ser entendida como um processo, e não simplesmente como a provocação de males físicos ou psicológicos, causada pela materialização da força. (Cavalcanti, 2008, p. 32)

A Lei Maria da Penha adota a mesma definição de violência presente na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, também conhecida como Convenção de Belém do Pará. A convenção descreve a violência como: “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público quanto privado.” (Dias, 2015, p. 43)

De forma semelhante à definição legal, Cunha e Pinto também adotam um posicionamento que define a violência da seguinte maneira:

Qualquer ato, omissão ou conduta que serve para infligir sofrimentos físicos, sexuais ou mentais, direta ou indiretamente, por meios de enganos, ameaças, coações ou qualquer outro meio, a qualquer mulher e tendo por objetivo e como efeito intimidá-la, puni-la ou humilhá-la, ou mantê-la nos papeis estereotipados ligados ao seu sexo, ou recusar-lhe a dignidade humana, a autonomia sexual, a integridade física, moral, ou abalar a sua segurança pessoal, o seu amor próprio ou a sua personalidade, ou diminuir as suas capacidades físicas ou intelectuais. (Cunha e Pinto, 2008 p. 24)

Em busca de uma definição mais precisa, Dias (2015) afirma que, para compreender o conceito de violência doméstica, é indispensável a combinação dos artigos 5º e 7º da Lei Maria da Penha. Somente dessa forma é possível extrair o conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Primeiro define o que seja violência doméstica (5°): qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Depois estabelece seu campo de abrangência. A violência passa a ser doméstica quando praticada no âmbito da unidade doméstica; no âmbito da família; ou em qualquer relação íntima de afeto, independente da orientação sexual da vítima (Dias, 2015, p. 44)

É importante destacar que a lei enfatiza que a violência doméstica independe de coabitação ou da existência de relações sexuais. Portanto, considera-se violência doméstica qualquer situação que ocorra no ambiente familiar ou em qualquer relação íntima de afeto. Não se trata apenas de “discussões, insultos, puxões de cabelo ou tapas”, como é frequentemente pensado no senso comum.

Com o objetivo de eliminar quaisquer dúvidas sobre o que é considerado violência doméstica e familiar, a própria Lei detalha, em seu artigo 7º, todas as suas formas.

Ao comentar essas modalidades de violência, Filho (2007) afirma que a violência física é configurada por qualquer ato que afete a integridade física ou a saúde corporal da mulher, sendo a forma mais evidente por geralmente deixar marcas visíveis.

Cunha e Pinto (2008) apontam que a violência psicológica se manifesta por meio de ameaças, afetando a saúde mental e a autodeterminação da mulher. Esse tipo de agressão, apesar de muitas vezes sutil e menos perceptível, pode causar danos significativos tanto à saúde mental quanto física, já que não deixa marcas visíveis com facilidade.

O objetivo do agressor é submeter a mulher à sua vontade, sentindo a necessidade de controlá-la. Dessa forma, ele busca destruir sua autoestima, fazendo críticas constantes que a levam a acreditar que tudo o que faz está errado, que não entende nada, que não sabe se vestir ou se comportar socialmente. Ela é induzida a acreditar que não tem capacidade de cuidar da casa ou dos filhos. Além disso, acusações sobre seu desempenho sexual geram afastamento na intimidade e ameaças de abandono. (Dias, 2007)

Outra forma de violência prevista na Lei é a violência patrimonial, que, segundo Lima (2009), se caracteriza por qualquer conduta que envolva retenção, subtração ou destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, entre outros. Hermann (2007) acrescenta que essa forma de intimidação é frequentemente usada para manipular a liberdade da mulher, sendo mais comum em situações em que a vítima tenta romper o ciclo de violência.

Por fim, a violência moral, conforme previsto no artigo 7º da Lei 11.340/06, consiste em condutas que configurem calúnia, difamação ou injúria. Esse tipo de violência está intimamente ligado a outras formas, como a psicológica e até mesmo a física. (Brasil, 2006)

3.1 CICLO DA VIOLÊNCIA

A violência contra a mulher segue um padrão conhecido como o ciclo da violência. Esse termo foi adotado devido à recorrência de um comportamento repetitivo. A psicóloga americana Lenore Walker identificou esse padrão em seu estudo com 1500 mulheres. (Instituto Maria Da Penha, 2018).

Segundo Walker, a violência nas relações íntimas entre homens e mulheres passa por três etapas: a fase de acumulação de tensão, a explosão e a fase de “lua de mel”. (Data Senado, 2018).

A primeira fase:

(…) é marcada, em geral, por agressões verbais, provocações e discussões, que podem evoluir para incidentes de agressões físicas leves. Nessa fase, a despeito das tentativas de a mulher evitar a violência assumindo uma atitude submissa, a tensão vai aumentando até fugir ao controle e dar ensejo a uma agressão física grave, em um ataque de fúria, que caracteriza a fase de explosão. (Data Senado, 2018, p. 06)

Quando ocorre a explosão, já se está na segunda fase:

(…) a vítima chama a polícia, denuncia a violência na delegacia, ou foge para um abrigo. Contudo, a maioria das mulheres agredidas não procura ajuda durante este período, a menos que as lesões sofridas sejam tão graves que demandem cuidados médicos. Situação em que a vítima pode aguardar vários dias até pedir auxílio, se o fizer. (Data Senado, p. 06)

Após o ápice da violência, marcado por agressões e lesões, vem o momento de arrependimento por parte do agressor. Essa etapa é chamada de “lua de mel” pela psicóloga Lenore Walker, durante a qual o agressor começa a:

(…) ter um comportamento amoroso e gentil, tentando compensar a vítima pela agressão por ele perpetrada. É durante essa fase que a vitimização da mulher se completa, uma vez que, em alguns dias, ela passa de zangada, solitária, assustada e magoada, a um estado de ânimo mais alegre, confiante e amoroso. Data Senado, p. 06

Contudo, essa mudança de comportamento do agressor tende a desaparecer com o tempo, dando espaço a pequenos incidentes e agressões leves, reiniciando assim o ciclo, que passa novamente pela primeira e segunda fases. A característica principal desse ciclo é sua repetição, o que significa que ele pode se repetir várias vezes, com suas fases se estendendo ou encurtando, ou até mesmo culminando em homicídio. Segundo a psicóloga Lenore Walker, cada nova iteração do ciclo tende a tornar a fase de explosão mais violenta, “podendo levar ao assassinato da mulher pelo agressor. Outros desfechos trágicos também podem ocorrer, como a mulher em situação de violência cometer suicídio ou até mesmo matar seu agressor.” (Data Senado, 2018)

Nesse contexto, Berenice Dias faz um alerta importante: “Antes mesmo de o relacionamento se tornar abusivo, há sinais indicativos a serem observados: apego rápido, ciúmes excessivos, controle sobre o tempo, isolamento da família e dos amigos, uso de linguagem depreciativa, responsabilização da mulher e minimização dos abusos. A vulnerabilidade típica do enamoramento e da paixão pode se transformar em cegueira.” (Dias, 2015, p. 20).

Essa autora menciona alguns aspectos do comportamento do agressor. Para ela, o ciclo começa com o silêncio, seguido pela indiferença. Em seguida, surgem as reclamações, críticas e reprovações. Depois, vêm os castigos e punições. A violência psicológica evolui para a violência física, e os gritos se transformam em empurrões, tapas, socos e chutes, em uma escalada contínua. As agressões não se limitam à vítima em si; o agressor destrói seus objetos de valor e a humilha diante dos filhos, sabendo que esses são seus pontos mais vulneráveis e utilizando-os como “instrumentos de manipulação”, ameaçando maltratá-los. (Dias, 2015, p. 21)

É essencial reconhecer o início desse ciclo e, acima de tudo, compreender as sutilezas de suas manifestações, assim como as circunstâncias em que ocorrem, a fim de interromper o ciclo antes que ele se repita.

4. AS MEDIDAS PROTETIVAS DA LEI MARIA DA PENHA

          O propósito principal desta pesquisa é analisar a falta de eficácia das medidas protetivas, sendo essencial compreender sua natureza e aplicação teórica. Inicialmente, é crucial reconhecer que a doutrina considera as medidas protetivas como propostas significativas da Lei Maria da Penha. Sua importância reside na intervenção em casos em que as mulheres estão em risco iminente de violência ao entrar em contato com as autoridades policiais. Um ponto chave sobre essas medidas, conforme os artigos 18 ao 21, é que sua aplicação é responsabilidade do magistrado, que deve considerar celeridade e simplicidade, uma vez que não há um procedimento específico definido para seu processamento (Bruno, 2016).

    Bruno (2016) destaca que as medidas protetivas podem ser concedidas pelo magistrado mediante solicitação da vítima ou por requerimento do Ministério Público, conforme o caput do artigo 19 da Lei Maria da Penha. Essas medidas são temporárias e podem ser revogadas a qualquer momento, permitindo a substituição por outras mais apropriadas, considerando a proporcionalidade no caso específico, podendo até mesmo resultar na prisão preventiva do agressor, conforme o artigo 20 da lei.

         É importante observar que a Lei Maria da Penha busca afastar a conjuntura prisional do sistema penal. Nesse sentido, a aplicação da prisão provisória pelo regulamento diferencia esse contexto, uma vez que, nesse caso, a prisão é uma das medidas protetivas, ampliando as possibilidades de incidência das medidas cautelares.  Ávila oferece uma perspectiva valiosa sobre esse tema:

Estas medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor são, na realidade, novas alternativas à tradicional bipolaridade do sistema cautelar penal brasileiro, que conhecia apenas dois extremos: a prisão cautelar ou a liberdade provisória. A lei cria novas medidas cautelares intermediárias, que permitem uma resposta mais efetiva e menos violenta do Estado, para situações que, a princípio, não seriam hipóteses de decretação da prisão preventiva. (Ávila, 2007, p. 06)

      Portanto, a imposição da prisão preventiva é uma medida extraordinária que deve obedecer aos termos delineados nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal. Sua aplicação deve levar em conta o contexto de violência experimentado pela mulher, sendo a prisão a única opção viável para garantir a integridade dela. Nesse contexto, Lavigne e Perlingeiro ressaltam o seguinte:

Assim, por exemplo, quando se verifica a não-colaboração do indivíduo com a medida restritiva de direito imposta através de medida protetiva, sucessivamente descumprida, forma-se situação complexa na qual se configuram, por um lado, a necessidade de devida diligência estatal na proteção dos direitos da mulher (integridade pessoal e vida) e, por outro, a observância à mínima intervenção penal (liberdade). Nesta ponderação, não se pode desprezar a severidade da interferência estatal na privação de liberdade cautelar de alguém, mas tampouco se pode mitigar a gravidade do ato e seu potencial lesivo face aos direitos humanos de outra pessoa (mulher). Neste caso, justifica-se a privação de liberdade cautelar do sujeito pelo fato de representar ameaça ou perigo de dano a bem jurídico tutelado, 32 quando observada a excepcionalidade autorizadora dessa medida. (Lavigne e Perlingeiro, 2011, p. 300)

             É importante ressaltar que, de acordo com Ávila (2007), a natureza jurídica das medidas protetivas carece de uma definição clara na doutrina, podendo ser consideradas de ordem civil ou criminal. No entanto, prevalece a interpretação de que essas medidas devem ser compreendidas de maneira ampla para proporcionar maior proteção e garantia dos direitos fundamentais das mulheres que as solicitam.

           Como mencionado anteriormente, a Lei Maria da Penha traz uma inovação significativa no que diz respeito às medidas protetivas. Ao contrário de outros diplomas legais, esta lei prevê medidas que impõem obrigações tanto ao agressor quanto à vítima. O artigo 22 aborda as medidas que obrigam o agressor, incluindo a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, o afastamento do lar ou local de convivência, a proibição de contato com a vítima ou seus familiares, a restrição ou suspensão da visitação aos menores e a prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

            No que diz respeito aos detalhes dessas medidas, Belloque destaca o seguinte:

O elenco das medidas que obrigam o agressor foi elaborado pelo legislador a partir do conhecimento das atitudes comumente empregadas pelo autor da violência doméstica e familiar que paralisam a vítima ou dificultam em demasia a sua ação diante do cenário que se apresenta nesta forma de violência. Como a violência doméstica e familiar contra a mulher ocorre principalmente no interior do lar onde residem autor, vítima e demais integrantes da família, em especial crianças, é muito comum que o agressor se aproveite deste contexto de convivência e dos laços familiares para atemorizar a mulher, impedindo-a de noticiar a violência sofrida às autoridades. Este quadro contribui sobremaneira para a reiteração e a naturalização da violência, sentindo-se a mulher sem meios para interromper esta relação, aceitando muitas vezes o papel de vítima de violência doméstica para manter seu lar e seus filhos. (Belloque, 2011, p. 308)

        Sob outra perspectiva, as medidas que são diretamente destinadas à mulher são estipuladas no artigo 23 da Lei 11.340 de 2006. Estas medidas incluem várias formas de proteção e assistência para a vítima, visando garantir sua segurança e bem-estar. Primeiramente, a lei prevê o encaminhamento da vítima e de seus familiares a um programa de proteção, o que é essencial para assegurar a integridade física e psicológica daqueles que se encontram em situação de risco. Esses programas de proteção são fundamentais para criar um ambiente seguro e de apoio, longe das ameaças representadas pelo agressor. 

         Outro aspecto importante das medidas é o retorno da vítima ao seu domicílio após o afastamento do agressor. Essa disposição é crucial para restabelecer a normalidade na vida da vítima, permitindo que ela retome suas atividades cotidianas sem o medo constante de um novo ataque. O afastamento do agressor do lar é uma medida que busca eliminar o perigo imediato, proporcionando à vítima um espaço seguro para viver. 

        A lei também contempla a possibilidade de afastamento da vítima do lar, sem que isso prejudique seus direitos em relação aos bens, à guarda dos filhos e aos alimentos. Essa medida é especialmente relevante quando o retorno ao domicílio não é viável ou seguro, oferecendo à vítima uma alternativa que não comprometa seus direitos legais e patrimoniais. Assim, a vítima pode buscar abrigo em outro local, sem perder o acesso aos recursos necessários para sua subsistência e a de seus dependentes. 

           Por fim, a separação de corpos é uma medida que permite à vítima formalizar a separação do agressor, ainda que o divórcio não tenha sido oficializado. Essa medida é importante para garantir que a vítima não seja obrigada a conviver com o agressor enquanto os trâmites legais de uma eventual separação ou divórcio estão em andamento. A separação de corpos é um mecanismo legal que assegura a proteção da vítima, evitando o convívio forçado com o agressor, o que poderia agravar ainda mais a situação de violência. 

4.1 AS INEFICÁCIAS DAS MEDIDAS PROTETIVAS

Na maioria dos casos em que se pedem ou se concedem medidas de proteção devido à ocorrência de violência doméstica, as mulheres frequentemente não alcançam os resultados desejados, evidenciando a falta de eficácia dessas medidas. É fundamental entender que as medidas protetivas, devido à sua natureza de emergência que resulta em uma intervenção mais vigorosa por parte do Estado, têm a capacidade de interromper o ciclo de violência presente em várias relações afetivas dentro do ambiente doméstico. (Bruno, 2016)

Além disso, em muitos casos, as vítimas, motivadas por diversas razões, especialmente o medo, deixam de formalizar queixa contra seus agressores, resultando na impunidade destes e na continuidade das agressões. Contudo, mesmo quando as denúncias são feitas, em várias situações, as medidas protetivas não são concedidas ou não se mostram suficientes para interromper as agressões, o que permite que o agressor persista na prática dos atos de maneira recorrente. (Bruno, 2016)

           A interferência da vítima no fracasso das medidas protetivas ocorre frequentemente devido às particularidades associadas à violência doméstica. Segundo a autora, o elemento central desse tipo de violência é caracterizado pela sua rotinização, o que é crucial para a codependência e a permanência da mulher na relação. No que diz respeito aos pedidos de medidas protetivas, conforme estabelecido no artigo 18 da Lei Maria da Penha, estes devem ser submetidos ao juiz, que, ao recebê-los, tem um prazo de até 48 horas para decidir sobre a concessão ou não da medida. (Bruno, 2016)

            Quando possível, a decisão do magistrado pode encaminhar a vítima para o órgão que oferece assistência jurídica, realizando também a comunicação ao Ministério Público para que tome as providências necessárias. Vale ressaltar que não é necessário realizar audiência entre as partes para conceder as medidas, e a manifestação do Ministério Público não é obrigatória, de acordo com o artigo 19, parágrafo primeiro, da Lei 11.340 de 2006. (Bruno, 2016)

             A Lei 11.340 de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, apresenta complicações significativas relacionadas à competência judicial, conforme delineado no artigo 33. Este artigo estabelece que, na ausência de um Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as medidas protetivas devem ser encaminhadas à vara criminal. Essa diretriz cria uma situação em que o magistrado da vara criminal pode acumular as competências cível e criminal, o que não é ideal, considerando a especialização necessária para lidar com casos de violência doméstica. No entanto, há juízes criminais que se recusam a assumir essas medidas civis, alegando falta de competência, o que gera um vácuo na proteção efetiva das vítimas. (Brasil, 2006)

           Além das questões de competência, a fiscalização do cumprimento das medidas protetivas impostas aos agressores é outro ponto crítico. A legislação vigente é notoriamente vaga em relação aos mecanismos específicos para monitorar o cumprimento dessas medidas. A falta de clareza legislativa torna o controle sobre a execução das determinações judicialmente impostas extremamente complexo. Sem diretrizes claras e métodos padronizados de monitoramento, não há garantias de que o agressor manterá a distância da vítima ou cumprirá outras determinações estabelecidas pelas medidas protetivas. Esta falha legislativa e judicial foi destacada por Bruno e Cecília Roxo em 2016, que também sublinharam a complexidade da fiscalização dessas medidas e a consequente incerteza na proteção das vítimas. (Bruno, 2016)

              Essa situação reflete uma lacuna significativa na implementação da Lei Maria da Penha, uma vez que a proteção integral e efetiva das vítimas de violência doméstica depende não apenas da emissão de medidas protetivas, mas também de sua rigorosa fiscalização. A ausência de mecanismos claros e eficazes para garantir o cumprimento das medidas impostas aos agressores compromete a eficácia da lei e expõe as vítimas a riscos contínuos. Portanto, é imperativo que se busquem soluções legislativas e administrativas que possam suprir essas deficiências, garantindo que os juízes, sejam eles criminais ou de varas especializadas, tenham a capacidade e os recursos necessários para monitorar e assegurar o cumprimento das medidas protetivas. A melhoria da fiscalização e a clarificação das competências são passos essenciais para fortalecer a proteção oferecida pela Lei Maria da Penha e assegurar que ela cumpra seu objetivo de proteger as mulheres contra a violência doméstica e familiar. (Bruno, 2016)

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A violência doméstica contra mulheres ocorre em escala global e tem sido uma constante ao longo da história da humanidade, manifestando-se em todas as classes sociais, conforme o nível de desenvolvimento da sociedade em que se insere. Trata-se de uma questão complexa que exige a colaboração de diversos setores profissionais para ser efetivamente combatida.

No Brasil, em particular, essa violência está profundamente enraizada na estrutura social. Embora os recursos disponíveis sejam importantes, eles não constituem, por si só, a solução completa. Mesmo em países desenvolvidos, onde existem sistemas de assistência social e legislações rigorosas, a resposta à violência doméstica ainda é insuficiente.

Com a promulgação da Lei Maria da Penha, o Brasil deu um passo crucial na criminalização desse tipo de violência específica, que afeta as mulheres simplesmente pelo fato de serem mulheres. A legislação avançou ainda mais com a aprovação da Lei do Feminicídio em 2015. Portanto, apesar dos avanços trazidos pela Lei Maria da Penha, a aplicação das medidas protetivas de urgência tem se mostrado ineficaz em muitos casos. A principal falha reside na falta de fiscalização rigorosa, o que permite que agressores descumpram as ordens judiciais, colocando em risco a segurança das vítimas. A morosidade na concessão dessas medidas e a ausência de varas especializadas também dificultam o acesso à justiça em tempo adequado. Para que a Lei seja realmente efetiva, é essencial investir em fiscalização eficiente e melhorar a articulação entre os órgãos de segurança e justiça, garantindo proteção real às mulheres.

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1Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro. E-mail: c.neto15091999@gmail.com. ORCID: