A INDIVIDUALIZAÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA: UMA ANÁLISE EM TORNO DOS ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI NA COMARCA DE SENHOR DO BONFIM/BA

THE INDIVIDUALIZATION OF SOCIO-EDUCATIONAL MEASURE: AN ANALYSIS ON ADOLESCENTS IN CONFLICT WITH THE LAW IN THE COUNTY OF SENHOR DO BONFIM/BA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10251955


Luana Rodrigues Soares*;
João Lucas Lino Vasconcelos**.


RESUMO

O presente artigo apresenta um estudo sobre a individualização das medidas socioeducativas, com análise baseada em torno dos adolescentes em conflito com a lei na Comarca de Senhor do Bonfim/BA. Trata principalmente sobre a discricionariedade assegurada ao Juiz com a individualização das medidas socioeducativas instituída pelo ECA, tendo em vista que diferentemente do quanto estabelecido na individualização da pena do Direito Penal, o estatuto não dispõe de rol taxativo de critérios para sua aplicação, e por isso poderá vir repleta de concepções e vivências morais do juiz. Tem a finalidade de entender a real necessidade de medidas mais severas, como a internação, a despeito de medidas em meio aberto, levando em conta que devem ser analisadas caso a caso sob a ótica da proporcionalidade dos direitos constitucionais. Para tanto foram analisadas sentenças proferidas nos processos de 2018 a 2023  oriundos da Vara da infância e juventude da Comarca de Sr. Do Bonfim, demonstrando, por meio da metodologia exemplificativa, os critérios utilizados pelo magistrado. 

Palavras-chave: Adolescente Infrator; Individualização Judicial da Medida Socioeducativa; Medida Socioeducativa; Discricionariedade.

ABSTRACT

This article presents a study on the individualization of socio-educational measures, with analysis based on adolescents in conflict with the law in the District of Senhor do Bonfim/BA. It deals mainly with the discretion guaranteed to the Judge with the individualization of socio-educational measures established by the ECA, considering that, unlike what is established in the individualization of the penalty in Criminal Law, the statute does not have an exhaustive list of criteria for its application, and therefore may be full of the judge’s moral conceptions and experiences. Its purpose is to understand the real need for more severe measures, such as hospitalization, despite measures in an open environment, taking into account that they must be analyzed case by case from the perspective of the proportionality of constitutional rights. To this end, sentences from some cases originating from the Children and Youth Court of the District of Sr. Do Bonfim were analyzed, demonstrating, through exemplary methodology, the criteria used by the magistrate.

Keywords: Adolescent Offender; Judicial Individualization of Socio-educational Measures; Socio-educational Measure; Discretionality

1 INTRODUÇÃO

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA é a lei maior acerca do que tange a proteção integral a criança e ao adolescente e que visa primordialmente, além da proteção, o desenvolvimento desses instituindo diretrizes que reconhecem prioridade nacional ao tema.

A problemática em torno da discricionariedade assegurada ao Juiz com a individualização das medidas socioeducativas instituída pelo ECA, é um fato que poderá conferir subjetividade exacerbada no momento de sua aplicação, tendo em vista que poderá vir repleta de concepções próprias de suas vivências.

Assim, é necessário entender a real necessidade de medidas mais severas, como a internação, a despeito de medidas em meio aberto, levando em conta que devem ser analisadas caso a caso sob a ótica da proporcionalidade dos direitos constitucionais, bem como de legislação própria especial que trata do tema, como o Estatuto da Criança e do adolescente – ECA.

Para tanto, imprescindível que seja demonstrado quais são as medidas socioeducativas dispostas no ECA, examinando a importância da individualização na aplicação de cada medida socioeducativa, bem como também será realizada uma análise sobre o impacto da individualização da medida como direito humano e fundamental discorrendo sobre os princípios que as regem na execução.

Diante disso, esta pesquisa gira em torno da efetividade do critério de individualização das medidas socioeducativas instituídos pela ECA que, apesar de ter sido criado com o intuito de garantir ao adolescente melhores condições de ressocialização e respeito aos seus princípios basilares, demonstra fragilidade ao passo em que deixa a cargo do Juiz decidir, subjetivamente, a medida a ser aplicada.

Sendo assim, por entender que não pode ocorrer subjetividade indiscriminada do Juiz na elaboração do melhor convencimento objetivou-se identificar como são aplicadas e reavaliadas as medidas socioeducativas na Vara da Infância e Juventude da Comarca de Sr. do Bonfim.

Por fim, temos ainda o intuito de demonstrar a importância de Equipe multidisciplinar na elaboração de relatório sobre o adolescente infrator, e identificar se há individualização na aplicação das medidas socioeducativas ao adolescente infrator na Comarca de Sr. do Bonfim, de acordo com cada caso concreto.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A metodologia aplicada na pesquisa em comento além de basear-se em dados obtidos junto à Vara da Infância e Juventude da Comarca de Senhor do Bonfim, no intuito de analisar as sentenças proferidas a adolescentes, se baseará, também, quantos aos procedimentos técnicos, em artigos já publicados, livros e também materiais atualizados disponibilizados na internet.

Quanto à natureza, será realizada uma pesquisa básica, tendo em vista que pode gerar, segundo Matias (2016, p. 20), conhecimentos novos úteis para o avanço da ciência sem aplicação prática prevista.

Quanto à forma de abordagem do problema a pesquisa será qualitativa, já que segundo Matias (2016, p. 89) esse tipo de pesquisa “parte do entendimento de que existe uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números”.

Do ponto de vista dos objetivos a presente pesquisa será exploratória, uma vez que “pesquisa alguma parte da estaca zero, […], em um dado local, alguém ou um grupo, em algum lugar, já deve ter feito pesquisas iguais ou semelhantes, ou mesmo complementares de certos aspectos da pesquisa pretendida”. (Lakatos, 2021, p. 257)

Ademais, quanto aos procedimentos, como já dito, será centralizado na pesquisa bibliográfica e também documental, onde com a primeira será feito estudo aprofundado em livros, artigos científicos e sites e, em análise da segunda serão analisadas as sentenças proferidas entre os anos de 2018 a 2023 pelo Juízo da infância e Juventude da Comarca de Senhor do Bonfim em torno do tema proposto.

3 O DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NA PRÁTICA DO ATO INFRACIONAL E SEU PROCESSO HISTÓRICO

A Constituição Federal de 1988 (CF/88) e o Estatuto da Criança e do adolescente (ECA) segundo Brasil (CNJ, 2021, p 14), “instituíram a Doutrina da Proteção Integral das crianças e dos adolescentes”, onde trouxeram a tentativa de quebra de paradigmas arraigados desde o Século XIX, que estereotipavam crianças e adolescentes que viviam em situação irregular, como vulneráveis e, por isso necessitavam de controle social. (Brasil, CNJ, 2021, p. 16)

Desde os primórdios do século XIX, crianças e adolescentes eram tratados de forma semelhante aos adultos, passando pelo paradigma menorista, com os chamados termos “menores infratores”, até os dias atuais com o instituto do ECA que trouxe a figura da criança e do adolescente como sujeitos de direitos. (Brasil, CNJ, 2021, p. 17)

Muito embora ainda esteja afincado na sociedade o pensamento discriminatório e punitivista de outrora, por exemplo, na utilização do termo “menor” para se referir a criança ou ao adolescente em conflito com a lei, será demonstrada a evolução do trato dispensado a esses, onde o foco no Código de Menores era o controle social, até os dias atuais com a instituição do ECA, que é uma lei que preserva o desenvolvimento social e pessoal dessas crianças e adolescentes.

Segundo Ochulacki (2016, p. 20), a ideia em torno das crianças e adolescentes não provém de muito tempo atrás, e esse reconhecimento propriamente dito nasceu socio-culturalmente a partir do Século XIX, ou Idade Moderna. 

Nesse período, o interesse predominante era, por exemplo, que:

a criança ainda impúbere estava precocemente envolvida com as lidas domésticas, agrárias e pastoris. Assim, a fase juvenil ficava espremida pelo compromisso profissional, bem como pelas decisões da própria existência. Desta forma, a busca do trabalho acabava por antecipar uma existência adulta. (Ochulacki, 2016, p. 20)

Percebe-se, no entanto, que mesmo com a ideia de reconhecimento do status de criança e adolescente, não havia uma diferenciação clara entre funções dos adultos e desses, que, apesar de ainda seguirem sob o “controle” dos adultos, o mais importante que seria a sua proteção integral, de modo que seus direitos fossem tão resguardados quanto os seus deveres, ainda não vigorava, ou seja, “o Estado nunca despertou nenhum interesse, mas sim, promulgou-se os códigos para “tratar” crianças e adolescentes tidos como infratores”. (Cavalcante, 2021, p. 75)

Tempos à frente, com a necessidade de garantir uma maior proteção à criança e ao adolescente, foi criado o Código de menores ou código de Melo matos, assim chamado fazendo alusão ao nome do “primeiro juiz de menores”. (Ochulacki, 2016, p. 23).

O Código de Menores assegurou assistência e proteção aos abandonados e delinquentes, estabeleceu regras para disciplinar a situação dos expostos, vedando aos delinquentes, menores de quatorze anos, a possibilidade de responder processo penal, estabeleceu a necessidade de os menores autores ou cúmplices de crime ou contravenção penal, portadores de deficiência física ou mental, receber tratamento apropriado, limitou em doze anos a idade mínima para o trabalho, proibindo trabalho noturno aos menos de dezoito anos. (Ochulacki, 2016, p. 24)

Através do contemplado acima, é explicita a forma preconceituosa como as crianças e adolescentes eram abordadas no Código de Menores, sendo aí onde a “menoridade” apareceu ainda como sinônimo de pobreza e junto a isso de criminalidade. Cabe ressaltar que, esse termo “menor” era a forma com que as crianças de família pobre eram tratadas, como possíveis delinquentes, onde o Estado deveria atuar nesses de modo a controla-los socialmente, enquanto que os filhos dos “ricos” eram simplesmente tratados como crianças.

Foi a partir dessa época que se constituiu o “menorismo”, termo muito marcante utilizado durante toda a vigência do Código de Menores, e que dura até os dias atuais com a definição de pobreza e marginalidade como sendo, praticamente, sinônimos, pois vem de uma ideia estrutural que “definia situação irregular todos aqueles em que fosse constatada manifesta incapacidade dos pais para mantê-los, não diferenciando entre infratores, abandonado ou órfãos, os quais eram objeto de intervenção do estado sem limites e de forma discricionária.” (Ochulacki, 2016, pg. 27).

Como podemos ver, apesar de o Código de Menores ter sido idealizado de forma a se diferenciar do anteriormente vivido na idade moderna, que era um modelo de caráter penal indiferenciado, onde os menores de idade eram punidos de forma semelhante aos adultos, distinguido por seu “caráter tutelar” […], “esse movimento não rompeu totalmente com o que já vinha sendo praticado, possuindo um viés explicitamente correcionalista”. (Brasil, CNJ, 2021, p. 15)

Ou seja, tal código categorizou as diversas “facetas” dos “menores” como forma de melhor controle social, principalmente dos abandonados e infratores, mais uma vez demonstrando que o problema da marginalização estava na pobreza, assim, de modo a inibir o comportamento “delinquente” daqueles que andavam abandonados nas ruas, coibindo, desta forma, a prática de atos infracionais.

Neste mesmo período de vigência do Código de Menores, de 1927 a 1979, foi implementada a “política nacional de bem-estar do menor” (Lei Federal nº 4.513, de 1964) e criada a Fundação Nacional de Bem-estar do Menor (Funabem), com suas representantes em cada estado (as Febens).

Sobre essa instituição, o Manual resolução do CNJ 367/2021 aponta que, 

Além de tutelar, baseava-se no pressuposto da incapacidade total da infância. Apesar de se dizer protetivo, dispensava um tratamento seletivo aos adolescentes: aplicava o direito de família e as normas do Código Civil aos que possuíam acesso a direitos; as “leis menoristas”, em contrapartida, eram aplicadas àqueles que não tivessem tal acesso, seja por omissão da família ou do Estado – os chamados “menores em situação irregular. (Brasil, CNJ, 2021, p. 15)

A institucionalização era algo inevitável para aqueles que não dispusessem de meios dignos de sobrevivência, e que, de algum modo, fossem categorizados como “abandonados e/ou delinquentes”. Cabendo ressaltar, que não havia diferenciação de local para esses “menores”, pois aqueles que praticavam atos infracionais, ficavam junto daqueles que estavam ali apenas por estarem à margem da sociedade, a dita pobreza, à mercê do abandono e preconceito da sociedade.

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Brasil, 1988, Art. 227)

Assim se inicia a construção da doutrina de proteção integral no Brasil, com a Constituição Cidadã, documento que instituiu princípios constitucionais que visam assegurar direitos as crianças e adolescentes e que o dever de os assegurar é de responsabilidade de todos, quais sejam: Estado, famílias e sociedade.

Posteriormente, com o advento do Estatuto da Criança e do adolescente – ECA, bem como também o advento das normativas relacionadas ao Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – Sinase, “consolidou-se um modelo garantista, baseado na ideia da proteção integral”. (Brasil, CNJ, 2021, p. 18)

Como um dos grandes avanços do ECA, e, retomando as diferenças entre o Código de Menores e o ECA, “apontamos o fato de que ele não se restringe mais a uma infância de menores abandonados ou desprovidos socialmente. O ECA passa a ser uma lei universal, uma lei que rege todas as crianças e adolescentes brasileiros. Portanto, para se ter acesso aos direitos das crianças e do adolescente, basta apenas ser uma criança ou adolescente, independentemente de sua classe social, sem nenhuma restrição, contrariamente ao Código de Menores, que servia apenas para uma infância menorizada. (Mocelin, 2016, p. 25).

Dessa maneira, as crianças e adolescentes vulneráveis socialmente que antes da promulgação da Constituição Federal eram tratados como marginais, após a doutrina da proteção integral, instituída pelo ECA, independentemente de sua classe social, se tornaram sujeitos de direitos, porém ainda hoje “albergam uma espécie de ranço, quando se ouve dizer: ‘ele é de menor’ (Nucci, 2020, p.32)

No tocante a responsabilização dos adolescentes que cometem atos infracionais, o Estatuto da Criança e do adolescente – ECA, dispõe em seu Art. 112 a aplicação de Medidas Socioeducativas a esses adolescentes, cabendo ressaltar que essas medidas não terão caráter punitivo, mas sim de reeducar esses adolescentes para que sejam reinseridos na sociedade.

Sobre a definição de Medidas Socioeducativas, o Ministério do desenvolvimento Social em cartilha, vem exemplificar dizendo que:

Quando uma pessoa faz alguma coisa que é contra a lei (como roubar, matar, furtar, etc.) e essa pessoa tem entre 12 e 18 anos, ao invés de ir para uma prisão e receber uma pena (como no caso dos adultos), ela vai receber uma medida socioeducativa, que mesmo sendo uma resposta da sociedade à infração cometida, tem o objetivo de ajudar a refletir sobre o ato que se envolveu e pensar sobre possibilidades para o futuro. (Brasília, 2018, p. 4)

A lista de medidas socioeducativas que podem ser aplicadas aos adolescentes são: advertência, obrigação de reparar o dano, liberdade assistida, prestação de serviços à comunidade, semiliberdade e internação. Medidas protetivas também podem ser aplicadas ao adolescente autor de ato infracional, cumuladas ou não com medidas socioeducativas.

As medidas de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade são tratadas como medidas em meio aberto e as medidas de internação e semiliberdade são tratadas como medidas em meio fechado. 

A medida de advertência consiste em o Juiz chamar a atenção, orientar e alertar o adolescente e sua família sobre o ato infracional cometido, de modo a que não volte a reiterar no ato. Acontece em audiência específica para este fim e tudo será reduzido a termo, assim como, também, a medida de Obrigação de reparar o dano, entretanto, diferente da anterior, essa medida só se exaure após realizado, pelo adolescente, o cumprimento da reparação do dano de cunho patrimonial.

Como dito acima, existem ainda medidas específicas de cumprimento em meio aberto ou Medidas não privativas de liberdade, onde conforme leciona, Ochulacki (2016, p. 57),

As medidas socioeducativas não privativas de liberdade estão elencadas no artigo 112 do ECA, cuja medida decorre do princípio da excepcionalidade, que é de que o adolescente, autor do delito, receba a imposição de uma medida não privativa de liberdade, de meio aberto. As medidas aplicadas em meio aberto visam ao atendimento de adolescentes em prestação de serviços à comunidade e em liberdade assistida, permitindo ainda, a inclusão em algum programa protetivo disponíveis na comunidade. 

Neste âmbito, temos as medidas de prestação de serviços à comunidade, onde o juiz, em audiência, determina período não excedente a seis meses, para que o adolescente cumpra medida de prestação de serviços à comunidade, gratuita, em algum órgão indicado pelo município, visando reinserir o adolescente em seu meio social de modo que esse venha a repensar seu lugar na sociedade, bem como ser humano dotado de direitos e deveres.

Ainda sobre medidas em meio aberto, a medida de liberdade assistida, segundo o art. 118 do ECA, “será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente”. Neste caso, o adolescente será acompanhado mais de perto por equipe multidisciplinar da Assistência Social do município, por um período, como forma de evitar que esse jovem volte a cometer ato infracional, podendo a medida ser a qualquer tempo revogada ou substituída por outra.

Em relação as Medidas socioeducativas privativas de liberdade ou Medidas em meio fechado, o Manual de Resolução CNJ 367/2021, preleciona que,

Já as medidas de semiliberdade e de internação são consideradas mais gravosas, pelo grau de interferência na esfera de liberdade individual das pessoas menores de 18 anos. Assim, devem ser aplicadas levando em consideração a capacidade dos adolescentes em cumpri-las, bem como as circunstâncias e a gravidade da infração. O Sinase determina explicitamente que, em nenhuma hipótese, será aplicada medida de internação se houver outra medida mais adequada, ema tenção ao princípio da excepcionalidade. (Brasil, CNJ, 2021, p 21)

Os objetivos dessas medidas socioeducativas, são elencados na Lei 12.594 de 18 de janeiro de 2012 – Sinase, conforme a seguir:

I – a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; II – a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento; e III – a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei. (Brasil, 2012, Art. 1º, §2º, inciso I)

Para melhor conceituar o que seria Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo -Sinase, Oliveira, (2022, p. 16), explica que, foi criado para “regularização da aplicação das medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990”.

Além disso, o Sinase é o responsável por regulamentar a aplicação das Medidas socioeducativas e, inclusive, em seu art. 35 ficaram estabelecidos os princípios norteadores da execução dessas, quais sejam: legalidade, excepcionalidade da intervenção judicial, prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas, proporcionalidade, brevidade da medida em resposta ao ato, individualização, mínima intervenção, não discriminação do adolescente, e fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

Seguindo o fundamento de que princípios são conjuntos de normas a serem seguidos, cada um dos citados acima, elencam as normas que os operadores do direito devem acatar quando da aplicação de determinada medida a um adolescente infrator específico. 

Sob o enfoque da legalidade, precisamos analisar à luz da proteção integral da criança e do adolescente, “o fato de definir a relação entre sujeitos de direitos e o sujeito em condição peculiar de desenvolvimento. Isso significa que, para cada fase de desenvolvimento (criança, adolescente, jovem), os direitos e deveres aplicam-se de forma diferente”. (Mocelin, 2016, p. 24).

Segundo o Manual Resolução CNJ nº 367/2021, o princípio da excepcionalidade, juntamente com “os princípios gerais do devido processo legal, do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e da brevidade, previstos no art. 227 da Constituição Federal”, nortearão a aplicação da medida de internação que deve ser aplicada, apenas, quando não houver outra medida mais adequada. (Brasil, CNJ, 2021, p. 22)

A fim de minimizar os efeitos degradantes de uma medida de privação de liberdade, deve-se dar prioridade a medidas que sejam restaurativas, do ponto de vista pedagógico e não retributivo, ou seja, não deve ser considerada apenas como forma de mostrar ao adolescente o caráter negativo do ato cometido de modo que este “pague” pelo que fez, afastando-o da família, da sociedade, até porque “o tempo do adolescente é outro, ou seja, proporcionalmente, o período de sanção imposto do adolescente tem maior representação em sua vida do que aquele imposto ao adulto”. (Brasil, CNJ, 2021, p. 23)

Logo, para que sejam, de fato, efetivas, as medidas socioeducativas, devem ser restaurativas e breves, a fim de que os efeitos socioeducativos sejam mais evidentes do que os efeitos negativos que a privação de liberdade, por exemplo, traria a esse adolescente. Nesse sentido, temos ainda o princípio da proporcionalidade que reza sobre a proporção da medida aplicada em relação à ofensa cometida, e ainda o da mínima intervenção.

Demandamos, ainda, explanar sobre dois princípios tão importantes e essenciais quanto os princípios acima elencados, os princípios da não discriminação do adolescente, onde o próprio enunciado já deixa claro seu intuito, no que cerne a questão de raça, gênero, classe social, dentre outras minorias a que faça parte, bem como o princípio do fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo, no que diz respeito a ser “um componente que deve atravessar todo o atendimento socioeducativo”. (Brasil, CNJ, 2021)

Enfim, adentraremos ao princípio da individualização, que é o princípio balizador da presente pesquisa, princípio este previsto como individualização da pena na Constituição Federal de 1988, enquanto que na Lei nº 12.594 de 2012 (Sinase) se estende como garantia a adolescentes, no intuito de individualizar a aplicação da medida socioeducativa, “considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente”. (Brasil, 2012)

3.1 INDIVIDUALIZAÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA: ANÁLISE SOB A ÓTICA DO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

Todo ser humano, sejam eles adultos, crianças ou adolescentes são dotados de direitos fundamentais garantidos constitucionalmente. De certo que, às crianças e aos adolescentes foram editadas normas específicas especiais, elencadas no ECA e no Sinase que resguardam seus direitos e elencam as medidas socioeducativas e/ou protetivas a que serão submetidas em casos de cometimento de ato infracional.

Acerca da individualização da pena, a Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XLVI, “define que cabe à lei estabelecer quais critérios nortearão o juiz na aplicação de penalidades aos condenados por um crime”.

Conforme contribui Oliveira (2022, p. 62),

O direito à individualização da pena encontra-se no artigo 5º, inciso XLVI da Constituição Federal de 1988, e nos interessa nesta pesquisa seu conceito judicial, ou seja, a forma exata como o juiz aplica a sua discricionariedade na fixação da medida socioeducativa. Para os adultos, a lei determina o que é crime e estabelece a punição, contudo, há vários critérios legais utilizados pelo magistrado para delimitar a dosimetria.

No que tange ao princípio da individualização da Medida socioeducativa, Nucci (2020, p. 459), afirma que é:

similar ao princípio constitucional da individualização da pena, cuja finalidade é evitar a pena padronizada, que afronta qualquer lógica de justiça, estabelece-se, neste dispositivo, o mesmo ideal. Cabe ao magistrado individualizar a aplicação da medida socioeducativa para que se adapte, com perfeição, ao caso concreto – e não se faça uma escolha no campo teórico. Aliás, teorizar no campo infantojuvenil, com todos os dramas familiares e sociais enfrentados por crianças e adolescentes, acarreta mais problemas práticos do que os solucionam. Portanto, há três elementos apontados para a consideração do julgador, embora possam levar em conta outros fatores pessoais: a) capacidade de cumprimento; b) circunstâncias da infração; c) gravidade da infração.

Outrossim, foi demonstrado brevemente a aplicação da pena, mais especificamente sobre a sua individualização, princípio constitucional que rege a aplicação no direito penal, onde verificamos que, de acordo com critérios pré-estabelecidos o Juiz fundamentará suas decisões de forma objetiva evitando que suas convicções se sobreponham aos critérios legais, muito embora segundo Souza, Albuquerque e Aboin (2019, p. 3), “a socio-educação tornou-se uma ferramenta à serviço da punitividade estatal, que, além de atribuir-lhes a qualidade de sujeitos perigosos, com a conivência das normas jurídicas brasileiras, retirou-lhes direitos”. 

Como já citado, em um passado não muito distante, crianças e adolescentes estavam sob uma doutrina de situação irregular onde segundo Mocelin (2016, p. 23), havia a “proteção para os abandonados e carentes e vigilância para os infratores”, diferente do que ocorre atualmente, visto que são regidos por uma doutrina da proteção integral, onde são tratados como sujeitos de direitos.

O artigo 5ª da Constituição Federal de 1988 especifica diversas garantias do adulto acusado de crime e, embora não se tenha expressamente utilizado o termo criança ou adolescente neste trecho, é consequente estender esses direitos também ao adolescente que pode cumprir medida socioeducativa, a partir do reconhecimento da criança e do adolescente enquanto sujeito. (Oliveira, 2022, p. 58)

Ainda sobre o tema, Oliveira (2022, p. 58), acrescenta que, 

O adolescente é reconhecido como titular de direitos fundamentais, na própria Constituição Federal de 1988 (Art. 227) e no Estatuto da Criança e do Adolescente, por isso os comandos do artigo 5º, relacionados à responsabilização por um ato ilícito e limitações à pena, devem também servir de parâmetro para a aplicação de medidas socioeducativas. 

Pois bem, além dos dois dispositivos (CF/88 e ECA) ensejarem a necessidade de garantias que permeiem a dignidade da pessoa humana e o devido processo legal entendemos que há ainda uma similaridade entre a aplicação da pena no Direito Penal e a aplicação das Medidas socioeducativas no ECA, primeiramente em relação ao caráter e finalidade da pena. 

Embora as sistemáticas sejam diferentes, a lógica da proporcionalidade da gravidade do ato praticado em relação à resposta estatal é a mesma, sem os critérios objetivos do Direito Penal. Quanto mais grave o ato do adolescente, ou quanto maior a reiteração da prática delitiva, mais grave será a medida aplicada. Sendo que a medida é mais grave conforme a intervenção estatal, sendo as de meio aberto menos graves que as de meio fechado. O caráter retributivo do sistema socioeducativo e a semelhança com o sistema penal compõem o abismo entre o discurso e a prática, sendo a indiferença quanto a essa realidade um risco para os direitos fundamentais do adolescente. (Oliveira 2022, p. 54)

Ademais, também, no que tange à individualização da pena ao passo em que no Direito Penal o legislador definiu em seu art. 59, critérios objetivos para a aplicação da pena, como culpabilidade; antecedentes; conduta social; personalidade do agente; motivos; circunstâncias, consequências do crime; e comportamento da vítima., na aplicação de medidas socioeducativas à adolescentes verificamos uma lacuna em relação à primeira, tendo em vista que apesar de a individualização ser um direito fundamental estabelecido também no ECA, aqui a discricionaridade do sistema socioeducativo assume um caráter extremamente subjetivo no momento de identificar violação de direitos.

Com base nesta discricionariedade do julgador será abordado a seguir sobre o princípio do livre convencimento motivado do juiz, como forma de entender a legalidade em torno do arbítrio que lhe é dado, em especial na elaboração de decisões e sentenças no âmbito relacionado a adolescentes infratores.

3.2 PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ

Acerca do quanto narrado no tópico anterior, a discricionariedade do juiz, pode se justificar, em parte, tendo em vista que no direito processual existe o princípio do livre convencimento motivado do Juiz, onde juntamente com os motivos de fatos e de direito, sendo eles as provas oriundas dos autos, utilizará ainda o seu livre convencimento, porém como o nome já diz, deverá ser de forma motivada, isto porque “ o livre convencimento não é porta aberta para dizer o que se quer, ou decidir conforme a sua consciência, como se o juiz fosse o proprietário dos significados. (Santos, 2019, p. 11)

Temos aqui mais uma contraposição entre a aplicação da pena no direito penal e a aplicação de medidas socioeducativas a adolescentes. Outra vez, verifica-se que o legislador entusiasmado com a ideia de “proteção integral” divagou sobre a ideia de desnecessidade de fixar parâmetros para o juiz da infância e juventude utilizar-se quando da elaboração de sentenças.

Esse critério “diferenciado” do direito penal em relação a aplicação de medidas socioeducativas, desobriga o juiz de valorar sua decisão seguindo critérios que sejam ligados a uma motivação lógica e racional aplicável no caso em concreto, como o faz em sede de direito penal.

Verifica-se, então, que o princípio do livre convencimento motivado é utilizado de forma concreta apenas no direito penal, posto que são taxativos os critérios para aplicação da pena, enquanto que no direito da infância e juventude o convencimento é também livre, porém totalmente sem motivação objetiva, poucos destes presentes apenas no art. 122 do ECA, a enumeração de algumas circunstâncias cabíveis para aplicação da medida de internação.

Tais critérios, conforme supracitado, tratam sobre o ato infracional ter sido praticado mediante grave ameaça; por ter cometido por adolescente que reiterou outras infrações graves; e/ou por descumprimento reiterado e injustificável de medidas anteriormente impostas, ressalvando em seu § 2º o fato de que a internação deve ser imposta apenas em caso de não haver outra medida mais adequada.

Conforme aludido, esses parâmetros são estabelecidos no âmbito de determinação de medida de internação, que é a medida mais gravosa estabelecida como sansão ao adolescente que comete ato infracional considerado grave. Para as demais medidas, a subjetividade fica ainda mais evidente, tendo em vista que o ECA não estabeleceu rol taxativo ou pelo menos exemplificativo das situações em que poderiam ser aplicadas.

3.3 INDIVIDUALIZAÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA NA COMARCA DE SENHOR DO BONFIM

É na sentença que são demonstrados os critérios utilizados pelo magistrado para aplicação da pena ou de medidas socioeducativas. É neste momento que se deve alcançar o equilíbrio entre a verdadeira efetivação dos direitos fundamentais de cada indivíduo e a aplicação da lei enquanto instituto preventivo especial.

Especificamente ao que tange ao direito da criança e do adolescente esses critérios são demasiadamente subjetivos e discricionários, tendo em vista que segundo Medeiros (2019, p. 264) “a lei vigente não estabeleceu um autêntico sistema de determinação legal de aplicação de medidas”, ressalvando a internação que possui uma regulação mais esmiudada.  

No momento da individualização da sanção, por exemplo, como os limites “soam” abstratos, não há como especificar com clareza a quantidade de tempo de duração de cada medida de acordo com cada de tipo de ato infracional. Assim, muitas indagações surgem acerca de como esses critérios são aplicados na prática, por exemplo: o que é relevante no momento de elaboração da sentença que decreta internação? São aplicados os princípios da excepcionalidade e proporcionalidade? Quais os fundamentos e elementos da individualização mais utilizados para responsabilizar o adolescente pelo ato infracional cometido? Os relatórios técnicos tem parcela de importância no ato de aplicação da sanção?

Em realidade, não é nada fácil analisar essas questões em torno do que vemos nas bibliografias e legislação existentes, por isso foram realizadas pesquisas nos processos referentes a ato infracional, na Vara Criminal da Comarca de Sr. Do Bonfim que acumula a matéria que dispõe sobre os processos da infância e da juventude, visto que, em que pese tenha previsão de instalação de Vara específica, a mesma ainda não foi devidamente implantada. É sabido que a medida de internação é providencia extrema, devendo ser aplicada apenas quando tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça a pessoa, reiteração no cometimento de outras infrações graves ou pelo descumprimento reiterado de imposições anteriores, nos termos do art. 122, §2 º do ECA.

Neste âmbito não verificamos grande incidência de atos na Comarca, que apesar de ser uma cidade de porte médio não apresenta casos mais graves em excesso e sim, de forma isolada.

Por outro lado, a grande incidência de procedimentos sem sequer ter tido uma audiência de apresentação, demonstra a fragilidade de atuação da comarca frente à matéria correlata à infância, pois é notória a falta de prioridade em detrimento dos processos criminais, tendo ainda como agravante o fato de que a Vara Criminal está sem Juiz titular há mais de 02 (dois) anos, e os Juízes substitutos que auxiliam precisam dar conta da demanda criminal que envolve réus presos, antes de qualquer outra demanda menos urgente, exceto quando há caso grave envolvendo adolescentes.

Doutra banda, importante esclarecer que os poucos casos em que se observou a aplicação de medida de internação, seja ela provisória ou definitiva, os argumentos apresentados estiveram de forma tênue entre a proporcionalidade e a discricionariedade, pois como já constatamos não há no dispositivo específico regras especiais para atos de extrema gravidade, nem tampouco causas de aumento, ou diminuição do tempo de internação, tendo em vista idade, circunstância fática e etc., ficando, assim, a decisão final norteada em boa parte pelo livre convencimento motivado do juiz.

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Foram analisados os processos de atos infracionais referentes ao período correspondente entre 2018 a 2023, onde destes verificamos que apenas um teve sentença que aplicou ao final da instrução e julgamento a medida de internação definitiva, o qual foi o foco da pesquisa. Inclusive, dos 60 processos analisados 34 tiveram sequer audiência de apresentação, que é o primeiro ato após o recebimento da representação.

As infrações cometidas identificadas foram diversificadas, sendo que os atos infracionais análogos aos crimes de tráfico de drogas e roubo tiveram maior incidência, vindo em seguida com estupro, porte ilegal de armas e crime contra a vida, e, por último, infrações do tipo furto e lesão corporal. 

Insta salientar a incidência de adolescentes falecidos, onde dos 60 processos analisados, 6,67% dos adolescentes infratores tiveram suas vidas ceifadas oriundos de assassinatos, com autoria desconhecida.

Outrossim, dos 60 processos analisados, apenas quatro tiveram medidas de internação decretadas, onde três desses foram de internação provisória inicialmente, e na instrução e julgamento foram beneficiados com a desinternação, tendo em vista a falta de juntada dos laudos necessários para comprovação da materialidade delitiva, e assim, levando em consideração que segundo o art. 183 do ECA, “o prazo máximo e improrrogável para a conclusão do procedimento, estando o adolescente internado provisoriamente, será de quarenta e cinco dias” e o prazo já estava praticamente vencido, não teria mais a possibilidade do adolescente aguardar a sentença internado.

Cabe ressaltar que esses três processos, após a desinternação, ainda não foram devidamente julgados, e, considerando que os adolescentes à época dos fatos tinham 16 e 18 anos, respectivamente, é correto afirmar que quando, enfim, tiverem a oportunidade de serem julgados, terão a pretensão punitiva estatal extinta com arrimo no artigo 2º, parágrafo único e artigo 121, § 5º, ambos da Lei 8069/1990.

Em relação ao único processo que teve a internação decretada como medida socioeducativa definitiva, antes mesmo de falar, precisamos relatar que foram desconsideradas as medidas de remissão, prestação de serviços à comunidade, advertência, liberdade assistida, levando em conta que o foco do trabalho versa sobre a medida de internação.

Em análise aos autos do processo acima indicado, devemos relatar que é um processo que trata de ato infracional análogo ao crime de homicídio qualificado, onde o adolescente teve sua internação provisória decretada em sede de audiência de apresentação onde ficou recolhido na Fundac/Salvador por 35 dias até a audiência de instrução e julgamento onde teve a decretação de internação definitiva por prazo não superior a 3 anos e que não ultrapassasse a idade máxima de 21 anos de idade, conforme determinado em lei.

Não obstante tenha sido citado o dispositivo legal a que se refere a internação, justificando a decretação da medida de internação, vislumbra-se no bojo da sentença discricionariedade exacerbada do magistrado no que tange a indicação de motivos subjetivos como questão familiar desajustada, ausência de comprovação escolar, domicílio incerto, informando que estes pontos seriam agravantes para que o adolescente, em caso de liberação, cometeria novas infrações.

Além do mais, justifica dizendo que a medida além de ter o intuito de ressocializar o adolescente, também o preserva da violência, e protege sua integridade e dignidade, com seu afastamento do mundo dos crimes. Em compensação, entendemos que foi cumprido o princípio da excepcionalidade na aplicação da medida de internação, haja vista a gravidade dos fatos, assim como também a proporcionalidade da medida, nos termos do art. 122, §2º do ECA.

Entretanto, conforme dito por Oliveira (2022, p. 81), 

As sentenças costumam mencionar o afastamento de más companhias como mais um ponto relevante na decisão pela internação, mas torna-se questionável se dentro de um ambiente onde se concentram adolescentes acusados de ato infracional, realmente acontece uma seleção de “boas companhias.

Sobre a individualização da medida socioeducativa, infelizmente como já bem abordado durante todo o trabalho, não existem critérios tão objetivos nessa matéria que possa individualizar taxativamente a sanção, assim os critérios ali utilizados foram meramente o de que o adolescente não tem a capacidade de ficar em sociedade atualmente, “pro seu próprio bem”, mas possui capacidade etária para cumprir a medida de internação.

Interessante demonstrar também, que a instituição onde o adolescente ficou internado elaborou relatório destrinchando todo o contexto familiar do adolescente, narrou ainda o bom comportamento deste na instituição enquanto estava internado provisoriamente, falou de histórico de vida, sonhos e futuro que esse declarou ter, porém ao final emitiu parecer inconclusivo onde quedou-se inerte no tocante a emitir qualquer opinião acerca da manutenção da medida de internação, em razão de terem ciência que o relatório não teria caráter vinculatório, em razão do Princípio do Livre Convencimento Motivado do Juiz.

Conforme entendimento consolidado no âmbito desta corte, a existência de relatório técnico favorável à progressão de medida socioeducativa não vincula o magistrado, que, em face do princípio do livre convencimento motivado, justificar a continuidade da internação do menos com base em outros dados e provas constantes dos autos. (STJ – HC 728 689)

Sobre esse tema, devemos ressaltar, mais um ponto sugestivo ao poder discricionário que os magistrados detêm no ato decisório, a ponto de a equipe multidisciplinar se abster da sugestão, já que não seria relevante ao desfecho do caso, entretanto importante ressaltar que agiram pautados na legalidade, nos termos do quanto explanado no HC supracitado.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As diversas garantias da proteção integral instituídas pelo ECA, foram mitigadas pelo próprio instituto quando este conferiu liberdade acentuada ao Juiz na aplicação de medidas socioeducativas, sem trazerem de forma específica como seria sua aplicação, com a justificativa de que essa autonomia seria importante em razão das peculiaridades de cada adolescente.

Conforme observado ao longo do artigo, nota-se que o princípio da individualização é legalmente sólido no Direito Penal no momento de individualização da pena, porém não adentramos ao mérito de quão efetivo este seria naquele instituto, muito embora saibamos que ao menos conta com um leque taxativo de critérios para que o Juiz decida pela pena mais adequada, onde a discricionariedade tende a ser menor diferentemente deste no âmbito infracional, que deixa a cargo do Juiz decidir deliberada e exacerbadamente baseando-se em critérios subjetivos e sucintos.

Entretanto, como verificar a capacidade de jovens em cumprir uma medida, bem como as circunstâncias e a gravidade da infração se o legislador deixou uma lacuna que, certamente, contribui para decisões arbitrárias do judiciário infringindo as garantias constitucionais de adolescentes em conflito com a lei, mesmo que de forma velada?

De certo modo, percebe-se como o direito do adolescente segue quase que estreitamente o mesmo caminho de um réu penal, porém com menos direitos “efetivos”, considerando a falta de critérios objetivos para a aplicação de medidas, a exemplo do verificado nos processos da comarca consultada onde mesmo com a quantidade ínfima de processos com medida de internação, foi possível observar que o entendimento visto nas literaturas e julgados examinados condizem com a realidade da comarca, constatando-se ainda que, raramente, os benefícios superam as possíveis injustiças.

Dessa forma, recomenda-se para trabalhos futuros um maior aprofundamento sobre a real efetividade da individualização das MSE, de modo a verificar se o mais prudente seria inserir ou modificar, em âmbito legislativo, critérios taxativos para individualizar cada medida, para que além de coibir o uso discricionário dos preceitos morais do julgador, possa também auxiliá-lo numa melhor apreciação, assim como no Direito Penal, como forma de evitar que um dispositivo que foi criado sob a égide de proteção integral seja revertido em uma ferramenta de punição indiscriminada. 

REFERÊNCIAS

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APÊNDICE A – RELAÇÃO DE PROCESSOS CONSULTADOS


* Estudante do Curso de Graduação em Direito da AGES (2019 a 2023). E-mail: lrsoares@tjba.jus.br
**Professor orientador: João Lucas Lino Vasconcelos