A INCONSTITUCIONALIDADE DO TABELAMENTO DOS DANOS EXTRAPATRIMONIAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: LIMITES VALORATIVOS FIXADOS PELA REFORMA TRABALHISTA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202504101618


Charles Veiga De Souza1


RESUMO

O presente artigo tem o objetivo de analisar o instituto do dano extrapatrimonial nas relações de trabalho. Com o advento da reforma trabalhista, por intermédio da Lei 13.467/17 alguns artigos foram incluídos na Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT e houve a exclusão da incidência das disposições do direito civil, ainda que eventualmente mais benéficas aos trabalhadores, violando a aplicação da norma mais favorável como princípio constitucional elencado no art. 7º da CRFB/88, além de infringir o princípio da vedação do retrocesso legal. Posteriormente o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o tabelamento das indenizações por danos morais trabalhistas previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) deverá ser observado pelo julgador como critério orientador de fundamentação da decisão judicial contrariando a própria decisão do Supremo que já havia declarado a inconstitucionalidade do tabelamento dos danos morais na lei de imprensa. Isso não impede, contudo, a fixação de condenação em quantia superior, desde que devidamente motivada. Além disso, é importante entender a evolução do direito trabalhista e frisar a necessidade da inclusão de leis justas que constitua um sistema protetivo de garantias e direitos com isonomia, respeitando os princípios estabelecidos em nossa constituição a fim de promover segurança jurídica em todas as decisões. Partindo dos fundamentos conceituais do princípio da proteção, nota-se que as alterações advindas da Lei mencionada trouxeram impactos negativos consideráveis no cotidiano das relações de trabalho e restrições aos direitos que foram assegurados ao longo de anos de luta. A abordagem dos posicionamentos de diversos doutrinadores possibilitará o aprofundamento do leitor neste assunto, permitindo maior embasamento sobre a abrangência e necessidade de se estimular a proteção ao trabalhador, levantando a hipótese da desvantagem econômica e social que alcança a Lei 13.467/2017 frente a maioria dos brasileiros e sua repercussão nacional. A metodologia utilizada baseou-se em estudo descritivo e explicativo desenvolvido de forma exploratória através de pesquisa bibliográfica, possibilitando ampliação do horizonte sobre o tema.

Palavras-chave: Dano moral. Reforma Trabalhista. Decisões. Responsabilidade Civil. STF.

ABSTRACT

This article aims to analyze the institution of non-pecuniary damages in labor relations. With the advent of the labor reform, through Law 13,467/17, some articles were included in the Consolidation of Labor Laws – CLT and the application of civil law provisions was excluded, even if they were potentially more beneficial to workers, violating the application of the most favorable rule as a constitutional principle listed in art. 7º of the CRFB/88, in addition to violating the principle of prohibition of legal regression. Subsequently, the Supreme Federal Court (STF) decided that the table of compensation for labor-related moral damages provided for in the Consolidation of Labor Laws (CLT) should be observed by the judge as a guiding criterion for justifying the judicial decision, contradicting the Supreme Court’s own decision that had already declared the unconstitutionality of the table of moral damages in the press law. This does not prevent, however, the setting of a higher amount of damages, as long as it is duly justified. Furthermore, it is important to understand the evolution of labor law and emphasize the need to include fair laws that constitute a protective system of guarantees and rights with equality, respecting the principles established in our constitution in order to promote legal certainty in all decisions. Based on the conceptual foundations of the principle of protection, it is noted that the changes resulting from the aforementioned Law have brought considerable negative impacts on the daily routine of labor relations and restrictions on rights that were ensured over years of struggle. The approach to the positions of various legal scholars will allow the reader to delve deeper into this subject, providing a greater basis for the scope and need to encourage worker protection, raising the hypothesis of the economic and social disadvantage that Law 13,467/2017 has for the majority of Brazilians and its national repercussions. The methodology used was based on a descriptive and explanatory study developed in an exploratory manner through bibliographic research, allowing for a broader horizon on the subject.

Keywords: Moral damages. Labor reform. Decisions. Civil Liability. STF.

1. INTRODUÇÃO

O Direito do Trabalho sob uma ótica evolutiva buscou caracterizar o trabalho como atividade digna onde a valorização do trabalhador deve prevalecer, perpetuando as conquistas relacionadas a melhores condições de trabalhos, recompensas, bem como obrigações para que não haja desvirtuamento acerca das responsabilidades previstas em normas. Temos o alcance da decretação da (CLT) Consolidação das Leis Trabalhistas, trazendo normas de grande relevância ao trabalho e a Constituição de 1988 que elencou o direito do trabalho como um direito social, fortificando então o princípio da proteção que visa evitar confrontos e desrespeito a estas normas trabalhistas, já que em casos concretos podem as vezes apontar prevalência para a parte que detém mais força na relação empregatícia.

A Reforma Trabalhista, aprovada pelo então presidente Michel Temer, resultou na Lei 13.467/2017, trazendo diversas discussões desde a sua concepção até a aplicação atualmente sobre as mudanças pertinentes às relações de emprego. Muito se debate sobre a necessidade de inovação das leis trabalhistas, já que a nossa principal fonte, a CLT, é datada do ano de 1943. Contudo, percebe-se que algumas alterações provocaram uma maior flexibilização das normas e princípios fundamentais ao trabalhador, na qual vamos nos ater ao princípio da proteção na seara trabalhista e os impactos promovidos pela referida lei.

Entre as modificações, se encontra a criação de capítulo específico para tratar sobre o dano extrapatrimonial, presente nos artigos 223-A a 223-G da CLT, que passaram a impor diversas balizas legais para as indenizações de danos morais. Foi introduzido na CLT os artigos 223-A e 223-G, parágrafos 1º, incisos I, II, III e IV,​ 2º e 3º, que utilizam como parâmetro para a indenização o último salário contratual do empregado e classificam as ofensas, com base na gravidade do dano causado (leve, média, grave ou gravíssima).

O tema chegou ao STF nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6050, de autoria da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra); 6069, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); e 6082, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI). O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o tabelamento das indenizações por danos extrapatrimonial ou danos morais trabalhistas previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) deverá ser observado pelo julgador como critério orientador de fundamentação da decisão judicial. Isso não impede, contudo, a fixação de condenação em quantia superior, desde que devidamente motivada. A decisão foi tomada na sessão virtual encerrada em 23/06/23.

Nesse ínterim, o presente estudo tem como objetivo geral de analisar o instituto do dano extrapatrimonial nas relações trabalhistas. E tem como objetivos específicos compreender a responsabilidade civil em casos de danos morais nas relações trabalhistas; verificar o impacto da reforma trabalhista no que tange aos danos extrapatrimoniais; relacionar a decisão proferida do STF em relação aos danos extrapatrimoniais, a lei trabalhista e princípios constitucionais.

Justifica-se o interesse pelo tema proposta pela necessidade de expansão do conhecimento sobre a nova fase vivida pela Justiça do Trabalho e por ser uma temática recorrente que requer posicionamento pacificado.

Nessa toada, traz a seguinte pergunta norteadora: Qual o impacto gerado pela decisão do STF frente aos danos extrapatrimoniais nas relações trabalhistas?

A metodologia desta pesquisa foi realizada quanto aos meios através de vasta pesquisa bibliográfica acerca do princípio da proteção no direito trabalhista à luz da reforma trabalhista. Fundamentou-se, portanto, na análise de artigos científicos, monografias, livros e notas, publicados e disponibilizados em meios impressos e digital por se tratar de tema atual e ter maior facilidade de acesso. Na internet, a busca foi feita em sites indexados por meio das informações das seguintes palavras-chaves: Direito do Trabalho. Lei 13.467/2017. Princípio da Proteção. Reforma Trabalhista. Trata-se de um estudo de natureza e abordagem qualitativa com finalidade descritiva e explicativa, pois não se busca quantificar, mensurando estatísticas, mas sim analisar o referido princípio frente à reforma trabalhista e seu alcance na vida dos trabalhadores, explicando todas as nuances do princípio resguardado constitucionalmente.

2. DA RESPONSABILIDADE CIVIL 

A responsabilidade civil possui origem na antiguidade onde se aplicava inicialmente o castigo como forma de responsabilidade (lei de talião) que também ficou conhecida pelo brocardo “olho por olho dente por dente”.

A lei de talião tem sua origem no código de Hamurabi, que foi criado na Babilônia esse código estabelecia justiça baseada na reciprocidade de ofensas e punições. Para TARTUCE (2024) a lei de talião foi repetida pelo código de Hamurabi no início do segundo milênio antes de Cristo, havendo e perpetuação da ideia de “vingança privada”.

Do ponto de vista histórico o código de Manu, da cultura hindu, apresentou uma evolução em relação ao código de Hamurabi, eis que trazia a previsão de multa ou indenização a favor do prejudicado. (TARTURCE,2024).

A palavra responsabilidade possui o sentido etimológico de obrigação, encargo ou contraprestação. Nas palavras de VENOSA (2013, p.13), “o termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato ou negócio danoso”, portanto, toda atividade humana pode gerar a obrigação de indenizar. Dessa maneira, continua o autor, “o estudo da responsabilidade civil abrange todo o conjunto de princípios e normas que regem a obrigação de indenizar.

O termo “responsabilidade” tem origem no verbo latino respondere, que, por sua vez, possui raízes na expressão spondeo, o qual o devedor ficava vinculado, de forma solene, nos contratos verbais do Direito Romano. Dessarte, o vocábulo “responsabilidade”, desde épocas remotas, já traduzia a ideia de dever, de encargo, de obrigação, cumprimento de uma contraprestação.

Conforme leciona SILVA(2018. p.25) a definição geral de responsabilidade civil, se fundamenta na culpa desde a promulgação do código napoleão, vigente a mais de 200 anos, e que possui influencia direta na responsabilidade civil. 

Não se tem na doutrina uma estaca monolítica do conceito de responsabilidade civil, ou seja, não se tem um conceito padrão. Neste termos, a doutrina de Caio Mário da Silva exara que:

[…] não chegam os autores a um acordo quando tentam enunciar o conceito de responsabilidade civil. Alguns incidem no defeito condenado pela lógica, de definir usando o esmo vocábulo a ser definido, e dizem que a “responsabilidade” consiste em “responder”, no que são criticados, com razão, por Aguiar Dias. Outros estabelecem na conceituação de responsabilidade a alusão a uma das causas do dever de reparação, atribuindo-a ao fato culposo do agente; outros, ainda, preferem não conceituar (SILVA, 2002, p.103)

Nessa toada, o ilustre René Savatier, citando Américo Luís Martins da SILVA, define responsabilidade como “a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam”.

Já a mestra Maria Helena Diniz (2002), define como “a aplicação de medidas que obrigam uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato que ela mesma praticou, por pessoa a quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou por simples imposição legal.  Portanto, é possível definir a responsabilidade civil como o conjunto de normas que obrigam o causador do dano a reparar o prejuízo causado a terceiro.

Nesse mesmo sentido Soares (2010, p. 147), com efeito, os valores consubstanciados pelos direitos humanos fundamentais levam à convicção de que o ser humano é ser digno de respeito por parte do outro ator social, pois respeitar o outro significa compreendê-lo enquanto coparticipante da vida comunitária. A dignidade do outro estará, portanto, sempre vinculado ao reconhecimento recíproco de que o ser humano não pode ser degradado ou coisificado, o que constitui a base da convivência humana em sociedade.

Por sua vez, Cavalieri (2012, p.27) acentua que o dever de indenizar que trata a responsabilidade civil nasce da violação de outro dever pré-existente e, portanto, originário. Nos termos do doutrinador: “é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário”. Por isso, diz que “toda conduta humana que, violando dever jurídico originário, causa prejuízo a outrem é fonte geradora de responsabilidade civil”.

A responsabilidade civil está prevista no artigo 189 do Código Civil Brasileiro o qual dispõe que a pessoa que, por ação ou omissão, ou, ainda, por negligência ou imprudência, violar direito a outrem e causar-lhe dano, ainda que tão somente de cunho moral, cometerá ato ilícito. Não bastasse, cometerá ato ilícito, também, o sujeito titular de um direito que, ao exercê-lo, exceder “os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (BRASIL, 2002). 

Deste modo, em outros termos, pode se dizer que a responsabilidade civil objetiva a não prejudicialidade daquele que segue a norma jurídica e o dever do infrator do direito reparar o dano causado.

Plácido e Silva (2010) traz também definição sobre o referido instituto:

Dever jurídico, em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão, que lhe seja imputado, para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legais, que lhe são impostas. Onde quer, portanto, que haja obrigação de fazer, dar ou não fazer alguma coisa, de ressarcir danos, de suportar sanções legais ou penalidades, há a responsabilidade, em virtude da qual se exige a satisfação ou o cumprimento da obrigação ou da sanção” (SILVA, 2010, p. 642).

Trata-se, portanto, de um dever jurídico sucessivo consequente à violação do primeiro. Importante observar que para haver a responsabilização civil devem obrigatoriamente se fazer presente os seus elementos que são o próprio ato danoso, independentemente se foi causado mediante dolo ou culpa, o prejuízo acarretado para alguém e o nexo de causalidade 

A responsabilidade civil objetiva ocorre quando não é necessário a comprovação da culpa, ou seja, prescinde da culpa. Nesse caso o dever de indenizar persiste, devendo somente que reste configurado o nexo causal daquela atividade com o objetivo atingido.

De modo diverso ocorre com a responsabilidade civil que se caracteriza na situação em que o agente causador de determinado dano em razão de dolo ou culpa cometeu ato ilícito e deve ser responsabilizado por tal ato, portanto a diferença da responsabilidade anterior reside do fato da necessidade de comprovação de dolo ou culpa nesse caso.

3. PRINCÍPIO DA ISONOMIA E IGUALDADE DE TRATAMENTO NO AMBIENTE LABORAL

O princípio da isonomia, consagrado na Carta Magna, estabelece que todos os indivíduos devem ser tratados de forma igual perante a lei, sem distinções de qualquer natureza. No contexto das relações de trabalho, esse princípio tem um papel crucial ao assegurar que todos os trabalhadores recebam um tratamento justo e equitativo, independentemente de suas diferenças pessoais, profissionais e salariais. A aplicação da isonomia no ambiente laboral implica na eliminação de práticas discriminatórias baseadas em raça, gênero, idade, orientação sexual, religião, deficiência ou qualquer outra condição que possa resultar em desigualdade de tratamento.

Segundo Montes, Santos e Araújo (2021), no ambiente de trabalho, a isonomia se traduz em políticas e práticas que promovem a igualdade de oportunidades. Isso inclui processos de recrutamento e seleção baseados em critérios objetivos e meritocráticos, sem qualquer tipo de preconceito ou discriminação. As empresas devem garantir que todos os candidatos e funcionários tenham as mesmas chances de acesso a vagas, promoções e capacitações, considerando apenas suas qualificações e competências. A transparência nos critérios de seleção e promoção é fundamental para assegurar a confiança dos trabalhadores no sistema e para prevenir injustiças e favoritismos.

Ainda segundo Montes, Santos e Araújo (2021), a igualdade de tratamento também se manifesta na necessidade de remuneração justa e equitativa. Todos os trabalhadores que desempenham funções equivalentes devem receber salários e benefícios proporcionais ao seu trabalho, independentemente de sua origem ou características pessoais. A prática de salários diferenciados para funções similares, baseada em discriminação, é uma violação direta do princípio da isonomia. As empresas devem estabelecer políticas salariais claras e justas, baseadas em critérios como a complexidade das tarefas, a responsabilidade envolvida e o desempenho dos funcionários.

DALLOSSI (2019) destaca que além da remuneração, a isonomia no ambiente de trabalho exige que todos os trabalhadores tenham acesso às mesmas condições de trabalho e benefícios. Isso inclui a igualdade no acesso a programas de capacitação, a utilização de instalações e equipamentos e a participação em atividades corporativas. As políticas de benefícios, como plano de saúde, seguro de vida e bônus, devem ser oferecidas de forma equitativa a todos os empregados. Qualquer disparidade nesses aspectos pode gerar um ambiente de trabalho desigual e desmotivador, comprometendo a coesão e a eficiência da equipe.

Destaca-se que a implementação do princípio da isonomia também envolve a criação de um ambiente de trabalho inclusivo e respeitoso. As empresas devem adotar políticas de diversidade e inclusão que promovam a integração de todos os funcionários, independentemente de suas diferenças. Isso inclui a conscientização e treinamento dos colaboradores sobre a importância da igualdade de tratamento e o combate a qualquer forma de discriminação e assédio. Um ambiente de trabalho inclusivo não apenas respeita os direitos dos trabalhadores, mas também contribui para um clima organizacional mais harmonioso e produtivo, onde todos se sentem valorizados e motivados a contribuir com o seu melhor.

Dessa forma, a aplicação do princípio da isonomia no ambiente laboral é um reflexo do compromisso das empresas com os valores de justiça e equidade. A igualdade de tratamento não é apenas uma obrigação legal, mas um imperativo ético que fortalece a coesão social e a sustentabilidade das organizações. Empresas que promovem a isonomia tendem a ser mais inovadoras, produtivas e resilientes, pois valorizam e potencializam o talento e a diversidade de todos os seus funcionários. Em última análise, a promoção da igualdade de tratamento no ambiente de trabalho contribui para a construção de uma sociedade mais justa e equilibrada, onde todos têm a oportunidade de alcançar seu pleno potencial

4. DANO EXTRAPATRIMONIAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

A Emenda Constitucional nº 45/2004 acrescentou, dentre outros, o inciso VI ao artigo 114, da Constituição Federal, o qual passou a ter a seguinte redação: 

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho.” Com a inserção do referido inciso, passou-se a afirmar que a competência para o processamento e julgamentos das ações indenizatórias de dano moral ou patrimonial, desde que decorrentes das relações de trabalho, pertence à Justiça Especializada do Trabalho, e não mais à Justiça Comum, pouco importando se a controvérsia comporta resolução à luz do Direito Comum, e não do Direito do Trabalho, alterando-se, portanto, o entendimento jurisprudencial até então dominante.

Com a inserção do referido inciso, passou-se a afirmar que a competência para o processamento e julgamentos das ações indenizatórias de dano moral ou patrimonial, desde que decorrentes das relações de trabalho, pertence à Justiça Especializada do Trabalho, e não mais à Justiça Comum, pouco importando se a controvérsia comporta resolução à luz do Direito Comum, e não do Direito do Trabalho, alterando-se, portanto, o entendimento jurisprudencial até então dominante.

Antes das alterações propostas pela Reforma Trabalhista, a indenização por dano moral, na Justiça do Trabalho, não possuía um parâmetro objetivo de fixação de valor, de forma que era pautada, apenas, por critérios subjetivos. Desse modo, é possível afirmar que, no modelo outrora vigente, não havia parâmetros ou limites normativos para estipular o valor da indenização por dano moral, ficando a cargo do intérprete a sua fixação, diante das diversas especificidades do caso concreto, o que, conforme será explicitado mais adiante, pode afetar a segurança jurídica. Todavia, a doutrina traz alguns apontamentos importantes, tais como o de Sebastião Geraldo de Oliveira, os quais ajudam a nortear a dosimetria dessa indenização.

O dano moral trata-se de dano extrapatrimonial mais comum nos litígios trabalhistas. O dano moral stricto sensu é aquele que fere a ética da pessoa, fere sua percepção de si mesma, ou ainda, fere percepção da sociedade em relação ao indivíduo que sofreu o dano. Na seara trabalhista pode ser evidenciado em situações que o empregador abusa do poder hierárquico, determinando revistas intimas ou cobranças vexatórias na presença de outros empregados, além do próprio dano decorrente do acidente de trabalho e em ricochete. A título de conceituação, entende a doutrina de Alexandre Agra Belmonte que o dano moral é lesão a Direitos da personalidade, dos quais a pessoa necessita para existir e viver uma vida digna. BELMONTE (2023. P. 130) “A melhor corrente categórica é aquela que conceitua os danos morais como lesão a direitos da personalidade, sendo essa a visão que prevalece na doutrina brasileira. Alerte-se que para a sua reparação não se requer a determinação de um preço para a dor ou o sofrimento, mas sim um meio para atenuar, em parte, as consequências do prejuízo imaterial, o que traz o conceito de lenitivo, derivativo ou sucedâneo. Por isso é que se utiliza a expressão reparação e não ressarcimento para os danos morais.”

Ademais, ressalta-se que a função compensatória da reparação por danos morais não guarda relação estreita e exclusiva de equivalência com o dano, tendo em vista seu caráter não-econômico, sendo, desse modo, impossível sua exata aferição, de forma que se leva em consideração o binômio necessidade da vítima e capacidade econômica do agente. Em relação à vítima, tem-se que a dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, previsto no art. 1º, III, CF/88, é o ponto central de sua personalidade, devendo, portanto, ser amplamente protegido. 

Nesses termos: 

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DOSIMETRIA DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. (…) 2.2. A indenização por dano moral revela conteúdo de interesse público, na medida em que encontra ressonância no princípio da dignidade da pessoa humana, sob a perspectiva de uma sociedade que se pretende livre, justa e solidária (CF, arts. 1º, III, e 3º, I). 2.3. A dosimetria do quantum indenizatório guarda relação direta com a existência a extensão do dano sofrido, o grau de culpa e a perspectiva econômica do autor e da vítima, razão pela qual a atuação dolosa do agente reclama reparação econômica mais severa, ao passo que a imprudência ou negligência clamam por reprimenda mais branda. Assim, à luz do sistema aberto, cabe ao julgador, atento aos parâmetros relevantes para aferição do valor de indenização por dano moral, fixar o quantum indenizatório com prudência, bom senso e razoabilidade, sob pena de afronta ao princípio da restauração justa e proporcional (BRASIL, 2015)

Por sua vez, o caráter pedagógico-punitivo (ou ainda sancionatório) consiste em punir o lesante pela ofensa cometida, por meio da condenação ao pagamento de uma indenização apta a demonstrar que o ilícito praticado não será tolerado. Assim, ressalta-se a lição de Sérgio Cavallieri Filho (2000, p. 1704) […] não se pode ignorar a necessidade de se impor uma pena ao causador do dano moral, para não passar impune a infração e, assim, estimular novas agressões. A indenização funcionará também como uma espécie de pena privada em benefício da vítima.

Desse modo, apesar de grande divergência doutrinária acerca das funções do dano moral, bem como no que tange à independência ou não da função preventiva (debate de menor relevância), essas funções anteriormente expostas, quais sejam, compensatória, punitiva e preventiva, são, sem dúvidas, a representação mais fiel (e mais aceita pela doutrina e jurisprudência) no que diz respeito às finalidades a serem alcançadas com a fixação do dano extrapatrimonial.

5. REFORMA TRABALHISTA E INOVAÇÕES RELACIONADAS AOS DANOS EXTRAPATRIMONIAIS

Os novos dispositivos introduzidos da CLT após a reforma trabalhista no que tange ao Dano Extrapatrimonial decorrente das relações de trabalho, em um segundo momento trata de titularidade exclusiva do lesado, bem como, de uma certa forma especifica quais bens jurídicos serão tutelados pela referida lei e, por fim tarifar o dano sofrido. Em conformidade com o mencionado acima e acerca da exclusividade do tratado por este título II da reforma trabalhista, o mesmo está disposto no artigo 223- A da CLT, uma vez que o legislador ao mencionar a palavra “apenas” demonstra uma escancarada tentativa de “isolar a nova regência normativa inserida neste título do conjunto geral que envolve” quais sejam da própria constituição da república, diplomas internacionais de direitos humanos econômicos, sociais e culturais, bem como, trabalhistas que vigoram no Brasil, e os diplomas externos à consolidação das leis trabalhistas, como por exemplo o Código Civil (DELGADO M.; DELGADO G., 2017, p.145).

Neste sentido, a lei da reforma trabalhista inovou consideravelmente a forma como o dano extrapatrimonial vinha sendo tratado na seara trabalhista. Vigorando em todo o país a partir de 11 de novembro de 2017, conforme disposto em seu artigo 6º. (GAIA, 2018).

Ademais, considerando a literalidade do artigo 223-A resta evidente a intenção do legislador de afastar o diálogo das fontes entre a Consolidação das Leis do Trabalho e outros ramos do Direito, bem como a construção jurisprudencial e doutrinária. Tem-se uma ruptura da própria sistemática do Direito. Isso, porque a novação não permite que fatos decorrentes da relação trabalhista dialogue com fatos inerentes a outros ramos. Ad argumentandum, merece consignar o entendimento doutrinário transcrito abaixo: “(…) o direito é um sistema aberto de princípios e regras. Aberto porque o direito “conversa” com os múltiplos fatos sociais que pretende normatizar, influenciando e sendo influenciado constantemente por tais fatos. Mas não só isso: aberto porque as múltiplas fontes do direito, oriundas dos diversos ramos do saber jurídico, também conversam entre si (diálogo das fontes), interagindo e coadunando-se, sob a batuta do intérprete, na solução justa de um dado caso concreto (FACCHINI NETO, 2017)

O novo artigo 223-B da CLT afirma que as pretensões acerca do dano extrapatrimonial são de titularidade exclusiva da pessoa física ou jurídica ofendida, diante da diversidade de situações socio jurídicas existentes no mundo do trabalho, a redação do artigo 223-B da CLT acaba por limitar os titulares do direito à reparação 

Para Belmonte (2023. p.396) apurada e definida a responsabilidade pelo dano extrapatrimonial, torna-se necessárIo a fixação da indenização devida ao ofendido (aestimatio damni), o que é feito por meio da liquidação do dano, procedimento necessários para estabelecer o valor pecuniários destinado a compensar o prejuízo do ofendido.

Os casos em que são consideradas titulares aquelas pessoas físicas com ligações afetiva, econômica e/ou juridicamente à pessoa humana afrontada, como no caso de morte do trabalhador. Desse modo, a delimitação prevista nesse dispositivo ofende o chamado dano ricochete, definido Pelo Desembargador Relator Sebastião Geraldo de Oliveira, no julgamento do processo número 01019-2007-042-03-00-3, como:

aquele que, sem decorrer direta e imediatamente de certo fato danoso, com este guarda um vínculo de necessariedade, de modo a manter o nexo de causalidade entre a conduta ilícita e o prejuízo. Ainda que sejam distintos os direitos da vítima imediata e da vítima mediata, a causa indireta do prejuízo está intensamente associada à causa direta, tornando perfeitamente a pretensão indenizatória (BRASIL, 2009)

A reparação de lesão ocasionada a terceiros é prevista no artigo 12º do Código Civil e, de forma indireta, no artigo 5º, V e X, da Carta Magna. Já no âmbito trabalhista. 

Nesse sentido o STF ficou a seguinte tese: As redações conferidas aos artigos 223-A e 223-B, da CLT, não excluem o direito à reparação por dano moral indireto ou danos em ricochete no âmbito das relações de trabalho.

A nova legislação, mais uma vez, limita a proteção do trabalhador e seus dependentes, em flagrante afronta aos artigos 5º e 7º da Constituição Federal, além de, mais uma vez, infringir o princípio da dignidade humana (previsto no artigo 1º, III, da Constituição Federal).

6. ARGUMENTOS A FAVOR E CONTRA A CONSTITUCIONALIDADE DOS LIMITES VALORATIVOS

A introdução dos limites valorativos para indenizações por danos extrapatrimonial pela Reforma Trabalhista de 2017 trouxe à tona uma série de debates sobre sua constitucionalidade. Os defensores desses limites argumentam que eles proporcionam previsibilidade e segurança jurídica, evitando decisões judiciais arbitrárias e indenizações excessivamente altas que poderiam comprometer a sustentabilidade das empresas. Para esses apoiadores, a existência de um teto para as indenizações ajuda a equilibrar a relação entre empregados e empregadores, prevenindo que empresas enfrentem perdas financeiras desproporcionais que poderiam levar a demissões em massa e à instabilidade econômica.

De acordo com Nascimento (2019), os limites valorativos também são vistos como uma forma de proteger pequenas e médias empresas, que poderiam ser mais vulneráveis a grandes indenizações. Ao estabelecer um teto, a legislação visa evitar que essas empresas sejam forçadas a fechar devido a uma única decisão judicial desfavorável. A previsibilidade fornecida pelos limites pode, portanto, ser vista como um incentivo para a manutenção e a criação de empregos, beneficiando a economia como um todo. Além disso, esses limites são defendidos com o argumento de que ajudam a evitar o enriquecimento ilícito dos trabalhadores, estabelecendo uma compensação justa e razoável para os danos sofridos.

Por outro lado, SANTOS (2020) destaca que os críticos dos limites valorativos argumentam que eles violam princípios constitucionais fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, a isonomia e o direito à integral reparação do dano. A dignidade da pessoa humana é um princípio basilar da Constituição Federal, que requer que todas as lesões sofridas sejam plenamente reparadas. Os tetos estabelecidos pela reforma são considerados insuficientes para cobrir os danos imateriais em muitos casos, especialmente quando o sofrimento emocional e psicológico do trabalhador é profundo. A limitação dos valores de indenização é vista como uma minimização do sofrimento das vítimas e uma negação da plena reparação dos danos sofridos.

Segundo RUIZ (2019), a vinculação dos limites de indenização ao salário do trabalhador é criticada por perpetuar desigualdades. Trabalhadores com salários mais baixos receberão indenizações menores, mesmo que o dano sofrido seja de igual gravidade comparado a trabalhadores com salários mais altos. Isso contraria o princípio da isonomia, que exige tratamento igualitário perante a lei. A justiça social exige que a reparação dos danos não seja condicionada pela capacidade econômica do trabalhador, mas pela gravidade e impacto do dano sofrido. Esse ponto de vista defende que a dignidade e os direitos fundamentais dos trabalhadores não devem ser mensurados por sua remuneração.

RUIZ (2019) destaca que um outro argumento contra a constitucionalidade dos limites valorativos é que eles comprometem o direito à integral reparação do dano, consagrado pela Constituição. Este direito assegura que toda lesão deve ser completamente reparada, abrangendo tanto danos materiais quanto imateriais. Ao impor tetos para as indenizações, a legislação impede que as vítimas recebam uma compensação que reflita plenamente o dano sofrido, especialmente em casos de assédio moral, discriminação e outras ofensas graves à dignidade do trabalhador. A integral reparação do dano é um princípio que busca restaurar a condição anterior do lesado, algo que os limites fixos podem frustrar.

Ainda de acordo com RUIZ (2019), os críticos também apontam que a imposição de limites rígidos pode desestimular as vítimas a buscarem justiça, sabendo que a compensação potencial pode ser inadequada para os danos sofridos. Isso pode levar a uma menor responsabilização das empresas por práticas abusivas e degradantes, enfraquecendo a proteção dos direitos dos trabalhadores. A existência de tetos pode ser vista como um sinal para os empregadores de que o custo de condutas inadequadas é previsível e gerenciável, potencialmente reduzindo o incentivo para manter um ambiente de trabalho saudável e respeitoso.

Além disso, ao analisar a ADPF 130-DF o Supremo Tribunal Federal declarou a incompatibilidade da lei de impressa com a Carta Magna em seus art. 51 e 52 em relação ao tarifamento da responsabilidade civil, nesse sentido observa que a mudança na composição do supremo tribunal alterou o entendimento já estabelecido, contrariando os princípios constitucionais na isonomia, dignidade da pessoa humana bem como o livre convencimento motivado.

Nesse diapasão assim fundamentou o ministro Celso de Melo:

Não subsiste, por incompatibilidade material com a constituição da Republica promulgada em 19888 (CF, art. 5ª, incisos V e X), as normas inscritas no art. 52 (que define o regime de indenização tarifada) e no art. 56 ( que estabelece o prazo decadencial de 3 meses para ajuizamento da ação indenizatória por dano moral), ambos da Lei de Impressa. Hipótese de não recepção. Doutrina. Precedentes do STF. (AI 595.395/SP, Rel. Min. Celso de Melo – DJ 3 de agosto 2007)

Além disso, a matéria encontra-se consolidada no âmbito no STJ através da súmula 281 adotada em 20004, sintetizou: “a indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na lei de imprensa”.

Em suma, a análise crítica dos limites valorativos fixados pela Reforma Trabalhista de 2017 revela uma profunda divisão entre os argumentos a favor e contra sua constitucionalidade. Enquanto os defensores destacam a segurança jurídica e a proteção econômica, os críticos enfatizam a violação de princípios constitucionais fundamentais e a inadequação das reparações. A discussão sobre a constitucionalidade desses limites continua a ser um tema central na doutrina e na jurisprudência, refletindo o desafio de equilibrar a proteção dos direitos dos trabalhadores com a viabilidade econômica das empresas.

7. DECISÃO DO STF SOBRE DANOS EXTRAPATRIMONIAIS NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS

O Excelso Supremo Tribunal Federal em 2007 já se pronunciou claramente sobre o tabelamento dos danos morais ao interpretar os incisos V e X do art. 5º da CRFB/88 firmando entendimento que toda limitação, previa e abstrata, ao valor de indenização por dano moral, objeto de juízo de equidade, é incompatível com o alcance da indenizabilidade irrestrita assegurada pela atual carta magna.

Com a mudança da composição do STF e com o advento da Lei 13.467/2017 que estabeleceu o tabelamento das indenizações por danos extrapatrimoniais, o Supremo alterou seu entendimento já consolidado trazendo uma interpretação extensiva na norma celetista. Segundo a reforma trabalhista, o magistrado, ao arbitrar o quantum da reparação, devia fazê-lo com base no salário contratual do ofendido, e, ainda, observar a natureza da ofensa leve, média, grave e gravíssima.

Dito isso, foram propostas ações direitas de inconstitucionalidade no STF pela Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho), ADI nº 6.050; pelo CFOAB (Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil), ADI 6.069; e pela CNTI (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria), ADI 6.082.

E o STF, por maioria, vencidos os ministros Edson Fachin e Rosa Weber, conheceu das ADI 6.050, 6.069 e 6.082, julgando, ao final, parcialmente procedentes os pedidos para conferir interpretação conforme a Constituição, de modo a estabelecer as seguintes teses:

As redações conferidas aos artigos 223-A e 223-B, da CLT, não excluem o direito à reparação por dano moral indireto ou danos em ricochete no âmbito das relações de trabalho, a ser apreciado nos termos da legislação civil; Os critérios de quantificação de reparação por dano extrapatrimonial previstos no artigo 223-G, caput e § 1º, da CLT deverão ser observados pelo julgador como critérios orientativos de fundamentação da decisão judicial. É constitucional, porém, o arbitramento judicial do dano em valores superiores aos limites máximos dispostos nos incisos I a IV do § 1º do artigo 223-G, quando consideradas as circunstâncias do caso concreto e os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade. 

Para o ministro Gilmar Mendes, relator, os critérios de quantificação da reparação previstos no artigo 223-G da CLT poderão orientar o magistrado trabalhista na fundamentação de sua decisão. Por isso, o dispositivo não deve ser considerado totalmente inconstitucional. Quanto a essa questão, Mendes comentou que a jurisprudência do Supremo já assentou a inconstitucionalidade do tabelamento do dano ​moral, por entender que o julgador se tornaria um mero aplicador da norma.

A seu ver, o tabelamento deve ser utilizado como parâmetro, e não como teto. Consideradas as circunstâncias do caso concreto e os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade, é constitucional o arbitramento judicial do dano em valores superiores aos limites máximos previstos nos incisos do parágrafo 1º do artigo 223-G da CLT. Assim, votou no sentido de interpretar o dispositivo para assentar que os critérios contidos nele não impedem que a decisão judicial, devidamente motivada, fixe condenação em quantia superior.

O voto do relator, ministro Gilmar Mendes, foi seguido por Nunes Marques (voto-vista), Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Roberto Barroso e André Medonça, restando vencidos os ministros Edson Fachin e Rosa Weber. Ambos votaram pela total inconstitucionalidade dos referidos artigos da CLT alterados pela reforma trabalhista, mas acabaram derrotados. 

Há quem defenda o tabelamento dos valores das compensações por danos extrapatrimoniais sob o argumento de que esse modelo evita as disparidades e contradições teleológicas que ocorrem nos julgamentos das ações judiciais que discutem a matéria. Contudo, é imprescindível levar em consideração que o tabelamento elimina a possibilidade de analisar os detalhes e as peculiaridades dos casos concretos. 

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através desse estudo, percebe-se a importância de observar as evoluções na estrutura das relações trabalhistas e observou-se que o texto da nova lei trabalhista fragilizou em vários aspectos o princípio tutelar, pois retirou a proteção da parte mais fraca da relação empregatícia, o trabalhador, fragmentando em todos os segmentos do direito trabalhista, quer seja relacionado o direito individual, o coletivo e o processual. Percebe-se, assim, a gravidade trazida pelo texto, sendo de extrema importância uma reflexão sobre o não alcance de uma lei inovadora na vida social dos brasileiros e desrespeito a princípios constitucionais que corroboram com ideia protetiva-retificadora do princípio tuitivo ao Direito do Trabalho.  

Nota-se ainda que mudanças da composição dos tribunais superiores tem contribuído para uma mudança prejudicial ao trabalhador que antes tinha na justiça do trabalho um alento aos absurdos praticados na relação de trabalho e emprego. As constantes mudanças de jurisprudência têm gerado insegurança jurídica e esvaziamento da justiça laboral. 

Atualmente, o Brasil está inserido na globalização neoliberal, que consiste em um sistema pautado na submissão dos interesses do trabalho aos interesses do capital. A Reforma trabalhista, promovida pela lei nº 13467/17, precarizou substancialmente os moldes do trabalho no Brasil, demonstrando o alinhamento da postura do Estado Brasileiro ao neoliberalismo, em total desacordo com a garantia do trabalho digno, situação que evidência notório retrocesso social.

É nítido que ainda há muitas divergências doutrinárias e jurisprudenciais a respeito do tema em comento. Diante disso, vale ressaltar que é de extrema importância o estudo e principalmente o debate sobre o mesmo, visando um possível consenso, ou até mesmo novas medidas que pleiteiam melhor os direitos das partes envolvidas.

Mister consignar, por fim, a importância das várias facetas do dano extrapatrimonial e sua aplicabilidade no Direito do Trabalho, haja vista se tratar de ramo ligado a questões econômicas e de produção de riquezas inerentes a nação. Por outro lado, é indubitável o principal aspecto do instituto analisado como sendo a tentativa do ordenamento jurídico de prover a melhor forma de se compensar aquelas lesões decorrentes da relação de trabalho e que tanto atingem o íntimo do trabalhador, com contornos extremamente subjetivos.

Por fim, a inserção dos arts. 223-A ao 223-G da CLT, em seu Título II-A, teve como objetivo único e exclusivo fragilizar o dispositivo constitucional de ordem moral observando uma incompatibilidade material com a Constituição. Assim, observa-se que a proteção dos direitos de personalidade não pode ser quantificada ou mesmo tarifada, inclusive matéria já decidida pelo STF (Lei de imprensa). A interpretação do Título II-A da Lei 13.467/2017 deve ser observada de modo conexo com as demais legislações e princípios, sem adentrar em interpretação de modo exclusivo do dispositivo pelo julgador, entendo assim pela inconstitucionalidade material do art. 223-G da CLT. 

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Recurso Ordinário n. 01019200704203003. Relator: OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Data de Julgamento: 21/07/2009, Data de Publicação: DEJT 29/07/2009. Disponível em: . Acesso em 02 de junho de 2023.

TARTUCE, Flavio. Responsabilidade Civil – Vol. Único. Editora Método, 2024.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho; ARR 0149500-28.2008.5.01.0481; 3ª Turma; Rel. Min Alberto Bresciani; DEJT 27.11.2015; p. 1306. Disponível em Acesso em 15. maio. 2024

CASSAR, Vólia Bomfim; BORGES, Leonardo Dias. Comentários à reforma trabalhista. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017

SILVA, Fábio Luiz Pereira da. Responsabilidade civil do Empregador. Campinas: Editora Servanda, 2018, p, 25.

SOARES, Ricardo Mauricio Freire: O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 143.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Atlas, 2008.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 1704.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho.16 Ed. São Paulo: Ed. Ltr, 2017. DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários a lei n° 13.467/2017.São Paulo: LTr, 2017.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 21. Ed.,ver.,atual e ampl. – São Paulo: Editora Juspodivm, 2024.

DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, São Paulo: Saraiva. Vol. 7; DONOSO, Denis. Aspectos Relevantes sobre o Contrato de Corretagem no Código Civil de 2002. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre: Síntese, v. 1, n. 1, jul. 1999. p. 103;

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. 12. Ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

MONTES, Anne Freitas; SANTOS, Samira de Souza; ARAÚJO, Larissa de Oliveira Santiago. O trabalhador e a medida provisória 927/2020: férias individuais e férias coletivas. 2021

DALLOSSI, BRUNNO MANFRIN. Direitos Trabalhistas das profissionais do sexo: uma questão de princípios. 2019.

FACCHINI NETO, Eugênio; GOLDSCHMIDT, Rodrigo. Tutela aquiliana do empregado: considerações sobre o novo sistema de reparação civil por danos extrapatrimoniais na área trabalhista. Revista dos Tribunais Online, vol. 984/2017, 2017, p. 9. 

GAIA, Fausto Siqueira. A responsabilidade do tomador de serviços por débitos trabalhistas acidentários à luz da teoria do diálogo das fontes. ALMEIDA, Renato Rua de; SUPIONI, Alexandre; JARDIM (Org.). Hermenêutica nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2018. p. 11-22

SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico conciso. 1 ed. Rio de Janeiro. Forense, 2008.

TARTUCE, Flávio, Manual de Direito Civil. 5ª. Ed, São Paulo: Editora Método, 2015, p. 396

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

NASCIMENTO, Carolina Augusta do. Aplicabilidade do artigo 444, parágrafo único, da Consolidação das Leis Trabalhistas: uma análise crítica da compatibilidade vertical do dispositivo ante o primado da Constituição da República e dos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos. 2019. Trabalho de Conclusão de Curso.

RUIZ, Emanuelle Caroline Rodrigues. O acesso à justiça e a sucumbência após o advento da reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017). 2019.

SANTOS, Bruno Freitas dos. Da proteção ao trabalhador à manutenção do status quo: os impactos da Reforma Trabalhista no exercício do direito de acesso à justiça. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito)-Faculdade Nacional de Direito, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.

BELMONTE, Alexandre Agra. Danos extrapatrimoniais nas relações de trabalho. 4ª ed. – São Paulo: Juspodivm, 2023.

NUNES, Cicília Araujo. A inconstitucionalidade da tarifação do dano extrapatrimonial nas relações de trabalho: reflexões jurídicas e filosóficas. Londrina, PR: Thoth, 2023, p. 28;

PAVAN, Verônica. O tabelamento do dano extrapatrimonial na justiça do trabalho: a incompatibilidade material do art. 223-G, paragrafo 1º, da CLT com a constituição Federal de 1988. São Paulo: Editora Dialética, 2023, p.87.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF. 130-DF. Relator: BRITO, Carlos. DJE publicado em 06/11/2009. Acesso em 06 de agosto de 2024

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI. 6050, 6082 e 6069. Relator: MENDES, Gilmar. DJE publicado em 18/08/2023. Divulgado em 17/08/2023. Acesso em 06 de agosto de 2024.


 1Profissão: Bancário. Tecnólogo em Gestão Financeira. Unijorge (2012). Bacharel em Direito. Estácio de Sá (2020). Especialista em Advocacia Trabalhista. FBD (2024)