A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA RENDA PER CAPITA ESTABELECIDA NA LEI 8.742/93: UMA ANÁLISE SOBRE O IMPACTO CAUSADO A IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

THE (IN)CONSTITUTIONALITY OF PER CAPITA INCOME ESTABLISHED IN LAW 8,742/93: AN ANALYSIS OF THE IMPACT CAUSED ON THE ELDERLY AND PEOPLE WITH DISABILITIES

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10204631


João Marcelo Costa Luciano;
Letícia Amélia Cardoso de Sousa.


RESUMO 

O presente artigo objetiva tecer considerações acerca de uma análise sobre o impacto causado a idosos e pessoas com deficiência frente à concessão do BPC (Benefício de Prestação Continuada), presente na lei 8.742 de 7 de dezembro de 1993. Para a sua elaboração, escolheu-se como método de pesquisa bibliográfica e levantamento de decisões administrativas e judiciais acerca da concessão do benefício, partindo-se de uma visão micro- analítica de jurisprudências, doutrinas, agravos recursais e recursos extraordinários, tendo como principal fonte de análise a pesquisa bibliográfica e documental. A relevância deste artigo para a comunidade científica, versa sobre diversas críticas que têm sido feitas ao requisito da miserabilidade, argumentando que ela não leva em consideração outros aspectos relevantes para avaliar a situação de vulnerabilidade dos beneficiários. Diante dessas questões, diversos debates têm ocorrido sobre a inconstitucionalidade da renda per capita estabelecida pela Lei 8.742/93, argumentando que ela viola o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito social à assistência social previsto na Constituição Federal.

Palavras-chave: Benefício de Prestação Continuada, renda per capita; princípio da dignidade da pessoa humana; assistência social. 

ABSTRACT 

This article aims to make considerations about an analysis of the impact caused to the elderly and people with disabilities in the face of the granting of the BPC (Continuous Payment Benefit), present in law 8,742 of December 7, 1993. For its preparation, we chose- as a method of bibliographic research and survey of administrative and judicial decisions regarding the granting of the benefit, starting from a micro-analytical view of jurisprudence, doctrines, appeals and extraordinary appeals, with bibliographic and documentary research as the main source of analysis. The relevance of this article for the scientific community addresses several criticisms that have been made to the poverty requirement, arguing that it does not consider other relevant aspects to assess the vulnerability situation of beneficiaries. Faced with these issues, several debates have occurred about the unconstitutionality of the per capita income established by Law 8,742/93, arguing that it violates the principle of human dignity and the social right to social assistance provided for in the Federal Constitution. 

Keywords: Continuous Payment Benefit, per capita income; principle of human dignity; social assistance. 

1 INTRODUÇÃO 

Constitui objetivo principal da presente pesquisa, tecer uma exposição sobre o requisito (in)constitucional da renda per capita familiar de 1/4 do salário-mínimo presente na Lei Orgânica da Assistência Social, trazendo ênfase a uma análise feita sobre os impactos causados a idosos e pessoas com deficiência frente a concessão do benefício assistencial presente na LOAS. 

Para isso, buscou-se como primeiro tópico, uma análise sobre a (in)constitucionalidade deste requisito, desde o contexto histórico de surgimento da lei, a utilização deste requisito de miserabilidade para a concessão dos benefícios assistenciais e a utilização deste requisito em todo o ordenamento jurídico brasileiro. 

Adiante, como segundo tópico, buscamos evidenciar o entendimento majoritário sobre o tema apresentando jurisprudências acerca da inconstitucionalidade da renda per capita frente a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), presente na LOAS. 

Dessa forma, dando continuidade no terceiro tópico, foi realizado uma análise acerca dos desafios encontrados por idosos e pessoas com deficiência para a concessão do benefício frente a esse requisito, pois com abordagem evidenciada pelo órgão administrativo responsável pela concessão do benefício, houve um número muito grande de indivíduos que não tiveram acesso a essa importante política de assistência social, gerando uma “lacuna” enorme de desigualdade social. 

Por fim, como última abordagem do trabalho, foi realizada uma exposição de alternativas e propostas de reforma do requisito inconstitucional presente na LOAS. 

Para tanto, utilizou-se o método de pesquisa analítica, partindo-se de uma visão analítica de diversos juristas e tribunais acerca do tema abordado, tendo como principal fonte de análise a pesquisa bibliográfica e a análise jurisprudencial e doutrinária. 

A relevância teórica e prática do tema escolhido é indiscutível, posto que o objetivo da assistência social é garantir a proteção e apoio aos indivíduos, grupos familiares e comunidades, ou seja, o acesso aos direitos e garantias fundamentais previstos na nossa constituição. 

2 ANÁLISE DE (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA RENDA PER CAPITA 

Tendo em vista o contexto exposto, apresenta-se, nesse prumo, acerca do contexto histórico, os elementos relativos à Lei nº 8.742/1993 (LOAS), a renda per capita geral e prevista na legislação brasileira e a sua utilização no âmbito de aplicação dos denominados “Benefícios Assistenciais”.

2.1 CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DA LEI 8.742/1993 (LOAS)

A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, foi estabelecida com base no amplo movimento de reformas sociais e políticas do Brasil durante a década de 1980. Este movimento foi influenciado por vários fatores, tanto nacionais como internacionais. 

No contexto nacional, a LOAS é um resultado direto da “Constituição Cidadã” do Brasil de 1988, que estabeleceu uma série de direitos sociais e humanos, incluindo a assistência social como um direito do cidadão e dever do Estado. A criação da LOAS aconteceu no contexto de uma série significativa de transformações sociais e políticas no Brasil. Na década de 1980, o país passava por uma redemocratização após longo período de ditadura militar. Com a promulgação da nova Constituição Federal em 1988, os conceitos de cidadania e direitos sociais foram ampliados. Foi garantido o direito à assistência social a quem dela necessitar, independente de contribuição à seguridade social (BRASIL, 1988). 

Internacionalmente, a LOAS se alinha com as recomendações e exigências da Organização das Nações Unidas (ONU), especialmente em relação à garantia dos direitos humanos e sociais. A LOAS também reflete os objetivos de desenvolvimento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) (UNITED NATIONS, 1990). 

As diretrizes gerais da política de assistência social expressas na LOAS refletem as demandas das associações de trabalhadores e movimentos sociais que participaram ativamente de sua elaboração, refletindo uma importante prática democrática (YAZBEK, 2004). 

A LOAS representou uma ruptura com o passado assistencialista e clientelista, estabelecendo a assistência social como política pública, gerida de acordo com princípios e diretrizes específicos, como universalização dos direitos sociais, respeito à dignidade do cidadão, igualdade de direitos, participação popular, entre outros (YAZBEK, 2004). 

Ela é responsável por regular programas fundamentais como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), e não menos importante o Benefício Eventual e a criação de conselhos de assistência social nos níveis federal, estadual e municipal, integrando a participação da população na formulação e controle das políticas nessa área. 

Sobre os benefícios eventuais é transcrito que: 

Embora não estejam explicitamente definidos na Loas, os Benefícios Eventuais constituem, na história da política social moderna, a distribuição pública de pró-visões materiais ou financeiras a grupos específicos que não podem, com recursos próprios, satisfazerem suas necessidades básicas. Trata-se de um instrumento protetor diferenciado sob a responsabilidade do Estado que, nos termos da Loas, não tem um fim em si mesmo, posto que inscreve em um espectro mais amplo e duradouro de proteção social, do qual constitui a providência mais urgente (PEREIRA, 2010, p. 11).

Compreende-se, consoante Pereira (2010), que os Benefícios Eventuais são precípuos para fins de apuração da responsabilidade do ente público frente ao âmbito de proteção social.

Refere-se a um benefício assistencial, em que a sensatez é dividida entre os municípios e os entes federados, não sendo uma obrigação a mais ao município como muitas vezes é vista. Isso possibilita que uma responsabilidade subjetiva ganhe espaço em que se materializa na transferência de obrigações entre os órgãos superiores. O resultado evidentemente se resume a não promoção de direito à dignidade da pessoa humana.

No tocante à concessão de benefícios eventuais é disposto que:

Em decorrência, não é casual que a prática da concessão dos benefícios eventuais venha apresentando as seguintes tendências: cada governo municipal os concebe, denominam provêm e administram, de acordo com o seu entendimento, valendo-se quase sempre, do senso comum para, dentro de suas possibilidades financeiras gerenciais, atender contingências sociais prementes. Tem-se, assim, os benefícios eventuais junto à política de assistência social: algumas considerações: O Social em um espaço não desprezível de participação da Assistência Social como política pública e direito de cidadania a condenável prática do assistencialismo que, além de desafiar os recentes avanços no campo assistencial, vem se afirmando como um não-direito social (PEREIRA, 2010, p.20).

Ainda no tocante aos benefícios eventuais, a respeitável jurista Marisa Ferreira dos Santos aduz que:

O art. 22 da LOAS, com a redação dada pela Lei n. 12.435/2011, define os benefícios eventuais: as provisões suplementares e provisórias que integram organicamente as garantias do SUAS e são prestadas aos cidadãos e às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública.
Não são benefícios de prestação continuada, mas, sim, são previstos para socorrer famílias de baixa renda quando do nascimento ou morte de seus membros, situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública. Os benefícios eventuais têm por escopo atender necessidades advindas de situações emergenciais e temporárias.
Cabe aos Estados, Distrito Federal e Municípios regulamentar a concessão e o valor desses benefícios, e, ainda, deverão fazer a respectiva previsão em suas leis orçamentárias anuais. Os critérios e prazos serão definidos pelos respectivos Conselhos de Assistência Social (art. 22, § 1º) (SANTOS, 2023, p.79).

Compreende-se segundo Santos (2023), que os benefícios eventuais presentes na LOAS não são de prestação continuada, mas, sim, previstos para socorrer indivíduos e famílias de baixa renda em situação de vulnerabilidade.

Embora, lhes apresento de forma breve alguns benefícios eventuais e público assistido, presente no Decreto 6.307 de 2007.

Inicialmente, tem-se o auxílio natalidade, presente no artigo 3°, que tem o objetivo de atender, assegurar e conferir suporte as necessidades do recém-nascido e sua progenitora no contexto parturiente e materno infantil tal como, existe desfecho de óbito intrauterino e pós-parto materno ou neonatal. Este benefício visa diminuir as vulnerabilidades e debilidades decorrentes do desfecho obstétrico onde as limitações fisiológicas e psicológicas impossibilitam o exercício de atividades laborais.

Conforme o artigo 4º, o auxílio por morte, que em regra consiste a partir do processo de preparação e manutenção do corpo, seguindo até o momento do transporte e sepultamento. No que concerne ao artigo 7°, o assistido contará com o benéfico eventual na modalidade de vulnerabilidade temporária com o objetivo de enfrentamento de incidentes de riscos, perdas e danos à integridade da pessoa de sua família e outras ocasiões sociais que afetem a sobrevivência.

Vale ressaltar que o BPC-LOAS, não é considerado aposentadoria, pois é considerado um benefício assistencial previstos no art.203 inciso V da CF/88, tal como o art.20, da lei 8.742 de 1993(LOAS), ambos são pagos mensamente pelo INSS (Instituto Nacional da Seguridade Social). Assim, as pessoas beneficiadas com BPC, não tem direito ao décimo terceiro salário, pois o benefício não conta como contribuição à previdência e nem dá o direito de pensão por morte no caso do beneficiário.

Portanto, é sustentado no artigo 8°, para acessão a vítimas de calamidade pública, essa premissa apresenta a ideia de garantir os meios imprescindíveis à sobrevivência da pessoa e/ou da família, com o objetivo de garantir a dignidade e a restauração da autonomia das pessoas e famílias atingidas. Conforme descrito no texto esse pensamento permite incluir qualquer evento ou ocorrência que impossibilite a sobrevivência.

Desta feita, o benefício de caráter eventual confere a diminuição de registros e determinantes comuns que ameace a dignidade da pessoa humana. Para, além disso, o benefício de caráter contínuo conta com o Benefício da Prestação Continuada (BPC), uma política pública prevista no art.203, inciso V da CF/88 disciplinado pela LOAS, nos arts. 20, 21 e 38.

2.2 A RENDA PER CAPITA E SUA UTILIZAÇÃO COMO CRITÉRIO DE ACESSO AOS BENEFÍCIOS ASSISTENCIAIS

A renda per capita, ou seja, a renda total de uma família dividida pelo número de membros, é amplamente utilizada como critério de acesso aos benefícios assistenciais em muitos países, inclusive no Brasil. 

De acordo com a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS, Lei nº 8.742/93), no Brasil, o critério de renda per capita é utilizado para determinar a elegibilidade para o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Especificamente, a Lei afirma que idosos e pessoas com deficiência que não possam prover seu sustento ou tê-lo provido por sua família se enquadram na condição de vulnerabilidade social quando a família possui renda mensal per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo (BRASIL, 1993). 

Essa decisão de utilizar a renda per capita como critério de acesso aos benefícios assistenciais é baseada na ideia de que os indivíduos em famílias com baixa renda per capita são mais propensos a experimentar a pobreza e, portanto, necessitam de assistência (BARROS, FOGUEL, ULYSSEA, 2006). 

No entanto, existe debate acadêmico e político sobre se a renda per capita é a melhor medida de pobreza e necessidade, e se deve ser o único critério para determinar a elegibilidade para benefícios (SOARES et al., 2007). Por exemplo, algumas pesquisas sugerem que medidas multifacetadas de pobreza, que consideram não apenas a renda, mas também outros fatores como acesso à educação, saúde e moradia adequadas podem ser mais precisas (SEN, 1999). 

2.3 A RENDA PER CAPITA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

A legislação brasileira frequentemente usa o conceito de renda per capita, especialmente quando se trata de critérios de elegibilidade para vários programas assistenciais do governo. 

No contexto da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS, Lei nº 8.742/93), a renda per capita é utilizada para determinar a elegibilidade para o Benefício de Prestação Continuada (BPC). A Lei define que idosos e pessoas com deficiência que não têm meios de prover sua própria subsistência ou de tê-la provida pela família se enquadram na condição de vulnerabilidade quando a família possui renda mensal per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo (BRASIL, 1993). 

Outros programas socioassistenciais brasileiros, como o Bolsa Família (Lei nº 10.836, de 09 de janeiro de 2004), também utilizam a renda per capita como um critério para determinar a elegibilidade do benefício. No caso do Bolsa Família, as famílias elegíveis devem ter renda per capita de até meio salário-mínimo, ou uma renda total de até três salários-mínimos (BRASIL, 2004). 

Fica claro então que a renda per capita é um critério essencial na legislação brasileira para determinar quem tem direito a benefícios assistenciais. 

3 A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA RENDA PER CAPITA COMO REQUISITO PARA CONCESSÃO DO BPC (BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA) 

A discussão sobre a inconstitucionalidade da renda per capita como critério para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) tem sido assunto de debate jurídico e acadêmico no Brasil. 

O critério da renda per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo como requisito para a concessão do BPC foi estabelecido pela Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) (BRASIL, 1993). No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), através do Recurso Extraordinário (RE) 567985, declarou inconstitucional essa limitação, por entender que ela viola o princípio da dignidade da pessoa humana (BRASIL, STF, 2013). 

O julgamento estabeleceu que o critério de 1/4 do salário-mínimo não pode ser utilizado de forma absoluta para determinar a necessidade de assistência social. No entendimento do STF, outros fatores, como a condição de vulnerabilidade social, devem ser levados em consideração (BRASIL, STF, 2013). 

Levando em conta que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o critério citado acima não deve ser absoluto, o que não impede assim ao julgador que faça uso de outros fatores que comprovem com base em fatos a condição de necessidade dos indivíduos.  (Resp.) 841.060. Esse pensamento por parte do judiciário é criticado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que tende pela não flexibilização sobre o critério de miserabilidade trazido pela LOAS para a concessão do BPC, e que tal procedimento deve ser seguido à risca assim como está presente na legislação legal (BRASIL, STJ, 2006). 

Outro argumento contra a constitucionalidade desse critério é que ele viola o princípio da isonomia, uma vez que estabelece um valor fixo de renda, sem considerar as diferentes necessidades das pessoas com deficiência ou idosos. Essas categorias de pessoas podem precisar de mais apoio financeiro devido a despesas médicas, custos de cuidados a longo prazo e outras despesas relacionadas à sua condição (BRASIL, Constituição, 1988). 

Contudo, ainda há debates sobre este tema. Segundo Barroso (2014), o critério da renda per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo é relevante para direcionar os recursos públicos para aqueles que mais precisam. Ele argumenta que a ausência deste critério poderia levar a uma distribuição injusta de recursos, beneficiando pessoas que não são realmente necessitadas. 

Na mesma linha de pensamento aduz a respeitável jurista Marisa Ferreira dos Santos: 

O § 3º do art. 20 é manifestamente inconstitucional. Não se pode perder de vista que o BPC é aquela parcela de proteção assistencial que se consubstancia em benefício. E a CF quer que esse benefício seja a garantia da manutenção da pessoa com deficiência ou idosa que não tenha ninguém por si. E o fixou em um salário-mínimo. O bem-estar social está qualificado e quantificado na CF: qualificado porque se efetiva com a implementação dos direitos sociais; quantificado porque a CF fixou em um salário-mínimo a remuneração mínima e o valor dos benefícios previdenciários, demonstrando que ninguém pode ter seu sustento provido com valor inferior. 
Ao fixar em 1/4 do salário-mínimo o fator discriminante para aferição da necessidade, o legislador elegeu discrimen inconstitucional porque deu aos necessitados conceito diferente de bem-estar social, presumindo que a renda per capita superior a ¼ do mínimo seria a necessária e suficiente para a sua manutenção, ou seja, quanto menos têm, menos precisam ter! 
Quantificar o bem-estar social em valor inferior ao salário-mínimo é o mesmo que “voltar para trás” em termos de direitos sociais. A ordem jurídica constitucional e infraconstitucional não pode “voltar para trás” em termos de direitos fundamentais, sob pena de ofensa ao princípio do não retrocesso social, muito bem exposto por J. J. Gomes Canotilho (SANTOS, 2023, p. 73).

Em suma, a questão é delicada e exige um equilíbrio entre a necessidade de direcionar recursos públicos de maneira eficiente e a necessidade de garantir os direitos fundamentais de todas as pessoas. 

Por fim, diante desta análise de inconstitucionalidade a renda per capita de 1/4 do salário-mínimo não deve ser considerada um critério absoluto, por violar princípios presentes na nossa “lei mor”, princípios estes que são fundamentais para a manutenção da vida de qualquer cidadão. 

Nos vale ressaltar que, o requisito da miserabilidade presente na Lei 8.742/93 é considerado um tema bastante polêmico, justamente pela idealização por parte do poder judiciário de que esse critério seja algo defasado, principalmente por entender que o indivíduo alvo seja idoso e o deficiente, que deve comprovar de forma total a sua situação de miserabilidade. No entanto, quando a renda per capita familiar é superior a ¼ do salário-mínimo desemboca em uma ilegibilidade dando margem a uma desassistência.  

Sobre a discordância, Ivan Kertzman (2012) afirma que:

Não poderíamos deixar de comentar a forte polêmica jurisprudencial acerca da possibilidade de flexibilização do critério objetivo de definição de pessoa incapaz de prover o próprio sustento ou de tê-lo provido pela família trazido pelo §3º, do art. 20, da Lei 8.742/93 (renda familiar per capita inferior a ¼ de salário-mínimo). O STF havia pacificado o entendimento com base em diversos julgados fundamentados na decisão proferida em sede de ADI 1.232/98 de que é inadmissível a concessão do benefício assistencial ao necessitado quando a renda familiar per capita for superior ao estabelecido na Lei – Em recentes decisões, o Supremo Tribunal começou a alterar o entendimento anteriormente consolidado, julgando ser possível a flexibilização do critério estabelecido pela lei. Porém deve-se provar em tese a falta de condição de sustento. Já o Superior Tribunal de Justiça, de forma majoritária tem entendido que a comprovação do requisito da renda familiar per capita não superior a 1⁄4 do salário-mínimo não exclui outros fatores que tenham o condão de aferir a condição de miserabilidade da parte autora e de sua família, necessária à concessão do benefício assistencial corroborando com a lógica que não se deve privar o benefício assistencial somente pela renda familiar per capita inferior a ¼ de salário-mínimo. Somando força a isso, a Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais chegou até a redigir uma a Súmula 11 em que é disposto: “A renda mensal, per capita, familiar, superior a 1⁄4 (um quarto) do salário-mínimo não impede a concessão do benefício assistencial previsto no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742 de 1993, desde que comprovada, por outros meios, a miserabilidade do postulante” (KERTZMAN, 2012, p. 467). 

Nesse esteio, tem-se, conforme o entendimento de Kertzman (2012), que a questão da flexibilização da concessão do benefício assistencial aos necessitados ainda é tratada de forma dissonante pelos tribunais atuais, haja vista que são levados em consideração critérios legais, mas também diferentes fontes de interpretação.

4 ANÁLISE DO IMPACTO CAUSADO A IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA 

O critério instituído pela LOAS da renda per capita de 1/4 do salário-mínimo como requisito para concessão do BPC, afeta negativamente um número muito grande de idosos e pessoas com deficiência, visto que, no cenário socioeconômico atual muitas famílias onde há pessoas que necessitam de receber o benefício, não obtêm o êxito devido ao valor da renda ser superior ao critério previsto em lei. 

A inconstitucionalidade do requisito da renda per capita familiar de 1/4 do salário-mínimo para a concessão do BPC foi questionada e julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que decidiu que, esse critério não deveria ser o único para determinar a vulnerabilidade social, pois tal requisito é insuficiente para medir a realidade de cada beneficiário (STF, 2013). 

As consequências dessa exigência para idosos e pessoas com deficiência foram severas, pois muitos desses indivíduos possuem necessidades cotidianas mais elevadas e não conseguem suprir suas necessidades básicas. Além disso, o limite de 1/4 do salário-mínimo não considera as despesas adicionais que essas pessoas possuem, como medicamentos, dietas especiais, tratamentos e terapias, entre outros gastos (BOMFIM, 2017).  

Por mais que o nosso país possua políticas de saúde pública gratuita para toda população, como exemplo do SUS (Sistema Único de Saúde), onde existe a oferta de medicamentos e consultas, sua demanda é muito grande não conseguindo atender as necessidades da população, causando prejuízos aos mais necessitados, como os idosos e pessoas com deficiência. 

Essa condição restringe o acesso de muitos idosos e pessoas com deficiência a essa importante política de assistência social. A partir da decisão do STF, no entanto, outros critérios podem ser considerados para a análise de concessão do benefício, ampliando assim, o acesso ao BPC. 

Em caráter de síntese, esse artigo discorre sobre a inconstitucionalidade do art. 20 §3º da lei 8.742/93, que tem por fim discorrer brevemente sobre os desafios encontrados por idosos e pessoas com deficiência frente a esse requisito que se encontra bastante defasado, causando grande impacto a esse grupo social quanto a questão da elegibilidade para a concessão do BPC.  

5 ALTERNATIVAS E PROPOSTAS DE REFORMA DO REQUISITO INCONSTITUCIONAL DA LOAS 

A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), é um importante instrumento para garantir os direitos básicos de cidadãos em situação de vulnerabilidade social. No entanto, seu requisito de renda per capita familiar, por diversos juristas e tribunais tem sido considerado inconstitucional, o que nos leva a pensar em várias propostas de reforma.  

1. Critérios multidimensionais: Vimos essa proposta ser defendida por Campello e Neri (2013, p.), onde argumentam que a medição de pobreza precisa ser mais abrangente e levar em conta outras variáveis além da renda per capita familiar. Eles sugerem a utilização do Índice de Pobreza Multidimensional (IPM), que considera fatores como a falta de acesso à educação e saúde, insegurança alimentar e moradia precária. 

2. Avaliação individual e contextual: Outra proposta, sugerida por Dal Rosso (2011), é a análise mais aprofundada das condições individuais e contextuais dos requerentes, em vez da adjudicação do benefício com base em um critério de renda estritamente definido. 

3. Desvinculação do benefício do salário-mínimo: Paiva, Fagnani e Pimentel (2016) propõem a desvinculação do valor do benefício do salário-mínimo, o que permitiria ao governo definir um valor específico para o LOAS que não necessariamente seguiria os reajustes do salário-mínimo. 

4. Implementação de programa de renda básica universal: Essa proposta é discutida por Santos e Santos (2016), que introduzem a ideia de um benefício universal que garantiria uma renda básica a todos os cidadãos, indiferente à situação econômica. 

5. Aumento do limite de renda per capita: Uma proposta simples que tem sido levantada é o aumento do limite da renda per capita familiar, como feito durante o período de pandemia da Covid-19, onde a lei 13.982/20, trouxe o aumento do limite da renda para até 1/2 salário-mínimo. (BRASIL,2020). 

Existem diferentes modelos e práticas internacionais relacionadas ao cálculo de renda per capita para a concessão de benefícios assistenciais, como exemplo de vários países como Estados Unidos, Canadá, União Europeia e Austrália. 

A exemplo desses países existe as suas práticas adotadas. Pelos EUA, existe o Supplemental Security Income (SSI), é um programa que oferece benefícios a idosos, pessoas cegas e com deficiência que tem renda e recursos limitados. A sua elegibilidade e valor são determinados por uma combinação de renda, recursos e situação de vida. 

No Canadá, o Old Age Security (OAS) fornece um pagamento mensal disponível para idosos com 65 anos ou mais. O valor que um idoso pode receber depende de sua situação de vida e renda. Existe um sistema de recuperação progressivo de impostos para pessoas que ganham um certo limite de renda. 

Os países membros da União Europeia, fornecem um sistema universal de proteção social que seja suficiente para garantir um padrão de vida decente. Cada país membro determina os critérios de elegibilidade para seus programas assistenciais, e muitos adotam abordagens multidimensionais para avaliar a necessidade. 

A Austrália adota o Age Pension, um programa que oferece renda aos idosos. O valor do benefício é determinado por um conjunto de testes de renda e ativos. 

Nestes exemplos citados acima, nos mostra que uma abordagem multidimensional e flexível para determinar a elegibilidade e o valor do benefício para cada indivíduo é uma prática comum internacionalmente. Essas práticas, juntamente com a garantia de um nível básico de segurança de renda, poderiam informar a reforma da LOAS e a abordagem brasileira para a concessão do BPC. 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu uma série de direitos sociais e humanos, que inclui a Assistência Social como um direito do cidadão e dever do Estado, a criação da LOAS surgiu num contexto em que o país passava por diversas mudanças histórico sociais e políticas. O país na década de 1980 passava por uma grande redemocratização após um longo período de ditadura militar. 

Após o surgimento da constituição, com a garantia de direitos à assistência social de quem dela necessitar, independente de contribuição, a LOAS veio com um papel fundamental na vida dos brasileiros. A lei veio com um papel de regular importantes programas assistenciais como é o caso do BPC (Benefício de Prestação Continuada). 

O Benefício de Prestação Continuada têm como objetivo a garantia de um mínimo assistencial a idosos acima de 65 anos que nunca contribuíram com a previdência e pessoas com deficiência que não tem condições de prover o seu sustento ou de tê-lo provido por sua família no valor de um salário mínimo, conforme previsto no art.203 inciso V da constituição, desde a implementação da lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social), surgiram critérios que regulavam a elegibilidade do indivíduo apto a receber o benefício assistencial, a exemplo desses critérios está o da renda per capita familiar. 

A LOAS em seu artigo 20 §3º menciona que após analisados todos os critérios de elegibilidade do benefício, terão direito ao benefício os idosos ou pessoas com deficiência com renda per capita familiar igual ou inferior a 1/4 do salário-mínimo. 

Este requisito presente na lei, tem se tornado controverso e motivo de diversos debates jurídicos e acadêmicos no Brasil, nos mostrando que existem diferenças entre a norma e a prática, onde o órgão regulador da concessão do benefício entende que, a renda per capita familiar não deve ultrapassar 1/4 do salário mínimo vigente, já o operador da norma entende que esse requisito não deve ser considerado absoluto, pois existem outros meios de comprovar a miserabilidade do indivíduo conforme supracitado. 

Conforme vimos anteriormente, a lei 8.742/93 sofreu uma modificação substancial para a concessão do benefício durante o período da pandemia da Covid-19. Com a entrada em vigor da lei 13.982/20, que veio trazendo com si alterações no requisito da miserabilidade para a concessão do BPC, cuja alteração mencionou que a renda per capita familiar deve ser igual ou inferior a 1/2 salário-mínimo, onde teve sua vigência somente durante o período de calamidade pandêmica referente ao Covid-19. 

O resultado que se espera com esse artigo científico são os melhores possíveis, já que ao despertar o interesse, o intuito de dar mais visibilidade e gerar mais discussões sobre o tema em debate, com isso, toda a população pode tê-lo como base para início de pesquisas a respeito e possivelmente mudar o principal ponto crítico de concessão do BCP (Benefício da Prestação Continuada) que é o requisito renda per capita familiar, de que a pessoa que solicita o benefício deve apresentar uma renda familiar mensal “per capita” inferior a 1/4 do salário mínimo, requisito este criticado pelo poder judiciário por se tratar de algo defasado, e que foi alterado com o passar do tempo diante de decisões judiciais e com base na Lei 13.982/2020 ocasionando mudanças de extremamente relevantes e que já foram colocadas de maneira clara durante o texto deste artigo. 

Por fim, para que sirva de entendimento e que sempre exista um acordo entre os órgãos da previdência social e o poder judiciário. Que a sociedade possa desfrutar melhor do seu direito prevalecendo sempre pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, eliminando assim, cada vez mais o número de pessoas que vivem em condição de miséria no Brasil. 

Referências 

BARROS, R.; FOGUEL, M.; ULYSSEA G. Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. V. 2. Brasília: IPEA, 2006. 

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