THE UNCONSTITUTIONALITY OF THE OBLIGATION TO JOIN THE SUPPLEMENTARY SOCIAL SECURITY SYSTEM CREATED BY THE LAWS OF THE STATE OF PARANÁ n. 7.567/82 AND n. 12.830/01
LA INCONSTITUCIONALIDAD DE LA OBLIGACIÓN DE AFILIARSE AL RÉGIMEN COMPLEMENTARIO DE SEGURIDAD SOCIAL CREADO POR LAS LEYES DEL ESTADO DE PARANÁ n. 7.567/82 Y n. 12.830/01
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7838511
Maurício Barroso Guedes1
RESUMO
O presente trabalho discute a filiação compulsória de escrivães, notários e registradores à Carteira de Previdência Complementar dos Escrivães, Notários e Registradores – CONPREVI, nos termos do artigo 3º da Lei Estadual/PR nº 12.830/01. Da análise da legislação vigente, bem como da jurisprudência atual, extrai-se a inconstitucionalidade desta obrigatoriedade, principalmente em atenção aos artigos 5º, XX, e 202 da Constituição Federal do Brasil. O entendimento também encontra lastro no artigo 1º da Lei Complementar nº 109/2001, bem como na hierarquia das normas federais sobre as estaduais. Por fim, firmado o entendimento de que é possível o desligamento dos filiados, ainda que por medida judicial, defende-se que estes têm direito à restituição integral dos valores recolhidos, contando-se o prazo prescricional do trânsito em julgado da decisão que lhes conceder o desligamento.
Palavras-chave: CONPREVI; previdência; obrigatoriedade; filiação; constitucionalidade.
ABSTRACT
This work discusses the compulsory subordination of clerks, notaries and registrars to the Carteira de Previdência Complementar dos Escrivães, Notários e Registradores – CONPREVI under article 3 of the State Law/PR nº 12.830/01. An analysis of current legislation and current jurisprudence is extracted from the unconstitutionality of this obligation, especially in consideration of articles 5, XX, and 202 of the Constitution of the Federative Republic of Brazil. The understanding also is backed in article 1 of the Complementary Law nº 109/2001 and the ranks of federal regulations over state laws. Finally, signed the understanding that it is possible for the shutdown of the affiliates, even by an injunction, it is argued that they are entitled to full refund of the amounts paid, by starting the statute of limitations of res judicata of the decision to grant them shutdown.
Keywords: CONPREVI; welfare; obligatoriness; subordination; constitutionality.
RESUMEN
Este trabajo discute la afiliación obligatoria de los secretarios, notarios y registradores a la Carteira de Previdência Complementar dos Escrivães, Notários e Registradores – CONPREVI, de conformidad con el artículo 3 de la Ley del Estado de Paraná nº 12.830/01. Del análisis de la legislación vigente, así como de la jurisprudencia vigente, se extrae la inconstitucionalidad de esta obligación, especialmente en atención a los artículos 5, XX y 202 de la Constitución Federal de Brasil. El entendimiento también está respaldado por el artículo 1 de la Ley complementaria nº 109/2001, así como en la jerarquía de las normas federales sobre las estatales. Finalmente, habiendo firmado el entendimiento de que es posible destituir a los miembros, aunque sea por medida judicial, se argumenta que tienen derecho a la restitución íntegra de las cantidades cobradas, contando el plazo de prescripción de la resolución definitiva que les otorgue el despido.
Palabras clave: CONPREVI; seguridad social; obligación; afiliación; constitucionalidad.
1. Introdução
A Carteira de Previdência Complementar dos Escrivães, Notários e Registradores – CONPREVI foi criada pelo Estado do Paraná em 08 de Janeiro de 1982, por meio da Lei nº 7.567/82, posteriormente alterada pela Lei Estadual nº 12.830/01.
Nos termos do artigo 3º da Lei nº 7.567/82, com a criação deste regime de previdência privada, de caráter complementar ao regime geral de previdência social, todos os escrivães, notários e registradores nomeados antes da publicação da Lei nº 8935/94 tornaram-se filiados automáticos da CONPREVI. Por sua vez, os que viessem a ser nomeados após 18 de novembro de 1994 seriam filiados compulsórios da Carteira. Com base nesta lei, a CONPREVI impõe a obrigatoriedade da contribuição, exigindo o pagamento regular de todos os escrivães, notários e registradores do Estado do Paraná.
Ocorre que, por determinação do artigo 40 da Lei nº 8.935/94, e do art. 201 da Constituição Federal, escrivães, notários e registradores também são vinculados obrigatórios da previdência social de âmbito federal.
Entretanto, inúmeros titulares de Serventias não possuem interesse em continuar filiados à CONPREVI, motivo pelo qual têm buscado administrativamente seu desligamento. Porém, a Carteira tem recusado todo e qualquer pedido, alegando para tanto que a contribuição seria obrigatória por força das Leis Estaduais nº 7.567/82 e nº 12.830/01, sendo impossível o desligamento.
Diante de tal situação, vários escrivães, notários e registradores têm buscado judicialmente, com sucesso, a declaração da facultatividade da contribuição e a restituição das parcelas pagas.
Neste sentido, o presente estudo tem por objeto a análise da constitucionalidade da obrigatoriedade de contribuição para a CONPREVI à luz da jurisprudência nacional e, consequentemente, o direito dos titulares de Serventias notariais e registrais de se desfiliarem da Carteira e de serem restituídos de todas as contribuições realizadas até aquele momento.
2. Desenvolvimento
2.1 A Carteira de Previdência Complementar dos Escrivães, Notários e Registradores
Nos moldes do artigo 236 da Constituição Federal de 1988, a atividade notarial e de registro é exercida em caráter privado, por delegação do Poder Público, tendo sido regulamentada pela Lei Federal nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Neste ínterim, tendo por fim garantir uma melhor qualidade de vida para os integrantes da classe, em 12 de janeiro de 1982 foi criada a Carteira de Previdência Complementar dos Servidores do Poder Judiciário, regida pela Lei nº 7567/1982, sendo na época administrada pelo Instituto de Previdência do Estado (IPE).
Previa o artigo 3º daquela Lei:
Art. 3º. São filiados automáticos da Carteira instituída pela presente Lei, os serventuários da Justiça não remunerados pelos cofres públicos, já inscritos na Carteira de Pensões dos Serventuários da Justiça nos termos da Lei n°. 4.975, de 02 de dezembro de 1964, e compulsórios, os que vierem a ser nomeados, nas mesmas condições, após a publicação desta Lei.
Em 12 de janeiro de 2000 fora publicada a Lei nº 12.830/00, que alterou dispositivos da Lei nº 7.567/82, entre eles o artigo 3º, passando a prever como filiados automáticos os escrivães, notários e registradores nomeados antes da publicação da Lei nº 8.935/94, e como compulsórios os nomeados posteriormente:
Art. 3º. São filiados automáticos da Carteira de Previdência Complementar dos Escrivães, Notários e Registradores, os escrivães, notários e registradores nomeados anteriormente à publicação da Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994 e compulsórios, os que foram nomeados posteriormente (PARANÁ, Lei 12830/2000, art. 3º).
No que interessa ao presente estudo, cumpre destacar ainda outras duas alterações substanciais trazidas pela Lei nº 12.830/00: 1) retirou a administração do Instituto de Previdência do Estado – IPE e a transferiu ao Conselho de Previdência Complementar – CONPREVI, sob a supervisão do Conselho Superior; e, 2) alterou a sua denominação de “Carteira de Previdência dos Servidores do Poder Judiciário” para “Carteira de Previdência Complementar dos Escrivães, Notários e Registradores”:
Art. 1º. Fica alterada a denominação da Carteira de Previdência dos Servidores do Poder Judiciário, criada pela Lei nº 7.567, de 08 de janeiro de 1982, para Carteira de Previdência Complementar dos Escrivães, Notários e Registradores, não remunerados pelos cofres públicos, com autonomia financeira, patrimônio próprio, administrada pelo Conselho de Previdência Complementar – CONPREVI, sob a supervisão do Conselho Superior, e regida por esta lei (PARANÁ, Lei 12830/2000, art. 1º).
Prosseguindo o estudo, ficam expressas da leitura do artigo 1º supra as seguintes características da CONPREVI: a) é um regime de previdência privado, exclusivo para escrivães, notários e registradores não remunerados pelos cofres públicos; b) é um regime de previdência complementar; c) possui autonomia administrativa, financeira e patrimônio próprio.
Posto isso, passamos à análise das características inerentes às Previdências Sociais Privadas e Complementares.
2.2 A Facultatividade dos Regimes de Previdência Social Privados e Complementares
Inicialmente, cumpre destacar que os Escrivães, Notários e Registradores, não remunerados pelos cofres públicos, estão obrigatoriamente vinculados à previdência social de âmbito federal.
Tal previsão está expressa no caput do art. 201 da Constituição Federal e no art. 40 da Lei nº 8.935/94:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (…) (BRASIL, CF/1988, art. 201)
Art. 40. Os notários, oficiais de registro, escreventes e auxiliares são vinculados à previdência social, de âmbito federal, e têm assegurada a contagem recíproca de tempo de serviço em sistemas diversos.
É possível ainda extrair do parágrafo único do artigo 40 da Lei nº 8.935/94 que aos notários e registradores são assegurados os direitos e vantagens previdenciários já adquiridos antes da edição da Lei. No entanto, desde já destaque-se que o artigo nada menciona acerca da obrigatoriedade de contribuição a regimes de previdência privada que venham a ser instituídos. Logo, não existindo qualquer previsão que obrigue notários e registradores a contribuírem a um regime de previdência privada, ainda que instituído por meio de Lei Estadual, fica aparente o primeiro ponto de incoerência na obrigatoriedade de contribuição à CONPREVI.
Sobre o ponto, Walter Ceneviva faz preciso esclarecimento ao discorrer sobre o parágrafo único da Lei nº 8.935/94, sendo expresso em tratar que a vinculação obrigatória se refere apenas para a seguridade federal, não se aplicando aos institutos previdenciários estatais:
Organizada de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, a previdência privada é facultativa, baseada na constituição de reservas que garantam o benefício contratado (art. 202). (…) A vinculação vale apenas para a seguridade federal. A regra do artigo comentado não se aplica aos institutos previdenciários estaduais. Autorizada que seja, pela lei local, a filiação voluntária à entidade de previdência existente no Estado, não há impedimento a que os interessados a adotem (CENEVIVA, 2007, p. 295).
Também sobre o tema, cumpre destacar o voto proferido no julgamento do REsp 615.088, do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que traz a interpretação de que o artigo 40 da Lei nº 8.935/40 nada fala a respeito de previdência privada:
“(…) A Lei Federal n.º 8.935/94, que regulamenta, por sua vez, o art. 236 da CF, dispõe em seu art. 40 sobre a seguridade social dos serviços notariais e de registro, vinculando os notários, oficiais de registro, escreventes e auxiliares, à previdência social, de âmbito federal, assegurando-lhes os direitos e vantagens previdenciários adquiridos até a data da publicação da Lei. Note-se que a ressalva do parágrafo único do art. 40 da Lei n.º 8.935/94 refere-se explicitamente a direitos, em especial ao instituto do direito adquirido, e não à obrigatoriedade contributiva em relação a outro sistema previdenciário, notadamente ao regime de previdência complementar facultativo. Aliás, nada menciona a referida Lei a respeito da previdência privada. Dessa forma, toma-se como rumo o art. 1º da Lei Complementar n.º 109/01, acima copiado, para tecer o raciocínio a ser emprestado a este processo, sobretudo diante da coexistência harmoniosa entre a CF e a referida Lei, harmonia que não se repete entre estas e as Leis estaduais que nortearam a fundamentação do acórdão recorrido, as quais não serão objeto de análise porque inviável sua apreciação no recurso especial interposto com fundamento na alínea “a” do inc. III do art. 105 da CF (BRASIL, STJ, 2006, REsp 615.088/PR).
E, ao nosso ver, nem poderia ser diferente.
Isto porque, com relação à previdência privada, o caput do artigo 202 da Constituição Federal prevê de forma expressa que todos os regimes de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social serão facultativos:
Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. (BRASIL, CF/1988, art. 202)
Nesse ínterim, com o intuito de regulamentar tal dispositivo constitucional, o Poder Legislativo Federal editou, em 29 de Maio de 2001, a Lei Complementar nº 109, que dispõe especificamente sobre o Regime de Previdência Complementar.
Dessa Lei Complementar merece destaque o artigo 1º, que repete a redação constitucional:
Art. 1º O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, é facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício, nos termos do caput do art. 202 da Constituição Federal, observado o disposto nesta Lei Complementar (BRASIL, LC 109/2001, art. 1º).
Como se vê, dos regramentos acima se extrai que os regimes de previdência privada, de caráter complementar, autônomos em relação ao regime geral de previdência social, devem ser facultativos aos seus associados, podendo estes se desligarem de tais regimes a qualquer tempo!
Entretanto, mesmo tendo a Constituição Federal e a Lei Complementar nº 109/2001 previsto que todo o regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social será facultativo, estranhamente persiste a obrigatoriedade de contribuição por parte de notários e registradores do Estado do Paraná à CONPREVI.
A doutrina, como não poderia deixar de ser, é uníssona no sentido de que, nos casos de previdências complementares nos termos do art. 202 da CF, elas são facultativas, ou seja, filiam-se a elas quem quiser, devendo ser mais uma opção ao dispor dos interessados:
O preceito inovou sobremaneira na ordem constitucional pátria. Em primeiro lugar, institui um sistema de previdência privada, cujo traço primordial é a autonomia. Significa que ele independe da previdência social. Por outro lado, é facultativo, ou seja, não é obrigatório. Filia-se a ele quem quiser, sendo uma opção a mais posta ao dispor dos interessados. Logra, também, caráter complementar, porque visa atender aqueles que não estão ligados ao regime geral previdenciário do art. 201. Faz-se através de contrato, cabendo à lei complementar estabelecer suas diretrizes específicas (BONAVIDES, 2009, p. 1307).
Neste sentido, também é preciso José Afonso Martins ao discorrer sobre os regimes de previdência complementar:
Regime de previdência complementar – O art. 202, com redação dada pela EC-20/98, estabelece regras para a instituição do regime de previdência complementar, a ser organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social. Este último é público, porque instituído e mantido pelo Poder Público, e obrigatório, porque a ele têm que se filiar todos os trabalhadores celetistas. O outro é privado e facultativo, baseado na contribuição de reservas que garantam o benefício contratual, regulado por lei complementar (Lei Complementar 109, de 29.5.2011). É complementar, porque destinado a suplementar os benefícios previdenciários para aqueles que a ele aderirem. Isso não quer dizer que a concessão dos benefícios pela previdência complementar dependa da concessão de benefício pelo regime geral da previdência (art. 68, §2º, da Lei Complementar 109/2001) (SILVA, 2010, p. 795).
Logo, se as Leis Estaduais nº 7.567/82 e nº 12.830/01 preveem que a CONPREVI é uma Carteira de Previdência PRIVADA, COMPLEMENTAR e AUTÔNOMA, e a Lei Complementar nº 109/01 prevê que todo regime de previdência PRIVADA, de caráter COMPLEMENTAR e organizado de forma AUTÔNOMA SERÁ FACULTATIVO, resta evidente a impossibilidade de se reputar obrigatória a contribuição à CONPREVI.
Quanto à obrigatoriedade do regime ofertado pela CONPREVI, o Min. Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, proferiu importante entendimento no Recurso Extraordinário nº 600.392, no sentido de que a adesão a regime de previdência privada, de caráter complementar, é facultativa, conforme previsto no art. 202 da Constituição.
Assim, de plano é possível verificar que caracterizar um regime de previdência privada complementar como obrigatório é afronta aos ditames constitucionais que determinam a facultatividade destes regimes privados.
A simples redação do artigo 202 da Constituição Federal c/c art. 1º da Lei Complementar nº 109/2001, por si só, demonstra a inconstitucionalidade da obrigatoriedade de aludida contribuição, justificando o direito dos interessados em se desvincularem da CONPREVI. Ademais, existem outros fundamentos que sustentam nossa tese, conforme exposto nos próximos tópicos.
2.3 Do Princípio da Livre Associação do art. 5º, inciso XX, da Constituição Federal de 1988
Não obstante a previsão constitucional de que todo o regime de previdência privada e complementar será facultativo, a obrigatoriedade de contribuição prevista na Lei nº 12.830/01 ainda afronta diretamente à cláusula pétrea prevista no art. 5º, inciso XX, da Constituição Federal, que prevê que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado; (BRASIL, CF/1988, Art. 5º)
Como cláusula pétrea este artigo possui aplicação imediata e universal, devendo qualquer dispositivo legal que o afronte ser riscado do ordenamento pátrio.
Assim, entendemos que se a própria Constituição Federal prevê a intangibilidade das garantias individuais, não sendo possível alterá-las nem através de Emenda Constitucional, não se poderia aceitar que normas infraconstitucionais (Leis Estaduais nº 7.567/82 e nº 12.830/01), venham restringir o âmbito de alcance do garantia constitucional à livre associação.
Sobre o artigo 5º, XX, da CF/88, esclarecedora a posição de José Afonso da Silva:
A liberdade de associação, de acordo com o dispositivo constitucional em exame, contém quatro direitos: o de criar associação (e cooperativas na forma da lei), que não depende de autorização; o de aderir a qualquer associação, pois ninguém poderá ser obrigado a associar-se; o de desligar-se da associação, porque ninguém poderá ser compelido a permanecer associado; e o de dissolver espontaneamente a associação, já que não se pode compelir a associação a existir. (…) (SILVA, 2010, p. 267)
Seguindo o mesmo entendimento, Paulo Bonavides discorre:
O dispositivo reforça o supra anotado inciso XVIII, trazendo o que a doutrina denomina liberdade negativa de associação. Contém a ideia de que o direito de associação assegura à pessoa a liberdade de não ingressar em nenhuma associação (ou cooperativa) contra a sua vontade, nem tampouco manter vínculo de permanência. Eis aí a regra aplicada, incondicionalmente, às pessoas de direito privado, porque estas, através de um simples ato unilateral de vontade, podem romper os laços da affectio societatis. Para tanto, basta que haja o desinteresse dos membros (ou de um membro do grupo) em perseguir os mesmos ideais, desvirtuando os propósitos, outrora contemplados em comum acordo, do pacto societário (BONAVIDES, 2009, p. 184).
No entanto, contrariando a cláusula pétrea, a Lei instituidora da CONPREVI impõe uma obrigatoriedade de filiação, sem qualquer possibilidade de desligamento.
Cumpre ressaltar que o termo “associação”, empregado no artigo 5º, inciso XX, da Constituição Federal, tem aplicação ampla e extensiva a todas as formas de vínculos com entidades privadas existentes, motivo pelo qual comporta aplicação ao presente caso. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário nº 482.207, já reconheceu a facultatividade de associação ao regime de previdência privada e complementar da CONPREVI, não sendo mais admissível que a Carteira continue considerando os notários e registradores como contribuintes “automáticos/compulsórios e obrigatórios”, sem possibilidade de desvinculação. Portanto, nos parece evidente a profunda arbitrariedade das Leis Estaduais nº 7.567/82 e nº 12.830/01, que preveem a obrigatoriedade do regime de previdência privada de caráter complementar da CONPREVI.
A propósito, não fosse este o entendimento, então se aceitaria que uma Lei Estadual poderia alterar o Texto Constitucional. Afinal, embora exista expressa previsão na Constituição quanto à liberdade de associação, as Leis Estaduais em comento criam um vínculo de previdência social complementar e privado obrigatório a todos os integrantes da classe no Estado do Paraná.
Por sua vez, muito embora ainda vigentes as Leis que criaram a CONPREVI, vai se pacificando o entendimento no Tribunal de Justiça do Paraná e no Superior Tribunal de Justiça pela facultatividade da filiação, confirmando o posicionamento do STF. Em corroboração, a Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, em seu voto proferido no julgamento do Recurso Especial nº 615.088/PR.
Porém, mesmo diante destes entendimentos jurisprudenciais ainda há quem defenda a inexistência de qualquer violação ao art. 5º, inc. XX da CF/88, sob o argumento de que “a CONPREVI não seria uma associação”, e de que a contribuição seria uma espécie de “tributo”, motivo que autorizaria sua obrigatoriedade.
Ocorre que, conforme visto, a CONPREVI é um regime de previdência privada e complementar, criado por lei estadual, com o objetivo de complementar os benefícios recebidos por aposentados que já recebem aposentadoria pelo Regime Geral de Previdência Social.
Tanto o é, que os beneficiários da Carteira também são beneficiários do INSS ou do Paraná Previdência, não sendo cabível aceitar a obrigatoriedade de filiação a outro regime de previdência e, em especial, um regime de previdência privada e complementar que sequer confere benefícios próximos aos valores pagos pelos planos de previdência obrigatórios.
Na verdade, a CONPREVI equipara-se a uma associação, como por exemplo o PREVI – Plano de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil, onde os interessados filiam-se por vontade própria, podendo desfiliar-se quando bem entenderem, sem estarem sujeitos a cobranças indevidas ou obrigações descabidas, como requer a Carteira.
Outrossim, a Lei Estadual instituidora da CONPREVI é clara ao determinar que todo escrivão, notário e registrador filiar-se-á ao regime ofertado. Assim, não há discussão quanto à intenção dos legisladores em criar um regime de previdência privada e complementar, nos moldes de tantos outros existentes no país afora que, diferentemente da CONPREVI, respeitam os ditames constitucionais do ordenamento jurídico brasileiro.
A propósito, ressalte-se novamente a supracitada decisão na qual o Supremo Tribunal Federal (2009, RExt 482.207), excelso guardador das normas constitucionais da nação, reconhece a facultatividade do regime ofertado pela CONPREVI e afirma que “a faculdade de os interessados aderirem a plano de previdência privada decorre de norma inserida no próprio texto constitucional”.
Desta forma, entendemos que não há que se discutir a obrigatoriedade de um regime de previdência privada e complementar expressamente reconhecido por nossa casa julgadora maior como um regime facultativo.
Também entre os argumentos utilizados pelos que defendem não ser possível o desligamento dos contribuintes da Carteira está a alegação de que a CONPREVI deixaria de ter recursos suficientes para arcar com as previdências de aproximadamente 900 aposentados, que dependiam dos benefícios percebidos.
Alegam o que denominam de fator social para justificar a impossibilidade de desligamento dos atuais contribuintes. A obrigação da filiação se justificaria pela necessidade de continuar concedendo os benefícios àqueles já aposentados, uma vez que seria feito utilizando-se dos valores arrecadados atualmente.
Todavia, aqueles que defendem esta ideia ignoram os princípios básicos de qualquer Regime de Previdência Privada. Um regime de previdência só é criado caso haja previsão de receita para manter os contribuintes que venham a se aposentar no futuro, existindo, para isso, um prazo mínimo de contribuição. Ainda, parte-se do princípio de que as contribuições feitas pelos optantes desse regime converter-se-ão em benefício dos próprios contribuintes no futuro.
Assim, não há que se falar em “fator social”, uma vez que os aposentados de hoje são os contribuintes do passado, que confiaram parte de seus rendimentos a uma carteira de previdência responsável pela administração de seus fundos para que pudessem ser resgatados num futuro, como complementação à aposentadoria percebida pelo regime geral da previdência social.
Aliás, alegar que a CONPREVI necessita das parcelas recolhidas pelos atuais contribuintes para pagar os valores aos aposentados seria o mesmo que alegar que a Carteira encontra-se deficitária, o que geraria ainda maior insegurança aos filiados.
E se assim não o fosse, se considerarmos que os atuais aposentados tenham contribuído à Carteira desde o início de sua existência (quando se supõe não havia aposentados, pois até então também não haviam filiados), o que teria sido feito dos valores contribuídos por estes à época? A resposta lógica (ou ao menos a que se espera) é exatamente a de que estes valores estão aplicados, sendo gerenciados pela Carteira para uma posterior complementação à previdência do filiado.
A propósito, também é completamente descabido o argumento de que os aposentados ficariam completamente desamparados se, por qualquer motivo, deixassem de perceber os proventos advindos da CONPREVI.
Isto porque, conforme já exposto, os idosos que recebem os benefícios do CONPREVI são também, no mínimo, beneficiários do Regime Geral de Previdência Social. Assim, a CONPREVI não passa de uma complementação (afinal é uma “Carteira de Previdência Complementar….”) aos valores recebidos e, diga-se de passagem, complementação ínfima proporcionalmente aos valores recolhidos.
Um regime de previdência privada complementar não visa reduzir as desigualdades sociais, mas sim garantir uma renda a pessoas que não possam mais laborar ou que já contribuíram o bastante para a nação. Ademais, para alcançar tal fim é que existem os regimes gerais de previdência social, sendo os demais somente complementação às pessoas que desejam aumentar sua renda após determinado momento de sua vida.
Assim, de todo o exposto verifica-se que a obrigatoriedade de contribuição à CONPREVI não apenas afronta diretamente ao artigo 202 da Constituição Federal, como também ao art. 5º, inc. XX do mesmo diploma, reforçando a tese de que é inconstitucional.
2.4 Da Competência Legislativa Concorrente Entre União e Estados
Há ainda quem defenda a legalidade da obrigatoriedade da filiação de Escrivães, Notários e Registradores à CONPREVI sob a alegação de que a Constituição Federal e a Lei Complementar nº 109/2001 não retroagirá para apanhar os efeitos da Lei nº 7.567/82 e suas modificações, uma vez que estas seriam Leis Específicas e ainda estariam em vigor.
Com base neste argumento, defendem que não se pode falar em facultatividade da filiação à CONPREVI à luz do artigo 1º da Lei Complementar nº 109/2001 e artigos 5º, XX, e 202 da Constituição Federal.
Defendem que a competência para legislar em matéria de previdência social seria concorrente para União e Estados, sendo possível o Estado do Paraná criar uma Previdência Complementar também obrigatória.
No entanto, ousamos discordar desta posição.
Para uma melhor compreensão do tema, façamos uma rápida consideração sobre a competência legislativa concorrente entre União e Estados.
De acordo com o artigo 24, inciso XII, da Constituição Federal de 1988, a União, os Estados e o Distrito Federal têm competência concorrente para legislar acerca de matéria referente à previdência social. Assim, a competência concorrente é utilizada para o estabelecimento de padrões, normas gerais ou específicas, sobre determinado tema. Dessa forma, prevê a possibilidade de disposição sobre o mesmo assunto ou matéria, por mais de um ente federativo (União, Estados e Distrito Federal).
Contudo, quando a União edita normas legais dentro de sua competência concorrente, cabe aos Estados-membros apenas suprir lacunas e claros existentes na legislação federal, devendo sempre tomar cuidado para não contrariar a legislação federal que regulamenta o assunto.
Em outras palavras, nos casos em que forem editadas normas legais pela União, dentro de sua competência concorrente, compete aos Estados-membros somente suprir as lacunas e claros existentes na legislação federal, nunca de forma contrária à legislação federal.
Nesse ínterim, não há que se olvidar a verticalidade entre as normas federais e estaduais. Vejamos, por exemplo, os dizeres do doutrinador Gilmar Ferreira Mendes:
(…) não há falar em preenchimento de lacuna, quando o que os Estados ou o Distrito Federal fazem é transgredir lei federal já existente”. (…) “se a União vier a editar norma geral faltante, fica suspensa a eficácia da lei estadual, no que contrariar o alvitre federal (MENDES, 2008).
Quanto ao tema, o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 615.088, já se pronunciou especificamente sobre a hierarquia da Lei Federal nº 8.935/94 e da Lei Complementar nº 109/01 sobre a Lei Estadual nº 12.830/01.
Na mesma esteira, há aqueles que defendem que a Constituição Federal pode ser “deixada de lado” por determinação legal advinda de um Estado-Membro, se este tiver a convicção de que está atingindo um fim social. No entanto, é uníssono que a Constituição Federal está acima de qualquer lei estadual e, caso essa não esteja alinhada aos ditames constitucionais, a lei estadual deve ser desconsiderada e ignorada, prevalecendo, sempre, o ordenamento constitucional brasileiro.
Assim, não existe a possibilidade de o Estado obrigar notários e registradores a contribuírem para mais um regime de previdência, já que a lei federal nº 8.935/94, que regulamenta a atividade dos notários e registradores, determina, em seu art. 40, que estes são obrigatoriamente vinculados à previdência social, de âmbito federal.
Desse modo, não merece guarida as alegações de manutenção das contribuições para se atingir um fim social, haja vista estar tal regime de previdência em total dissonância com os ditames constitucionais do Direito Pátrio, além de afrontar diretamente as leis editadas pela União. Nesse sentido, todas as determinações legais dos Estados-Membros que contrariarem a Lei Federal devem ser riscadas do ordenamento pátrio, sob pena de ferir a competência concorrente entre os entes federados.
Assim sendo, é inegável o caráter facultativo atribuído aos regimes de previdência privada complementar e, em especial, ao regime ofertado pela CONPREVI, devendo ser as Leis Estaduais em questão adequadas aos preceitos constitucionais e à Lei Complementar nº 109/01.
Assim, defendemos o entendimento de que a existência de Lei Federal que trata sobre a matéria previdenciária não pode ser sobreposta por Lei Estadual, mesmo que esta seja anterior a Lei Federal, inexistindo qualquer direito adquirido pela CONPREVI.
3. Do Direito de Restituição dos Valores Pagos
Conforme demonstrado, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 202, prevê que todo regime de previdência privada, de caráter complementar, será facultativo, devendo ser regulado por lei complementar. Diante disso, no exercício de sua competência legislativa, a União elaborou e publicou a Lei Complementar nº 109/2001, que regulamentou todos os regimes de previdência complementar.
Desse modo, restou aos Estados-membros e ao Distrito Federal a liberdade de, quando da criação de regimes de previdência privada complementar, apenas “preencher as lacunas” existentes na Lei Complementar nº 109/2001, evitando editar normas que a contrariassem. Logo, nos termos expostos, não há o que se discutir no que se refere ao fato de que a Lei Complementar nº 109/2001 é hierarquicamente superior às Leis Estaduais nº 7.567/82 e nº 12.830/01, servindo de norte nos casos em que estas sejam omissas e prevalecendo naqueles em que houver divergência.
Posto isso, uma vez que as Leis Estaduais que regulam a CONPREVI preveem que esta será obrigatória (ressalte-se, de modo equivocado), não possuem qualquer previsão sobre o resgate das contribuições realizadas em casos de desligamentos (via de regra judiciais).
Portanto, não havendo qualquer previsão de resgate das contribuições nas leis que instituíram a CONPREVI, faz-se imperiosa a aplicação da Lei Complementar nº 109/01, que prevê expressamente, em seu artigo 14, inciso III, a possibilidade de resgate da totalidade das contribuições vertidas ao plano pelo participante, descontadas apenas as parcelas do custeio administrativo:
Art. 14. Os planos de benefícios deverão prever os seguintes institutos, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador: (…) III – resgate da totalidade das contribuições vertidas ao plano pelo participante, descontadas as parcelas do custeio administrativo, na forma regulamentada; (BRASIL, LC 109/2001, art. 14)
Assim, não apenas é direito dos notários e registradores do Estado do Paraná se desfiliarem do regime de previdência privada e complementar da CONPREVI, como também de serem restituídos de todas as contribuições realizadas, nos termos do artigo 14, III, da Lei Complementar nº 109/01. Mais, prevê a Súmula 289 do Superior Tribunal de Justiça que a restituição das parcelas pagas deve ser corrigida monetariamente por índice que reflita a sua real desvalorização durante todo o período de contribuição para a carteira de previdência privada.
Há ainda quem defenda que, nos casos de restituição, se aplicaria ao caso o prazo prescricional de 05 (cinco) anos, contados da distribuição de eventual ação judicial, nos termos do art. 75 da Lei Complementar nº 109/2001. No entanto, tal interpretação não nos parece razoável.
Inicialmente, pois já é entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça que é direito do ex-associado à restituição integral das contribuições vertidas à entidade quando de seu desligamento. Nesse sentido foram as decisões proferidas no Agravo Regimental no Recurso Especial nº 882555/RN (BRASIL, STJ, 2007), no Agravo Regimental no Recurso Especial nº 816545/SE (BRASIL, STJ, 2006) e no Recurso Especial nº 456.413/PR (BRASIL, STJ, 2003).
Uma vez declarado judicialmente o direito do notário/registrador a não se manter filiado ao CONPREVI, por óbvio este deixará de receber o benefício complementar quando de sua aposentadoria. Assim, a retenção pela Carteira de qualquer valor configura enriquecimento ilícito, uma vez que terá se apropriado das quantias sem necessitar fornecer qualquer contrapartida posterior. Isso porque, com a procedência de uma eventual demanda judicial, o notário/registrador obterá seu desligamento da CONPREVI, de forma que não mais irá se beneficiar dos recolhimentos efetuados.
A arrecadação das contribuições se justifica pela futura complementação do benefício previdenciário, que não mais se consumou com o desligamento do contribuinte da referida Carteira. Logo, se o notário/registrador beneficiaria a si próprio com as contribuições realizadas, resta evidente que a retenção de qualquer valor pela CONPREVI importaria em Enriquecimento Ilícito por sua parte, uma vez que o titular de Serventia terá recolhido diversos anos de contribuição sem receber qualquer contrapartida.
Já quanto a uma eventual prescrição, necessário primeiramente atentar ao fato de que os notários e registradores são filiados automáticos/compulsórios da CONPREVI, de forma que somente com a declaração judicial de seu direito de se desfiliar da carteira é que nasce o direito à restituição dos valores pagos.
Assim sequer existe a possibilidade de os titulares de Serventia pleitearem a restituição das parcelas em momento anterior à uma declaração judicial, sendo que o direito ao ressarcimento integral surge apenas com o desligamento do Regime de Previdência Complementar em questão, de forma que entendemos não ser possível falar em prescrição de qualquer parcela. Sendo o direito à restituição inerente à possibilidade de se desfiliar, entendemos que não há como estar prescrito direito que ainda sequer existe.
Dessa forma, defendemos que uma eventual contagem de período prescricional somente iniciar-se-ia em relação à devolução das parcelas indevidas (como um todo) a partir do trânsito em julgado de ação judicial (nascimento do direito), quando então se iniciaria o prazo prescricional.
Iniciando-se o prazo prescricional somente com o trânsito em julgado de ação judicial, e sendo de plano requerida a restituição dos valores, resta evidente que não há o que se falar em direito à restituição apenas das parcelas recolhidas nos últimos 05 (cinco) anos.
Assim, entendemos que todos os atuais contribuintes da CONPREVI possuem direito à integral restituição de todos os valores recolhidos, com correção monetária, conforme previsão do artigo 14 da LC 109/2001 c/c Súmula 289 do Superior Tribunal de Justiça.
4. Conclusão
A Carteira de Previdência Complementar dos Escrivães, Notários e Registradores – CONPREVI, criada pelo Estado do Paraná em 08 de Janeiro de 1982, através da Lei nº 7.567/82, posteriormente alterada pela Lei Estadual nº 12.830/01, teve sua criação lastreada pelo legítimo interesse de conferir à classe uma maior renda após a aposentadoria. No entanto, ao prever a obrigatoriedade de contribuição a todos os indivíduos pertencentes à classe esbarra nas disposições constitucionais e nas previsões de leis federais.
E aí reside sua maior falha.
Durante inúmeros anos os titulares de Serventias Judiciais e Extrajudiciais do Estado do Paraná vêm contribuindo à CONPREVI, sem possuir qualquer informação de possíveis benefícios, ou mesmo tendo a intenção de se aposentar. Contribuem mensalmente com percentuais de sua renda pela simples obrigação de ter que contribuir. E assim muitos o fazem até hoje.
Entretanto, quase em sua totalidade os titulares estão descontentes com tal situação, que afronta diretamente aos seus direitos pessoais. E isto se agrava principalmente diante do fato de que o valor das contribuições vertidas à carteira é completamente desproporcional aos valores dos benefícios que lhe serão pagos posteriormente.
Por este motivo, a cada dia cresce o número de titulares de Serventias Notariais e de Registro, bem como de Serventias Judiciais, que buscam a justiça para ver garantido seu direito constitucional de se desfiliar. E argumentos não faltam.
Como exposto ao longo de todo este trabalho, estas ações judiciais têm respaldo nos seguintes argumentos: 1) que a Lei Federal nº 8.935/94 prevê que notários e registradores apenas estão obrigados a se vincular ao regime de previdência social geral, não estendendo tal condição a outro sistema previdenciário; 2) que o art. 1º da Lei Complementar nº 109/01 e o art. 202 da Constituição Federal preveem que todo o regime de previdência privado, complementar e autônomo será facultativo; 3) que a Constituição Federal prevê em seu art. 5º, inciso XX, que ninguém será compelido a se associar ou permanecer associado; 4) e que as Leis Estaduais nº 7.567/82 e nº 12.830/01 são hierarquicamente inferiores às demais, torna-se imperioso reconhecer a inconstitucionalidade e inaplicabilidade do artigo 3º da Lei Estadual nº 7.567/82, alterada pela Lei Estadual nº 12.830/01, que preveem a obrigatoriedade de filiação a CONPREVI.
Diante disto, o Poder Judiciário, seja no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, vem constantemente reconhecendo o direito de notários e registradores se desvincularem da Carteira.
A propósito, o grande número de decisões neste sentido nos possibilita dizer que já temos consolidado este entendimento jurisprudencial.
Mais, reconhecida a sua inconstitucionalidade, tem-se reconhecido ser devida a restituição de todas as parcelas recolhidas pelos titulares em favor do fundo, independentemente do período, devendo a contagem do período da prescrição se iniciar apenas com o efetivo desligamento da Carteira.
Este entendimento, por sua vez, encontra respaldo na leitura conjunta da redação do artigo 14, inciso III, da Lei Complementar nº 109/01 c/c Súmula 289 do Superior Tribunal de Justiça, entendendo as decisões dos mais diversos Tribunais pelo direito ao resgate da totalidade das contribuições vertidas ao plano, devidamente corrigidas monetariamente.
Na realidade, a crescente onda de ações contra a obrigatoriedade de contribuição para a CONPREVI acaba colocando em questão a administração da Carteira. Isto porque, se devidamente administrada (como se espera tenha sido) certamente terá patrimônio suficiente para honrar todos os pedidos judiciais de restituição dos valores que lhe foram recolhidos. Entretanto, se a administração não tiver sido zelosamente realizada corre-se o risco de não haver disponibilidade financeira suficiente para o pagamento daqueles que se desvincularem. E se isto ocorrer, aí sim poderá causar impacto sobre os atuais aposentados.
Entretanto, muito embora exista o risco de que estas ações causem uma insolvência da CONPREVI, causando prejuízo aos aposentados que já percebem os rendimentos, é certo também que esta possibilidade, por si só, não pode ser argumento capaz de afastar o direito constitucional dos demais contribuintes se desvincularem da Carteira.
Assim, entendemos que é inconstitucional o artigo 3º da Lei nº 12.830/01 que prevê como filiados automáticos os escrivães, notários e registradores nomeados antes da publicação da Lei nº 8.935/94 e compulsórios, os que foram nomeados posteriormente, sendo direito dos contribuintes se desligarem e obterem a restituição integral dos valores vertidos à Carteira, com a devida correção monetária.
E uma vez fixado este entendimento, autorizando aos contribuintes a se desligarem da Carteira, compete à CONPREVI melhorar seus benefícios e convencer aos contribuintes das vantagens de permanecerem filiados. Porém, que o façam por opção própria, e não apenas diante da obrigação que a Lei nº 12.830/01 lhes impõe.
REFERÊNCIAS
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1Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Pós-graduado em Direito pela UniCuritiba. Advogado. Email: mauricio@macedoguedes.com.br