REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8400433
Anna Isabel Cardoso Murta Botelho
Amanda Nathália Silva Mendes
Bruno Vinicius de Castro
Danielly de Jesus Oliveira Durães
Ellen Karen Soares Souza
Gabriel Araújo Viana
Janine Ferreira Silva Matos
Pablo Cardoso de Souza
Maria Eduarda Soares
Rafhaella Larissa Pereira Araújo
RESUMO
O presente trabalho visa analisar uma das alterações advindas da lei 14.230, à Lei de Improbidade Administrativa (LIA). A novel legislação, dentre outras alterações, destaca-se a introdução do instituto da prescrição intercorrente nos processos de improbidade administrativa. Dessa forma, questiona-se a possibilidade de aplicação de tal mecanismo nos processos em trâmite. Nesse sentido, para tal abordagem realizou-se pesquisas exploratórias, revisões bibliográficas, trazendo posicionamento de diversos doutrinadores, como também análise comparativa das referidas leis, jurisprudências e decisões atualizadas acerca do tema, em especial dos nossos Tribunais Superiores. Além disso, foi realizada análise comparativa do tema em questão, no que se refere às areas do Direito Administrativo e Direito Penal, nesse último, destacou-se a possibilidade de a lei penal retroagir para benefício do réu, como também o que se refere ao direito procesual. Diante de tais pesquisas, conclui-se que a Lei de Improbidade administrativa, n. 8.429/92, integra o Direito Administrativo Sancionador. Destarte, é elucidado que a aplicabilidade da prescrição intercorrente ocorre somente em processos não transitados em julgado quando do advento da lei 14.230 respeitando, portanto, a segurança jurídica. Além disso, deve ser observado cada caso específico, somente assim, o juízo competente decidirá acerta da aplicabilidade ou inaplicabilidade da prescrição intercorrente nesses processos.
Palavras-chave: Lei de Improbidade administrativa. Prescrição intercorrente. Direito Administrativo Sancionador.
INTRODUÇÃO
O presente artigo explicita a modificação na Lei 8.429/92, trazida pela Lei 14.230, no que se refere à (in)aplicabilidade da prescrição intercorrente nos processos de improbidade administrativa em trâmite. Ocorre que a novel legislação introduz normas mais benéficas ao réu imputado ímprobo, a possibilidade de negociação dos benefícios advindos da lei supramencionada, que significaria, num primeiro momento, o fim de considerável quantidade de processos sem a imposição de qualquer sanção aos réus, sobretudo, no que se refere à prescrição intercorrente. Tamanha relevância do tema foi analisado pelo Supremo Tribunal Federal no ARE 843.989/PR (Repercussão Geral 1199). Diante desse contexto, busca explorar no presente estudo, a possibilidade de aplicação de tal instituto nos processos, utilizando a pesquisa bibliográfica, teórica e jurídica. Com esse propósito, o trabalho foi estruturado em três capítulos. No primeiro, será abordada de maneira abrangente, a improbidade administrativa: definição do termo, um breve histórico de como o tema era corriqueiramente tratado nas Constituições Brasileiras e como se fez necessária a criação de lei específica que tratasse do tema; sua natureza jurídica, sendo de Direito Administrativo Sancionador, tendo em vista o caráter repressivo da norma; e, por conseguinte, os sujeitos da ação. Posteriormente, no segundo capítulo, será explorado o instituto da prescrição intercorrente. Inicialmente, o conceito de prescrição, retratando sobre as diversas áreas de utilização, Direito Civil, Penal e Administrativo. E enfim, abordar-se-á o efetivo problema de pesquisa, (in)aplicabilidade da prescrição intercorrente nos processos de improbidade administrativa, sendo expostas decisões relevantes, a repercussão geral do STF, e, por fim, jurisprudências, que evidenciam como são tratados o tema na prática.
1 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
1.1 BREVE HISTÓRICO
A improbidade administrativa, segundo Maria Sylvia Di Pietro (2014, p.899), desde sempre é positivada no direito brasileiro como ato ilícito, para os agentes políticos, sendo, a princípio, prevista como crime de responsabilidade.
Nesse sentido, as Constituições Brasileiras, corriqueiramente, se preocupam com a probidade administrativa, o que se vê desde a Constituição de 1891 que, traz, por exemplo, o que são crimes de responsabilidade praticados pelo agente político.
Em sequência, o gestor passou a responder por agressão à probidade como apta a gerar a figura do crime de responsabilidade, é também encontrado na Constituição de 1934, que em art. 57, define como crimes de responsabilidade os atos realizados pelo Presidente contra a probidade da administração. Presente também na Constituição de 1937, cujo art. 85, IV define como crime de responsabilidade não somente os atos contra a administração, como também, à Constituição Federal. Sobrevindo neste mesmo sentido a Constituição de 1946 em seu art. 89, V, a Constituição de 1967 no seu art. 84, V e também a Constituição de 1969 no enunciado do art. 82, V.
E o que se vê no quadro adiante:
Quadro 1
CONSTITUIÇÃO | ARTIGO | ENUNCIADO |
1891 | 54, 6º | São crimes de responsabilidade os atos do Presidente que atentarem contra: a probidade da administração; |
1934 | 57, f | São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República, definidos em lei, que atentarem contra: a probidade da administração; |
1937 | 85, d | São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República definidos em lei, que atentarem contra: a probidade administrativa e a guarda e emprego dos dinheiros público; |
1946 | 89, V | São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição federal e, especialmente, contra: a probidade na administração; |
1967 | 84, V | São crimes de responsabilidade os atos do Presidente que atentarem contra a Constituição federal e, especialmente: a probidade na administração; |
1969 | 82, V | São crimes de responsabilidade os atos do Presidente que atentarem contra a Constituição Federal e, especialmente: a probidade na administração; |
Fonte: Elaboração própria.
E, indubitavelmente, a vigente Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB), versa sobre o tema em seu artigo 37, § 4º, in verbis:
§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
Nesse ínterim, em seu art. 37, a CRFB assevera que: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (…)”.
Entretanto, o texto constitucional, em epígrafe, trata-se de norma de eficácia limitada, fazendo-se necessária a regulamentação por lei específica. Nesse sentido, aduzem Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2017, p.1056) que:
Consoante se constata, o dispositivo constitucional não define improbidade administrativa, nem aponta os possíveis sujeitos ativos e passivos desses atos. Limita-se a enumerar, imperativamente, um núcleo mínimo de sanções que devem ser aplicadas, “na forma e gradação prevista em lei”, àqueles que praticarem atos de improbidade administrativa.
Destarte, com o objetivo de regulamentar o art. 37, §4º da CRFB, foi sancionada em 02 de junho de 1992, a Lei n. 8.429, conhecida como “Lei de Improbidade Administrativa (LIA)”, que:
Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.
Não obstante, em 25 de outubro de 2021, foi publicada a Lei n. 14.230, que alterou a Lei n. 8.429/92 a qual dispõe sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, de que trata o § 4º do art. 37 da Constituição Federal, além de conceituar e definir os atos de improbidade administrativa.
Impende salientar que a Lei n. 8.429/92, foi considerada um dos principais instrumentos no combate à corrupção administrativa e vigorou por quase trinta anos com pouquíssimas alterações, sendo que houve profunda mudança com a edição da “Nova Lei de Improbidade Administrativa”, haja vista que pouca coisa da lei anterior restou intacta.
1.2 DEFINIÇÃO DO TERMO IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
A conceituação de improbidade, conforme dicionário é aquilo “que não possui probidade; sem honestidade; falta de moralidade; desonestidade ou imoralidade” (dicio, 2022). A conceituação jurídica do termo, na concepção da administração pública, em decorrência dos preceitos constitucionais, visa à busca incessantemente de que os atos praticados pelos administradores públicos sejam realizados em estrita observância da legalidade e moralidade, mister a necessidade de deliberarmos o que seria a definição do termo improbidade administrativa, que visa limitar a atuação da Administração Pública e fazer com que se atenda o espírito da lei.
Hely Lopes Meirelles (2000, p. 82) leciona que, “na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na Administração Particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.”.
Daí a importância de se limitar o exercício da atividade administrativa pública por intermédio das sanções advindas, quando da ocorrência da prática de atos administrativos ímprobos.
Nesta senda, Fazzio Junior Pazzaglini Filho (1996, p. 35), ao elucidar o termo improbidade administrativa, aduz que:
Improbidade Administrativa é designativo técnico para a chamada corrupção administrativa que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, Democrático e republicano) revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo “tráfico de influência” nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos.
Já o doutrinador, José Afonso da Silva (2005, p. 669.), define Improbidade Administrativa como uma imoralidade qualificada, in verbis:
A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial da Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos (art. 37, §4º). A probidade administrativa consiste no dever de o “funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer”. O desrespeito a esse dever é que caracteriza a improbidade administrativa. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem(…).
Marçal Justen Filho (2022, p. 21) leciona que a improbidade “ocorre quando o titular de uma função estatal, atuando de modo isolado ou em acordo com um sujeito privado, viola o fim inerente à sua posição, visando ou não obter vantagem patrimonial indevida”.
Já, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2014, p. 900), assevera que a moralidade corresponde a um “conceito jurídico indeterminado”, ou seja, não possui conteúdo exato que o possa definir pelo direito positivo. Afirma, ainda, que a inclusão de tal princípio na Constituição estendeu a toda Administração Pública, gerando, consequentemente, previsão e sanção com rigor da improbidade administrativa para todos os servidores públicos, abrangendo também outras infrações, não somente o enriquecimento ilícito.
A supracitada doutrinadora sustenta que enquanto princípios, moralidade e probidade se confundem. Entretanto, em se tratando de infração, a improbidade é mais ampla, sendo, portanto, a lesão ao princípio da moralidade que constitui hipóteses de atos considerados ímprobos (DI PIETRO, 2014, p. 902).
Segundo Daniel Amorim e Rafael Rezende, (2020, p. 28), etimologicamente, o vocábulo “probidade”, do latim probitate, significa aquilo que é bom, relacionando-se diretamente à honradez, à honestidade e à integridade. A improbidade, ao contrário, deriva do latim improbitate, que significa imoralidade, desonestidade.
Na lição de Cármen Lúcia Antunes Rocha (2000, p. 920), a probidade administrativa, “conta com um fundamento não apenas moral genérico, mas com a base de moral jurídica, vale dizer, planta-se ela nos princípios gerais de direito”. Existe uma íntima ligação entre a moral e o “bom administrador”, que é aquele que conhece as fronteiras do lícito e do ilícito, do justo e do injusto.
A respeito do tema, Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2009. p. 105) lembra que “enquanto a moral comum é orientada por uma distinção puramente ética, entre o bem e o mal, distintamente, a moral administrativa é orientada por uma diferença prática entre a boa e a má administração”.
Os autores citados, de um modo comum, consideram a probidade como sendo espécime do gênero moralidade administrativa.
Desse modo, conclui-se que improbidade administrativa caracteriza-se quando da prática de condutas, no âmbito da administração pública, que desobedeçam aos princípios insculpidos no art. 37 da CRFB, causando ou não prejuízo ao erário. Portanto, improbidade administrativa seria a prática de atos administrativos com inobservância dos preceitos constitucionais, por parte de um administrador ou funcionário público.
1.3 NATUREZA JURÍDICA
Acerca da natureza jurídica da improbidade administrativa, primordialmente, é necessário salientar que a pretensão punitiva do Estado, subdivide-se em sanções penais e sanções administrativas.
Assim versa Fábio Medina Osório (2000, p. 134):
De um lado, se a aparente e suposta unidade do poder punitivo estatal enseja necessária incidência de alguns princípios de direito público obre esses dois instrumentos normativos, de outra banda resulta claro que esses princípios possuem contornos próprios, distinções, regimes jurídicos diferentes, ainda que as diferenças não possam ultrapassar certas barreiras. (…) As diferenças impõem tratamentos desiguais justificados, desenvolvimento de princípios próprios do Direito Administrativo Sancionador, que é, antes de tudo direito administrativo por excelência, até porque não se discute ilícitos penais e administrativas se encontram debaixo de regimes jurídicos, em sua maior parte, distintos.
Nesse liame, Rafael Carvalho Rezende Oliveira (2020, p. 1212) delibera a ação de improbidade administrativa como instrumento de controle judicial da Administração Pública, definindo, ainda, que a Lei de Improbidade “trata de atos de improbidade e das respectivas sanções que têm natureza, primordialmente, cível ou política, bem como estabelece normas sobre processo judicial, cabendo à União legislar privativamente sobre essas matérias, na forma do art. 22,I, da CRFB.”.
No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolida entendimento acerca de duplo grau sancionatório, no que se refere à prática de ilícitos considerados ímprobos:
Os agentes políticos, com exceção do Presidente da República, encontram-se sujeitos a um duplo regime sancionatório, de modo que se submetem tanto à responsabilização civil pelos atos de improbidade administrativa, quanto à responsabilização político- administrativa por crimes de responsabilidade. (STJ. Pet 3240 AgR/DF, julgamento em 10/05/2018) – Conferir se é do STF ou STJ
Outrossim, preceitua José dos Santos Carvalho Filho (2019, p. 13) que como registra a maioria dos autores, a ação de improbidade ostenta natureza cível, ou seja, caracteriza-se como ação civil, muito embora tenha uma sequência de condutas que se assemelham aos tipos existentes na legislação penal.
A respeito da natureza jurídica da ação de improbidade administrativa, referindo-se à Lei 8.429/1992, Daniel Amorim e Rafael Rezende (2020, p. 190) acentuam que:
A Lei 8.429/1992 pode sugerir ao intérprete mais afoito uma natureza penal ou até mista da ação de improbidade administrativa. O Capítulo III tem como título “Das penas”, enquanto o Capítulo VI trata “Das disposições penais”. O art. 17, § 7.º, prevê uma fase preliminar de recebimento da petição inicial sob o crivo do contraditório típico do procedimento penal previsto para os crimes funcionais, no qual se prevê uma fase preliminar de notificação dos demandados para o oferecimento de uma defesa prévia ao recebimento da denúncia (arts. 513 a 515 do CPP). E o mesmo dispositivo, em seu § 12, prevê a aplicação das regras consagradas no art. 221, caput e § 1.o, do CPP nos depoimentos e inquirições.
Todavia, concluem os referidos autores (2020, p. 190) que “não obstante a realidade legislativa descrita, a doutrina, de forma amplamente majoritária, entende que a ação de improbidade administrativa tem natureza civil.”.
Assim sendo, é nítido que, conforme entendimento doutrinário e do Superior Tribunal de Justiça é de natureza civil a ação de improbidade administrativa. Não se pode olvidar que, o art. 37, § 4º, da CRFB, ao prever as sanções imputáveis ao ato de improbidade administrativa, expressa que sua aplicação em ação específica para tal fim não prejudica a ação penal.
2 PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE
2.1 PRESCRIÇÃO
O Estado possui o poder sancionador quando da prática de ilícitos pelos administradores. Todavia, o exercício de tal atividade também é circunspecto a um lapso temporal, ou seja, a própria legislação delimita o prazo legitimado para a imposição de sanções em suas diversas naturezas. Tem-se, portanto, que a prescrição é a perda do direito de punir do Estado pelo seu não exercício no tempo previsto em lei.
Nesse liame, alude Mauro Luís Rocha Lopes (2013, p. 300):
O ordenamento jurídico não admite que um direito possa ser exercido a qualquer tempo, diante da insegurança que isso causaria às relações por ele amparadas. Não seria razoável, por exemplo, que um devedor ficasse eternamente “preso” à relação obrigacional, à mercê de um credor que negligenciou por longo tempo no exercício de sua pretensão de cobrança. As regras de prescrição são criadas, portanto, com o propósito de estimular o titular de um direito subjetivo violado a perseguir a satisfação deste em um determinado prazo, sob pena de perder a possibilidade de fazê-lo.
Assim, é necessário definir o conceito de prescrição, que trata de uma limitação para a falta de tramitação injustificada. Dessa forma fere, portanto, o princípio da razoável duração do processo, presente no art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal de 1988. Segundo Humberto Theodoro Junior (2015, p. 1325):
A prescrição é a sanção que se aplica ao titular do direito que permaneceu inerte diante de sua violação por outrem. Perde ele, após o lapso previsto em lei, aquilo que os romanos chamavam de actio, e que, em sentido material, é a possibilidade de fazer valer o seu direito subjetivo. Em linguagem moderna, extingue-se a pretensão. Não há, contudo, perda da ação no sentido processual, pois, diante dela, haverá julgamento de mérito, de improcedência do pedido, conforme a sistemática do Código.
Nesse sentido, Hélio Tornaghi (1975, p. 349), sustenta que ao verificar prescrição não desaparece o direito e sim a possibilidade de fazê-lo valer. Sendo, portanto, uma forma de extinção dos efeitos do direito, devido o decurso do tempo.
Conforme Arlete Inês Aurelli e Izabel Cristina Pinheiro Cardoso Pantaleão (2017, p.53):
A necessidade da aplicação do instituto da prescrição se justifica pelo princípio da segurança jurídica. De fato, é a necessidade de resolver os conflitos sociais com fins de pacificação social e, mais, a premência de se evitar a permanência prolongada e, muitas vezes, eterna da conflituosidade no seio social que justificam a existência do instituto da prescrição. Sim, porque a prescrição, ao punir com a perda do direito de agir o titular da pretensão, que se mantém inerte, funciona, a grosso modo, como um eliminador de demandas.
Além disso, destacam Wald e Armelin (2011, p. 41), ainda sobre o fenômeno da prescrição que resultam das exigências da sociedade no sentido de manutenção de uma razoável segurança jurídica, devido à inércia do interessado no decurso do tempo, “ao propósito de impedir a manutenção de conflitos pendentes de solução e a eternização de demandas, com todas as consequências daí decorrentes.”.
Outrossim, o instituto da prescrição é uma norma de ordem pública. Neste sentido, versa Humberto Dalla Bernadina de Pinha (2017, p. 654) que a “prescrição é a extinção de uma ação, em virtude da inércia de seu titular porum certo lapso de tempo. Pode ser reconhecida a qualquer tempo e grau de jurisdição”, regulamentada nos arts. 189 e 193, do Código Civil Brasileiro de 2002:
Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.
Art. 193. A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita.
Outrossim, a prescrição no Direito Público é a perda do poder de punir do Estado quando transcorrer o lapso temporal previsto na lei e não houver sido exercido esse direito. A prescrição se aplica nas diversas ramificações do direito, bem assim, exista várias modalidades deste instituto.
2.2 PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO DIREITO CIVIL
Por conseguinte, das diversas formas de prescrição, frisa-se nesse capítulo o instituto da prescrição intercorrente. Nesse sentido, em 1963, foi aprovada em plenário a súmula 150 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), qual seja: “Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”. Poderia esse enunciado vir a ser o que se chama, hodiernamente, de “prescrição intercorrente”.
Além disso, a lei de execução fiscal, n. 6.830, de 22 de setembro de 1980, traz em seu artigo 40, o que, similarmente, seria a prescrição intercorrente no âmbito fiscal, in verbis:
Art. 40 – O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.
§ 1º – Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.
§ 2º – Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.
§ 3º – Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução.
§ 4o Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.
§ 5o A manifestação prévia da Fazenda Pública prevista no § 4o deste artigo será dispensada no caso de cobranças judiciais cujo valor seja inferior ao mínimo fixado por ato do Ministro de Estado da Fazenda.
Somente o Código de Processo Civil de 2015 (CPC) cria a efetiva possibilidade de aplicação da prescrição intercorrente, ainda não mencionada no Código de 1973, nem nos Códigos Civis de 1916 ou 2002. O que, anteriormente, gerava insegurança jurídica, por não ser prevista e regulamentada.
Nessa perspectiva, Arruda Alvim (2005, p. 29) dita:
O que se quer dizer é que, com o curso normal do processo, a cada ato “renova-se” ou “revigora-se” pontualmente, pela prática de atos, a situação de interrupção da prescrição, em relação à pretensão que é o objeto do processo, porquanto o andamento do processo, com a prática de atos processuais, significa, em termos práticos, a manutenção desse estado. Rigorosamente, por cada ato do processo, interrompesse a prescrição novamente, sempre com a inutilização do período já ocorrido. E só a partir da inércia, quando ao autor couber a prática de ato (e nem o réu praticar qualquer ato), e este não vier a ser praticado, durante prazo superior ao da prescrição, é que ocorrerá a prescrição intercorrente.
Ocorre que a prescrição intercorrente acontece na fase de execução do processo, no cumprimento da sentença. No CPC/15, em seu art. 921, inciso III, há regulamentação do instituto: “Suspende-se a execução: quando não for localizado o executado ou bens penhoráveis”. Dessa forma, nos parágrafos do mesmo dispositivo está presente o procedimento:
§ 1º Na hipótese do inciso III, o juiz suspenderá a execução pelo prazo de 1 (um) ano, durante o qual se suspenderá a prescrição.
§ 2º Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano sem que seja localizado o executado ou que sejam encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos.
§ 3º Os autos serão desarquivados para prosseguimento da execução se a qualquer tempo forem encontrados bens penhoráveis.
§ 4º O termo inicial da prescrição no curso do processo será a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis, e será suspensa, por uma única vez, pelo prazo máximo previsto no § 1º deste artigo.
§ 4º-A A efetiva citação, intimação do devedor ou constrição de bens penhoráveis interrompe o prazo de prescrição, que não corre pelo tempo necessário à citação e à intimação do devedor, bem como para as formalidades da constrição patrimonial, se necessária, desde que o credor cumpra os prazos previstos na lei processual ou fixados pelo juiz.
§ 5º O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição no curso do processo e extingui-lo, sem ônus para as partes.
§ 6º A alegação de nulidade quanto ao procedimento previsto neste artigo somente será conhecida caso demonstrada a ocorrência de efetivo prejuízo, que será presumido apenas em caso de inexistência da intimação de que trata o § 4º deste artigo.
Nesta senda, o art. 924, inciso V, do mesmo Código, menciona a prescrição intercorrente: “Extingue-se a execução quando: ocorrer a prescrição intercorrente.”. Destarte, é necessária a definição do instituto em epígrafe, nos ensinamentos de Fredie Didier Jr. e colaboradores (2017, p. 456-457):
Prescrição intercorrente é aquela que ocorre durante a litispendência, o que inclui o período que separa as fases de conhecimento e de execução da decisão. […] Para que se configure a prescrição intercorrente, é preciso que haja algum tipo de comportamento do credor/exequente, do qual decorra a paralisação do processo pelo tempo necessário à configuração da prescrição.
Ante a necessidade desse comportamento, como supramencionado por Didier Jr., o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), pacifica o entendimento, na súmula n. 106: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição”. Dessa forma, para que seja deferida a prescrição intercorrente, deve ser imputada ao exequente.
Arruda Alvim (2006, p. 30 e 34), acerca do tema, afirma:
Pode-se dizer que parte substancial do que está subjacente à possibilidade de prescrição intercorrente liga-se a um ‘ônus permanente’ que pesa precipuamente sobre o autor (pois é a sua pretensão que sucumbirá), que é o de que, tendo iniciado o processo, deve diligenciar para que este caminhe, com vistas ao seu término. (…) A chamada prescrição intercorrente é aquela relacionada com o desaparecimento da proteção ativa, no curso do processo, ao possível direito material postulado, expressado na pretensão deduzida; quer dizer, é aquela que se verifica pela inércia continuada e ininterrupta no curso do processo por segmento temporal superior àquele em que ocorre a prescrição em dada hipótese.
Logo, a prescrição intercorrente ocorrerá pela inação do exequente.para ilustrar, traz-se exemplo do egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), frisa-se que “a prescrição intercorrente pressupõe desídia do credor que, intimado a diligenciar, mantém-se inerte”:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE – INOCORRÊNCIA – AUSÊNCIA DE DESÍDIA DO CREDOR – BLOQUEIO JUDICIAL- VALOR PROVENIENTE DE REMUNERAÇÃO – IMPENHORABILIDADE. Consoante entendimento do e. STJ, não flui o prazo da prescrição intercorrente no período em que o processo de execução fica suspenso por ausência de bens penhoráveis. Ademais, a prescrição intercorrente pressupõe desídia do credor que, intimado a diligenciar, mantém-se inerte. Desídia não verificada, portanto, não há falar em prescrição intercorrente. A teor do que dispõe o art. 833, IV do CPC/15 e julgamento de recurso repetitivo pelo e. STJ, a impenhorabilidade de salário tem caráter absoluto (REsp n. 1184765/PA). Comprovada a origem alimentar dos valores bloqueados, devida a sua liberação. Recurso provido parcialmente. (TJ-MG – AI: 10699010141520001 MG, Relator: Manoel dos Reis Morais, Data de Julgamento: 12/05/0019, Data de Publicação: 23/05/2019).
Assim sendo, na seara cível, existe a possibilidade da incidência da prescrição intercorrente, caso o Autor de uma ação permaneça inerte durante a fase de execução, ou seja, ele perde a condição de exigir o suposto direito.
2.3 PRESCRIÇÃO NO ÂMBITO PENAL
Nessa perspectiva, para dar continuidade ao tema proposto, a (im)possibilidade da aplicação da prescrição intercorrente face a novel legislação de improbidade administrativa, faz-se necessária a análise da prescrição no Direito Penal. Uma vez que o dispositivo em questão integra uma parcela do direito administrativo classificada como “Direito Sancionador”, mencionado no capítulo anterior, far-se-á, portanto, uso da analogia para aplicabilidade de tal proposta.
A prescrição penal é um dos modos da extinção da punibilidade, como previsto no art. 107, inciso IV, do Código Penal de 1940 (CP): “Extingue-se a punibilidade:pela prescrição, decadência ou perempção;”, é, portanto, direito do réu de não ser punido após o decurso do tempo previsto.
Nas palavras de Juliana de Oliveira Corsi (2006, p. 2), no que se refere à prescrição em matéria penal:
A prescrição face à Legislação Penal tem como fundamentos o decurso do tempo, o desinteresse estatal em apurar fato ocorrido há anos ou punir o seu autor; a correção do condenado, decorrente do lapso temporal sem reiteração criminosa; e a negligência da autoridade, como castigo à sua inércia no exercício de sua função.
Por conseguinte, para Guilherme de Souza Nucci (2007, p. 710), a prescrição:
É a perda do direito de punir do Estado pelo não exercício em determinado lapso de tempo. Não há mais interesse estatal na repressão do crime, tendo em vista o decurso do tempo e porque o infrator não reincide, readaptando-se à vida social. Escoando o prazo que a própria lei estabelece, observadas suas causas modificadoras, prescreve o direito estatal a punição do infrator.
Nesta senda, a prescrição da pretensão punitiva só ocorre antes do trânsito em julgado da ação, conforme regulamentação do art. 109 do CP:
Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:
I- em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze
II– em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;
III– em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;
IV– em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;
V- em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede adois;
VI – em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.
Dessa forma observam-se os ensinamentos de Damásio de Jesus (2012,p.25):
Na prescrição punitiva, impropriamente denominada ‘prescrição da ação’, a passagem do tempo sem o seu exercício faz com que o Estado perca o seu direito de punir no que tange à pretensão (punitiva) de o Poder judiciário apreciar a lide surgida com a prática da infração penal e aplicar a sanção respectiva. Titular do direito concreto de punir, o Estado o exerce por intermédio da ação penal, que tem por objeto direto a exigência de julgamento da própria pretensão punitiva e por objeto mediato a aplicação da sanção penal. Com o decurso do tempo sem o seu exercício, o Estado vê extinta a punibilidade e, por consequência, perde o direito de ver satisfeitos aqueles dois objetos do processo.
É mister salientar a definição de prescrição intercorrente no campo penal, aduz Rogério Greco (2009, p. 739):
Fala-se em prescrição superveniente ou intercorrente quando esta ocorre depois do trânsito em julgado para a acusação ou do improvimento do seu recurso, tomando-se por base a pena fixada na sentença penal condenatória. Da mesma forma que a prescrição retroativa, a prescrição superveniente atinge a pretensão punitiva do Estado, uma vez que não permite a confecção do título executivo judicial.
Em vista disso, para melhor compreensão, entende o colendo Tribunal de Justiça do Maranhão TJMA:
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. LESÃO CORPORAL NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (ARTIGO 129, § 9º, DO CÓDIGO PENAL). PRESCRIÇÃO RETROATIVA. NÃO OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE DA PRETENSÃO PUNITIVA. OCORRÊNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE RECONHECIDA DE OFÍCIO. 1.
In casu, a referência para se encontrar o prazo prescricional é a pena aplicada efetivamente ao recorrente na sentença, que foi de 03 (três) meses de detenção a ser cumprida em regime inicial aberto, sendo que o prazo prescricional para espécie será de 3 (três) anos, conforme estabelece o art. 109, VI, do Código Penal. 2. Considerando que entre a data do recebimento da denúncia e o trânsito em julgado da sentença penal condenatória para a acusação decorreu lapso temporal inferior a 3 (três) anos, não que se falar em prescrição retroativa. 3. Por outro lado, de ofício, verifica-se que ocorreu a extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição intercorrente, haja vista que foi aplicada a pena de 3 (três) meses de detenção, após a publicação da sentença penal condenatória transitada em julgado para a acusação, transcorreu lapso temporal superior a 3 (três) anos. 4. Apelação Criminal conhecida e desprovida. 5. Prescrição intercorrente reconhecida de ofício. 6. Unanimidade. (TJ-MA – APR: 00025349220138100005 MA 0394662018, Relator: TYRONE JOSÉ SILVA, Data de Julgamento: 30/09/2019, TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 24/10/2019 00:00:00)
Conclui-se, portanto, a presença da prescrição intercorrente no Direito Penal, após do transcurso de lapso temporal de sentença condenatória transitada em julgado, após determinado período de inércia do Estado, quando do exercício do direito\dever de punir.
2.4 PRESCRIÇÃO NO DIREITO ADMINISTRATIVO
Apesar das definições anteriormente apresentadas sobre a prescrição nos âmbitos penal e civil, mostra-se necessária sua análise no direito administrativo. Haja vista que, segundo Raphael Peixoto de Paula Marques (2002, p.1) “cumpre ressaltar que o instituto da prescrição administrativa não se confunde com o da prescrição civil e o da prescrição penal, pois estes se referem ao âmbito judicial”.
Nesse liame, cabe mencionar o §3º, do artigo 142, da Lei nº. 8.112/90, cuja redação prevê a interrupção da prescrição: “A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.”.
Em jurisprudência firmada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), entende o ministro Benedito Gonçalves (2022):
A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que incide a prescrição intercorrente quando o procedimento administrativo instaurado para apurar o fato passível de punição permanece paralisado por mais de três anos, nos termos do artigo 1º, §1º da Lei 9.873/1999.
Nesse espectro, a mesma corte, no tema repetitivo 328, firma a seguinte tese: “É de três anos o prazo para a conclusão do processo administrativo instaurado para se apurar a infração administrativa (‘prescrição intercorrente’).”.
Com base no exposto, com o advento da Lei n. 14.230 de 2021, no que tange à prescrição intercorrente, discute-se no presente artigo a possibilidade de aplicação do instituto nos processos em trâmite.
O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu repercussão geral acerca do enunciado em tese que dita aplicar aos processos supervenientes a novel legislação (Tema 1199). Entretanto, ao se tratar de direito sancionador, analisar-se-á no próximo capítulo a retroatividade benéfica para o réu.
3 (IN)APLICABILIDADE DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NOS PROCESSOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
É mister salientar as inovações normativas da Lei de Improbidade Administrativa (LIA) – Lei 8.429/1992, ocasionadas pela entrada em vigor da Lei 14.230/2021. Tornando-se, portanto, necessária submeter tal matéria à sistemática de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, o tema 1199:
Tema 1199 – Definição de eventual (IR)RETROATIVIDADE das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação: (I) A necessidade da presença do elemento subjetivo – dolo – para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e (II) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente.
Assim sendo, destaca-se no presente artigo, o instituto da prescrição intercorrente e a possibilidade de aplicação nos processos em trâmite. Tendo em vista o caráter de responsabilização estatal que a LIA traz em sua natureza, é indubitável a convergência entre o Direito Administrativo sancionador, ramo em que se encontra, conforme o §4º do art. 1º da legislação em questão, e o Direito Penal.
Nesse sentido, preconiza a vigente Constituição Federal, nos termos do art. 5°, XL: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. É nesse sentido que afirma o Parecer nº BBL – 08, de 7 de outubro de 2022, da Advocacia gral da União:
Reconhece-se a retroatividade da lei benéfica, instituto atinente ao Direito Penal, no Direito Administrativo Sancionador, considerando a similitude de ambas esferas. Entretanto, a retroatividade deve respeitar os pressupostos do sistema constitucional que tutela a probidade. De maneira que a interpretação das novas disposições deve observar as consequências da opção hermenêutica e sua interferência na realidade subjacente. Além disso, é preciso considerar que as inovações trazidas pela Lei n°14.230, de 2021, possuem abrandamento e agravamento, não sendo possível apenas a retroação de parte da lei benéfica, o que não é admitido pela jurisprudência e doutrina dominantes.
Além disso, a posição da Procuradoria-Geral da República, no parecer ARESV/PGR Nº 350441/2022 versa nesse sentido:
Ainda que se admita a integração e aplicabilidade de princípios próprios do Direito Penal ao Direito Administrativo Sancionador – como a retroatividade da lei mais benéfica ao réu – há o intérprete de fazer o devido ajustamento da interpretação jurídica dos preceitos advindos daquele ramo especializado, sem desconsiderar valores de envergadura constitucional que norteiam todo o sistema jurídico pátrio. (p. 34)
Entretanto, o supracitado tema de repercussão geral do STF (1199), é firma no sentido de que, por questão de segurança jurídica, as ações de improbidade transitadas em julgado na vigência da legislação anterior não retroagirão. É o que evidencia a tese firmada:
(…) a norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes.
Em contrapartida, a tese firmada define que os processos em trâmite antes da novel legislação, deverão ser analisados, ante a possiblidade de aplicação do novo instituto:
A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente;
Nesse toar, entende o Ministro André Mendonça, em seu voto no Tema 1199 do STF, que não se pode obliterar a existência de situações específicas das quais a aplicação inflexível desse novo prazo prescricional, ensejaria excessiva dilação do lustro prescricional.
Diante do exposto, torna-se pertinente analisar jurisprudências em tal sentido. A priori, um entendimento em que nega o reconhecimento da prescrição intercorrente, vez que depende da observância a requisitos processuais específicos para a configuração do instituto:
EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – PROCESSUAL CIVIL – IMPROBRIDADE ADMINISTRATIVA – NÃO CABIMENTO. Não é cabível o reexame necessário das sentenças prolatadas em ação de improbidade administrativa em qualquer hipótese – procedência, improcedência ou extinção sem mérito.
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE:
RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. 1. Prescreve em 8 (oito) anos contados da ocorrência do fato às ações para a aplicação das sanções previstas na Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA). 2. Ocorrendo uma das causas de interrupção previstas no art. 23, §4º da LIA, o prazo volta a correr pela metade. 3. Decorrido o prazo da causa interruptiva, a prescrição intercorrente deve ser declarada de ofício pelo juízo.
V.V. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE – LEI Nº 14.230/21 – APLICAÇÃO RETROATIVA
-IMPOSSIBILIDADE.-A prescrição intercorrente, diversamente da prescrição da pretensão antes do ajuizamento da ação, depende da observância de requisitos processuais específicos para a sua configuração, o que impede a sua aplicação a fatos processuais anteriores à vigência da Lei nº 14.230/2021.
-Por se tratar de punição em razão da inércia da parte, a prescrição intercorrente somente terá aplicação se comprovada que a paralisação do processo, por prazo superior àquele fixado na lei, se deu por sua culpa exclusiva.
No caso em tela, não decorreram mais de quatro anos entre o marco interruptivo e a publicação da sentença, o que seria o requisito para configurar a prescrição intercorrente.
Em contrapartida, impende salientar que a jurisprudência, reconhece a prescrição intercorrente, de acordo com a atual legislação:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDA DE ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. ART. 23, § 8º, DA LEI Nº 8.429/1992 COM REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 14.230/2021. NORMA MAIS BENÉFICA. APLICABILIDADE IMEDIATA E RETROATIVA. PRESCRIÇÃO CONFIGURADA. RECURSO DESPROVIDO.
– Nos moldes do § 8º do art. 23, com as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, “o juiz ou o tribunal, depois de ouvido o Ministério Público, deverá, de ofício ou a requerimento da parte interessada, reconhecer a prescrição intercorrente da pretensão sancionadora e decretá-la de imediato, caso, entre os marcos interruptivos referidos no § 4º, transcorra o prazo previsto no § 5º deste artigo.”
-A sentença foi proferida em 7.2.2022, mais de 9 (nove) anos depois do ajuizamento da ação civil pública de improbidade administrativa, ocorrido em 19.12.2012, acarretando, nos termos do artigo 23, caput, §§ 4º, I e II, 5º e 8º, da Lei 8.429/1992, com as alterações da Lei 14.230/2021, a consumação da prescrição intercorrente da pretensão sancionadora. Precedentes de Tribunais do País e deste TJMG.
-Reconhecimento da prescrição intercorrente. Recurso desprovido.
Nesse interim, conforme segue a orientação do Superior Tribunal Federal, em analisar o caso concreto, vez que ao entrar em vigor a nova legislação, este ainda estava em trâmite. Nesse liame, há reconhecimento da prescrição intercorrente com o fundamento de que, nas palavras do relator:
O regime de prescrição intercorrente criado pela Lei nº 14.230/2021 deve ser aplicado de reforma retroativa em sede de ação de improbidade administrativo, e, se a inicial foi distribuída, mas não ocorreu a prolação de sentença condenatória no prazo de 4 anos, materializou-se a perda da pretensão punitiva quanto ao ato de improbidade.
Dessa forma, como supramencionado, entende-se que a possibilidade de aplicação da prescrição intercorrente depende, necessariamente da análise do caso concreto. Entretanto, conforme entendimento do Tema 1.199 do STF, somente poderá ocorrer nos processos em trâmite supervenientes à lei, sem condenação transitada em julgado.
CONCLUSÃO
A Lei de Improbidade Administrativa, n. 8.429/1992, surgiu com objetivo de regulamentar o art. 37 da Constituição Federal de 1988, vez que se trata de norma de eficácia limitada. E, tal legislação vigorou durante anos sem nenhuma alteração. Dessa forma, em 2021 entrou em vigor a Lei 14.230, trazendo significativas alterações. O presente estudo, objetivou explicitar uma dessas significativas modificações: a inserção do instituto da prescrição intercorrente.
Nesse sentido, a priori conclui-se que tal regulamentação corriqueiramente aparece no ordenamento jurídico brasileiro, desde a Constituição Federal de 1891, até os dias atuais, presente na Carta Magna de 1988, vigente, como também normatizada em lei específica.
Além disso, observou que o ato de improbidade consiste na violação, pelo agente político, de um fim inerente à sua função. É cediço que na administração
publica não há que se falar na permissão de tudo o que não é proibido em lei, mas só há permissão naquilo que a lei autoriza.
Assim sendo, o agente que for de encontro a tais lições responderá por tal feito. Dessa forma, há incerteza quanto à natureza da Ação de Improbidade. Nesse liame, diante de tais pesquisas, verifica-se que tal ação possui natureza própria: Direito Administrativo Sancionador, devido à sua finalidade de punir e responsabilizar o sujeito imputado ímprobo.
Nesse espectro, no que se refere ao princípio do Direto Penal de aplicar a lei mais benéfica ao réu, concluiu-se que não pode ser aplicado sem restrição aos casos de Improbidade Administrativa em trâmite precedentes à corrente legislação.
Dessa maneira, da não aplicação do mecanismo, a ação seguiria em trâmite normalmente, todavia, caso seja reconhecida a aplicação da prescrição intercorrente, o processo será extinto. E, por consequência da inércia estatal, o sujeito restaria impune, isto significaria fim de considerável quantidade de processos sem a imposição de qualquer sanção aos réus.
Como explanado, depreende-se, que deverão ser analisadas as ações precursoras, ante a possiblidade de aplicação do novo instituto, conforme entende o STF em Repercussão geral, observando o princípio da segurança jurídica.
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