A INAPLICABILIDADE DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL FRENTE A REALIDADE DO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO.

THE INAPLICABILITY OF THE CRIMINAL EXECUTION LAW IN FACE OF THE REALITY OF THE BRAZILIAN PRISION SYSTEM.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10199129


Alexandre Silva Pinto¹;
Daniel Augusto Araújo¹;
Orientador: Cristian Kiefer da Silva.


RESUMO

O presente artigo objetiva expor considerações acerca das disposições gerais da Lei de Execuções Penais e o que impede a aplicação do texto legal, na prática. Para a sua elaboração, escolheu-se como método de pesquisa o analítico dedutivo, uma vez que, o estudo partiu-se de uma análise de informações que nos leva a uma conclusão acerca do fenômeno estudado, tendo como principal fonte de análise a pesquisa bibliográfica e a análise documental. A relevância prática e teórica do tema escolhido é indiscutível, uma vez que evidencia a realidade e a violação dos direitos de indivíduos que vivem à margem da sociedade.

Palavras-chave: Violação dos direitos de indivíduos Realidade do Sistema Carcerário, Inaplicabilidade da Lei de Execuções Penais.

ABSTRACT

This article aims to expose considerations about the general provisions of the Criminal Executions Law and what prevents the application of the legal text in practice. For its elaboration, the deductive analytical research method was chosen, since the study was based on an analysis of information that leads us to a conclusion about the phenomenon studied, with bibliographic research and document analysis. The practical and theoretical relevance of the chosen topic is indisputable, as it highlights the reality and violation of the rights of individuals who live on the margins of society.

Keywords: Violation of the rights of individuals Reality Prision System, inaplicabilidade of the criminal execution.

1 INTRODUÇÃO

Constitui objetivo geral da presente pesquisa analisar a Lei de Execução Penal, n º 7210/84 e quais os fatores que impedem a plena consecução de seus preceitos no contexto do sistema carcerário brasileiro. Frisa-se que a mencionada legislação, amplamente reconhecida e considerada como uma das mais avançadas do mundo, confronta desafios significativos em sua efetivação prática em nosso país.

Conforme mencionado acima, apesar de tratar-se de uma legislação extremamente bem estruturada em termos de garantias fundamentais, a Lei de Execução Penal enfrenta uma série de desafios, entre os fatores que dificultam essa efetivação, podemos citar a superlotação carcerária, a falta de infraestrutura adequada nos estabelecimentos penais, a escassez de recursos para programas de ressocialização, além de questões socioeconômicas e culturais que permeiam o ambiente prisional.

Assim, diante da discrepância entre o sistema prisional e a figura normativa, é preciso uma análise minuciosa para compreender e buscar soluções que permitam a efetiva aplicação dos princípios propostos pela Lei de Execução Penal e, assim, permitir que a Lei possa atingir seu objetivo.

Para isso, no primeiro tópico, buscou-se abordar a evolução histórica do direito penal, a finalidade e a evolução da pena ao longo da história, bem como a íntima relação entre o processo penal. Uma vez que, ambos os ramos do sistema jurídico estão interligados, influenciando-se mutuamente na busca pela justiça.

Adiante, no segundo tópico, foi apresentado o conceito geral da Lei das Execuções Penais, e como a legislação delineia as diretrizes para a execução das penas no sistema jurídico. Nesse contexto, ao explorar a Lei de Execuções Penais, tornou-se necessário abordar os seus principais princípios e os direitos do preso e do egresso.

Por fim, no último eixo do trabalho, direcionamos nossa atenção para uma análise aprofundada dos estabelecimentos penais, e dos principais problemas que enfrenta o sistema carcerário brasileiro, abordando aspectos como ausência de capacidade, infraestrutura, segurança, funcionários públicos e a ausência de incentivos voltados a ressocialização dos detentos.

Para tanto, utilizou-se o método de pesquisa dedutivo, uma vez que, o estudo partiu-se de uma análise de informações que nos leva a uma conclusão acerca do fenômeno estudado, tendo como principal fonte de análise a pesquisa bibliográfica e a análise documental.

2 DO DIREITO PENAL E DA PENA

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PENAL

O Direito Penal traça suas origens em paralelo com o surgimento da civilização humana. Desde os primórdios da civilização, tornou-se imperativo estabelecer normas e princípios para ordenar e regular a convivência social, visando inibir atos de justiça com as próprias mãos, vinganças, mas também, estabelecer um mecanismo que promovesse a busca pela justiça.

Mas, nem sempre o Direito Penal foi exercido pelo Estado. Inicialmente, a sanção era aplicada por particulares, não ocorrendo interferência por parte do Estado. Nas palavras de Júlio Fabbrini Mirabete:

Na denominada fase da vingança privada, cometido um crime, ocorria a reação da vítima, dos parentes e até do grupo social (tribo), que agiam sem proporção a ofensa, atingindo não só o ofensor, como também todo o seu grupo. Se o transgressor fosse membro da tribo, podia ser punido com “a expulsão da paz” (banimento), que o deixa à mercê de outros grupos, que lhe infligiam, invariavelmente a morte. Caso a violação fosse praticada por elemento estranho à tribo, a reação era da “vingança de sangue”, considerada como obrigação religiosa e sagrada, “verdadeira guerra movida pelo grupo ofendido àquele a que pertencia o ofensor, culminando, não raro, com a eliminação completa de um dos grupos” (MIRABETE, 2009, p. 16). ‘’ Grifo nosso.’’

A resposta às transgressões era predominantemente coletiva, orientada contra o membro que havia violado as normas da convivência social. Essa reação social tinha, em sua origem, um caráter essencialmente religioso e, gradualmente, transformou-se em um processo civilizado. É fundamental ressaltar que, nessa época, havia um elemento de vingança coletiva, o que não pode ser equiparado à pena, uma vez que vingança e pena representam dois fenômenos distintos. A vingança envolve a ação de indivíduos agindo por conta própria, baseada em sua liberdade, força e motivações pessoais, enquanto a pena pressupõe a existência de um poder organizado e institucional.

A Lei de Talião pode ser considerada um avanço em virtude do momento em que foi editada. Isso porque, mesmo que de forma incipiente, já trazia em si uma noção, ainda que superficial, do conceito de proporcionalidade. O “olho por olho” e o “dente por dente” traduziam um conceito de Justiça, embora ainda atrelada à vingança privada, tendo sido ele, um grande avanço na história do Direito Penal por reduzir a abrangência da ação punitiva.

Com o fortalecimento do Estado, este assumiu o monopólio do poder de punir os criminosos, expondo-os à comunidade, de modo que a supremacia do soberano sobre o corpo do condenado fosse testemunhada pelo povo. Esse processo visava criar um ambiente em que todos temessem e obedecessem à autoridade estabelecida. Assim, a pena deixou de ter uma conotação sacra e se tornou uma sanção imposta em nome de uma autoridade pública que representava os interesses da comunidade. Neste sentido, ensina Fernando Capez:

O Estado, única entidade dotada de poder soberano, é o titular exclusivo do direito de punir (para alguns, poder-dever de punir). Mesmo no caso da ação penal exclusivamente privada, o Estado somente delega ao ofendido a legitimidade para dar início ao processo, isto é, confere-lhe o jus persequendi in judicio, conservando consigo a exclusividade do jus puniendi. (CAPEZ,2023, p.16).

Atualmente, tanto o Estado quanto o Direito Penal passaram por uma modernização significativa, afastando-se da busca por vingança, procurando equilibrar a responsabilização do infrator com a proteção dos direitos humanos e priorizando ao máximo a busca pela justiça. Isso é realizado por meio da observância dos direitos e garantias fundamentais de todos os indivíduos, assegurando-lhes um devido processo legal até que sua condenação seja proferida.

2.2 CONCEITO DE PENA E SUA ORIGEM

Antes de iniciar a abordagem da Lei de Execução Penal, é essencial começar com uma breve explanação acerca do conceito de pena e sua evolução histórica.

A origem da pena remonta aos primórdios da civilização humana, onde as pessoas buscavam protegerem seus bens, suas posses e, primeiramente, a si próprias. A pena é a consequência resultante da prática de um ato considerado ilícito, sendo uma medida imposta pelo Estado ao indivíduo que comete um ato tipificado como crime, demonstrando culpa, e seguindo um devido processo legal que assegura os princípios da ampla defesa e do contraditório.

Nesse contexto, o Estado possui a responsabilidade e autoridade para aplicar uma sanção penal ao autor da conduta criminosa, como uma forma de retribuir o mal causado por tal ação, ao mesmo tempo que “castiga” o agente do delito, com o objetivo de prevenir a ocorrência de futuros crimes. Neste sentido, ensina Fernando Capez:

Sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade. (CAPEZ, 2022, p.191).

O Direito Penal, com suas regras e sanções, começou a ser desenvolvido para estabelecer um sistema mais justo e organizado de punição. A lei passou a ser responsável por definir o que constitui um crime, bem como as penas apropriadas para cada delito. Essa mudança representou uma transição da vingança privada para a justiça pública.

Ao longo da história, as formas de punição variaram consideravelmente, incluindo a aplicação de castigos físicos, como açoites e tortura, até a introdução de prisões e outras formas mais modernas de reclusão. A ideia por trás da pena evoluiu de uma simples retaliação para incluir objetivos de reabilitação do infrator, prevenção do crime e proteção da sociedade.

2.3 A EVOLUÇÃO DA PENA E DO PROCESSO PENAL EM BUSCA DA JUSTIÇA

A evolução da pena está intrinsecamente relacionada ao processo penal, o Estado supera as práticas de justiça baseadas na atuação familiar, como a vingança do sangue e os acordos de composição, e estabelece a sua autoridade, onde determina que a pena seja fixada por um juiz imparcial, que detêm poderes estritamente definidos pelo ordenamento jurídico. Portanto, A titularidade do direito de punir do Estado emerge quando são modificados e estabelecidos critérios de justiça.

O direito penal não tem realidade concreta fora do processo penal, ou seja, não se efetiva a sanção, ocorre exclusivamente por meio processual. Somente após o deslinde do processo penal teremos a aplicação da pena e a concretização plena do texto legal. Não existe delito sem pena, nem pena sem delito e processo, nem processo penal senão para determinar o delito e impor uma pena, sendo o processo penal o caminho necessário para aplicação da pena. Segundo nos ensina Aury Lopes Jr.:

Existe uma íntima relação e interação entre a história das penas e o nascimento do processo penal, na medida em que o processo penal é um caminho necessário para alcançar-se a pena e, principalmente, um caminho que condiciona o exercício do poder de penar (essência do poder punitivo) à estrita observância de uma série de regras que compõe o devido processo penal. (LOPES JÚNIOR, 2023, p.17).

Por fim, é essencial reconhecer que o processo não pode ser considerado meramente um instrumento a serviço do poder punitivo, uma vez que desempenha o papel de limitador desse poder e garante os direitos dos indivíduos a ele submetido. Há que se compreender que o respeito às garantias fundamentais não implica impunidade, e essa ideia jamais foi defendida.

O processo penal representa o caminho necessário para alcançar legitimamente, a imposição da pena. Razão pela qual, sua existência só é justificada quando, ao longo desse percurso, as regras e garantias constitucionalmente asseguradas forem rigorosamente observadas, sendo essa a difícil missão do processo penal, como se verá ao longo da obra.

3 DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS

3.1 NOÇÕES GERAIS

Qualquer disciplina jurídica necessita de suporte constitucional, especialmente os que dizem respeito às ciências criminais, pois lidam com a liberdade do ser humano. Embora as ciências criminais se concentrem principalmente no Direito Penal e no Processo Penal, a realidade é mais complexa. Por escolha legislativa, o Brasil estabeleceu o Direito de Execução Penal, concedendo ao Judiciário o papel central sobre a execução das penas. Isso resultou na criação de um novo ramo das ciências criminas, dedicado à execução penal.

Em sua pretensão punitiva, o Estado é cogente e indisponível, ou seja, ele tem o poder/dever de punir os infratores e não pode delegar essa responsabilidade. Neste cenário, a Lei de Execução Penal foi concebida com o propósito de permitir o Estado execute a pretensão de punição de forma eficaz, assegurando, em simultâneo, o respeito pelos direitos fundamentais do apenado, conforme estabelecidos na Constituição Federal de 1988.

Ao adentrar nas previsões da Lei de Execução Penal, torna-se manifesto o reconhecimento do indivíduo privado de liberdade como detentor de direitos, independentemente de serem presos provisórios, condenados, internados ou até mesmo egressos. Estes princípios são amplamente espelhados ao longo do texto legal, o qual se subdivide em duas partes distintas: a parte geral (artigos 1 a 104 da Lei 7.210/1.984), abrangendo os aspectos relacionados ao escopo e à aplicação da lei, classificação, assistência ao condenado e ao internado, órgãos responsáveis pela execução penal e estabelecimentos prisionais; e a parte especial (artigos 105 a 204 da Lei 7.210/1.984), abordando questões específicas relacionadas à execução das penas, procedimentos, bem como disposições finais e transitórias.

Com efeito, Renato Marcão (2023, p.25) afirma que a definição de preso provisório ou definitivo, internado e egresso, é o indivíduo que se encontra sob custódia em um estabelecimento prisional, seja cautelarmente ou em razão de sentença penal condenatória com trânsito em julgado, é inquestionavelmente classificado como um “preso”. A lei não restringe a assistência apenas aos condenados definitivos.

Por outro lado, um “internado” é alguém sujeito a uma medida de segurança que envolve a internação em um hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, por decisão judicial. Mesmo que esteja temporariamente alojado em um estabelecimento prisional, aguardando transferência para o hospital de custódia e tratamento psiquiátrico devido à falta de vagas, possui os mesmos direitos assegurados. Seria, de fato, injusto negar assistência a alguém que, em razão da negligência do Estado em fornecer hospitais e vagas suficientes para atender à demanda, já sofre as consequências dessa omissão, resultando em excesso na sua pena. Seria uma punição dupla.

Considera-se egresso, nos termos do art. 26 da Lei de Execuções Penais:

Art. 26. Considera-se egresso para os efeitos desta Lei:
I – o liberado definitivo, pelo prazo de 1 (um) ano a contar da saída do estabelecimento; II – o liberado condicional, durante o período de prova. (BRASIL, 1984).

A sentença penal condenatória com trânsito em julgado representa um título legítimo e adequado para iniciar o processo de execução da pena. Nessa fase, o Estado exerce o poder de punir o agente criminoso, conhecido como “jus puniendi”, um poder jurisdicional conferido pela Constituição Federal nos artigos 2º e 5º, XXXV, e que se concretiza por meio do devido processo legal.

O direito de punir é um elemento que possibilita a existência da organização social, de forma que a visão do sistema penitenciário é maior que apenas local físico para transgressores, são padrões democráticos que demonstram o amadurecimento da sociedade e o fortalecimento desse direito de punir do Estado. Conforme ensina o professor Guilherme de Souza Nucci:

A sanção penal possui duas funções, retributiva e ressocializadora. O delito acarreta uma justa retribuição, consistente na pena, servindo de alerta ao criminoso para que não torne a reincidir. Tem a função de ofertar ao condenado a oportunidade de reeducação, justamente para que se recomponha e mude o rumo da sua vida. Quanto às finalidades, a pena permite a legitimação do direito penal, mostrando a sua eficácia à sociedade; proporciona a intimidação geral, a fim de evitar outras condutas similares; impõe a segregação de quem necessita ficar um período fora do contato social. (NUCCI, 2023, p.30).

É fundamental ressaltar que assim que o apenado inicia o cumprimento de sua pena, a Lei de Execução Penal impõe que sejam respeitadas todas as garantias constitucionais, portanto são assegurados aos presos todos os direitos e garantias fundamentais. Embora ele perca seu direito à liberdade, ele tem o direito de ser tratado com base no princípio basilar do nosso direito, sendo o respeito a dignidade da pessoa humana e a todos os outros previstos na Constituição Federal. Assim, afirma Alexandre de Moraes:

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo- se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos e a busca ao Direito à Felicidade. (MORAES, 2023, p.18). ‘’ Grifo nosso.’’

Ao analisar a Lei de Execuções Penais, fica evidente que o objetivo e a finalidade educativa da pena são a reintegração social, a reeducação do condenado e a sua posterior reintegração na sociedade após o cumprimento da punição.

Ocorre que o Estado enfrenta um grande desafio na busca por uma abordagem eficaz na aplicação da Lei de Execução Penal, visando à ressocialização dos detentos para que poderem se reintegrar de maneira adequada à convivência social.

3.2 PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM A EXECUÇÃO PENAL

Os princípios desempenham um papel fundamental na execução penal, garantindo que o sistema de justiça criminal seja justo, equitativo e respeite os direitos fundamentais dos detentos.

Pode-se afirmar que a Lei de Execução Penal (LEP) engloba os princípios e garantias fundamentais estabelecidos no artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Dentre os princípios mais significativos na execução penal, destacam-se:

a) Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (artigo 1º, inciso III, da CFRB/88): Trata- se de princípio fundamental de todo o ordenamento jurídico, conferindo-lhe um caráter democrático, exigindo do Estado a garantia da autoestima e da respeitabilidade individua como ser humano, independentemente de sua situação ou condição. Ademais, crucial ressaltar a compreensão de que cada indivíduo carrega intrinsecamente sua dignidade, a qual deve ser respeitada em todas as esferas da vida.

b) Princípio do Devido Processo Legal (artigo 5º, inciso LIV, da CFRB/88): Essencial na salvaguarda dos direitos e liberdades individuais contra a interferência do Estado ou de entidades privadas. Tendo como função primordial, garantir que ninguém seja privado de sua vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal.

c) Princípio da Legalidade ou Reserva Legal (artigo 5º, inciso XXXIX, da CFRB/88): Estabelece que não há crime sem lei anterior que o defina, nem há pena sem lei anterior que a comine. Há de se ressaltar a sua aplicação na etapa da execução da pena, para evitar que se possa criar falta grave, sem prévia definição legal, (perda de dias remidos, bloqueio à progressão, indeferimento de livramento condicional, dentre outros prejuízos); evitando interpretações arbitrárias ou retroativas da lei.

d) Princípio da Retroatividade da Lei Penal mais benéfica (artigo 5º, inciso LX, da CFRB/88): Considerando ser da competência do juiz da execução penal a fiscalização e manutenção dos incidentes no cumprimento de pena, poderá aplicar aos condenados os benefícios advindos da edição de lei penal favorável, alterando o conteúdo da anterior decisão condenatória, que serviu de título para a execução da sanção;

e) Princípio da Personalidade ou responsabilidade pessoal (artigo 5º, inciso XLV, da CFRB/88): Estabelece que uma pessoa só pode ser responsabilizada e punida por atos criminosos que ela pessoalmente cometeu. Isso significa que jamais a pena passará da pessoa do delinquente, sendo vedada a imposição de sanção coletiva, no cenário da execução penal, sem que se possa individualizar de maneira correta qual preso cometeu a falta grave;

f) Princípio da Individualização da pena (artigo 5º, inciso XLVI, da CFRB/88): Cuja terceira etapa concentra-se, justamente, no momento de cumprimento da pena aplicada, assegurando a individualização, obtendo os benefícios e sofrendo os malefícios de acordo com seu comportamento. Devendo ser considerado os três aspectos quanto a esse relevante princípio constitucional (Individualização legislativa, judicial e executória).

g) Princípio da Humanidade (artigo 5º, incisos XLVII, XLVIII, XLIX e L, da CFRB/88): Eliminando do cenário legislativo as penas de morte (salvo em caso de guerra declarada, conforme art. 84, XIX, CF), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis de modo geral. Haverá cumprimento de penas em estabelecimentos distintos, conforme o crime cometido, a idade e o sexo do sentenciado, evitando-se a promiscuidade e a vulnerabilidade dos mais fracos. Este é um dos princípios mais polêmicos, tendo em vista a superlotação dos estabelecimentos penais e a falta de empenho do Poder Executivo em resolver essa situação. O Judiciário tem trabalhado sempre em posição de risco, lidando com caóticos cenários e buscando aplicar as normais penais, processuais penais e de execução penal da maneira mais abrangente possível.

Os princípios constitucionais expressos do direito penal, constantes das alíneas ‘’c’’ a ‘’g’’, são aplicáveis à execução penal, sem prejuízo dos demais princípios constitucionais implícitos (intervenção mínima, culpabilidade, taxatividade, proporcionalidade, vedação da dupla punição pelo mesmo fato), conforme o caso concreto assim demandar.

São princípios constitucionais processuais penais explícitos, aplicáveis à execução penal, considerando-se incluídos os regentes, já mencionados:

a) Princípio da Ampla Defesa e Contraditório (artigo 5º, inciso LV, da CFRB/88): Constituindo um dos mais relevantes, uma vez que o sentenciado, pode ser acusado da prática de faltas, que poderão influir na individualização da sua execução exigem a disponibilidade de uma defesa técnica e eficiente, seja dentro ou fora do estabelecimento prisional. Vale frisar que independentemente do regime de pena em que o sentenciado esteja, ele possui o direito de contestar essa imputação, antes de enfrentar quaisquer consequências, como uma possível regressão a um regime mais rigoroso.

b) Princípio da Presunção de Inocência (artigo 5.º, inciso LVII, da CFRB/88): Também conhecido como “presunção de não culpabilidade” ou “in dubio pro reo”, que somente será considerado culpado após o trânsito em julgado da decisão condenatória. Quando se tratar do cometimento de falta grave, não se presume a culpa do sentenciado, mas a sua inocência; assim sendo, em caso de dúvida, deve-se absolvê-lo da acusação feita.

c) Princípio do Juiz natural e imparcial (artigo 5º, incisos LIII e XXXVII, da CFRB/88): O princípio do juiz natural visa a proteger os direitos fundamentais das partes em um processo judicial, garantindo que o julgamento seja realizado por um juiz previamente estabelecido em lei para apreciar o processo, segundo as normas estabelecidas que as partes tenham confiança na imparcialidade e na competência do juiz. A imparcialidade do sistema judicial não é comprometida quando entramos na fase de execução penal, uma vez que esta fase é de importância crítica na vida do apenado e deve resultar em decisões justas e equitativas relativas à individualização de sua punição.

Estes são os principais princípios, sem desconsiderar a aplicação de outros, inclusive princípios constitucionais implícitos, como o duplo grau de jurisdição, oficialidade, entre outros.

3.3 ASSISTÊNCIA AO PRESO E AO EGRESSO

Conforme previsto no artigo 10 da Lei de Execuções Penais, quem está preso, por óbvio, precisa de assistência do Estado, pois se encontra sob a sua tutela. Vejamos:

Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso. (BRASIL, 1984).

Ao preso, é cabível todas as formas indicadas nos incisos I a VI do art. 11 da Lei de Execução Penal. Para quem se encontra sob a guarda, proteção e amparo do Estado, é essencial haver o sustento indispensável à sobrevivência digna, contando com a oferta de assistência jurídica, além de proporcionar trabalho, educação e viabilidade de dedicação a qualquer religião.

No caso dos egressos, a assistência tem o foco orientar e apoiar a sua reintegração à vida em liberdade, bem como à concessão de alojamento e alimentação, em lugar adequado, pelo prazo de dois meses (art. 25, I e II, Lei de Execuções Penais). Por certo, o prazo mencionado pode ser insuficiente, podendo ser prorrogado uma vez, desde que comprovado o empenho do egresso para conseguir um emprego, havendo a declaração da assistência social (art. 25, parágrafo único, Lei de Execuções Penais).

a) Assistência material: Nos termos do artigo 12 da Lei de Execuções Penais, a assistência material é fundamental o apoio material fornecido pelo Estado aos presos (e ao internado por medida de segurança) durante o cumprimento de suas penas. Envolvendo a provisão de condições básicas de vida para os detentos, visando garantir dignidade e respeito aos direitos humanos, mesmo enquanto estão privados de liberdade. Essa assistência material inclui vários aspectos, tais como: alojamento adequado com local que atenda os padrões mínimos de higiene e habitabilidade, higiene pessoal, com banho diário e demais condutas correlatas (art. 12, da Lei de Execuções Penais). Quanto à alimentação, deve o Estado proporcionar instalações adequadas para que os próprios presos produzissem as refeições do dia (café da manhã, almoço, lanche, jantar), o que permitiria a ocupação dos detentos, autorizando o registro do trabalho para fins de remição (art. 126, da Lei de Execuções Penais), caso contrário, fornecida uma dieta adequada e equilibrada para os detentos, garantindo que suas necessidades nutricionais básicas sejam atendidas.

Além da assistência material essencial à garantia da sobrevivência do preso, em condições dignas, o estabelecimento penal deve dispor de locais para a venda de produtos e objetos permitidos, que estão fora da obrigação estatal de fornecimento (ex.: cantina, onde se possa adquirir refrigerantes, guloseimas, cigarros, etc.), nos termos do art. 13 da Lei de Execução Penal.

Essa assistência material é fundamental para assegurar que os detentos sejam tratados com dignidade e respeito aos seus direitos humanos, mesmo durante o cumprimento de suas penas. Ela visa a proporcionar condições mínimas de vida essenciais para a saúde, bem-estar e integridade dos presos. Além disso, contribui para a prevenção de violações dos direitos humanos nas prisões e para a reintegração bem-sucedida dos indivíduos na sociedade após o cumprimento de suas penas.

b) Assistência à saúde: nos mesmos moldes anteriormente expostos, prevista no art. 14 da Lei de Execução Penal, a assistência à saúde refere-se a mantença de consultório médico e dentário durante o cumprimento de suas penas. Além de farmácia com produtos básicos. Essa assistência é uma parte importante da garantia de tratamento digno e respeito aos direitos humanos dos detentos, mesmo quando estão privados de liberdade. Importante ressaltar que, conforme o artigo 43 da Lei de Execução Penal, é permitido que o sentenciado contrate médico de sua confiança sob sua responsabilidade.

A assistência à saúde é crucial para garantir que os detentos recebam cuidados médicos adequados e mantenham sua saúde física e mental enquanto estão sob custódia do Estado. Além disso, ela contribui para evitar violações dos direitos humanos nas prisões e facilita a reintegração bem-sucedida dos indivíduos na sociedade após o cumprimento de suas penas. Esse é um componente essencial para garantir que o sistema prisional respeite os princípios de dignidade, equidade e respeito aos direitos humanos.

c) Assistência jurídica: O disposto no art. 15, caput, da Lei de Execução prevê que a assistência jurídica se refere ao direito dos presos de receberem apoio e orientação legais durante o cumprimento de suas penas. O direito à liberdade e, consequentemente, o de receber os benefícios cabíveis durante a execução penal é indisponível. Se o preso, abonado financeiramente ou não, tiver necessidade de um advogado, o Estado deve proporcionar-lhe um defensor dativo, ainda que possa, ao final da assistência, cobrar pelos serviços prestados, conforme a situação.

Esse tipo de assistência visa garantir que os detentos tenham acesso ao sistema de justiça, compreendam seus direitos e obrigações legais, e possam buscar recursos legais quando necessário, garantindo o efetivo exercício da ampla defesa e do contraditório em todas as fases processuais. Segundo conceitua Guilherme de Souza Nucci:

A Constituição Federal preceitua que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que demonstrarem insuficiência de recursos (art. 5.º, LXXIV). Isso não quer dizer que o preso em melhores condições financeiras possa ser prejudicado somente porque se recusou a contratar um advogado (ele pode, inclusive, agir propositadamente para, no futuro, buscar anular o processo ou a decisão proferida, por cerceamento de defesa). O Estado deve proporcionar assistência jurídica a todos os presos. Será gratuita aos pobres; será cobrada, quando se tratar de condenado com suficiência de recursos. (NUCCI, 2023, p.57).

A assistência jurídica é fundamental para garantir que os presos tenham a capacidade de defender seus direitos legais, compreender o processo judicial e buscar recursos legais quando necessário. Isso é essencial para proteger os direitos dos detentos, prevenir violações dos direitos humanos e garantir que o sistema de justiça seja equitativo e justo. Além disso, a assistência jurídica contribui para a integridade do sistema penal e a proteção dos direitos individuais dos presos.

d) Assistência educacional: Prevista na Lei de Execução Penal nos artigos 17 ao 21-A, compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado enquanto cumprem suas penas. Que pode ser por meio de educação formal (alfabetização, ensino fundamental e médio, se necessário), educação profissional e técnica (cursos profissionalizantes e técnicos), além de acesso a bibliotecas e recursos educacionais.

Essa assistência visa promover a reabilitação, a reintegração social e o desenvolvimento pessoal dos presos por meio da educação. A educação também contribui para a redução da reincidência criminal, uma vez que os presos com acesso à educação têm mais chances de evitar a criminalidade no futuro. Portanto, a assistência educacional desempenha um papel crucial na reabilitação e na preparação dos detentos para a vida após o cárcere. Contudo, o apoio educacional, na prática, tem sido insuficiente.

e) Assistência social: Os profissionais da assistência social são aqueles que permitem um liame entre o preso e sua vida fora do cárcere, abrangendo família, trabalho, atividades comunitárias, etc. Além disso, participam das Comissões Técnicas de Classificação, emitindo pareceres quanto a mais indicada forma de individualização da pena. Segundo o artigo 23 da Lei de Execuções Penais:

Art. 23. Incumbe ao serviço de assistência social:
I – Conhecer os resultados dos diagnósticos ou exames;
II- Relatar, por escrito, ao Diretor do estabelecimento, os problemas e as dificuldades enfrentadas pelo assistido;
III – Acompanhar o resultado das permissões de saídas e das saídas temporárias;
IV – Promover, no estabelecimento, pelos meios disponíveis, a recreação;
V – Promover a orientação do assistido, na fase final do cumprimento da pena, e do liberando, de modo a facilitar o seu retorno à liberdade;
VI – Providenciar a obtenção de documentos, dos benefícios da Previdência Social e do seguro por acidente no trabalho;
VII – Orientar e amparar, quando necessário, a família do preso, do internado e da vítima. (BRASIL, 1984).

Nesse contexto, a assistência social tem por principal objetivo proteger, orientar e guiar os indivíduos presos e internados, adaptando-os ao convívio no estabelecimento penal em que se encontram, e preparando-os para sua reintegração à sociedade. Por meio de orientação e interação com os diversos setores da complexa atividade humana.

f) Assistência religiosa: A assistência religiosa prevista na Lei de Execução Penal (LEP) diz respeito ao direito dos detentos de receberem apoio religioso e exercerem suas práticas religiosas enquanto cumprem suas penas. O preso merece receber a oportunidade de participar de cultos, com ampla liberdade de crença, inclusive de não ter nenhuma, bem como de ter consigo os livros referentes à religião adotada.

Essa assistência visa garantir que os presos tenham a liberdade de manifestar suas crenças religiosas, bem como o acesso a líderes religiosos e recursos religiosos, desde que isso seja feito de maneira pacífica e não represente uma ameaça à segurança e ordem dentro da prisão. Frisa-se que, por outro lado, também não tem o direito de exigir a alteração nas condições de cumprimento da sua pena por conta de atividade religiosa.

g) Assistência ao egresso: É fundamental à ideal ressocialização do sentenciado o amparo àquele que deixa o cárcere, em especial quando passou muitos anos detido, para que não se frustre e retorne à vida criminosa. Lamentavelmente, na maior parte das cidades brasileiras, onde há presídios, esse serviço inexiste. A consequência é o abandono ao qual é lançado o egresso, que, muitas vezes, nem mesmo para onde ir tem, após o cumprimento da pena.

Se preciso for, o Estado deve providenciar alojamento e alimentação, em local adequado, por, pelo menos, dois meses. A lei não faz distinção quanto ao regime de cumprimento e o momento da saída do cárcere, afirmando, apenas, que é considerado egresso o liberado definitivo, pelo prazo de um ano, a contar da saída do estabelecimento (presídio, colônia penal ou Casa do Albergado). Por outro lado, também é considerado egresso aquele que se encontra em livramento condicional, durante o período de prova (art. 26, II, da Lei de Execuções Penais).

3.4 DOS ÓRGÃOS DA EXECUÇÃO PENAL

Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci:

Os órgãos da execução penal: são os que, de alguma forma, interferem no cumprimento da pena de todos os condenados, fiscalizado, orientando, decidindo, propondo modificações, auxiliando o preso e o egresso, denunciando irregularidades etc. Cada qual na sua função, os órgãos da execução penal tutelam o fiel cumprimento da pena, de acordo com a sentença condenatória e com os parâmetros legais. Parece- nos, entretanto, que, dentre esses órgãos, deveria ter sido incluída a defesa do condenado, parte indispensável no processo de execução penal. (NUCCI,2023, p. 132)

Dispõe o art. 61 da Lei de Execução Penal:

Art. 61. São órgãos da execução penal:
I – o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária;
II – o Juízo da Execução;
III – o Ministério Público;
IV – o Conselho Penitenciário;
V – os Departamentos Penitenciários;
VI – o Patronato;
VII- o Conselho da Comunidade.
VIII – a Defensoria Pública. (BRASIL, 1984)

3.5 DOS ESTABELECIMENTOS PENAIS

A Lei de Execução Penal começa a tratar sobre os estabelecimentos penais em seu título IV, capítulo I. Por estabelecimentos penais entendemos quaisquer edificações destinadas a receber os sujeitos passivos da tutela penal, ou seja, são lugares onde há o cumprimento da pena, excluindo-se aqueles condenados à pena de multa, porquanto não mais sujeitos à privação da liberdade (artigo 82 da lei 7.210/84).

Os estabelecimentos penais, conforme sua natureza, deverão contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva (art. 83 da lei 7.210/84). Subdivididos em:

O artigo 87, caput, do referido dispositivo legal, dispõe que a penitenciaria é destinado aos apenados que cumprem pena de reclusão em regime fechado ou, medidas privativas de liberdade e tem por objetivo de punir, reabilitar e, em teoria, reintegrar os condenados à sociedade. As penitenciarias buscam a segurança máxima, com muros altos, grades de proteção e agentes ou policiais em constante vigilância.

Prosseguindo no texto legal, discorre o artigo 91, que a colônia Agrícola/industrial ou similar, é destinado ao cumprimento da pena em regime semiaberto. Trata-se de um estabelecimento penal de segurança média, onde o objetivo é proporcionar oportunidades de trabalho e reabilitação para os condenados visando a sua reintegração à sociedade. É o regime intermediário, portanto, o mais adequado em matéria de eficiência.

Ao contrário do que prevê a Lei de Execução Penal para o regime fechado, o preso do regime semiaberto alocado em colônia agrícola, industrial ou similar poderá ser alojado em compartimento coletivo, observadas as condições de salubridade do ambiente, em especial a adequada aeração, isolação e condicionamento térmico (art. 92 da Lei de Execução Penal).

Delimita o art. 93, da Lei de Execução Penal que a casa de Albergado se destinada ao cumprimento da pena privativa de liberdade no regime aberto, bem como à pena restritiva de direito, consistente na limitação de fim de semana. O prédio da casa do albergado deverá situar- se em centro urbano, separado dos demais estabelecimentos, caracterizando-se pela ausência de guarda armada e de obstáculos físicos contra a fuga, tais como grades e muros (art. 94 da Lei de Execuções Penais).

Nesses estabelecimentos os condenados são autorizados a sair durante o dia para trabalhar ou realizar atividades externas e devem retornar à noite. Ocorre que esse estabelecimento é desconhecido na maioria das comarcas, isso porque, existem pouquíssimas Casas de Albergado no Brasil, e geralmente, as que temos ficam concentradas nas capitais dos estados.

Não obstante estabeleça o art. 95 da Lei de Execução Penal que “em cada região haverá, pelo menos, uma casa de albergado”, ocorre que, o número de presos que estão sob o regime aberto e a quase completa falta de estabelecimentos penais desse tipo tem impossibilitado o cumprimento das penas consoante o previsto na Lei de Execução Penal.

Segundo entendimento majoritário doutrinário e jurisprudencial, a inexistência de vagas em estabelecimento adequado mostra o desleixo do Estado, este ônus não deve ser repassado ao condenado por trata-se de direito líquido e certo, sendo assim a decisão deve ser a seu favor, permitindo o recolhimento do condenado ao regime de prisão domiciliar previsto no art. 117 daquele diploma legal, cujo rol não é taxativo, não devendo o apenado ficar em regime mais gravoso do que ele tem direito.

Em 2016, O Superior Tribunal Federal estabeleceu a Súmula Vinculante 56, institui que o preso não pode ser mantido em regime mais gravoso se não houver vaga no estabelecimento prisional adequado.

A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS. (BRASIL,2016).

Estabelece o artigo 96 da Lei de Execução Penal, que no Centro de Observação realizar- se-ão os exames gerais e o criminológico, cujos resultados serão encaminhados à Comissão Técnica. O exame criminológico está previsto para os detentos recém ingressados ao sistema carcerário em cumprimento da pena no regime fechado.

Prevê o artigo 99 da Lei de Execução Penal que o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico é o local apropriado para receber os inimputáveis e semi-imputáveis (referidos nos artigos 26 e seu parágrafo único), e deverá igualmente atender às condições mínimas de salubridade (Lei de Execução Penal, art. 88), ainda que não deva contar com celas individuais. O exame psiquiátrico e os demais exames necessários ao tratamento são obrigatórios para todos os internados.

Por fim, conforme disposto no artigo 102 da Lei de Execução Penal, a cadeia pública destina-se ao recolhimento de presos provisórios, considerados como tais todos aqueles submetidos às prisões processuais. As Regras Mínimas orientam para que as pessoas que ainda não foram julgadas, por gozarem do estado de inocência, mereçam tratamento diferenciado, sempre separadas das condenadas. Além disso, deverão ser separados os jovens dos adultos.

Segundo a Lei de Execução Penal, cada comarca terá, pelo menos, uma cadeia pública, para que o preso permaneça próximo ao seu meio social e familiar (Lei de Execução Penal, art. 103). Por isso, a construção das cadeias públicas deverá ser nas proximidades dos centros urbanos (Lei de Execução Penal, art. 104).

4 DA REALIDADE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

Ao longo deste trabalho, foram destacados alguns tópicos que revelam o caráter humanístico da Lei de Execução Penal, além dos benefícios que podem ser concedidos aos detentos de forma a tornar as penas menos aflitivas. Para evitar os perigos decorrentes da subcultura criminosa, dispersos no convívio carcerário, a lei busca promover a recuperação e reintegração social do infrator de maneira mais positiva, incluindo, portanto, uma opção pelas penas alternativas à pena restritiva de liberdade em casos específicos.

No entanto, a realidade observada na aplicação da Lei de Execução não se alinha com o espírito da lei. Grande parte do texto legal não é aplicada de forma efetiva, sendo aplicada de forma incorreta ou parcial.

4.1 DA SUPERLOTAÇÃO E AUSÊNCIA DE INFRAESTRUTURA

Conforme disposto no artigo 85 da Lei de Execução Penal, sob o controle exercido por parte do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, a estrutura e a finalidade dos presídios devem ser compatíveis. Ocorre que, na realidade, a situação do sistema prisional atual é completamente distinta. Atualmente, a questão mais preocupante é o sério problema de superlotação nas prisões, uma vez que a superpopulação carcerária impede que sejam cumpridos na integralidade todos os direitos e garantias fundamentais dos apenados.

Já no artigo 88 da Lei de Execução Penal, prevê que o condenado deva ser alojado em cela individual, contendo dormitório, aparelho sanitário e lavatório. Além de estabelecer requisitos básicos quanto a salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado, bem como área mínima de seis metros quadrados.

Infelizmente, no Brasil a realidade carcerária desafia a essa normatização, com muitos dos nossos estabelecimentos penitenciários sendo descritos como ambientes completamente insalubres, impactando negativamente o processo de posterior reintegração da pessoa encarcerada na sociedade. O ambiente negativo ao reajustamento foi criado como consequência dessa situação desastrosa que atinge o preso, facilitando uma reincidência criminosa que, como sabemos, atingiu níveis alarmantes no país.

Segundo os dados publicados pelo Sistema Nacional de Informações Prisionais – SISDEPEN, referente aos dados do primeiro semestre de 2023, indicam, no Brasil, um déficit de mais de 162.470 vagas, dos 644.305 presos existentes no país, que cumprem pena em penitenciárias sob condições precárias.

Muitos estabelecimentos penais, bem como muitas celas e dormitórios, têm de duas a cinco vezes mais indivíduos do que a capacidade máxima prevista pelos projetos. A superlotação alcançou níveis desumanos em alguns estabelecimentos, com presos amontoados em grupos. As sujeiras, odores fétidos, ratos e insetos gerados por essa superlotação agravaram a tensão entre os presos. Os detentos são encarregados de manter as dependências limpas, e é claro que essa limpeza se torna inviável quando se trata de celas abarrotadas.

Não poderá se esperar grandes avanços no processo de recuperação dos condenados, sem que haja investimento efetivo para o aumento do número de vagas e respeitando as condições previstas na Lei de Execução Penal para regimes fechados, semiaberto, aberto. Na verdade, não é possível implantar um programa de recuperação de detentos em estabelecimentos penais onde não existe o mínimo de espaço para as rotinas de uma vida humana digna e normal.

Além disso, é praticamente impossível esperar que esse indivíduo seja reeducado para se reintegrar à sociedade sem qualquer tipo de ressentimento, dependendo quase exclusivamente da vontade individual de cada sentenciado, em um ambiente com muitos outros indivíduos amontoados e sem condições de higienização.

4.2 DO TRABALHO

A lei 7.210/84, em seu art. 28, determina que todos os condenados devem trabalhar. Sendo um direito e um dever que deve ser fornecido pelo Estado, é considerado um elemento fundamental para que garante a dignidade do ser humano. Todavia, é evidente a falha do Estado neste quesito, pois não consegue disponibilizar oportunidades de labor suficientes a todos os presos, beneficiando apenas um reduzido contingente, e isso ocorre por diversas razões, incluindo a superlotação das prisões.

Fornecer emprego é uma das formas mais eficazes de promover a reintegração social, isso porque, quando se ensina ao preso uma atividade, o prepara para o mercado de trabalho. O objetivo do trabalho dentro dos estabelecimentos penitenciários é capacitar os reclusos a adquirirem competência profissional para que posteriormente, quando estiverem em sociedade, possam se inserir de maneira mais suave, reduzindo a tentação de recorrer a atividades criminosas como meio de subsistência.

Para que possa ser garantido aos presos o seu direito de trabalho, as cadeias precisam passar por grandes reformas, para serem criadas oficinas de trabalho que ensinem as mais diversas profissões. Imperioso ressaltarmos que o pequeno número de condenados empregados é uma consequência da falta de oportunidades de trabalho, e não pelo desinteresse por parte dos internos.

Segundo a Secretaria Nacional de Políticas Penais, Diretoria de Inteligência Penitenciária Dados Estatísticos do Sistema Penitenciário 14º ciclo SISDEPEN, entre o período de janeiro a junho de 2023, podemos verificar que o quantitativo de presos que trabalham é pequeno, sendo, portanto, baixo o índice em relação às pessoas presas.

Tabela – População total carcerária e as pessoas envolvidas em atividades laborativas no sistema prisional brasileiro em 2023.

UFTOTAL DE PRESOSPRESOS TRABALHANDOUFTOTAL DE PRESOSPRESOS TRABALHANDO
AC3.4441.353PB11.3291.577
AL4.563783PE28.6702.964
AM5.1661.143PI5.9541.296
AP2.234450PR36.16411.183
BA12.4042.172RJ47.6192.030
CE21.2839.781RN7.290434
DF15.3633.125RO9.0265.244
ES22.7025.717RR3.094407
GO21.0384.083SC24.5348.360
MA11.6507.476RS34.19910.658
MG66.24116.941SE5.9973.498
MS17.4546.794SP195.78738.609
MT11.5733.711TO3.5121.492
PA16.1153.240
Fonte: SISDEPEN, 2023.

Conforme se extrai, percebe-se que a maioria dos presos não tem oportunidade de laborar, há uma grande desproporção entre o número total de apenados e o número dos presos que trabalham. Destacamos que, cada dia que aumenta o número da população carcerária, torna- se mais desafiador implementar um sistema decente que proporcione trabalho aos condenados visando a sua reinserção à sociedade.

O trabalho oferecido aos detentos não deve ser considerado como uma segunda forma de punição, pelo contrário, deve ser vista como uma oportunidade de promover a reabilitação, ocupar o indivíduo, auxiliá-lo em sua recuperação, afastando-o da ociosidade e, assim, prepará- lo para uma reintegração bem-sucedida.

4.3 DA INOBSERVÂNCIA ESTATAL

É de se ressaltar que um dos principais problemas que o Estado enfrenta em sua luta contra o crime e na aplicação da Lei de Execuções Penais é a corrupção. A corrupção por parte de agentes públicos não afeta apenas o sistema penitenciário, mas também a sociedade em sua totalidade.

A partir do momento que os agentes estatais se corrompem e aceitam o suborno daqueles presos com mais condições e, até mesmo, das facções criminosas, torna-se infinitamente mais difícil de se cumprir a lei, isso porque a corrupção permite que detentos com mais recursos financeiros possam obter tratamento preferencial, como celas mais confortáveis, acesso a objetos proibidos como armas e drogas e, até mesmo, a liberdade condicional injusta. Isso cria desigualdades significativas no tratamento dos presos e mina a igualdade perante a lei.

Outra grave consequência da corrupção é a perda de confiança no sistema judicial. Isso porque, quando o público se depara com notícias de casos envolvendo agentes estatais envolvidos em casos de corrupção, gera um sentimento de revolta que acaba gerando uma sensação de impunidade e descrença no sistema judicial.

Nesse contexto, as prisões brasileiras deixaram de cumprir sua finalidade original de reformar e reabilitar os indivíduos, em vez disso, elas podem acabar se tornando escolas do crime, onde os detentos aprendem mais sobre comportamento criminoso.

Para combater este problema, é fundamental promover a transparência com a prestação de contas, o treinamento e a valorização dos agentes penitenciários, melhorar a infraestrutura e as condições carcerárias, a responsabilização adequada aos corruptos, lhes impondo as devidas penas e a perda de seu cargo e, por fim, a implementação de políticas públicas que visem a enfrentar a corrupção. A prevenção e o combate à corrupção são essenciais para melhorar as condições nas prisões e restaurar a integridade do sistema de justiça.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o exposto, podemos concluir que o presente trabalho teve por propósito, analisar de forma crítica, os desafios e dificuldades que a Lei de Execução Penal enfrenta ante nosso falho sistema carcerário.

Ao longo deste estudo, foi constatado que, apesar dos direitos dos presos estejam protegidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, inclusive pela Constituição Federal de 1988, eles são prejudicados pela ineficácia do Estado em conseguir aplicar efetivamente o texto legal em seus estabelecimentos penais. Os desafios e problemas enfrentados pelo Estado não só afetam tanto os detentos, quanto a sociedade como um todo.

Importante destacar que, as sanções penais e o sistema carcerário evoluíram ao longo do tempo, sendo que saímos de um sistema que buscava a justiça por meio da vingança e, devido aos princípios e direitos reforçados amplamente nas normas legislativas nacionais e internacionais, passamos para um sistema que garante o devido processo legal e todas as garantias constitucionais ao investigado.

No entanto, a realidade de nosso sistema prisional é deprimente e preocupante, onde fica cada vez mais exposta à ineficácia do Estado em assumir o seu dever de garantir o mínimo de dignidade aos apenados e lhes assegurar condições para que possam voltar ao convívio em sociedade. Entre os desafios que o Estado encontra, podemos destacar os principais, a superlotação, violência, falta de estrutura, escassez de recursos, e a falta de programas adequados que possam garantir a ressocialização do apenado.

Portanto, podemos concluir que o primeiro passo para que possamos atingir a eficácia da Lei de Execução Penal, é a efetiva aplicação do texto legal. Isso visto que, a Lei de Execução Penal brasileira é uma das mais avançadas do mundo, prevendo direitos e garantias fundamentais. Assim, a sociedade deve pugnar para que o Estado para que invista em medidas que visem a redução da superlotação, a melhoria das condições de detenção, a promoção de programas de ressocialização e a proteção dos direitos humanos dos detentos. Além disso, é importante fomentar a participação da sociedade civil e de instituições não governamentais nesse processo, criando um diálogo abrangente e construtivo.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei de execuções Penais. Lei 7210 de 11 de julho de 1984.

BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei 3.689 de 3 de outubro de 1941.

BRASIL. [Constituição (1988)] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF.

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¹Graduandos em Direito pelo Centro Universitário UNA Bom Despacho