A IMPUNIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DO ESTADO NA ABORDAGEM  POLICIAL VIOLENTA: A REINCIDÊNCIA DA BRUTALIDADE NO CONTEXTO ATUAL¹ 

THE IMPUNITY OF STATE CRIMINALIZATION IN THE VIOLENT POLICE  APPROACH: THE RECURRENCE OF BRUTALITY IN THE CURRENT CONTEXT 

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7847533


Talisson Santos Moraes2
Tanira Alves Novaes de Oliveira3


RESUMO: A abordagem policial violenta é uma prática comum em muitos países e está  frequentemente associada à impunidade da criminalização do Estado. A impunidade pode  encorajar os policiais a agir de forma abusiva, uma vez que não serão responsabilizados por  suas ações. Este artigo apresenta como tema a impunidade da criminalização do estado na  abordagem policial e inclusive a sua reincidência no contexto atual. Essa impunidade pode  levar a um ciclo vicioso em que as práticas violentas são toleradas e até mesmo encorajadas  pelas autoridades, reforçando a cultura da violência. As consequências da impunidade são  profundas e duradouras, minando a confiança da população nas instituições estatais  encarregadas de protegê-las e perpetuando a cultura da violência diante da sociedade. Dessa  forma, os objetivos deste trabalho foram apresentar as causas determinantes, ressaltar a  importância dos Direitos Fundamentais e o Estado de Direito, analisar o processo de  abordagem e os crimes cometidos, verificar o contexto das ações violentas da polícia, levantar  as hipóteses determinantes da cultura de impunidade e identificar as causas da falta de  responsabilização. No que se refere aos aspectos metodológicos, o presente artigo utiliza-se  da revisão de literatura, com base nas referências de diversos autores que fundamentam o  problema da abordagem policial. Para combater a impunidade da criminalização do Estado, é  necessário responsabilizar as autoridades policiais por suas ações e investir em treinamento  para reduzir o uso da força desnecessária. 

Palavras–Chave: Abordagem policial. Impunidade. Criminalização. Violência. Estado. 

ABSTRACT: Violent police approach is a common practice in many countries and is often  associated with impunity for state criminalization. Impunity can encourage police to act  abusively, as they will not be held accountable for their actions. This article presents as a  theme the impunity of the criminalization of the state in the police approach and even its  recurrence in the current context. This impunity can lead to a vicious cycle in which violent  practices are tolerated and even encouraged by authorities, reinforcing a culture of violence.  The consequences of impunity are profound and lasting, undermining the population’s trust in  the state institutions charged with protecting them and perpetuating a culture of violence in  society. Thus, the objective of this work is to present the determining causes, emphasize the  importance of Fundamental Rights and the Rule of Law, analyze the approach process and the  crimes committed, verify the context of the violent actions of the police, raise the hypotheses  that determine the culture of impunity and identify the causes of lack of accountability. With regard to methodological aspects, this article uses a literature review, based on the references  of several authors that underlie the problem of the police approach. To combat the impunity  of state criminalization, it is necessary to hold police authorities accountable for their actions  and invest in training to reduce the use of unnecessary force. 

Keywords: Police approach. Impunity. Criminalization. Violence. State. 

1. INTRODUÇÃO 

O presente artigo aborda a impunidade da criminalização do Estado na abordagem  policial violenta. Nesse contexto, a criminalização do Estado é um fenômeno que se refere à  violência e à impunidade praticadas pelas forças policiais durante as abordagens e operações  policiais. Muitas vezes, essa violência é direcionada a grupos elegíveis, como negros, pobres e  moradores de periferias, e pode resultar em mortes e ferimentos graves. Como defende  Cordeiro (2009, p. 4), o problema é agravado pela impunidade, ou seja, a falta de  responsabilização dos agentes públicos envolvidos nas práticas violentas. 

Para Kant de Lima (2021, p. 97-98), a criminalização do Estado na abordagem policial  violenta é um tema de grande culto e desejo para a sociedade atual, visto que o desrespeito  aos direitos humanos pelas forças policiais tem gerado um clima de insegurança e  desconfiança por parte da população, especialmente das comunidades marginalizadas.  Segundo Sá e Silva (2014), trata-se de um problema complexo que envolve diversos fatores,  como a falta de preparação e treinamento dos policiais, a cultura institucional de violência e a  ausência de investigação adequada dos direitos humanos. A falta de punição para as vítimas  atendidas nesses casos contribui para perpetuar a impunidade e a sensação de insegurança  entre a população. Assim como refere Muniz (1999), a falta de responsabilização dos agentes  envolvidos em casos de abuso de poder, violência e mortes de policiais contribui para o  aumento da violência e para a perpetuação de uma cultura de impunidade, em que as vítimas  são frequentemente criminalizadas e os envolvidos em tais situações permanecem impunes. 

Neste artigo científico, analisou-se como a impunidade pode estar relacionada a essas  práticas policiais e quais as consequências disso para a sociedade. Outrossim, buscou-se:  apresentar as causas determinantes para a impunidade da criminalização do Estado na  abordagem policial que resulta em ações violentas da polícia consideradas abusivas no  contexto atual; ressaltar a importância dos Direitos Fundamentais e o Estado de Direito – pressupostos para o direito à vida, à integridade física e moral e à segurança pública; analisar  o processo de abordagem e os crimes cometidos; verificar o contexto das ações violentas da polícia; levantar as hipóteses determinantes da cultura de impunidade e, por fim, identificar as  causas da falta de responsabilização (RIBEIRO; MACHADO, 2017, p. 369). Do ponto de vista metodológico, o presente estudo se trata de uma revisão analítica da  literatura conforme o tema abordado, haja vista a pesquisa está sustentada e referenciada em  diversos autores. Como método de pesquisa, classifica-se como dedutivo, tendo em vista que  o presente trabalho busca demonstrar um problema atual é reincidente e, ao mesmo tempo, determinar uma resposta a este problema (ANDRADE, 1999), sendo possível partir de teorias  e leis mais gerais para a ocorrência de fenômenos particulares. 

Quanto ao tipo, o estudo consiste numa pesquisa exploratória, a qual tem o objetivo de  aprimorar ideias e desenvolver melhor a compreensão do tema abordado. Quanto ao  procedimento técnico, escolheu-se a pesquisa bibliográfica para utilizar dados ou categorias  teóricas já trabalhadas por outros pesquisadores e devidamente registradas. Acerca do método  de procedimento, destaca-se o monográfico, possibilitando investigar determinado assunto, não só em profundidade, mas em todos os seus ângulos e aspectos, dependendo dos fins a que  se destina. E, por fim, quanto à análise de dados, limita-se na análise qualitativa, buscando  entender, descrever e, em alguns casos, explicar os fenômenos sociais e culturais de grupos  sociais. 

Para enfrentar a impunidade da criminalização do Estado na abordagem policial  violenta, é necessário promover mudanças no sistema de segurança pública, como a revisão  dos protocolos de atuação policial, o fortalecimento dos procedimentos de controle externo e  a garantia de consideração independente e imparcial. Além disso, é preciso sensibilizar a  sociedade para a gravidade do problema e fomentar o debate sobre o papel das forças policiais  na promoção da segurança pública e na proteção dos direitos humanos.  

2. A RELEVÂNCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O ESTADO DE DIREITO 

Falar sobre impunidade de crimes cometidos por policiais passa, sem dúvidas, pela  discussão dos direitos fundamentais. Isso porque é assunto relativamente predominante no  campo do Direito, inclusive decorrente da Segunda Guerra Mundial, que assume papel de  grande importância, visto que os direitos fundamentais dizem respeito ao ser humano e são  garantidos por lei.  

Para Santos (1997), os direitos fundamentais são classificados e referidos como  direitos humanos, direitos civis, direitos políticos, direitos sociais e direitos psicológicos.  Sobretudo, são direitos inalienáveis, ou seja, não podem ser retirados nem transferidos. Eles incluem, por exemplo, o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à privacidade, à propriedade,  à educação, à saúde, à alimentação e ao trabalho. 

Os direitos fundamentais são protegidos por diversas normas jurídicas, como a  Constituição, tratados internacionais e leis nacionais e internacionais. Eles são destinados a todas as pessoas, sem distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra  natureza. Contudo, são definidos como “direitos público-subjetivos de pessoas (físicas ou  jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter  normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder  estatal em face da liberdade individual” (DIMOULIS; MARTINS, 2008, p. 54). 

Dessa forma, os direitos fundamentais têm como objetivo garantir a proteção e a  promoção dos valores mais fundamentais da sociedade, como a liberdade, a igualdade, a  justiça e a dignidade humana. Eles são uma garantia de que todas as pessoas têm os mesmos  direitos e oportunidades, independentemente de sua posição na sociedade ou de suas  circunstâncias pessoais. 

Nessa esteira, destaca-se o conceito de Estado de Direito, princípio fundamental do  sistema jurídico de um país, o qual orienta que todas as pessoas, incluindo os governantes,  estão sujeitas às leis do país, e que as leis são aplicadas de forma imparcial e justa. Em outras  palavras, o Estado de Direito estabelece que ninguém está acima da lei. Ou seja, é  denominado conforme “qualquer que seja a legislação existente, ela é aplicada de forma justa  pelas instituições estatais pertinentes, incluindo, mas não exclusivamente, o Judiciário”  (O’DONNEEL, 1998, p. 43). 

O Estado de Direito é, portanto, a existência de um conjunto de leis claras e acessíveis  a todos, que são aplicadas de forma consistente e imparcial. Além disso, o Estado de Direito  implica que o poder estatal é limitado pela Constituição e pelas leis, e que os cidadãos têm  direitos e liberdades fundamentais protegidos pelo sistema jurídico. Nesse sentido, as  instituições governamentais e jurídicas são independentes e operam com base na Constituição  e nas leis do país. O Poder Judiciário é responsável por aplicar as leis e garantir a proteção dos  direitos fundamentais, enquanto o Poder Executivo é responsável por implementar as políticas  públicas e ao Poder Legislativo é atribuída a criação das leis. 

De acordo com Canotilho (1998, p. 31), é essencial para o Estado de direito “a  liberdade do indivíduo, a segurança individual e coletiva, a responsabilidade e  responsabilização dos titulares do poder, a igualdade de todos os cidadãos e a proibição de  discriminação de indivíduos e de grupos”. O Estado de Direito é fundamental para a  manutenção da ordem e da estabilidade em uma sociedade democrática, garantindo a proteção dos direitos individuais e coletivos e assegurando que as pessoas possam viver em uma  sociedade livre e justa, em que todos são iguais perante a lei. 

2.1 Presunções ao direito à vida, à integridade física e moral e à segurança pública 

A Constituição Brasileira de 1988 estabelece uma série de direitos e garantias  fundamentais para os cidadãos brasileiros. Esses direitos são reconhecidos fundamentais  porque dizem respeito à dignidade humana e são previstos pela Constituição. Portanto, são protegidos pelo Poder Judiciário e pelo sistema jurídico pátrio, e são essenciais para garantir o  direito ao bem-estar dos cidadãos brasileiros. 

Conforme destaca Moraes (2005, p. 21), é “o conjunto institucionalizado de direitos e  garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de  sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento de condições mínimas de  vida e desenvolvimento da personalidade humana”. 

O direito à vida, à integridade física e moral e à segurança pública são direitos  fundamentais e aplicáveis e devem ser efetivamente garantidos.  

Quanto ao direito à vida, 

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) reconheceu direitos civis, políticos e sociais. No domínio dos direitos civis, eles compreendem, além das  clássicas liberdades (expressão, opinião, associação, circulação), a universalização da proteção ao direito à vida que incluem, além do direito à integridade física, a proteção contra a tortura, contra a execução sumária, contra o desaparecimento,  tanto quanto direitos positivos tais como o direito à vida com dignidade: justiça social e bem-estar, independentemente de gênero, raça ou nacionalidade (ADORNO; CARDIA; POLETO, 2003, p. 47). 

No Brasil, o direito à vida está previsto no artigo 5º da Constituição Federal, que  estabelece que “todos têm direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à  propriedade”. Além disso, o direito à vida é protegido por leis específicas, como o Código  Penal, que prevê penas para quem comete crimes contra a vida, como o homicídio, o  infanticídio e o aborto ilegal. Por isso, é essencial que haja proteção e garantia desse direito  por parte do Estado e da sociedade como um todo, assegurando a proteção e a segurança de  todos os cidadãos. 

O direito à integridade física e moral é um direito humano fundamental que garante a  proteção da pessoa contra qualquer tipo de violência, agressão ou tratamento cruel, desumano  ou degradante. Esse direito está previsto em diversos instrumentos internacionais de direitos humanos, assim como na Constituição Brasileira. De acordo com Siqueira Jr. e Oliveira  (2007, p. 43), “direitos humanos são aquelas cláusulas básicas, superiores e supremas que  todo indivíduo deve possuir em face da sociedade em que está inserido”. 

É fundamental que o Estado e toda a sociedade respeitem e garantam o direito à  integridade física e moral, resguardando a segurança de todas as pessoas. Qualquer violação a  esse direito deve ser investigada e punida, para que haja a responsabilização de quem o  desrespeita e a proteção da vítima. 

No que se refere à segurança pública, Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo e Maura Basso  afirmam que: 

O Estado tem o dever de propiciar segurança aos cidadãos, contendo a violência e  garantindo a paz pública. Por essa razão, a segurança pública, na atualidade, converteu-se em argumento político e constitucional para a legitimação da força estatal. Para tanto, fortaleceu-se o aparato penal com o objetivo de se obter o controle da criminalidade (AZEVEDO; BASSO, 2008, p. 28). 

O direito à segurança pública é um direito humano fundamental que garante a proteção  da pessoa contra qualquer tipo de ameaça ou violência, seja ela cometida por particulares ou  pelo próprio Estado. No Brasil, a segurança pública é responsabilidade do Estado e deve ser  garantida por meio de políticas públicas que visem a prevenir e combater a violência, o crime  e a impunidade. O direito à segurança pública está previsto no artigo 5º da Constituição  Federal, que estabelece que “todos têm direito à segurança”. 

O Estado tem o dever de garantir a segurança pública por meio da atuação das forças  policiais, da justiça e do sistema carcerário, com respeito aos direitos humanos e ao devido  processo legal. É fundamental que o Estado adote medidas para prevenir e combater todas as  formas de violência, garantindo a segurança e o ganho de todos os cidadãos. 

3. O CONTEXTO DAS AÇÕES VIOLENTAS DA POLÍCIA NA ABORDAGEM  POLICIAL 

As ações violentas da polícia na abordagem policial são um grave problema no Brasil  e em vários outros países. Muitas vezes, essas ações violentas resultam em violação dos  direitos humanos, como o direito à vida, à integridade física e à segurança pública. Todavia,  uma das principais causas das ações violentas da polícia na abordagem policial é a falta de  preparação dos policiais para lidar com situações de conflito e com o uso da força. Dessa  forma, agem de forma violenta e agressiva, ao ponto de serem forçados a buscar soluções  inadequadas e contrárias aos direitos humanos.

De acordo com Magalhães (2018), há um contexto de impunidade em relação às ações  violentas da polícia, o que acaba incentivando ainda mais esse tipo de comportamento, visto  que agir de forma violenta na abordagem policial sem medo de punição ou responsabilização  contribui para a perpetuação desse tipo de violência. 

Ainda, denota Wanderley (2017), outro fator que contribui para as ações violentas da  polícia na abordagem policial é o preconceito e a discriminação. Muitos agem de forma  violenta com base em estereótipos e preconceitos, como a cor da pele, a origem social ou a  orientação sexual das pessoas abordadas. 

Segundo Maia Neto (2009, p. 2), “o abuso de poder e de autoridade de policiais são  delitos graves que lesionam a humanidade, em geral vítimas diretas e indiretas, razão pela  qual poderiam ser crimes imprescritíveis, contra a ordem constitucional e o Estado  democrático”.  

Para combater as ações violentas da polícia em sua abordagem, é necessário adotar  medidas efetivas, como o treinamento adequado dos policiais, a responsabilização dos agentes  que cometem abusos e a implementação de políticas de prevenção à violência. Também é  importante enfrentar o preconceito e identificá-lo, promovendo a igualdade e o respeito aos  direitos humanos. Somente assim será possível garantir a segurança pública e o respeito aos  direitos humanos no país. 

3.1 Falta de preparação dos policiais 

A falta de preparação é uma das principais causas das ações violentas da polícia na  abordagem policial. Muitos não recebem treinamento adequado para lidar com situações de  conflito e com o uso da força, o que acaba levando a abusos e violação dos direitos humanos. 

Para Meirelles (1998, p.147), ordem pública é a “situação de tranquilidade e  normalidade que o Estado assegura, ou deve assegurar, às instituições e a todos os membros  da sociedade, consoante as normas jurídicas legalmente estabelecidas”. O treinamento  adequado dos agentes deve incluir não apenas o uso da força proporcional e necessária, mas  também técnicas de comunicação e resolução de conflitos. É importante que esses  profissionais saibam como agir em situações de tensão, buscando sempre soluções positivas e  respeitando os direitos humanos. 

Conforme estabelece Baratta (2011), é fundamental que os mesmos recebam  treinamento em direitos humanos e em questões relacionadas à diversidade, para evitar a  discriminação e o preconceito em sua abordagem. Os policiais devem ser capacitados para atuar de forma imparcial e respeitosa com todas as pessoas, independentemente de sua raça,  gênero, orientação sexual, religião ou qualquer outra condição. 

Outro aspecto importante é a valorização e o respeito aos direitos dos agentes,  incluindo melhores condições de trabalho, remuneração adequada e acesso a equipamentos e  tecnologias básicas para o desempenho de suas funções. Quando os policiais são valorizados e  têm boas condições de trabalho, eles tendem a agir de forma mais profissional e respeitosa  com a população. 

Em resumo, a falta de preparação é um problema grave que precisa ser enfrentado por  meio de políticas públicas de formação e treinamento adequados para os agentes de segurança  pública. Somente assim será possível garantir a segurança pública de forma efetiva e  condizente com os direitos humanos. 

3.2 Racismo policial 

O racismo policial se refere à prática de discriminar indivíduos com base em sua raça  ou etnia. Isso pode incluir ações como o uso da força excessiva, detenções injustas,  aproximações violentas e outras formas de violência física ou psicológica. Santos (2015) afirma que: 

[…] os jovens pobres, predominantemente negros, moradores de favelas e das periferias dos grandes centros são os principais suspeitos da polícia. A distribuição  das próprias operações policiais é variável por bairro, predominando as abordagens a  pé na rua, com revistas corporais, nas áreas pobres e as “blitz” de automóveis, quase sempre sem revistas corporais, nas áreas mais ricas (SANTOS, 2015, p. 3). 

Conforme Fernandes (2014), o racismo tem efeitos graves na vida das pessoas que são  vítimas dessa prática. Além do sofrimento físico e emocional, a percepção pode gerar  desigualdades sociais e emocionais, limitando o acesso a oportunidades e recursos. As  consequências do racismo também massacram a sociedade como um todo, pois cria um  ambiente de desconfiança e falta de segurança nas relações entre as comunidades e as forças  de segurança, além de gerar estresse e conflitos raciais.  

Para o combate ao racismo policial, é necessário que se adotem políticas públicas que  promovam a igualdade racial e combatam o preconceito e a discriminação. Isso inclui ações  como a formação de policiais em relação à diversidade racial e cultural, a implementação de  protocolos de abordagem não violenta e o fortalecimento dos controles de monitoramento e denúncia de abusos de policiais. Além disso, é fundamental que haja uma mudança cultural na  sociedade em relação ao respeito à diversidade e à valorização da igualdade racial. 

3.3 Uso da força 

O uso progressivo da força policial é uma questão delicada, que deve ser tratada com  cuidado e responsabilidade. A força policial é uma ferramenta importante para garantir a  segurança pública e proteger os direitos dos cidadãos, mas seu uso deve ser proporcional e  necessário. 

A partir do que dispõem os artigos 284 e 292 do CPP, em situações de violência ou  perigo iminente, os agentes de segurança têm o direito e devem usar a força para proteger a  si mesmos e aos cidadãos. No entanto, o uso excessivo da força pode levar a abusos e  violação dos direitos humanos, gerando danos físicos e emocionais às pessoas envolvidas. 

O emprego de força, para a realização da prisão, é exceção e jamais regra (art. 284, CPP). Utiliza-se a violência indispensável para conter eventual resistência ou tentativa de fuga. Note-se que se trata de causa garantidora de um dever legal, com reflexos no contexto penal, significando a possibilidade de, havendo lesões ou outro tipo de dano ao preso, alegue a autoridade policial o estrito cumprimento do dever legal. Não se autoriza, em hipótese alguma, a violência extrema, consistente na morte do procurador. Logo, se esta ocorrer, não há viabilidade em alegar o estrito cumprimento do dever legal. Eventualmente, resistindo ativamente o preso e  investindo contra os policiais, podem estes alegaram legítima defesa e, nessa hipótese, se houver necessidade, até matar o agressor (NUCCI, 2021, p. 98). 

Todavia, para evitar o uso obrigatório da força policial, é necessário que os policiais  recebam uma formação adequada em relação ao uso progressivo da força e técnicas de  resolução de conflitos. Além disso, é importante que os protocolos de atuação da polícia  sejam claros e transparentes, para que a população possa compreender as ações da polícia e  ter confiança na sua atuação. 

É importante destacar que o Código de Processo Penal Militar trata sobre o emprego  da força, esclarecendo, em seu art. 234: 

O emprego de força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga. Se houver resistência da parte de terceiros, poderão ser usados os meios necessários para vencê-la ou para defesa do executor e auxiliares seus, inclusive a prisão do ofensor. De tudo se lavrará o auto subscrito pelo executor e por duas testemunhas (BRASIL, 1969).

Dessa forma, é importante lembrar que a força policial é a última alternativa a ser  utilizada, após outras medidas de resolução de conflitos terem sido esgotadas, à medida que se  define como um “[…] mecanismo de distribuição de força coercitiva não negociável,  empregada de acordo com os preceitos de uma compreensão intuitiva das exigências da  situação” (BITTNER, 2003, p. 138). Em caso de abuso ou uso excessivo da força, os  responsáveis devem ser responsabilizados e punidos de acordo com a lei. 

4. O PROCESSO DE ABORDAGEM POLICIAL 

A abordagem policial é um procedimento utilizado pelas forças de segurança para  identificar pessoas suspeitas de estarem envolvidas em atividades criminosas ou para realizar  fiscalizações de rotina em locais públicos. É um processo importante para a segurança  pública, mas deve ser realizado de forma adequada e respeitando os direitos dos cidadãos. 

Conforme o artigo 144, § 5°, da Constituição Federal: 

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos,  é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:  
V – polícias militares e corpos de bombeiros militares. § 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil (BRASIL, 1988). 

O processo de abordagem policial deve seguir alguns princípios básicos, como a  legalidade, a necessidade, a proporcionalidade e o respeito aos direitos humanos. Em geral, a  abordagem começa com a solicitação de identificação da pessoa, seguida de uma busca  superficial, realizada apenas para garantir a segurança do indivíduo e do policial (TOLEDO,  2020, p. 21) 

É importante que a abordagem policial seja realizada de forma respeitosa e sem uso  necessário da força. Os policiais devem estar identificados e apresentar uma justificativa clara  para a abordagem, para evitar constrangimentos e violação dos direitos dos cidadãos. Além  disso, é fundamental que a abordagem seja realizada de forma não discriminatória, sem  considerar a raça, gênero, orientação sexual, religião ou outras características pessoais dos  entrevistados. É necessário, portanto, que os policiais sejam treinados e orientados para evitar  preconceitos e discriminações.

Em caso de abuso ou violação dos direitos dos cidadãos durante a abordagem policial,  é importante que haja canais de denúncia e de responsabilização dos envolvidos. A  transparência e a prestação de contas são fundamentais para garantir a confiança da população  nas forças de segurança e na democracia. 

4.1 Busca pessoal 

Ensina Santos (2019) que a busca pessoal é um procedimento policial consistente na  revista de uma pessoa para verificar se ela está portando objetos ou substâncias ilícitas, como  armas, drogas ou objetos utilizados para cometer crimes. Esse procedimento é realizado  quando há uma suspeita razoável de que a pessoa abordada possa estar cometendo um crime. 

No Brasil, a busca pessoal é regulamentada pelo Código de Processo Penal e deve ser  realizada com o devido respeito aos direitos humanos e às garantias constitucionais, como o  direito à privacidade e à inviolabilidade domiciliar. Considere-se: 

Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.
§ 2° Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior (BRASIL, 1941). 

A busca pessoal deve ser realizada por policiais do mesmo sexo da pessoa abordada,  em local reservado e sem a presença de terceiros. Além disso, a busca deve ser feita com o  uso de técnicas que minimizem o constrangimento e o risco de lesões corporais, evitando o  uso de violência desnecessária. 

Nesse modo, explica Wanderley (2017) que é importante destacar que a busca pessoal  não pode ser realizada de forma indiscriminada ou discriminatória, levando em conta as  características físicas, raça, gênero, orientação sexual ou qualquer outra condição pessoal da  pessoa abordada. A suspeita de um crime deve ser fundamentada em aparências objetivas, e  não em preconceitos ou estereótipos. 

Em caso de abuso ou violação dos direitos da pessoa abordada durante a busca  pessoal, é possível realizar denúncias e tomar medidas judiciais para responsabilizar os  culpados. A transparência e a prestação de contas são fundamentais para garantir o respeito  aos direitos humanos e a confiança da população nas instituições responsáveis pela segurança  pública. 

Sobre o assunto, opina Assis:

No Brasil, em regra, a abordagem policial a pessoas é utilizada como sinônimo de busca pessoal, uma vez que, geralmente, a abordagem tem como desfecho a  realização da busca pessoal. Devendo destacar, entretanto, que existem abordagens policiais sem a execução da busca pessoal (nos casos de advertências, orientações, assistências etc.) (ASSIS, 2014, p.4) 

4.2 Fundada suspeita 

Do ponto de vista do professor Renato Brasileiro Lima (2020, p. 197), fundada  suspeita é um termo jurídico utilizado para se referir a uma suspeita que tem base em indícios  objetivos, ou seja, em elementos concretos que levam a crer na possibilidade da prática de um  delito. Esses olhares podem ser obtidos por meio de informações recebidas pela polícia,  cuidados prévios ou mesmo pela observação de comportamento ou situações que sugiram a  prática de um crime. 

A fundada suspeita é um dos requisitos necessários para a realização de algumas  atividades policiais, como a abordagem de pessoas ou veículos, a busca pessoal, a prisão em  flagrante ou a realização de uma investigação criminal. Assim, fica definido no artigo 244 do  Código de Processo Penal: 

A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso  de busca domiciliar (BRASIL, 1941, p. 69). 

No entanto, é importante destacar que a fundada suspeita não pode ser baseada em  preconceitos, características ou estereótipos. As ações policiais devem ser pautadas no  respeito aos direitos humanos e às garantias constitucionais, como a presunção de inocência, o  direito à defesa e devido processo legal. Como descrito no artigo 5º, X, da Constituição  Federal: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,  assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”  (BRASIL, 1988). 

Na prática, a fundada suspeita é utilizada como um objetivo para a conclusão de  investigadores, busca e apreensão, interceptação telefônica, entre outras medidas que  restringem os direitos individuais. Para que essas ações sejam consideradas legítimas, é  preciso que haja uma base concreta de aparências que justifique a investigação. A falta de  fundada suspeita pode tornar a ação da polícia ilegal e levar os responsáveis a tribunal.

5. AS CIRCUNSTÂNCIAS DA CULTURA DE IMPUNIDADE DO ESTADO 

A cultura de impunidade do Estado é uma expressão que se refere à percepção, entre a  população, de que agentes estatais que cometeram violação de direitos humanos, incluindo  ações violentas e ilegais, frequentemente não são responsabilizados e punidos pelo Estado  (CHEVIGNY, 1995; MESQUITA NETO, 1999; LIMA, 2011). Essa cultura de impunidade  pode levar a um sentimento de injustiça e de desconfiança em relação às instituições  responsáveis pela segurança pública ou ainda, “[n]a desistência sistemática de aplicação de  punição para quaisquer crimes, pouco importando sua natureza ou gravidade” (ADORNO,  2007, p. 132). 

Essa cultura de impunidade pode ser resultado de diversos fatores, como a falta de  transparência e prestação de contas, a falta de investigação e responsabilização de agentes  estatais envolvidos em violação de direitos humanos, a presença de leis ou práticas que  garantem a impunidade, a falta de recursos e capacidade institucional para realizar inquéritos  e julgamentos justos e imparciais, entre outros. “Em regra os policiais envolvidos em  homicídios classificados como autos de resistência não são penalmente responsabilizados”  (SOUZA, 2010, p. 192). No mesmo sentido, Misse (2011, p. 132) refere que “as  circunstâncias dos homicídios não são apuradas, a não ser que motivações pessoais e/ou  entendimentos particulares de atores isolados imponham um rigor maior na investigação de  determinados casos”. 

Conforme Habib (1994), a cultura de impunidade do Estado pode contribuir para a  perpetuação da violação dos direitos humanos, bem como para a falta de confiança da  população nas instituições responsáveis pela segurança pública. Como medida de solução para a cultura de impunidade, é necessário fortalecer a transparência e prestação de contas, a  independência e capacidade institucional para investigar e punir a violação de direitos  humanos, bem como a adoção de medidas preventivas para evitar a ocorrência de violação. A  luta contra a impunidade é indispensável para garantir o respeito aos direitos humanos e o  fortalecimento da democracia (SUDBRACK, 2008). 

5.1 Violência institucional: vitimização secundária  

A violência institucional é um tipo de violência que ocorre quando as instituições ou  agentes do Estado, como a polícia, o sistema prisional e outros, utilizam da força excessiva ou de práticas abusivas em suas ações, afetando a vida, a liberdade e a integridade física e  psicológica dos indivíduos. Esse tipo de violência pode ocorrer de diversas formas, como, por  exemplo, através da prática de tortura, execuções extrajudiciais, abuso de poder, tratamentos  desumanos ou degradantes em prisões, entre outros (BASTOS; SILVA, 2007, p. 124). 

Do ponto de vista de Tarquette (2007, p. 95), demonstra-se que: 

Violência Institucional é aquela praticada, por ação e/ou omissão, nas instituições prestadoras de serviços públicos tais como hospitais, postos de saúde, escolas,  delegacias, Judiciário, dentre outras. É perpetrada por agentes que deveriam garantir  uma atenção humanizada, preventiva e reparadora de danos. Na seara da violência institucional, podemos encontrar desde a dimensão mais ampla, como a falta de acesso aos serviços de saúde e a má qualidade dos serviços prestados, até mesmo como expressões mais sutis, mas não menos violentas, tais como os abusos cometidos em virtude das relações desiguais de poder entre profissional e usuário. Uma forma, infelizmente, muito comum de violência institucional ocorre em função de práticas discriminatórias, sendo as questões de gênero, raça, etnia, orientação sexual e religião um terreno fértil para a ocorrência de tal violência. A eliminação da violência institucional requer um grande esforço de todos nós, pois, em sua grande maioria, acontece em nossas práticas cotidianas com a população usuária dos serviços. 

Para Cappi (2009), a violência institucional tem sido alvo de críticas e denúncias por  parte de organizações de direitos humanos e de movimentos sociais, que buscam evidenciar as  práticas abusivas e cobrar por medidas efetivas de proteção e garantia dos direitos das  pessoas. No entanto, a luta contra a violência institucional envolve a implementação de  políticas públicas que visem à promoção dos direitos humanos e da igualdade, bem como a  conscientização e mobilização da sociedade para denunciar e combater esse tipo de violência. 

Conforme Ana Sofia Schmidt de Oliveira (apud MORAIS; DAVID, 2017), vitimização secundária é um fenômeno que ocorre quando uma vítima de violência sofre  novamente ao ter que lidar com as instituições responsáveis pela investigação e punição do  agressor. Nesses casos, a vítima é exposta a processos que podem ser traumáticos,  humilhantes e desrespeitosos, como interrogatórios invasivos e repetitivos, falta de apoio  psicológico e ausência de informações claras sobre o andamento do caso. Quando uma vítima  passa por essa experiência, ela pode sentir que não é levada a sério ou que está sendo culpada  pelo crime cometido contra ela (ROSA; MANDARINO, 2017). 

Segundo Letícia Ferreira e Gabriela Ferreira: 

Pode-se destacar três formas de vitimização; aquela gerada pelo sofrimento, ao qual  a vítima de crime sexual é submetida. Trata-se da primeira vitimização, chamada de primária, realizada pelo próprio agente delituoso; em seguida, a vitimização secundária, exercida por agentes estatais e ou agentes públicos, os quais estão representando o Estado ao recepcionar a vítima e, por fim, a chamada vitimização terciária, em que a vítima acaba por sofrer mais uma vez, por atuação da sociedade e do meio social em que tal vítima está inserida (FERREIRA; FERREIRA, 2021, p. 367). 

Assim, a vitimização secundária também ocorre em casos de abordagem policial,  quando a pessoa abordada é tratada de forma desrespeitosa, violenta ou humilhante, mesmo  que não tenha cometido nenhum crime ou infração. Nesses casos, uma pessoa pode se sentir  revitimizada e traumatizada pela experiência, especialmente se já foi vítima de violência  policial anteriormente (SAAD-DINIZ, 2019, p. 132). 

A falta de preparação dos policiais juntamente com a cultura de impunidade do Estado  e a violência institucional são responsáveis pela ocorrência de casos de vitimização  secundária na abordagem policial. Muitas vezes, a pessoa abordada não recebe informações  claras sobre o motivo da abordagem ou sobre os procedimentos que estão sendo realizados, o  que pode gerar medo e insegurança (OLIVEIRA, 1999, p. 112). 

O processo de vitimização pode ter efeitos profundos na vida das pessoas, como a  ansiedade, dificuldades para se relacionar, transtornos psíquicos e físicos, dificuldades no  desempenho escolar ou profissional, entre outros. “A vitimização é o processo pelo qual uma  pessoa sofre as consequências negativas de um fato traumático, especialmente, de um delito”  (MOLINA, 2006, p. 76). Além disso, a vitimização pode levar a sentimentos de injustiça e  desconfiança em relação às instituições e à capacidade do Estado de proteger os direitos das  vítimas. É importante destacar que a vitimização não é uma escolha ou uma fraqueza pessoal,  mas sim um processo complexo e muitas vezes traumático que envolve fatores individuais,  sociais e culturais. Por isso, é fundamental que as instituições sejam responsáveis pela  proteção e garantia dos direitos das vítimas para oferecer apoio e assistência especializada,  incluindo o acesso a serviços de saúde, psicossocial e jurídico (TRINDADE, 2007, p. 158). 

A sociedade também tem um papel importante na prevenção da vitimização  secundária resultante da abordagem policial, por meio da conscientização sobre seus direitos e  da denúncia de casos de violência policial. É fundamental que as pessoas saibam que têm o  direito de filmar uma ação policial, desde que não interfiram nas atividades dos agentes, e que  podem denunciar casos de abuso ou violência. 

5.2 Atuação do Ministério Público 

O Ministério Público é uma instituição independente e autônoma que tem como  função defender a ordem jurídica, os interesses sociais e os direitos individuais e coletivos. Na abordagem policial, o Ministério Público pode atuar de diversas maneiras para garantir o  cumprimento da lei e a proteção dos direitos fundamentais das pessoas abordadas (RIBEIRO;  DUARTE, 2018). 

Uma das formas de atuação do Ministério Público na abordagem policial é através da  fiscalização das atividades dos agentes da segurança pública, verificando se as abordagens  estão sendo realizadas de forma adequada e respeitando os direitos das pessoas abordadas. O  Ministério Público pode instaurar procedimentos de investigação para apurar tolerâncias de  direitos, como o uso excessivo da força ou a violação por motivos de raça, gênero, orientação  sexual ou outras características (LEMGRUBER et al., 2003). 

Como caracteriza Ribeiro e Duarte (2018), o Ministério Público também pode atuar na  defesa dos direitos das pessoas abordadas, propondo ações judiciais para garantir a  indenização de danos, a responsabilização dos agentes envolvidos e a implementação de  políticas públicas que visem à prevenção da vitimização na abordagem policial. 

Além disso, o Ministério Público pode promover ações de conscientização e  capacitação para as forças de segurança, visando à adoção de práticas respeitosas e não  discriminatórias na abordagem policial. Essas ações podem contribuir para a formação de uma  cultura de respeito aos direitos humanos e à cidadania, fortalecendo a relação de confiança  entre a sociedade e a segurança pública. 

Uma das suas atribuições é fazer cumprir a lei, denunciar aquele que se coloca contra a lei e, portanto, contra o Estado. No entanto, muitas vezes são os representantes do Estado que estão fora da lei e que devem ser alvos da ação do Ministério Público, ou ainda, são direitos que o Ministério Público querer fazer valer, mas que são recusados pelo próprio Estado (MOUZINHO, 2019, p. 63). 

Em resumo, a atuação do Ministério Público na abordagem policial é fundamental  para garantir o respeito aos direitos humanos e a prevenção da vitimização, contribuindo para  a construção de uma sociedade mais justa e democrática. 

6. A SEGURANÇA PÚBLICA E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO 

Neto (1998, p. 71) esclarece que “o serviço de segurança pública, como função do  Estado, detém os contornos de um poder-dever, tal como, acentuadamente, o ratifica a  Constituição no art. 144, caput”. O Estado tem o dever de proteger os direitos fundamentais  das pessoas, e isso inclui a proteção contra abusos por parte das autoridades policiais. Quando há violação de direitos na abordagem policial, o Estado deve ser responsabilizado, seja pela  omissão na adoção de medidas preventivas, seja pela atuação seguida ou ilegal dos agentes  públicos. 

Como descrito por Celso Antonio Bandeira de Mello, 

a responsabilidade extracontratual do Estado é a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos (MELLO, 1999, p. 606). 

Como caracteriza Gasparini (2002, p. 825), “a responsabilidade civil do Estado é a  obrigação que se lhe atribui de recompor os danos causados a terceiros em razão do  comportamento unilateral comissivo ou omissivo, legítimo ou ilegítimo, material ou jurídico,  que lhe seja imputável”. A responsabilização do Estado na abordagem policial pode dar-se de  diversas formas. Assim, é importante destacar que as forças de segurança são agentes  públicos, e, como tal, estão sujeitas à legislação e ao controle do Estado. Quando  desrespeitados os direitos, o Estado deve agir para punir os responsáveis e garantir a  reparação dos danos causados às vítimas. 

Uma das formas de responsabilização do Estado na abordagem policial é através da  responsabilização dos agentes públicos envolvidos. Quando houver evidência de uso  excessivo de força, abuso de autoridade, racismo ou outras práticas ilegais por parte dos  agentes públicos, estes devem ser punidos de acordo com a legislação vigente, seja através de  processos administrativos, cíveis ou criminais. 

Conforme o desembargador Yussef Cahili: 

Ainda que investido da função de preservar a segurança e manter a ordem social, o policial, portando arma de fogo, natural instrumento perigoso, não está autorizado ao  manuseio disparatado ou imprudente da mesma; de sua má utilização, resultando danos para os particulares, resulta para o ente público a obrigação de indenizar (CAHILI, 2007, p. 415). 

Além disso, o Estado também pode ser responsabilizado pela omissão na adoção de  medidas preventivas. Se o Estado não oferecer treinamento adequado aos agentes públicos,  não implementar políticas públicas de prevenção da violência ou não fiscalizar a atuação das  forças de segurança, estará descumprindo sua obrigação de proteger os direitos fundamentais  das pessoas (MEIRELLES, 2001, p. 583).

A responsabilização do Estado na abordagem policial é fundamental para garantir que  os direitos fundamentais sejam respeitados e que os agentes públicos atuem de forma  adequada e em conformidade com a lei. Isso contribui para fortalecer a democracia e para  construir uma sociedade mais justa e igualitária 

6.1 Aplicação das leis e regimentos internos policiais na atividade policial 

Conforme a concepção de Goldstein (2003, p.28-29), a aplicação das leis e regimentos  internos é fundamental para garantir que a abordagem policial seja realizada de forma  adequada e em conformidade com as normas e princípios legais. É importante que os agentes  públicos conheçam as leis e os regimentos internos que regem a sua atuação, e que sejam  treinados para aplicá-los de forma correta e eficaz, garantindo uma atuação pautada pelos  princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da eficiência e da transparência  (AZKOUL, 1998). 

As leis que regem a atividade policial devem ser respeitadas pelos agentes de  segurança pública em todas as suas ações e operações, resguardando a proteção dos direitos e  garantias fundamentais dos cidadãos. Além disso, os regimentos internos das forças de  segurança estabelecem diretrizes e procedimentos para a atuação dos agentes públicos em  diversas situações, incluindo a abordagem policial (ASSUNÇÃO; LOPES, 2009). Esses  regimes costumam prever normas de conduta para os agentes públicos, como a proteção de  uso de força excessiva, o respeito aos direitos humanos, o uso adequado de equipamentos e  armas, entre outras questões  

Segundo Assunção e Lopes (2009, p. 23), além dos regimentos internos, a atuação  policial também está subordinada às leis e normas legais, que estabelecem limites e princípios  a serem seguidos pelos agentes públicos. Entre as leis mais relevantes para a abordagem  policial, estão o Código de Processo Penal, o Código Penal, a Lei de Abuso de Autoridade e a  Lei de Execuções Penais, entre outras. A aplicação dessas normas é essencial para evitar  abusos de poder, discriminação, violência policial e outras formas de violação dos direitos  humanos. Além disso, a transparência e a prestação de contas são importantes para garantir a  confiança da sociedade nas prisões e para garantir que os agentes de segurança pública sejam  responsabilizados quando necessário (SOUZA, 2005). 

A aplicação adequada das leis e dos regimentos internos é essencial para garantir a  legalidade da abordagem policial. Quando os agentes públicos cumprem essas normas,  garantem a segurança pública e a proteção dos direitos fundamentais das pessoas. Por outro lado, quando há violação das normas legais ou dos regimentos internos, os agentes públicos  podem ser responsabilizados por suas condutas proibidas ou ilegais, seja rigorosamente  fiscalizada e monitorada, com a adoção de interrupção de controle interno e externo, como  corregedorias, ouvidorias, conselhos de segurança pública e outros órgãos de controle social  (WANDERLEY; LÚCIO; SILVA, 2011). 

É fundamental que a atividade policial seja desenvolvida com base em princípios  éticos e legais, respeitando os direitos fundamentais dos cidadãos e agindo de forma justa e  equilibrada. A formação e capacitação praticada pelos agentes de segurança pública são  essenciais para garantir uma atuação policial mais eficiente e responsável. 

6.2 A invisibilidade das ações policiais violentas nas políticas públicas 

Como descrito por Ludmila Machado e Igor Suzano (2017), a invisibilidade das ações  policiais letais é um fenômeno que se refere à dificuldade de se obter informações e dados  precisos sobre o número e as circunstâncias das mortes decorrentes de intervenção policial.  Esse problema ocorre em muitos países e se deve a diversas razões, como a falta de  transparência das autoridades policiais, a ausência de sistemas de processamento de registro e  investigação das mortes e a falta de acesso da sociedade civil e dos órgãos de controle às  informações sobre as operações independentes (RIBEIRO; SUZANO, 2017). 

Neste mesmo sentido, evidencia Samira Bueno (2014) que a falta de transparência das  autoridades policiais é uma das principais causas da invisibilidade das ações policiais. Muitas  vezes, as autoridades se recusam a divulgar informações sobre mortes decorrentes de  intervenção policial, alegando questões de segurança pública ou sigilo das investigações.  Além disso, as considerações sobre essas mortes muitas vezes não são motivadas de forma  adequada ou imparcial, o que contribui para a falta de informações precisas sobre as  circunstâncias das mortes (BUENO, 2014). 

A ausência de sistemas provisórios de registro e investigação das mortes decorrentes  de intervenção policial também contribui para a invisibilidade dessas ações. Muitos países não  têm sistemas eficazes para registrar e investigar essas mortes, o que dificulta a avaliação do  problema e a adoção de medidas para preveni-las (SOUZA, 2010; MISSE, 2011; ZACCONE,  2015). 

A falta de acesso da sociedade civil e dos órgãos de controle às informações sobre as  operações policiais também é um problema que contribui para a invisibilidade das ações  policiais letais. Sem acesso a informações precisas e completas sobre as operações policiais, a sociedade civil e os órgãos de controle têm dificuldade em avaliar a conduta dos agentes  públicos e a qualidade das políticas de segurança pública (VIERA, 2007). Como medidas de prevenção à invisibilidade das ações policiais letais, é fundamental  promover a transparência das autoridades policiais, fortalecer os sistemas de registro e  investigação dessas mortes e garantir o acesso da sociedade civil e dos órgãos de controle às  informações sobre as operações policiais. Somente com informações precisas e completas  será possível avaliar a gravidade do problema e adotar medidas para prevenir as mortes  decorrentes de intervenção policial. 

7. CONCLUSÃO 

Diante de todo o exposto, a impunidade da criminalização do Estado na abordagem  policial violenta é um problema que afeta a sociedade como um todo, especialmente os grupos  historicamente marginalizados e dependentes. A falta de responsabilização dos agentes  públicos envolvidos concernente aos direitos humanos é inaceitável e contribui para perpetuar  uma cultura de violência e impunidade. Assim, é fundamental que as autoridades e os  responsáveis pela segurança pública atuem de forma rigorosa na apuração e responsabilização  de casos de abuso de poder e violência policial, para combater a impunidade e garantir o  respeito aos direitos humanos durante as ações de abordagem. 

Isso pode ser alcançado por meio de medidas como a revisão dos protocolos de  atuação policial, o treinamento adequado dos policiais para lidar com situações de risco sem  continuar a violência, a promoção da transparência e da prestação de contas por parte das  forças policiais e a garantia da aplicação da lei para casos de violação de direitos humanos. 

Além disso, é necessário investir em políticas públicas que promovam a formação de  profissionais mais qualificados e sensíveis às demandas da sociedade, com a garantia de  negociações efetivas de controle social e de transparência.

Somente assim, podemos avançar na construção de uma sociedade mais justa e segura,  em que a segurança pública seja uma responsabilidade compartilhada entre o Estado e a  sociedade, e que respeite plenamente os direitos fundamentais de todos os cidadãos. 

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1Artigo apresentado ao Curso de Bacharelado em Direito do Instituto de Ensino Superior do Sul do Maranhão – IESMA/Unisulma.
2Acadêmico do curso de Bacharelado em Direito do Instituto de Ensino Superior do Sul do Maranhão – IESMA/Unisulma. E-mail: thallisom2000@gmail.com
3Professor Orientador. Especialista em Direito Penal. E-mail: taniranovaes@gmail.com