A IMPORTÂNCIA DO PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE CÁTEDRA NA EDUCAÇÃO INFANTIL COMO MEIO DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12795095


Thiago Marques de Albertim1


RESUMO

O presente estudo analisa a importância do Princípio da Liberdade de Cátedra, prevista na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, no processo de ensino-aprendizagem, principalmente, na formulação dos conteúdos a serem ministrados por professores da educação infantil, que irão contribuir para construção de uma inclusão social das crianças, principalmente, no tocante a importância delas no mundo como cidadão, ou seja, como futuro agente transformador da sociedade em que vive. Dessa forma, o presente trabalho busca compreender qual a importância da liberdade de cátedra na educação infantil na construção do pleno desenvolvimento das crianças como futuros cidadãos? A relevância da pesquisa sustenta-se na ameaça da liberdade pedagógica de professores de exporem ideias e percepções políticas vividas no cenário brasileiro atual, especialmente, na aplicação de metodologias de ensino progressistas, após o Projeto de Lei nº 867/2015 (escola sem partido). Com isso, de início, tem-se como objetivo realizar uma abordagem contextualizada na importância da Liberdade de Cátedra do professor no processo de ensino-aprendizagem dos alunos. Após, infere-se por meio da legislação brasileira vigente, sobretudo, do referido princípio e dos direitos fundamentais. O método utilizado na pesquisa foi o dedutivo, ancorado em estudo bibliográfico. Assim, a hipótese lançada foi comprovada, por meio de proposições verdadeiras, a fim de obter a conclusão de que, na conjuntura atual do Brasil, a falta de apoio da sociedade civil, gestores e pais prejudicam o processo didático-pedagógico baseado no ensino-aprendizagem, impedindo o pleno desenvolvimento da criança como ser em desenvolvimento e cidadão.

Palavras-chaves: Liberdade de Cátedra; educação Infantil; ensino-aprendizagem. desenvolvimento da criança.

ABSTRACT

This study analyzes the importance of the Principle of Freedom of Chair, provided for in the Constitution of the Federative Republic of Brazil of 1988 – CRFB/1988 and in the Law of Guidelines and Bases of National Education – LDB, in the teaching-learning process, mainly in formulation of content to be taught by early childhood education teachers, which will contribute to building social inclusion for children, mainly regarding their importance in the world as citizens, that is, as future transformative agents of the society in which they live. Therefore, this work seeks to understand the importance of academic freedom in early childhood education in building the full development of children as future citizens? The relevance of the research is based on the threat to the pedagogical freedom of teachers to expose ideas and political perceptions experienced in the current Brazilian scenario, especially in the application of progressive teaching methodologies, after Bill nº 867/2015 (school without a party) . Therefore, initially, the objective is to carry out a contextualized approach to the importance of the teacher’s Chair Freedom in the students’ teaching-learning process. Afterwards, it is inferred through current Brazilian legislation, above all, the aforementioned principle and fundamental rights. The method used in the research was deductive, anchored in a bibliographic study. Thus, the hypothesis launched was proven, through true propositions, in order to obtain the conclusion that, in the current situation in Brazil, the lack of support from civil society, managers and parents harm the didactic-pedagogical process based on teaching- learning, preventing the full development of the child as a developing being and citizen.

Keywords: Freedom of chair; Child education; teaching-learning; child Development.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo apresentado ao Curso de Formação de Pedagógica – R2, para obtenção do título de licenciatura em Pedagogia, que versa discutir a importância da Liberdade de Cátedra na Educação Infantil como meio de transformação social.

O presente estudo surgiu após observar fatos atuais, a saber: a tentativa de implementar, no Brasil, uma lei que retire a autonomia pedagógica do professor em sala de aula, retrocedendo, portanto, a livre construção do professor dos conteúdos a serem ministrados, o que limita a difusão de informações e a construção de uma aprendizagem lógico-crítica por parte dos alunos. Assim, ante à dificuldade de mudança no paradigma escolar brasileiro, sobretudo, quando ideologias conservadoras estão ganhando forças no cenário sociocultural brasileiro. 

O risco ao Princípio da Liberdade de Cátedra exsurge da tentativa de aprovação Projeta de Lei n. 867/2015, escola sem partido, por políticos brasileiros, sendo uma tentativa de afronta ao ordenamento jurídico brasileiro, dos direitos de professores e do corpo discente, especialmente, dos alunos da educação básica. Deve-se atentar que o referido princípio é um reflexo do próprio direito constitucional à educação, que é um direito fundamental, portanto, cláusula pétrea.

Dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, criado em 2005, coletado e publicado por meio do MEC até o ano de 2017, informam que a média da qualidade na educação brasileira, ensino-aprendizagem, das crianças brasileiras tem aumentado, entretanto, as redes públicas de ensino estão atrás das avaliações das redes privadas. 

De certo, sabemos que as redes privadas de ensino possuem infraestrutura e professores, por vezes, mais capacitados que os da rede pública, sendo a diferença os meios e liberdades que os profissionais da educação básica têm perante a um conhecimento prévio do aluno do ensino particular. O próprio modelo de ensino imposto pela Política Nacional de Educação Infantil (PNEI), traz em seu bojo a importância dos profissionais de educação, cuja importância se dá no desenvolvimento do aluno como ser social, ou seja, de complementarem o papel da família. 

Assim, tomando como ponto de partida o IDEB, o PNEI e os fatos atuais, é necessário realizar o seguinte questionamento: Qual a importância da liberdade de cátedra dos professores da educação infantil para o pleno desenvolvimento das crianças como futuros cidadãos?

Entende-se a centralidade que o aluno ocupa desde o surgimento da tendência liberal renovada ou, simplesmente, escola nova, onde o professor deixa de ser o único detentor de ideias para um orientador do processo de ensino-aprendizagem, com seu significado, valor e complexidade adquiridas por um longo processo de estudo. 

Vê-se, portanto, que o Princípio da Liberdade de Cátedra é justificado, inclusive, pela necessidade dos professores se relacionarem e trocarem suas experiências, trazendo metodologias de ensino-aprendizagem que possam atingir alunos de diferentes contextos sociais, mormente, os da rede pública de ensino, cuja evasão escolar tem como um dos fatores o desinteresse, além da dificuldade de contextualização do conteúdo, ou seja, o aluno não se identifica socialmente.

Dessa forma, vê-se a necessidade de abordar sobre tal problema, pois, pela perspectiva social, é imprescindível analisar em que vertente se faz preciso agir para que crianças e adolescentes concretizem seu desenvolvimento pleno, tendo os seus direitos materializados, uma vez que a escola é um meio para que o aluno possa ser independente na sociedade futuramente. 

Academicamente, representa uma possibilidade de manter tal tema em evidência, apesar de posteriormente haja a elaboração de leis, projetos e oferta de novas tendências pedagógicas neotradicionais, contrárias a um direito fundamental estritamente ligado ao direito ao ensino, que é o da liberdade pedagógica.

Nesse sentido, indagações pertinentes são elaboradas, mas dentre todas que surgem com as inquietações, pretende-se verificar ao longo do estudo tomando-se como referência o que a legislação em vigência define o direito ao Princípio da Liberdade de Cátedra e, intrinsecamente, ao direito à educação, identificando as nobres intenções do legislador ao instituir tal princípio no ordenamento jurídico brasileiro para construção da educação básica.

Logo, é necessário analisar o Princípio da Liberdade de Cátedra constante na CRFB/1988 e LDB, uma vez que o professor tem função de educador, pois a falta de autonomia pedagógica, principalmente, nas séries iniciais da educação infantil, impede o pleno desenvolvimento de alunos e cidadãos totalmente integralizados, ou melhor, agentes capazes de transformarem à sociedade, o que demanda a título de hipótese uma comunidade escolar integrada com a escola e apoio das diversas secretarias de educação. 

Para tanto, foi estabelecido como escopo geral, analisar a importância da Liberdade de Cátedra do professor no processo de ensino-aprendizagem dos alunos.

E, para alcance desse objetivo, busca-se, especificamente: estudar as garantias legais do Princípio da Liberdade de Cátedra na legislação brasileira no tocante ao professor; demonstrar o papel da Liberdade de Cátedra na construção do material didático contextualizado com a realidade social; e, por fim, verificar as tendências pedagógicas que permitem liberdade de expressão e que são capazes de produzirem transformações sociais nos alunos e na sociedade.

A pesquisa é bibliográfica, na qual se utiliza o método hipotético-dedutivo, com abordagem qualitativa. O material para o embasamento teórico tem como ponto de partida as legislações que estão em vigência no que se referem às leis sobre educação, e à garantia de direitos das crianças e dos adolescentes, buscando suporte em estudos relevantes sobre o tema e especialistas na área. A escolha pela abordagem qualitativa é decorrente da facilidade em apresentar, bem assim descrever a complexidade de uma determinada hipótese e/ou problema, ou seja, realiza a análise dos fatos para melhor compreendê-los, assim como estabelecer uma relação de causa e efeito.

Logo, o presente artigo buscou apresentar a necessidade e importância da Liberdade de Cátedra, como também buscou apresentar o projeto de lei sobre a Escola Sem Partido, suas contradições e o porquê dela ser uma ameaça ao estado democrático de direito, vigente no Brasil. 

2 A LIBERDADE DE CÁTEDRA 

A Educação é um direito social fundamental assegurada na Carta Magna de 1988 e que tem por objetivo a construção do conhecimento e garantir a base para o exercício da cidadania pelo indivíduo, o que apresenta seu caráter universal e necessário na sociedade. 

Para tanto, também é necessário garantir a existência de outros elementos que façam com que a Educação cumpra seu papel. Dentre eles está a liberdade de ideias e práticas pedagógicas, que será determinada conforme a proposta escolar e perspectiva do meio social em que ela está sendo aplicada. Nesse sentido, temos a liberdade do professor de elaborar, pesquisas e ensinar o que for necessário e coerente com as propostas de cada instituição, e essa liberdade é chamada de liberdade de cátedra.  

Também conhecida como a liberdade de ensino, a liberdade de cátedra é respaldada pelo direito constitucionalmente garantido e exposto na Constituição Federal de 1988 no seu artigo 206, conforme expressos no incisos a seguir que compõem os princípios:

II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; (BRASIL, 1988, p?).

Reafirmando o documento supracitado, temos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei n° 9394 de 1996 que também traz em seu o texto, no artigo 3, os seguintes princípios:

I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;
III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância; (…).”

Isto é, ambos os textos afirmam que têm-se, por lei, a garantia de que o professor possui autonomia para exercer sua atividade de ensino conforme considerar necessário para a aprendizagem dos alunos e com isso alcançar o que se espera da Educação, que é formar cidadão capaz de exercer seu papel na sociedade. 

Porém, há um debate em curso que se questiona se essa autonomia dos professores na execução da sua função. Famílias – em geral, de pensamento conservador – apontam que seus filhos não estão aprendendo coisas válidas na escola ou apontam que há um ensino tendencioso para o que elas denominam de ideologia (de esquerda). O que no senso comum, muitas vezes é taxado como algo negativo, pois foge do padrão não questionador da conjuntura social em que vive-se. Algo que Paulo Freire sempre criticou, pois para ele a Educação precisa ser propositiva e o educador precisa promover e garantir um diálogo rico na sala de aula. Por isso, sempre apoiou a pluralidade de ideias.

A pluralidade está presente em todas as relações do homem com o mundo, uma vez que este encontra uma infinidade de desafios, onde ele se organiza, utiliza de sua consciência, testa e, por fim, escolhe a melhor resposta, que é sempre diversificada. A transcendência não apenas no sentido espiritual, mas na transitividade de sua consciência de distinguir o eu do não eu, e conhecer sua finitude e a finitude de tudo a sua volta, reconhecendo-se como ser inacabado, que só encontra a totalidade, em sua integração com o criador, ligação essa libertadora e nunca de domesticação e dominação. (SILVA, 2019, p. 172). 

Diante da atual conjuntura, em que muitos questionam os ensinamentos de Paulo Freire, na tentativa de desqualificar o legado pedagógico, intelectual e social deixado pelo professor, tem-se um debate que busca se sustentar diante da finalidade que a Educação se propõe.  

Paulo Freire (1921-1997) em seus ensinamentos é o responsável por duas frases que circulam bastante entre as redes sociais e páginas na internet, e que fazem menção ao tema aqui abordado. Uma delas é: “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.” E a outra é: “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor.”

Respectivamente, o pedagogo aponta na sua primeira frase, que é papel da educação criar possibilidades, e não apenas de formas de educação, mas sim, formas de sociedade, formas de repensar a vida, despertar outras perspectivas, analisar se o que se tem em prática é uma sociedade ideal oriunda de uma formação educacional ideal. Já a segunda frase, especificamente mais elucidativa, tem-se que a educação é feita para que os indivíduos possam analisar e questionar estruturas de sociedade, de convivência com o outro. Ela aponta que as ideologias sempre estarão presentes, conforme aqueles que estarão no poder, ou seja, da classe dominante. Porém, as contradições irão acontecer. 

É que, quase sempre, num primeiro momento deste descobrimento, os oprimidos, em lugar de buscar a libertação, na luta e por ela, tendem a ser opressores também, ou subopressores. A estrutura de seu pensar se encontra condicionada pela contradição vivida na situação concreta, existencial, em que se “formam”. O seu ideal é, realmente, ser homens, mas, para eles, ser homens, na contradição em que sempre estiveram e cuja superação não lhes está, clara, é ser opressores. (FREIRE, 1987, p. 21). 

Isto é, toda prática pedagógica abarcará uma ideologia, ainda que a intenção seja a liberdade daqueles que estão subjugados, pois a escola é um ambiente de produção e reprodução da sociedade. Trazer à baila conceitos, ideias e movimentos que se confrontem é papel crucial do professor que crê numa prática libertadora. 

Assim, para que a educação seja transformadora é preciso que ela seja questionadora, que ela rompa paradigmas, que ela não crie apenas seres que sejam obedientes ao sistema sem compreendê-lo. Ela precisa romper com o paradigma da tabula rasa, e isso precisa ser iniciado desde a infância, obviamente, contando com a participação dos pais, enquanto também responsáveis pela educação da criança, conforme previsto em lei. Porém, sem que haja descredibilidade do trabalho do professor, como vê-se quando questionam a Liberdade de Cátedra. 

3 PROJETO ESCOLA SEM PARTIDO

Tendo seu início em 2004 criado pelo procurador do Estado de São Paulo, Miguel Nagib, o movimento da Escola Sem Partido, que conta com a participação de pais e alunos, passou a questionar os conteúdos e as práticas pedagógicas dos professores alegando que há grande teor ideológico nos ensinamentos em sala de aula. Isto é, o movimento afirma que a escola ensina uma ideologia de esquerda, e pede que haja uma educação neutra.

No ano de 2015, a ideia ganhou força, pois as assembleias começaram a analisar projetos sobre em níveis estaduais e municipais, o tema até tornou-se pauta de propostas políticas nas eleições que se seguiram, mais ainda nas eleições de 2018, pois suas ideias são convergentes com princípios conservadores. 

O documento em sua justificativa, já inicia com uma afirmação que aqueles vivenciam o cotidiano escolar em sua essência e com todas as dificuldades que a educação possui, bem como com tudo aquilo que se é exigido do professor, desconhece, como vê-se a seguir:

É fato notório que professores e autores de livros didáticos vêm-se utilizando de suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas; e para fazer com que eles adotem padrões de julgamento e de conduta moral – especialmente moral sexual – incompatíveis com os que lhes são ensinados por seus pais ou responsáveis. (BRASIL. PL 867/2015).

Isto é, o autor da PL já pontua situações que não convergem com a realidade de uma sala de aula, seja ela na escola pública – em que as dificuldades são imensas -, seja na escola privada – que tem controle acirrado sobre o que os professores ensinam. 

Desta forma, o projeto tem por objetivo exigir a imparcialidade do professor em sala de aula, bem como, em relação aos conteúdos trabalhados, buscando, assim, efetivar que não haja influência entre as partes, que a visão de mundo do professor não seja transmitida.  

O Projeto de Lei (PL) “Escola sem Partido”, conforme supracitado, em linhas gerais, intenciona proibir manifestações ideológicas e político-partidárias de professores e foi elaborado pelo Senador Magno Malta (PR-ES). A centralidade do debate em torno do Projeto, nas redes sociais e veículos de imprensa, nas últimas semanas do mês de julho de 2016, remontava à consulta pública, por parte do Senado, veiculada no site2 institucional. Por meio dela, era possível votar a favor ou contra, enquanto o Projeto tramitava no Senado. O Projeto foi retirado de tramitação no Senado e levado à Câmara pelo referido senador com vistas a facilitar a sua aprovação. 
Se formos ao texto do PL, ao analisarmos minuciosamente sua redação, emerge um sem número de paradoxos, ambiguidades, dicotomias. Assim sendo, o Art. 2º, inciso I do PL, preconiza que “A educação nacional atenderá à neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado”. Dessa forma, podemos inferir que os redatores do PL desconsideram que o fato de legislar objetivando atender a uma neutralidade ideológica, por si só já constitui um direcionamento ideológico, em uma não neutralidade. (CAPAVERDE; LESSA; LOPES, 2019, p. 214).

Logo, estando todos dentro de uma estrutura social que segue determinados preceitos, princípios e dogmas, resta o questionamento de como poderia ser entendido, de fato, o que ser neutro. 

Tomando como base o texto do projeto de lei, já tem-se víeis ideológico no documento de forma explícita, uma vez que ele quer determinar o que não se deve ser debatido em sala de aula, deixando temas relevantes para o desenvolvimento e conhecimento da criança e do adolescente sem ser abordados. Dentre eles, as concepções sobre o que seria os Direitos Humanos, tema relevante na atual conjuntura social, uma vez que cada vez mais vê-se violações direitos na sociedade. Outro também é o debate sobre gênero sexual, que poderia permitir o desenvolvimento de cidadãos informações, que convivessem na perspectiva do respeito ao próximo. 

No entanto, o projeto de lei de como objetivo:

[…] garantir que o ensino opere para manter e reproduzir as condições sociais de produção, condicionando a mão de obra. É importante e desejável na perspectiva da PL, por exemplo, que a escola estimule o pensamento inovador ou a prática empreendedora, mas que não reflita o quanto as inovações se resumem a contribuir para o aumento da mais valia e o quanto a concepção de empreendedor esconde uma visão ideal de empreender, a qual legitima a atitude de dominação do homem branco, rico e instruído como mais capaz para dirigir uma sociedade, contribuindo, com isso para a naturalização das diferenças sociais (CAPAVERDE; LESSA; LOPES, 2019, p. 219).

O que remete o documento, mais uma vez, ao pensamento ideológico de uma determinada parcela da sociedade, que é a classe dominante. Isto é, com base na realidade não se tem uma mudança efetiva, pois os ensinamentos já seguem uma ordem socialmente imposta através dos componentes curriculares. 

No tocante ao exercício específico do professor, a documento traz: 

Art. 4º. No exercício de suas funções, o professor:

I – não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente política, ideológica ou partidária;
II – não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas;
III – não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas;
IV – ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, apresentará aos alunos, de forma justa, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito;
V – respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções;
VI – não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de terceiros, dentro da sala de aula. (BRASIL. PL 867/2015). 

Isto é, macula o trabalho do professor no que se refere a problematização dos conteúdos, limitando a perspectiva de ideias e de mundo, não dando a liberdade de confrontar aquilo que já está socialmente colocado e consolidado. 

Aos alunos, do Ensino Fundamental e Médio, a PL aponta:

Art. 5º. Os alunos matriculados no ensino fundamental e no ensino médio serão informados e educados sobre os direitos que decorrem da liberdade de consciência e de crença assegurada pela Constituição Federal, especialmente sobre o disposto no art. 4º desta Lei. (BRASIL. PL 867/2015).

O que significa nas entrelinhas é que os alunos, na sua faixa de idade que compreende, em média dos 5 aos 15 anos de idade, período determinante para formação de caráter, construção de valores fraternais, de formas de convivência com o próximo e com pessoas diferentes terão seu ensinamentos tolhidos e a perspectiva de mundo limitada, caso seus pais julguem inadequado o que o professor ensine. 

Na justificativa da PL, o seu autor informa:

15 – Ora, se cabe aos pais decidir o que seus filhos devem aprender em matéria de moral, nem o governo, nem a escola, nem os professores têm o direito de usar a sala de aula para tratar de conteúdos morais que não tenham sido previamente aprovados pelos pais dos alunos (BRASIL. PL 867/2015).

Posicionamento este que afeta o trabalho do professor, ferindo diretamente a Liberdade de Cátedra e dá margem para interpretações que venham questionar o preparo pedagógico e intelectual das atividades propostas e dos temas abordados. 

Já no que se refere às fiscalizações, a PL propõe:

Art. 7º. As secretarias de educação contarão com um canal de comunicação destinado ao recebimento de reclamações relacionadas ao descumprimento desta Lei, assegurado o anonimato.
Parágrafo único. As reclamações referidas no caput deste artigo deverão ser encaminhadas ao órgão do Ministério Público incumbido da defesa dos interesses da criança e do adolescente, sob pena de responsabilidade (BRASIL. PL 867/2015).

Passagem que remete à censura, que já permite ser questionado qual tipo de sociedade em que se está inserida esse projeto, uma vez que a sua redação não condiz com o viés de uma sociedade que está inserida no estado democrático de direito. 

Logo, a análise do documento requer cuidados, pois em todas as passagens é possível identificar uma narrativa que também corresponde a um determinado viés que se pretende alcançar. 

4 BREVES CONTRADIÇÕES DA PL Nº 867/2015

Tomando como base o fato do projeto de lei em questão levantar discussões de cunho político e ideológico e de interesse social, que envolve todos aqueles que são responsáveis pela educação, formação e proteção de crianças e adolescentes, conforme o previsto na Constituição Federal de 1988, precisa-se analisar em quais aspectos a possibilidade de neutralidade ou não disponibilização de informações podem não ser benéficas. 

O projeto de lei de nº 867/2015 aponta que temas como educação sexual e religião não devem ser abordados em sala de aula, que os pais dos alunos devem decidir como e quando abordar tais temas, conforme suas crenças e seus conhecimentos. A título de análise podem ser apontados alguns problemas graves que essa retenção de informação pode gerar. 

Não abordar a educação sexual em sala de aula, a princípio, poderia não ser um problema, caso o número de gravidez na adolescência – idade escolar – no Brasil não estivesse acima da média mundial entre as adolescentes e jovens com idade de 15 a 19 anos, conforme aponta o estudo da Organização das Nações Unidas (ONU, 2020). Os dados mostram que, por ano, mais de 430 mil bebês nascem de mães adolescentes. 

Uma das razões desses números, é a falta de informação sobre sexualidade e métodos contraceptivos. Quando socializadas, essas informações permitem que adolescentes conheçam seus corpos e sintam-se seguras para tomar decisões e contar com os pais para estabelecer diálogo franco e acolhedor. Porém, uma vez que, a se a escola não puder tratar tais temas, e a família acreditar que adolescentes e crianças, estimulados pela curiosidade e pela gama de informações disponíveis na internet aguardaram que o diálogo com os pais aconteçam, a tendência é esse numero manter-se igual ou subir

Para além das consequências imediatas, também tem-se as consequências a longo prazo, porque uma mãe adolescente tende a exercer menos direitos básicos, como o de concluir os estudos da educação básica e seguir para o ensino superior quando adultas; atropelar – algumas vezes – o desenvolvimento do próprio corpo, ter menos lazer, menos possibilidades de trabalho com menor remuneração e mais responsabilidades com o cuidado da criança (ONU, 2020).

Estudo realizado no ano de 1996 pela Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil sobre comportamento reprodutivo no Brasil, verificou que:

Durante pesquisa realizada em São Paulo, em 2004, para conhecer a sexualidade e o plano de vida dos adolescentes, foram levantados os seguintes dados: 87% dos jovens declararam conhecer os métodos contraceptivos e 70% tiveram a primeira relação sexual sem nenhuma proteção. O texto menciona ainda que, entre as jovens que conversaram com seus parceiros sobre contracepção, houve maior taxa no uso de contraceptivos na primeira relação e menor índice de gravidez. Do mesmo modo, aquelas cujos pais e mães conversavam sobre sexo, gravidez e modo de evitar filhos, ou que tiveram alguma orientação sexual na escola, engravidaram menos. (SANTOS; NOGUEIRA, 2009). 

Isto é, não é fato novo que diálogo e educação sexual colaboram para que os jovens façam sexo seguro e que as adolescentes engravidem menos.  

No que se refere à fase das crianças, precisa-se alertar que não falar com filhos de determinada idade sobre quais os nomes dos seus órgãos, como se proteger no sentido de entender que o que estão fazendo com eles são coisas indevidas e violência. Muitos dos abusos sexuais ocorrem e as crianças não sabem dizer ao certo o que aconteceu por diversos motivos, a falta de informação é uma delas (SANTOS; DELLA’AGLIO, 2010). 

Em momento algum a educação sexual nas escolas tem intenção de incentivar ou induzir crianças e adolescentes a alguma coisa. Mas, sim, deixá-los cientes e conhecedores de próprio corpo e com isso, protegê-los. 

Já no tocante à religião, precisa ser lembrado que o Brasil é um país que professa diversas religiões, a pluralidade, o sincretismo religioso sempre mostrou-se presente. No entanto, o serviço do Disque 100, central de atendimento para denúncias de violação de direitos humanos, registrou, no primeiro semestre de 2019, o aumento de 67,7% de casos que envolvem a intolerância religiosa (AMARO, 2020). 

Pregar que professores não devam ensinar ou falar sobre essa pluralidade é corroborar com a intolerância religiosa, é incentivar que o preconceito se instale por falta de informação ou pela circulação de difamação, deslegitimação de uma crença, de um povo. O que espalha a violência, em especial às religiosas de matrizes africanas. Ou ainda pior, negar ou condenar a existência de determinada religião em detrimento de outra também é mostrar-se parcial a existência de algumas. O que já desconstroi a ideia de que haja uma neutralidade no discurso.

E antes de tudo, o Estado brasileiro é laico, a escola pública segue essa diretriz. Logo, abordar temas como religião em sua essência e pluralidade precisa ser respeitado e garantido, conforme previsto na Constituição Federal de 1988 que aponta ser inviolável a liberdade de crença. 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, podemos inferir que o Projeto Escola Sem Partido visa atender interesses de uma parcela específica da sociedade e que, em essência, não está atuando para que haja melhoria significativa e qualitativa no cotidiano escolar, uma vez que ele sugere que temas relevantes sejam retirados do debate em sala de aula.

Outro ponto específico que o projeto tem como objetivo é apenas fiscalizar e limitar o trabalho do professor, um profissional sério, capacitado e que, cotidianamente, enfrenta diversos conflitos no exercício da sua profissão, que vão desde a formação – que precisa ser continuada – aos baixos salários – o que representa a desvalorização de todo o trabalho daquele que forma o cidadão. A inserção desse projeto de lei só viria precarizar ainda mais o trabalho do professor, interferindo na liberdade do exercício da sua profissão.  

Cabe ao professor estimular, instigar, proporcionar a construção do conhecimento aos alunos, fazendo com este exercite sua capacidade crítica de analisar o mundo e a sociedade em que ele está inserido. E isso, não dependerá unicamente do professor, porque enquanto estiver em desenvolvimento, o aluno também desenvolverá suas próprias ideias e seus posicionamentos críticos, fará suas descobertas, e isso também depende das suas relações sociais fora da escola, seja ela em casa com a família ou na comunidade em geral.

Por fim, não existe educação neutra. O professor, enquanto aquele que responsável por transmitir o conteúdo e o saber, busca problematizar e fazer com que os alunos percebam que não há apenas uma história a ser contada, não há uma verdade absoluta; e que a educação, para cumprir seu papel a contento, para além de preparar pessoas que ignoram o que se passa ao seu redor para o mercado de trabalho e servir a sociedade capitalista, ela precisa ser propositiva, logo, libertadora como afirmou Paulo Freire. 

O professor deve ter autonomia para escolher os métodos e os meios para que o processo de ensino-aprendizagem ocorra, pois, ele não pode ser tolhido de contextualizar os conteúdos com a sociedade na qual os alunos vivem, ou seja, nós vivemos, uma vez que a educação serve para transformar cidadãos, críticos e conscientes, capazes de transformar a realidade em que vivem.

Assim, cabe ao professor discutir diversos assuntos que ele entenda importante para que o ensino em sala de aula seja eficaz, não tão somente uma mera reprodução de conteúdo. Ressalta-se que o professor deve seguir as normatizações que regem os sistemas de ensino, mas cabe a ele a efetivação desses conteúdos, sendo ele livre na forma de transmissão e, principalmente, na contextualização social.

Desta forma, a Liberdade de Cátedra não pode nem deve ser maculada. Os conteúdos pedagógicos e as práticas pedagógicas que o professor e a escola adotam precisam ser respeitados, conforme a Constituição Federal prevê e reafirmam através da Lei de Diretrizes e Bases para que não haja imposições de cunho jurídico, político, religioso tendenciosos, como o próprio projeto de lei apresenta em inúmeras passagens ao longo da sua redação. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARO, Daniel. Denúncias de intolerância religiosa aumentaram em 67,7% no Brasil. 2020. Edição do Brasil. Disponível em: http://edicaodobrasil.com.br/2020/02/28/denuncias-de-intolerancia-religiosa-aumentaram-677-no-brasil-em-2019/. Acesso em: 01 ago. 2020.

BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília. Ministério da Educação, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm Acesso em: .28 jun. 2020. 

______________. Constituição da República Federativa do Brasil. Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988. Senado Federal. 2016. Disponível em:   https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf. Acesso em: 21 jun. 2020. 

______________. PROJETO DE LEI Nº 867, DE 2015. Inclui, entre as diretrizes e bases da educação nacional, o “Programa Escola sem Partido”. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1050668. Acesso em 05 mar. 2020

CAPAVERDE, Caroline Bastos; LESSA Bruno de Souza; LOPES, Fernando Dias. Escola Sem Partido para quem? Ensaio: avaliação de políticas públicas educacionais. Rio de Janeiro, v.27, n.102, p. 204-222, jan./mar. 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ensaio/v27n102/1809-4465-ensaio-S0104-40362018002601369.pdf. Acesso em 10 jul. 2020.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 

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 1Graduado em Direito pela Faculdade Damas da Instrução Cristã – Graduado em Licenciatura em Pedagogia pela Faculdade IBRA – Graduado em Licenciatura em Filosofia pelo Centro Universitário ETEP – Graduado em Licenciatura em História pelo Centro Universitário ETEP – Graduado em Licenciatura em Letras Português/Inglês pelo Centro Universitário ETEP – Graduado em Licenciatura em Pedagogia pela UNOPAR (Universidade Norte do Paraná) – Pós-graduado em Advocacia Cível pela Fundação Escola Superior do Ministério Público/FMP – Pós-graduado em Educação Especial pela Faculdade Fitec – Pós-graduado em Coordenação Pedagógica e Supervisão Escolar pela Faculdade Facuminas – Pós- graduado em Docência na Educação Infantil e Ensino Fundamental dos Anos Iniciais pela Faculdade Fabras – Pós-graduado em Filosofia do Direitos Humanos pela Faculdade Fabras – Pós-Graduação em Educação Especial e Inclusiva com Ênfase em Atendimento Educacional Especializado pela Faculdade Fabras – Pós-graduado em Psicopedagogia e Gestão Escolar pela Facuminas.