A IMPORTÂNCIA DO BEM-ESTAR ANIMAL EM CAMUNDONGOS NO CONTEXTO DE BIOTÉRIO.

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202410311123


Bruno Alves Pereira
Victoria Machado Silva


RESUMO 

Os camundongos podem ser utilizados para fins científicos, sendo mantidos em biotérios, que são instalações destinadas à preservação dos animais para uso em pesquisas científicas. As condições ambientais nos biotérios exigem a aplicação de normas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Experimentação Animal, como o princípio do bem-estar animal, que tem sido amplamente discutido e que visa manter a integridade psicológica e física, além de garantir qualidade de vida e o comportamento inato, principalmente dos camundongos, usados por conta das suas características, como: fácil adaptação ao ambiente, dócil e domesticado, além de ser um bom reprodutor e tem semelhança com humanos. Visando a prevenção de possíveis alterações comportamentais, são utilizados protocolos, como: o enriquecimento ambiental ou a técnica dos 3R’s. A presente revisão bibliográfica teve o intuito de apontar e descrever alguns tópicos, como: a importância do bem-estar animal e seus impactos, biossegurança, ambiente ideal e normas, além de apresentar os protocolos que visam evitar o estresse, que acaba prejudicando tanto a estabilidade psicológica, quanto a pesquisa. Os estudos científicos são relevantes para a sociedade, pois garantem a elaboração de novas vacinas, medicamentos e até cosméticos, além de testar as possíveis chances de toxicidade ou efeitos colaterais, que podem ser considerados essenciais, porém atualmente temos outros métodos que podem substituir a utilização dos camundongos. 

PALAVRAS CHAVES: Enriquecimento Ambiental, Princípios dos três Rs, Estresse, Comportamento Inato. 

INTRODUÇÃO. 

Os biotérios são instalações que mantêm animais em condições adequadas para serem utilizados em estudos científicos, tanto para produção de cosméticos, medicamentos e vacinas, entre outros. Nesse ambiente científico, são utilizados animais saudáveis com características adequadas para cada estudo, pela necessidade de garantir a integridade das pesquisas e das informações (Gomes et al., 2014). Tem a finalidade de atender às necessidades da instituição e dos programas de pesquisa, ensino, produção e controle de qualidade nas áreas biomédicas, agrárias, ciências humanas e tecnológicas (AMORIM et al., 2011). 

As instalações têm características próprias que visam proteger a saúde, bem-estar animal, crescimento e reprodução, além de manter condições adequadas tanto para a criação quanto para a manutenção dos animais de laboratório (ANDRADE et al., 2002). São classificados quanto à finalidade, quanto à existência (ou não) de rotina de controle microbiológico e quanto à rotina de métodos de acasalamento dos animais. Em relação à finalidade, existem três tipos de biotério: biotério de criação, de manutenção e de experimentação (CARDOSO, 2006).  

Uma espécie comumente utilizada na experimentação animal é o camundongo. A origem do camundongo surgiu por conta dos roedores localizados na região entre Índia e Paquistão, que acabaram gerando o gênero Mus, o subgênero Mus, a espécie Mus musculus e várias subespécies, sendo os mais utilizados para fins didáticos e científicos, por conta das suas características, tais como: a capacidade adaptativa, flexibilidade social e por ter sucesso reprodutivo, ciclo de vida curto, esses animais são territorialistas e formam pequenos grupos sendo polígamos, mantendo o seu comportamento selvagem, tais como, competição, adaptabilidade aos novos ambientes e facilidade no fornecimento de alimentos, podem apresentar comportamentos de agressividade, entretanto podem desenvolver uma relação estreita com os seres humanos (DA COSTA et al., 2019). Após ser capturado da natureza e ter a reprodução em cativeiro por ser uma espécie com adaptabilidade, sendo assim, por conta das pressões evolutivas e seleções artificiais, tivemos uma variação na subespécie utilizada nos ensaios científicos atualmente (EVANGELISTA et al., 2019). Além de terem os sentidos de olfato e tato aprimorados, tornando-se importante para formação de grupos e contato físico (CAMPOS et al., 2016; FURTADO e OLIVEIRA, 2018). 

O termo bem-estar animal (BEA) está relacionado a homeostase que indica como o animal está enfrentando as condições no ambiente em que vive, ou seja, quando o animal está saudável, cômodo, bem nutrido, confortável, seguro e expressa o seu comportamento inato, sem estar sofrendo dor, medo ou angústia (OIE, 2010). O BEA visa prevenir infecções, assegurar os cuidados veterinários adequados, o manejo adequado e a qualidade de vida adequada (OIE, 2010). Além de ser uma condição na qual o animal consegue controlar as mudanças internas, mantendo-se em homeostase e conseguindo se adaptar às situações, mas podemos ter alteração nas respostas fisiológicas e aumento do gasto metabólico energético (RIVERA, 2017), podendo gerar estresse e desconforto.  

Dessa forma, é importante garantir o bem-estar dos animais nas condições de experimentação, pois podem gerar alterações cognitivas, saúde física e capacidade reprodutiva, além de fisiológicas e comportamentais (BALCOMBE, 2006; BOX, 2006). De acordo com Vasconcellos, em 2005, vários estudos indicam que camundongos precisam de estímulos ambientais, sendo que a ausência pode gerar alterações físicas e psicológicas. 

OBJETIVOS 

Este trabalho teve como objetivo realizar uma revisão bibliográfica para descrever o bem-estar animal em camundongos no contexto de biotério, com foco em tópicos essenciais, como os princípios dos três Rs, características gerais dos camundongos, incluindo sua origem, e métodos de enriquecimento ambiental, discutidos com base na literatura publicada.  

MÉTODOS. 

Este trabalho consiste em uma revisão narrativa da literatura, abrangendo artigos científicos publicados em português e inglês, disponíveis em bases de dados como Scielo e em bibliotecas digitais de teses e dissertações de Universidades. Também foram incluídos manuais e normativas relevantes. A seleção abrangeu artigos publicados entre os anos 2000 e 2022. As palavras-chave utilizadas foram: enriquecimento ambiental, princípios dos três Rs, estresse e comportamento inato. Foram incluídos estudos que abordam temas como biotérios, bem-estar animal, camundongos e sua origem, e enriquecimento ambiental. Artigos que não atenderam aos critérios de seleção foram excluídos. 

RESULTADOS E DISCUSSÃO. 

Os fatores ambientais que podem acarretar estresse para os camundongos são a iluminação, odores e ruídos. Além disso, as condições de alojamentos devem ser padronizadas, mas podem ocorrer algumas discrepâncias como pequenas oscilações de temperatura que influenciam inevitavelmente os indivíduos e, consequentemente, a reprodutibilidade de ensaios entre laboratórios (SPANGENBERG; KEELING, 2015; LANG 2017; HAAG; WELLS; LAMBERSON, 2018). Em relação às diretrizes de como deve ser o ambiente, conforme norma do CONCEA, a temperatura das salas deve ser controlada e monitorada. As temperaturas no macroambiente recomendadas são entre 20 a 26 graus para camundongos e demais roedores. A maioria dos animais toleram a faixa entre 40 e 60% de umidade relativa do ar, começando a ter problemas quando esta chega a 30% ou 70%, assim prejudicando o bem-estar dos animais. 

O enriquecimento ambiental é definido como um ambiente que fornece oportunidades para que o animal consiga expressar seu comportamento natural, ou seja qualquer alteração que seja satisfatória ao ambiente ou que melhore a rotina do animal em confinamento (FRAJBLAT, 2006). O bom nível de bem-estar vem através da avaliação da saúde. Os camundongos podem ter um bom aspecto físico, sem doenças ou lesões aparentes, porém podem ser afetados, se estiverem sem o enriquecimento ambiental (COCARAM e HUGHES, 2011). Os animais aparentemente sadios podem apresentar comportamentos anormais, como estereotipias, que são comportamentos repetidos de padrão simples, tais como: movimentos em círculos ou pulos constantes na gaiola (BAUMANS, 2006).  

O enriquecimento ambiental pode ser dividido em cinco modos, tais como: físico, sensorial, cognitivo, social e alimentar. Em relação a cada modo, temos: no físico um ambiente mais próximo ao habitat natural da espécie, no sensorial temos os estímulos dos cincos sentidos, no modo cognitivo temos o estímulo do raciocínio animal e o social temos a interação dos indivíduos, no modo alimentar a oferta de alimentos que são presentes no habitat natural (PEREIRA et al, 2009).  

O ambiente enriquecido pode ser constituído por gaiolas grandes com uma diversidade de objetos, tais como: escadas, túneis, esconderijos, brinquedos, roda de correr, entre outros, fornecendo estímulos visuais, somatossensoriais, olfativos e motoras, com interação, manipulação, exploração do ambiente e os benefícios da atividade física, além de controlar o número de animais em cada gaiolas potencializando as interações sociais (OLIVARES e SANTOS, 2012). As técnicas mais simples são para os animais se esconderem podendo disponibilizar tubos de acrílico ou iglus, adicionar folhas de papel em branco nas caixas para que eles possam picá-los, colocar rolo de papel cartão (rolos de papel higiênico ou de papéis utilizados na cozinha, como alumínio, guardanapo; sempre limpos) (BAUMANN, 2006). A forma de refinamento ambiental, como a socialização entre os animais e os colaboradores diminui o estresse dos animais durante a manipulação para os experimentos, porém esta dessensibilização exige um tempo maior de permanência do animal em teste (MAKOWSKA, 2020).  

No que diz respeito às técnicas utilizadas, Russell e Burch (1959) afirmam que a pesquisa com animais deve respeitar o Princípio dos Três Rs: redução, substituição e refinamento. Esse princípio tem como objetivo reduzir o número de animais utilizados nas pesquisas, substituir animais sencientes, ou seja, aqueles capazes de ter sentimentos, e diminuir a incidência ou severidade dos procedimentos aplicados. Com relação às técnicas apresentadas, estas favorecem os resultados experimentais, pois quanto menor o índice de estresse, menor a variabilidade, garantindo maior confiabilidade aos estudos (OLIVARES; SANTOS, 2012).              No que se refere a legislação temos a aprovação da Lei Arouca, no 11.794 de 08 de outubro de 2008 (BRASIL, 2008; CONCEA, 2016), regulamentada pelo Decreto no 6.899 de 2009 (BRASIL, 2009), que visa regulamentar o uso de animais para fins científicos. Através dessa lei foi estruturado o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA), normatizada a constituição de Comissões de Ética no Uso de Animais (CEUA) e criado o Cadastro das Instituições de Uso Científico de Animais (CIUCA). O guia Brasileiro de Produção, Manutenção ou Utilização de Animais em Atividades de Ensino ou Pesquisa Científica do CONCEA, estabelece algumas orientações, tais como: devem evitar dor ou sofrimento do animal, promover alojamento, ambiente, alimentação e controle ambiental adequados para a espécie; seguir os princípios éticos da utilização de animais em atividades de ensino ou pesquisa científica e os conceitos dos três Rs, entre outras orientações. 

CONCLUSÃO. 

Observou-se que o bem-estar animal é fundamental para a condução de pesquisas científicas e para assegurar a qualidade de vida dos animais em cativeiro. Esse princípio é apoiado por práticas como o enriquecimento ambiental e a aplicação do modelo dos 3RS, com o objetivo de preservar o comportamento inato dos animais e prevenir alterações comportamentais, como estereotipias. Além disso, essas práticas ajudam a minimizar o estresse e o sofrimento, o que impacta positivamente a qualidade dos estudos e o conhecimento gerado para a sociedade. Espera-se que esta revisão de literatura promova a conscientização sobre a importância do bem-estar animal nos biotérios e contribua significativamente para a sociedade, ao destacar as melhores práticas e os benefícios associados à manutenção do bem-estar dos animais em pesquisas. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 

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