REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202505120901
Eloi José De Sousa Neto
Professor Orientador: Eder Raul Gomes de Sousa
RESUMO
A violência doméstica no Brasil é um problema social e muito antigo que atinge várias mulheres, causando um grande desafio para a segurança pública, pois resulta em muitas ocorrências diariamente no país inteiro. Decorrente de uma cultura patriarcal, o pensamento machista contribuiu para que essa realidade ainda se faça presente nos dias atuais. Ações violentas que colocam em risco a vida mulher, assim como seus descendentes e acaba promovendo a desestruturação de inúmeros lares. Com base nisso, esta pesquisa tem como objetivo geral evidenciar as medidas protetivas de urgência e refletir sobre a sua importância diante das ocorrências de violência doméstica contra a mulher. Para alcançar esse objetivo, foi realizada uma revisão de literatura de obras já existentes, com o intuito de identificar a percepção de estudiosos sobre o tema e também foram feitas consultas a dados de órgãos oficiais, bem como, o que diz a legislação atual sobre o assunto. Os resultados demonstraram que a Lei Maria da Penha é um elemento indispensável no combate à violência doméstica contra a mulher, porém, ela enfrenta alguns obstáculos, como a demora na tramitação do processo, a falta de comunicação entre os órgãos públicos e a falta abrigo para amparar às vítimas. Ainda assim, as medidas protetivas de urgência exercem um papel fundamental no fim do ciclo da violência doméstica, através do afastamento do agressor de perto da vítima para evitar novas agressões, bem como na da proteção a elas. Esse artigo busca analisar a eficácia das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha (Lei n°11.340/2006), que tem como mecanismo a proteção às vítimas de violência doméstica no Brasil. Também será demonstrado a importância da interação entre as forças de segurança pública e o poder judiciário, para que as medidas protetivas sejam cumpridas e que possa trazer uma maior seguraça às vítimas de violência doméstica. Portanto, não se busca exaurir o tema, mas sim mostrar a real importância dele para uma reflexão social, demostrando a necessidade de concientização da polulação, para uma mudança cultural, com objetivo de criar uma sociedade em que se respeite mais os direitos humanos.
Palavras-chave: Violência Doméstica, Lei Maria da Penha, Medidas Protetivas de Urgência.
INTRODUÇÃO
O papel da mulher na sociedade se apresentou de diferentes formas que variaram de acordo com a cultura e os aspectos sociais de cada época. De maneira geral, a submissão ao homem se fez presente em diversos momentos por meio da presença constante do modelo patriarcal, período em que a mulher poderia ser castigada pelo homem por diferentes motivos sem que houvesse qualquer intervenção externa.
No ano de 1871, foi possível identificar os primeiros indícios de punição sobre atos violentos praticados contra a mulher. Apesar dessa tentativa inicial, o processo de combate da violência contra as mulheres somente ganhou força no ano de 1970, quando grupos feministas apontaram o impacto destas práticas violentas para a sociedade em geral. (Pinker, 2013).
De acordo com Telles (2003), a violência doméstica se instala no ambiente familiar como forma de punir a mulher por diferentes motivos. A desestruturação familiar e o uso indevido de álcool e drogas são algumas das consequências que geram a violência doméstica na atualidade. Pois, o uso dessas substâncias psicoativas altera o comportamento humano, tonando algumas pessoas agressivas.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, rompe-se de vez com o modelo patriarcal adotado nas antigas legislações. Ela previu expressamente, em seu artigo 5°, I, que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Já no artigo 226, parágrafo 8°, ela diz que o “Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Apesar da Constituição Federal já trazer a garantia dessa igualdade entre gêneros, foi somente em 2006 que se criou uma legislação específica que pudesse proteger a mulher no âmbito das relações domésticas e familiares. Trata-se da lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da penha, que foi criada em homenagem a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que sofreu duas tentativas de homicídio praticada por seu companheiro.
A primeira tentativa de homicídio contra ela ocorreu em 1983, quando seu marido, o economista e professor universitário colombiano Marco Antônio Heredia Viveros, simulou um assalto na residência do casal para assim efetuar um disparo de arma de fogo contra ela, deixando-a paraplégica e na segunda ele tentou eletrocutá-la enquanto ela tomava banho.
Diante desse fato, Maria da Penha, começou um movimento ativista para lutar pelos direitos das mulheres e ver seu agressor sendo punido pelos crimes que cometeu. Mesmo assim, somente em 2002, quando o crime já estava perto de prescrever, que o autor foi preso, cumprindo apenas dois anos de reclusão, que é uma pena branda, em virtude da gravidade do crime que ele praticou.
Maria da Penha se torna um símbolo de luta pelos direitos da mulher, sendo indicada para concorrer ao Prêmio Nobel da Paz, em 2016. A criação dessa lei, em sua homenagem, passou a ser um marco histórico na conquista de mecanismos de proteção à mulher no âmbito das relações domésticas e familiares. Junto com ela, veio as medidas protetivas, para que a mulher possa solicitar com objetivo de afastar o agressor do seu espaço de convivência.
Assim, a criação dessa lei se justifica pela necessidade de combater uma forma de violência especifica, historicamente direcionada às mulheres. Portanto, é uma lei que visa garantir a igualdade material entre homens e mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares. Essa Lei, também é aplicada nas relações homoafetivas entre duas mulheres, quando uma delas pratica alguma das formas de violência elencada nessa legislação, contra a sua companheira.
A busca por recursos que pudessem minimizar o impacto da violência praticada contra a mulher, deu origem à diferentes elementos de proteção. Partindo dessa perspectiva, o problema que deu origem a esse projeto se encontra na seguinte questão: qual a importância da aplicação das medidas protetivas de urgência como forma de reduzir e eliminar as formas de violência contra a mulher?
Com a finalidade de responder a essa problemática, esse estudo se fundamenta no objetivo geral de evidenciar as medidas protetivas de urgência e refletir sobre a sua importância, diante das ocorrências de violência contra a mulher. Os objetivos específicos são: compreender os aspectos históricos da violência contra a mulher; analisar as medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha; mostrar a eficácia delas na atualidade e; demostrar a importância da participação dos Órgãos de Segurança Pública na fiscalização do cumprimento das medidas protetivas de urgência.
A metodologia usada foi a revisão de literatura, sendo adotada a pesquisa qualitativa, na análise de conteúdos já publicados, que se direcionavam à abrangência das medidas protetivas de urgência. Assim, foram feitas consultadas a legislação brasileira e fontes internacionais que deram origem a ela. Também foram realizadas consultas em artigos científicos e outras publicações relacionadas ao tema escolhido.
1. Aspectos Históricos e Culturais da Violência Contra a Mulher
A violência contra a mulher é abordada dentro de três vertentes, a dimensão familiar, comunitária e no âmbito do Estado. Através dessa noção inicial, acerca da necessidade de se abordar os aspectos que envolvem a violência doméstica, foi instituída a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. Esse importante processo histórico se deu no ano de 1995 e ficou conhecido com a Convenção de Belém do Pará, em referência ao Brasil, que foi sede desse evento. (Waiselfiz, 2012).
De acordo com Telles (2003), o processo histórico de análise da violência contra mulher por meio de convenções contribuiu para a implementação de meios que combatesse amplamente essa prática. Ao abordar, esses aspectos, é importante ressaltar que existem relações intrafamiliares que limitam a identificação de situações e consequentemente a mobilização da segurança pública para que a violência contra a mulher seja prevenida.
É evidente que essas demandas não se dão exclusivamente no ambiente familiar, visto que, podem ocorrem de maneira externa também, por exemplo, a patroa que agride a empregada. Á violência doméstica contra a mulher, prevista na Lei Maria da Penha, tem como característica a noção do espaço ou convivência com a ofendida, não se exigindo coabitação entre autor e vítima.
A concepção da violência contra a mulher resulta de atos praticados com o intuito de atingir amplamente a vítima do gênero feminino. A condição de mulher é pressuposto para que esse tipo de violência possa ser configurado. Assim, se dá uma relação de intimidação, exercida na maioria das vezes, pelo homem sobre a mulher no papel de disciplinador e dominador.
Outro fator determinante da violência doméstica, é observado pelo processo em que está diretamente ligada à relação com o gênero mais forte, que traz a idea de superioridade em relação a mulher. Devido a isso, foi necessária a criação de uma lei especial que pudesse coibir e punir com maior eficiência os infratores, além de disseminar a ideia de combate a quaisquer tipos de violência realizadas e caracterizadas como violência doméstica (Telles, 2003).
Diante disso, a Constituição Federal de 1988 passou a abranger os direitos e garantias fundamentais, que serviram como fundamento para cumprir os acordos e tratados internacionais sobre esse tema. Com a finalidade de promover o cumprimento das referidas garantias, novas políticas passaram a ser incorporadas a legislação nacional com o intuito de preservar as minorias e seus referidos direitos, incluindo a mulher. (Brasil, 1988).
Já a Declaração de Viena apresentada no ano de 1993, ressalta a importância de que a violência contra a mulher pudesse ser discutida de maneira mais profunda. A partir disso, se buscou identificar a eficácia das respostas referentes à segurança pública no mundo. Também buscou-se identificar meios para que a cultura patriarcal pudesse ser minimizada e a igualdade de direitos pudesse ser integralmente difundida entre as nações (Waiselfiz, 2012).
Com passar do tempo, foram criadas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, às DEAMS, com o objetivo de efetivar o compromisso assumido nos acordos internacionais. Essa iniciativa, favoreceu uma maior dinâmica na forma como as ocorrências são vistas no Brasil, priorizando a identificação de crimes relacionados à integridade física, psíquica e emocional da mulher no país.
Já a Lei Maria da Penha foi elaborada com base no parágrafo 8º do artigo 226 da Constituição Federal, com o objetivo de punir severamente os responsáveis pelas agressões contra a mulher, trazendo mecanismos mais eficientes de identificação e coibição da violência doméstica. Além disso, passou a caracterizar a violência doméstica em seu artigo 5°, como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause alguma das formas de violência prevista nela.
Desse modo, o ambiente doméstico configura a residência onde se constitui o lar da vítima, podendo apresentar vinculo familiar ou não com o agressor. A Lei Maria da Penha, define as formas de violência que são praticados contra as mulheres e demostra quais se enquadram nela. São elas: a violência física, a violência psicológica, a violência sexual, a violência moral e o dano patrimonial.
Com objetivo de amparar às vítimas de violência doméstica, a Lei Maria da Penha, traz a possibilidade de inclusão dessas mulheres em programas assistenciais, por exemplo, o Auxílio Brasil (antigo Bolsa Família). Além disso, elas também têm prioridade para matricularem seus filhos na escola mais próxima a sua residência. Porém, esses direitos muitas vezes não são exercidos, por falta de conhecimento e falta de orientação dos órgão públicos, que muitas das vezes não se comunicam entre si e as pessoas que necessitam desses serviços acabam sendo afetadas.
Assim, uma alternativa seria a divulgação, em mídias sociais, desses direitos e em quais órgãos eles podem serem solicitados. Seria uma estratégia fundamental para ampliar o alcance da informação e facilitar o acesse à justiça. Muitas vítimas, desconhecem seus direitos, em especial às medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha. Nesse sentido, as redes sociais exerceria um papel importante, pois conseguem atingir um maior número de pessoas em um menor espaço de tempo.
O acesso a essas informações podem ajudar às vitimas de violência doméstica, em especial, as mais carentes de educação, a identificar as práticas abusivas nas suas relações e encoraja-las a denunciarem esses atos. Para melhor esclarecer esses direitos, é importante uma linguagem clara e acessível a todas camadas sociais, de preferência com vídeos curtos e esclarecedores, com depoimentos e histórias reais para ajudar outras mulheres que se encontram em situações parecidas, buscarem essa rede de apoio.
Ainda nesse enfrentamento à violência doméstica, vale destacar também, a importância dos órgãos de saúde, pois eles desempenham um papel crucial no auxílio a essas vítimas. Muitas vezes elas procuram primeiro atendimento médico antes de recorrer a esfera policial. Por isso, é importante que esses profissionais estejam preparados para identificar sinais físicos e psicológicos de violência doméstica, como hematomas, fraturas e transtornos emocionais.
A família também exerce um papel essencial no combate a violência doméstica, tanto na prevenção quanto no apoio às vítimas. Quando há um ambiente familiar acolhedor e consciente, elas conseguem quebrar o silêncio e romper com esse ciclo de violência. Portanto, o diálogo desde cedo, entre pais e filhos, pode tornando-os adultos mais conscientes quanto o respeito a igualdade de gênero.
Mesmo com todo amparo estatal, Cardoso (2016), destaca que a violência doméstica contra a mulher ainda é um grande problema para a segurança pública. Segundo ele, os índices apontam para um significativo crescimento nos casos de feminicídio, mesmo com o uso de recursos voltados ao enfrentamento desse problema. Portando, não basta apenas investimento estatal, há necessidade também de uma mudança cultural para reduzir a violência doméstica no país.
Em síntese, a Lei Maria da Penha promoveu uma nova ordenação jurídica, mudando a forma de julgamento dos crimes de violência contra a mulher. Com isso, proporciona uma maior abrangência aos direitos fundamentais e uma melhor aplicabilidade deles durante o processo punitivo do agressor, proporcionando uma maior segurança jurídica para às vítimas de violência doméstica.
2. A Lei Maria da Penha e sua Aplicabilidade
Atualmente, a Lei Maria da Penha é a norma mais importante no combate a violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil. O artigo 5° dessa legislação define quais modalidades de violência se enquadram nela e delimita a sua aplicação.
Art. 5° Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Diante dessas informações, pode se dizer que caracteriza violência doméstica e familiar contra a mulher quando o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação entre eles. Nesse contexto, o artigo 7° dessa lei traz as modalidades de violência que podem ocorrer no âmbito das relações doméstica e familiar contra a mulher.
Art. 7°São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II- a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
De maneira geral, a Lei Maria da Penha foi criada para proteger a mulher dessas modalidades de violência ocorrida em ambiente familiar. Em regra, a ação penal é pública incondicionada, ou seja, o Estado pode processar o agressor mesmo que a vítima não queira. Já os crimes contra a honra, o entendimento que prevalece, é que são de ação penal pública condicionada a representação, portanto, dependem de manifestação de vontade da vítima.
Durante muito tempo, a Lei Maria da Penha, foi aplicada apenas em favor da mulher biologicamente do sexo feminino, isso porque à época da sua publicação, em 2006, o entendimento jurídico predominante era restrito à noção de identidade de gênero. Assim, não cabia aplicação dela quando a vítima fosse uma mulher transexual, isso porque ela é biologicamente do sexo masculino e se identifica como sendo do gênero feminino.
Atualmente, os Tribunais têm mudado esse entendimento, no sentido de poder aplicar a Lei Maria da Penha quando a vítima for uma mulher transexual. Isso porque, a violência atinge a mulher é por conta da sua vulnerabilidade social e não por causa dos seus órgãos sexuais. Essa decisão, buscou amparo constitucional no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, não se admitindo a seletividade, assim, todas pessoas podem serem protegidas, independente do seu sexo biológico.
A identidade de gênero é o elemento central na configuração da violência doméstica e familiar conta a mulher. Negar a aplicação da Lei Maria da Penha a uma mulher transexual significa perpetuar a exclusão e a marginalização de uma população historicamente vulnerabilizada. (Ministro Rogério Schietti Cruz, RHC 144.121/SP, STJ, 2022).
3. Medidas Protetivas de Urgência
Embora a Lei Maria da Penha seja considerada um importante marco na luta voltada à prevenção da violência doméstica contra a mulher, ficou evidente através de sua publicação, a necessidade de se criarem instrumentos que surtissem efeitos de maneira prática. Para tanto, foi implementado no ordenamento jurídico brasileiro elementos preventivos denominados de medidas protetivas de urgência. A finalidade deste instrumento consiste na proteção da mulher e na garantia de seus direitos para que tenha uma vida digna.
De maneira geral, as medidas protetivas são executadas como um meio de promover a segurança das vítimas de violência doméstica, através de uma ação de fiscalização do Estado. Neste contexto, estão inseridos servidores da segurança pública como, Policiais Militares e Civis, membros do Ministério Público e do Poder Judiciário. De maneira conjunta, estes agentes atuam de diferentes formas para que as medidas protetivas possam apresentar os efeitos desejados.
Para Lima (2012), a ausência das medidas protetivas de urgência tende a contribuir para que os direitos fundamentais das mulheres sejam violados. Pois, a falta delas compromete a segurança das vítimas, tornando-as expostas a novas agressões e ainda trazendo para o agressor uma sensação de impunidade. Desta forma, a execução desses instrumentos proporciona a prevenção e a continuidade de atos de violência, bem como, de situações que possam viabilizar a sua ocorrência.
Embora o seu papel no enfrentamento à violência doméstica contra a mulher esteja claro, as medidas protetivas de urgência, demandam a manifestação do requerimento da ofendida ou do Ministério Público, em um Juizado Especial da Violência contra a Mulher. Na falta desse juizado especializado, pode-se requerer que as medidas protetivas através de uma Vara Criminal Comum presente em uma comarca competente (Brasil, 2006).
Existem algumas formas de ser requerer uma medida protetiva de urgência, sendo a mais comum delas, é a mulher ir a uma Delegacia de Polícia e registrar uma ocorrência, nesse momento ela solicita ao Delegado uma medida protetiva, por exemplo, afastamento do agressor do lar. De acordo com o artigo 12 §3° da Lei Maria da Penha, o Delegado, deve encaminhar esse pedido ao Juiz competente em até 24 horas e ele deve analisar o caso decidir em até 48 horas, se concede ou não essa medida.
Também existe a possibilidade da vítima conseguir a medida protetiva, sem a necessidade de ir a uma delegacia policial, podendo ser solicitada ao Juiz da Comarca, por meio do Ministério Público, de um defensor Público ou um advogado particular. Atualmente, em alguns estados brasileiros é possível solicitar uma medida protetiva de urgência online, através das Delegacias Virtuais.
Após o requerimento das medidas protetivas de urgência, um juiz será responsável pela ação de ofício e tem o prazo de 48 horas para decidir sobre ele. Assim, poderão ser adotadas diferentes ações que se mostrem necessárias na garantia da segurança da mulher e de seus familiares, de acordo com cada caso. Diante desse pedido, o juiz também pode conceder outras medidas, não previstas na Lei Maria da Penha, caso entenda necessário. (Dias, 2019).
Ainda de acordo com Dias (2019), para que alcancem a efetividade para a qual foram criadas, o juiz possui a incumbência de conceder novas medidas ou a substituição daquelas já alcançadas, de maneira que se possa agregar uma maior segurança à mulher. Com isso, cabe ao magistrado ainda, a faculdade de requerer o apoio policial, além de poder decretar a prisão preventiva do agressor quando houver o descumprimento das medidas impostas a ele.
Ao analisar os apontamentos decorrentes da Lei Maria da Penha, é importante ressaltar que o legislador divide as medidas protetivas de acordo com as demandas através da separação em duas espécies. A primeira espécie é direcionada ao agressor, impondo a ele certas restrições, enquanto a segunda é direcionada a vítima, aplicando em favor dela às medidas protetivas de urgência. (Porto, 2014).
No caso das medidas protetivas que obrigam o agressor, o Artigo 22 da Lei Maria da Penha, descreve diferentes condutas em que o não cumprimento delas acarretará a prisão em flagrante do autor, cuja a pena é reclusão de dois a cinco anos, e multa. Segundo o artigo 24-A, dessa lei, é um crime que cabe fiança que será aplicada pelo Juiz, quando ele entender que aquela conduta não representa mais risco iminente à vítima ou ainda, ele pode manter a prisão do autor ou impor outra medida, como o uso de tornozeleira eletrônica.
3.1 – Medidas Protetivas de Urgência Aplicadas ao Agressor
As medidas protetivas que são aplicadas ao agressor da violência doméstica contra a mulher, estão previstas no artigo 22 da Lei Maria da Penha. Elas têm por objetivo garantir a segurança da vítima e impedir que autor venha cometer novas agressões. O rol dessas medidas não é taxativo, podendo o juiz, diante de um caso concreto, aplicar outras que não estão previstas nesse dispositivo. Nos parágrafos seguintes serão tratadas cada uma delas.
A primeira delas, é limitação do uso da arma de fogo que é considerada uma medida protetiva que tem por objetivo reduzir o risco de uma agressão mais grave, como um feminicídio, por exemplo. É uma medida aplicada ao agressor que possui porte ou posse de arma de fogo, em que será retirado temporariamente dele esse direito.
Nesse caso, o Juiz comunica o órgão ou corporação a qual o agressor pertence e o superior imediato dele será o responsável por cumprir essa ordem de retirada da arma de fogo do seu subordinado, caso não o faça, poderá incorrer no crime de prevaricação ou desobediência, conforme o caso. Nesse caso, é o temor da vítima em relação a sua própria vida que é a principal justificativa para o agressor ser desarmado. (Cunha, 2018).
A segunda, é o afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida. Trata-se de uma medida protetiva de urgência extremamente importante na prevenção de nova ocorrência ou continuidade dessa violência contra a mulher. Através de uma determinação judicial, o agressor deverá se afastado do convívio com a vítima e com seus dependentes. Portanto, trata-se de uma medida com objetivo de dar fim esse ciclo de violência, proporcionando à vítima uma maior sensação de segurança. (Dias, 2019).
A terceira, é a proibição do agressor de manter contato com a vítima, seus familiares e testemunhas. Essa medida restringe qualquer tipo de contato, inclusive por meio de telefone ou redes sociais, pois o objetivo dela é evitar que o autor venha ameaçar a vítima, tentando intimida-la ou manipular ela para não dar continuidade ao processo. Nela também está inserido a proibição do agressor frequentar determinados lugares, a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida.
A quarta, é restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores de idade, ela tem por objetivo garantir o bem-estar dos filhos e evitar que sejam usados para coagir a vítima. De acordo com Dias (2019), a restrição ou suspensão completa das visitas aos menores dependentes trata-se de uma medida protetiva de urgência que demanda a participação de uma equipe multidisciplinar. Esse processo só pode ocorrer quando a convivência com o pai possa vir a apresentar possíveis riscos.
A quinta, é a prestação provisória de alimentos, que é uma medida que pode ser concedida rapidamente pelo Juiz, independente da ação principal, para assegurar o sustento da vítima e seus dependentes. Essa determinação tem natureza emergencial e deve ser feita de acordo com a lei civil, em que a fixação do valor deve levar em conta a capacidade de pagamento do autor e a necessidade dos alimentantes.
A sexta medida é comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação, que como finalidade trabalhar a mudança de comportamentos dele. São ações que fazem o agressor refletir sobre suas atitudes, que muitas vezes estão ligadas a aspectos culturais e comportamentais de uma cultura machista. Portanto, busca-se uma mudança comportamental do autor, para evitar novas agressões e diminuir o índice de reincidência nos casos de violência doméstica.
Por fim, a sétima medida, é previsão de acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual ou em grupo de apoio. Também tem a finalidade de buscar mudanças comportamentais, trabalhando a desconstrução de crenças machistas e violentas que possam estar enraizadas em sua visão de mundo. Sendo assim, ajuda o agressor a compreender as razões de sua conduta e desenvolver estratégias para que ele controle seus impulsos agressivos.
Além dessas medidas já mencionadas, em 2023 o Deputado Federal Gutemberg Reis, apresentou o projeto de lei n°5427, que acrescentaria o paragrafo terceiro ao artigo 12-C da Lei Maria da Penha, que tem por finalidade o monitoramento eletrônico do autor de violência doméstica, para garantir a vítima uma maior segurança. Vejam seguir:
Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física ou psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida:
§ 3º Nos casos previstos neste artigo, a medida protetiva de urgência poderá ser cumulada com a sujeição do agressor a monitoração eletrônica, e o dispositivo de monitoração deverá ser vinculado a aplicativo de telefone celular que alerte a vítima de eventual aproximação ilícita do agressor.
Vale destacar, que essa é uma medida já utilizada pelos Juízes em conjunto com outras restrições. Pois, como já visto anteriormente, essa lei pode fazer uso de outras medidas não previstas nela, visando garantir a segurança da vítima e evitar que o autor venha cometer novas agressões. Essa ação é bastante eficaz, pois além dos órgãos de segurança pública ter acesso a localização do agressor, a vítima também pode ser alertada caso ele se aproxime dela, por meio de um aplicativo usado em seu celular que tem disponível um botão de pânico, que quando acionado emite um sinal de alerta a central da Polícia, com a localização da vítima, para facilitar a chegada de uma equipe ao local.
3.2 – Medidas Protetivas de Urgência Aplicadas à Ofendida
Estão previstas no artigo 23 da Lei Maria da Penha, com objetivo de assegurar os direitos da vítima e seus dependentes.
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas: I – encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento; II – determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor; III – determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos; IV – determinar a separação de corpos; V – determinar a matrícula dos dependentes da ofendida em instituição de educação básica mais próxima do seu domicílio, ou a transferência deles para essa instituição, independentemente da existência de vaga. VI – conceder à ofendida auxílio-aluguel, com valor fixado em função de sua situação de vulnerabilidade social e econômica, por período não superior a 6 (seis) meses.
Em relação a essas medidas protetivas de urgência, que visam a proteção da vítima, sua determinação está de acordo com o objetivo a qual foi destinada, seja ele patrimonial ou pessoal. Os incisos I e II apontam medidas voltadas ao cunho pessoal e não demandam o requerimento judicial. Já os incisos III e IV estão relacionados ao patrimônio da vítima, onde se aborda fatores que estão relacionados à partilha de bens e guarda dos dependentes. (Ortolani, 2017).
Além dessas, existem outras medidas que visam proteger o patrimônio da vítima através da atuação do poder judiciário. Busca-se com isso, dificultar o acesso do agressor ao patrimônio da vítima ou àquele em comum entre eles, que possa prejudicá-la. Logo, não poderá, entre outras coisas, realizar contratos de compra, venda ou até mesmo de locação de propriedade da vítima ou de bens em comum. (Brasil, 2018).
O inciso IV, trata da separação de corpos, para manter o distanciamento da vítima com o agressor. Ela não implica automaticamente na dissolução do casamento ou da união estável, ou seja, é uma medida cautelar e temporária para garantir a segurança da vítima enquanto perdurar o risco da violência ou até que a separação de fato possa ocorrer (Dias, 2019).
Através desta percepção, pode se considerar a inexistência do casamento e da união estável independentemente de como se deu a separação. Essa separação de corpos, por sua vez, pode ser classificada como consensual ou através do processo de concessão de medida protetiva. Assim, é importante essa distinção, para saber se a vítima ainda está cercada por algum risco à sua integridade, ou de seus dependentes.
O inciso V, garante à vítima de violência doméstica o direito de matricular seus dependentes em instituição de ensino mais próximo de sua residência. Já o inciso VI, traz a possiblidade de conceder à ofendida um auxílio aluguel, com valor fixado em função de sua situação de vulnerabilidade social e econômica, por período não superior a 6 (seis) meses. O objetivo é oferecer um suporte emergência para garantir o direito à moradia garantindo que à vítima e seus dependentes não fiquem desamparados.
Por fim, também como forma de auxilio, existe a possiblidade de ser concedido à ofendida e seus dependentes passagem para outro estado, quando houver risco de novas agressões ou para garantir que eles possam se reestruturar em um local mais seguro.
4. Eficácia das Medidas Protetivas de Urgência
De maneira teórica, as medidas protetivas de urgência cumprem com os objetivos que desencadearam a sua criação. Porém, na prática a violação delas são frequentes, isso coloca em risco a vida da mulher e seus familiares. É evidente que existem falhas no processo de fiscalização estatal e com isso, os resultados esperados diante da adoção dessas medidas não são efetivamente alcançados.
De acordo com Oldoni, Aragão e Justino (2018), a violência doméstica gera na mulher diferentes sentimentos. A culpa, a vergonha e a necessidade de garantir algum sigilo, são comuns na tentativa de proteger o ambiente familiar que inclui na maioria das vezes o próprio agressor. Diante da fragilidade encontrada nas relações familiares, a hipossuficiência é um dos principais fatores que contribui para que o crime seja ocultado.
Segundo Barroso (2009), os esforços legislativos direcionados à prevenção da violência contra a mulher por vezes se mostram ineficientes quando analisado os dados que demonstram um crescimento acelerado dessa modalidade de violência no país. Com isso, a elaboração de ações decorrentes da atuação de órgãos públicos, deve contribuir para que as normas jurídicas possam ter um efeito prático no contexto da vontade humana e das ações desencadeadas por elas.
Com isso, o cumprimento das medidas protetivas de urgência se estabelece através de uma ação enérgica do Estado, onde as vítimas podem usufruir da sua eficácia. Tal ação, deve proporcionar a elas uma maior sensação de segurança e liberdade, bem como, o direito de viver uma vida sem quaisquer formas de violência. Apesar da Lei Maria da Penha ser imperiosa, é necessário a conscientização da sociedade. “Para isso imprescindível que o Estado adote políticas públicas capazes de suprir as necessidades, social, física e psicológica da vítima” (Dias, 2019, p. 249).
A limitação inerente ao papel do Estado é identificada através de inúmeros Boletins de Ocorrência, que vão se acumulando no sistema jurídico brasileiro. Esse instrumento que apresenta o relato da vítima de agressão não dispõe do amparo necessário para cessar o ciclo da violência doméstica. A vulnerabilidade dela se agrava por meio de ações violentas do agressor que se encontra emocionalmente descontrolado após a representação da mulher. É comum que haja o descumprimento das medidas protetivas que se torna mais frequente diante do desemparo à vítima.
As decisões judiciais que visam garantir o afastamento entre agressor e vítima têm como fundamento a necessidade de finalizar o processo de violência doméstica. Apesar disso, é possível encontrar fatores que limitam esse processo, como a privacidade com que os casos de violência doméstica são tratados, visto que a interferência nas relações domésticas ainda é considerada desnecessária diante da vida conjugal que cada indivíduo escolhe passar (Bianchini, 2017).
Deve-se conscientizar a população sobre o processo de superação da cultura patriarcal e do machismo que ainda permanecem enraizados na sociedade. Com isso, deve-se buscar por uma maior segurança da mulher na realização de denúncias. O desencorajamento para denunciar o agressor devido ao sofrimento pessoal, faz com que a vítima continue se submetendo a situações em que a agressão não cessa, promovendo uma maior aceitação da sua própria condição (Bianchini, 2017).
A conscientização e sensibilização são os principais meios pelos quais os padrões considerados patriarcais e machistas são descontruídos. Além disso, outra medida que vem sendo adotada, trata-se da busca pela ressocialização do agressor de maneira que este passe a reconhecer a mulher como pessoa dotada de direitos, que merece respeito e possui suas próprias vontades e desejos. Deve-se promover o abandono do pensamento decorrente de uma cultura que se encontra em desuso e não se aplica mais às vivências sociais da humanidade.
O rompimento dessa barreira de agressão, como forma de imposição, é considerado um imenso desafio no combate à prática de violência doméstica contra a mulher. Isso porque requer do homem uma mudança de postura que já se encontra enraizada em sua formação e criação familiar. Trata-se da desconstrução de um pensamento que acompanhou ele durante toda sua vida, no qual a mulher representa uma posição de submissão perante o ele. (Dias, 2019).
Para que as medidas protetivas de urgência possam contribuir na prevenção e combate às diferentes formas de violência contra a mulher deve-se considerar a necessidade de preparo, capacitação e mobilização multidisciplinar para o atendimento integral da vítima. O suporte deve ocorrer através do acesso à profissionais da saúde, como psicólogos, médicos, profissionais de apoio em grupos específicos que visem atender a vítima e os demais familiares atingidos pela violência no seio familiar (Dias, 2019).
É muito importante esse acolhimento dos profissionais da saúde às vítimas de violência doméstica, pois muitas vezes eles são os primeiros a identificar as marcas de agressões e com isso, denunciam esse crime ou encorajam a mulher para que o faça. Por isso, é importante que as equipes de saúde estejam preparadas para identificarem os sinais físicos e psicológicos, de que aquela paciente está sendo vítima de violência doméstica.
Outro ponto que deve se destacar, para uma maior eficácia das medidas protetivas de urgência, é a ressocialização do autor para que ele possa ser reintegrado ao convívio familiar e social, de maneira mais humanizada. Esse processo pode ser feito por ações conjuntas, como tratamentos psicológicos, palestras educativas, qualificação profissional, dentre outras, que auxilie o indivíduo na mudança comportamental.
Ao abordar essa perspectiva, Dias (2019), ressalta que a ressocialização visa garantir que o homem não seja isolado, visto que, isso contribui ainda mais para a sua revolta e para aumentar o sentimento de raiva diante da mulher. Logo, é necessário que suas condutas lhes sejam apresentadas de maneira que a gravidade venha a ser percebida como um fator que possa promover a mudança de comportamento. A relação entre homem e mulher deve ocorrer de maneira horizontal sem que um se sobreponha ao outro.
Resumindo, de maneira geral, o Estado deve favorecer o amparo à vítima de violência doméstica e familiar, de forma que as medidas protetivas possam ser usufruídas com segurança e atinjam os objetivos para os quais foram disponibilizadas. O cumprimento eficaz dessas medidas é uma forma de garantir que a mulher não seja mais vítima de violência doméstica e com isso possa retomar sua vida de maneira digna e segura.
5. Atuação dos Órgãos de Segurança Pública no Cumprimento das Medidas Protetivas de Urgência
Os Órgãos de Segurança Pública, desempenham um papel essencial no combate a violência doméstica no Brasil, atuando na prevenção e na repressão a esses crimes. Por meio da atuação policial, o Estado busca resolver ocorrências dessa natureza, punindo os agressores e oferecendo proteção às vítimas. Nesse contexto, é importante destacar que a competência para julgar os casos envolvendo a Lei Maria da Penha, em regra, é da Justiça Estadual, portanto, cabe as Polícias Civis e Militares a aplicação dela.
A Constituição de 1988, em seu artigo 144, demonstra quais são os órgãos de segurança pública existentes no Brasil, definindo as atribuições de cada um deles:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpos de bombeiros militares;
VI – polícias penais federal, estaduais e distrital.
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
Diante dessa divisão de atribuições, ficou clara a função de cada instituição policial. Cabendo a Polícia Militar a função preventiva para evitar que o crime aconteça, que nesse contexto de violência doméstica um dos mecanismos usados foi a criação de uma Patrulha Maria da Penha. Já a Polícia Civil ficou responsável pela função repressiva e investigativa, que criou às Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), como mecanismo de combate à violência doméstica.
5.1 – Patrulha Maria da Penha
As Patrulhas Maria da Penha foram criadas para fortalecer as políticas públicas de enfrentamento à violência doméstica no Brasil, representando uma aplicação prática no cumprimento das medidas protetivas de urgência. Elas são exemplos que demostram a importância dos estados criarem mecanismos de efeitos práticos, para proteger às vítimas de violência doméstica e monitorar os agressores, fazendo com que cumpram as restrições a eles impostas.
Trata-se de um programa desenvolvido pelas Polícias Militares, que está presente em todos estados brasileiros e na maioria dos municípios. O objetivo principal delas é fiscalizar o cumprimento das medidas protetivas, que foram expedidas pelo poder judiciário e acompanhar às vítimas de violência doméstica por meio de visitas periódicas. Na equipe, geralmente tem uma policial feminina para facilitar o contato com a vítima e também para que ela se sinta mais à vontade em fazer seu relato.
Além de exercer esse papel fundamental de fazer com que seja cumprida às mediadas protetivas, a Patrulha Maria da Penha também atua na prevenção da violência doméstica contra as mulheres, realizando palestras e ações de conscientização em escolas, empresas e outros locais públicos. Essas ações buscam sensibilizar a sociedade sobre a importância de denunciar a violência contra as mulheres e de apoiar essas vítimas.
A Patrulha Maria da Penha foi inspirada em modelos internacionais de policiamento comunitário, voltado para acompanhamento contínuo de vítimas de violência. Portanto, sua criação partiu de influência internacional e das demandas internas em cumprir os mecanismos previstos na lei Maria da Penha. Ou seja, ela surge da necessidade de se fiscalizar o cumprimento das medidas protetivas expedidas pelo poder judiciário. Pois, percebeu-se que a concessão dessas medidas protetivas por si só não era suficiente, precisava de alguém para executar seu cumprimento.
Sendo assim, a Patrulha Maria da Penha tem sido um dos mecanismos mais eficiente no combate a violência doméstica no Brasil. É uma modalidade de policiamento que apresenta grandes resultados quanto a segurança das vítimas, bem como, na redução do número de feminicídio e no índice de reincidência dos agressores. Para Santos e Pereira:
A implementação da Patrulha Maria da Penha tem desempenhado um papel crucial no aumento da segurança das mulheres que enfrentam situações de violência doméstica, demonstrando uma redução significativa nos índices de reincidência de agressões nas regiões onde o programa está ativo. (SANTOS e PEREIRA, 2021, p. 58).
A primeira Patrulha Maria da Penha, foi criada em 2012, pela Brigada Militar do Rio Grande do Sul, com objetivo de garantir que às vítimas de violência doméstica que solicitassem medida protetiva, estivesse realmente segura. As equipes começaram a fazer vistas constantes às vítimas, para ver se o autor estava cumprindo as restrições impostas pela justiça. Esse monitoramento constante traz uma segurança maior para elas e inibe o autor de cometer novas agressões.
Em 2020, no estado de Goiás, foi criado o Primeiro Batalhão Maria da Penha do Brasil, dedicado exclusivamente ao atendimento de mulheres vítimas de violência doméstica. Portando, foi o estado que mais se destacou no acompanhamento e fiscalização do cumprimento de medidas protetivas. A atuação das equipes especializadas tem sido fundamental para garantir a efetividade da Lei Maria da Penha e para reduzir a violência contra a mulher no estado.
Além disso, é importante ressaltar, que a Patrulha Maria da Penha também atua em conjunto com outras instituições, como o Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, órgãos de assistência social, dentre outros. Por se tratar de uma equipe multidisciplinar e está presente na maioria dos municípios brasileiros, os estudos demostram que após a sua criação, encorajou mais às mulheres a denunciarem a violência doméstica, bem como, reduziu o índice de reincidência dos autores.
Diante dessas ações práticas, vale destacar que a Patrulha Maria da Penha tem se mostrado uma ferramenta fundamental no combate a violência doméstica no país. Porém, em alguns municípios ainda enfrentam algumas limitações, como a falta de efetivo policial militar, por exemplo. Em outros locais as vezes enfrentam dificuldades de integração com os demais órgãos da rede de proteção, e isso acaba não trazendo o amparo necessário que às vítimas precisam.
5.2 – Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher
No Brasil, durante os anos de 1980, ocorreu grandes movimentos sociais em defesa da mulher, pois o índice de violência doméstica era alarmante. Com o aumento das denúncias e da mobilização social, surgiu a necessidade de se criar uma unidade policial especializada para atender e investigar os casos de violência doméstica com mais sensibilidade e eficiência. Assim, surgiram as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), para trazer um atendimento mais humanizado às vítimas.
A Delegacia da Mulher é uma criação brasileira, que inspirou outros países adotarem essa ideia de ter uma unidade policial especializa em atendimento às vítimas de violência doméstica. A primeira, foi inaugurada em 6 de agosto de 1985, na cidade de São Paulo. Após isso, outras unidades começaram a ser criadas em diversos estados brasileiros e atualmente há mais de 400 delegacias desse tipo espalhadas pelo país.
Com a criação da Lei Maria da Penha em 2006, fortaleceu o trabalho das Delegacias da Mulher, pois ela definiu o que é violência doméstica e trouxe as medidas protetivas, como mecanismo de proteção às vítimas. Antes dessa legislação, os procedimentos feitos pelas DEAMs eram mais limitados e não tinham uma padronização, isso comprometia a segurança das vítimas e gerava uma certa impunidade aos agressores.
As Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, são compostas por uma equipe multidisciplinar, que atenda às vítimas, evitando a revitimização delas. A estrutura funcional dessas delegacias pode variar de acordo com cada estado e com o efetivo policial daquela unidade. A Lei Maria da Penha assegura que os servidores devem serem preferencialmente do sexo feminino. Porém, o mais comum de se ver é uma delegacia mista, com metade dos funcionários mulher, sendo uma delas, a Delegada chefe.
Essas delegacias tem a função de atender, investigar e acompanhar os casos de violência doméstica. Nelas se registra boletim de ocorrência, formalizando as denúncias, também pode solicitar medidas protetivas, que serão encaminhadas ao poder judiciário para realizar a concessão. Além disso, pode encaminhar à vítima para serviços de apoio, prestados por outros órgãos, por exemplo, direcionando ela para assistentes sociais, psicólogos, defensorias públicas, casas de abrigo, entre outros.
As Defensorias Públicas são órgãos responsáveis por garantir assistência jurídica integral e gratuita à vítima que não dispõe de recursos para custear um advogado. Elas auxiliam às vítimas no pedido de medida protetiva, no pedido de divórcio, na regulamentação da guarda dos filhos, pedido de pensão alimentícia e questões relacionadas a partilha de bens. Em muitos estados, a Defensoria Pública possui um núcleo especial de atendimento à mulher, oferecendo um serviço mais humanizado, que vai além de uma mera representação judicial.
As casas de abrigo representam uma das formas direta e mais eficaz de proteção a mulher vítima de violência doméstica, que se encontra em situação de risco iminente e não tem uma residência segura para ficar. Essas casas, funcionam em locais sigilosos em que vítima e seus filhos podem ficar por um certo período de tempo, dispondo de alojamento, alimentação e serviços assistenciais. O objetivo principal é preservar a vida dos envolvidos, retirando eles de perto do agressor, evitando que a violência se agrave mais ainda.
Além dessas atuações, às Delegacias de atendimento à mulher, também promovem ações preventivas, como palestras educativas e distribuição de panfletos com objetivo de promover uma conscientização sobre os direitos das mulheres e incentiva-las a denunciarem qualquer tipo de agressão. Essa interação com a sociedade, por meio de ações informativas, ajuda promover uma mudança cultural e reduzir o índice de violência doméstica no país.
Assim como grande parte dos serviços públicos brasileiro, às Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, sofrem com a baixa quantidade de servidores. De acordo com o portal R7 (2022), um levantamento feito pelo Ministério da Justiça, durante esse período, mostrou que menos de 20% dessas delegacias funcionavam 24 horas. O estudo ainda demostrou que apenas 16% dessas delegacias tinham um local reservado para atendimento às vítimas.
Diante disso, vale ressaltar, que às Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, representa um grande avanço no combate a violência doméstica, mas ainda necessita de maiores recursos para prestar um atendimento mais eficaz às vítimas. Para isso, é necessário que essas delegacias funcionem 24 horas, que melhore a infraestrutura, que aumente o número de servidores e que elas interajam com os demais órgãos públicos que atuam na área de combate à violência doméstica
Considerações Finais
Diante da pesquisa apresentada, é perceptível que a violência doméstica contra a mulher, é um tema de grande impacto social. A manutenção de uma cultura patriarcal, com comportamentos machistas coloca a mulher em uma condição de submissão ao homem. Com o intuito de coibir esse tipo de violência e minimizar os impactos sociais, o Estado, através da Lei Maria da Penha, tem buscado garantir a segurança das mulheres e punir os agressores.
A Lei Maria da Penha é uma das legislações de maior relevância social e pode ser considerada um marco histórico no combate à violência doméstica no Brasil. Ela traz as medidas protetivas como mecanismo de proteção às vítimas, evitando novas agressões e fazendo cessar o ciclo da violência contra doméstica a mulher. As restrições impostas ao agressor, promovem o afastamento dele de perto da vítima, dificultando o acesso a ela.
Assim, as medidas protetivas de urgência são essenciais no combate a violência doméstica e os órgãos de Segurança Pública são grandes aliados no enfrentamento dessa questão no pais. A Polícia Militar realiza vísitas ás vítimas, oferecendo suporte a elas e monitorando o cumprimento dessas medidas. Enquanto, a Polícia Civil, por meio das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, formaliza as denúncias, investiga os casos de agressões e encaminha o pedido da vítima ao Poder Judiciário.
Diante disso, conclui-se que essa pesquisa alcançou o objetivo geral proposto, que era analisar a eficácia das medidas protetivas de urgência, previstas na Lei Maria da Penha. Os resultados apresentados, demonstraram que elas são fundamentais no combate a violência doméstica no Brasil, porém, ainda precisa de maiores investimentos na Segurança Pública, para melhorar a fiscalização e o cumprimento delas.
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